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Atos de qualificação do café especial: circulando pelas convenções de qualidade do mercado de “terceira onda”

Authors:

Abstract

A partir de três contextos de análise distintos, o artigo busca discutir os processos de qualificação do café especial realizando um mapeamento da forma pela qual a qualidade deste café é convencionada, ao longo do seu ciclo de comercialização. A partir de um trabalho etnográfico de cerca de três anos em algumas cafeterias cariocas, fundamento a qualidade do café especial como uma convenção vinculada ao ato de degustar o café, que assume um caráter instrumental, no caso da avaliação realizada na compra dos cafés; técnico procedimental, no caso do cotidiano operacional dos baristas para com o café; e o ritual valorativo, pensando-se o consumo ordinário do produto em cafeterias.
artigo
71
* Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Email: igor_perrut@hotmail.
com. Orcid: 0000-0002-7792-5584.
ATOS DE QUALIFICACAO DO CAFÉ ESPECIAL:
CIRCULANDO PELAS CONVENÇÕES DE QUALIDADE DO
MERCADO DE “TERCEIRA ONDA”
SPECIALTY COFFEE QUALIFICATION ACTS: CIRCULATING
THROUGH QUALITY CONVENTIONS OF THE “THIRD WAVE”
MARKET
Igor Mayworm Perrut
Introdução
Como argumentam um conjunto de estu-
dos nas ciências sociais (ROSEBERRY, 1996;
LAGES, 2015, 2016; HAMALAINEN, 2018), é
facilmente notável que o processo de produ-
ção e consumo do café apresentou transfor-
mações ao longo dos séculos, encampando
novas camadas de significação para o con-
sumo do produto em diferentes sociedades.
Esse processo de ressignificação do con-
sumo do café é frequentemente traduzido
pela ideia das três ondas do café – um guia
temporal que marca uma série de iniciativas
que transformaram os hábitos sociais vincu-
lados ao produto, associando-o não apenas à
prática da degustação (SOLANO, 2012) como
também a uma preocupação com a qualidade
dos grãos (ROSENBERG; SWILLING; VER-
MEULEN, 2018), fazendo circular no mercado
cafeeiro inovações em métodos de preparo,
colheita e plantio (HOLLAND; KJELDSEN;
KERNDRUP, 2015; SMITH, 2010) permeados
por questões éticas que perpassam o tipo de
produção do café e a troca comercial com os
cafeicultores (FISCHER, 2017, 2019).
Rosenberg et al. (2018), Tucker (2011) e
Lages (2015, 2016), neste caso, encampam
um movimento analítico influenciado pelo
trabalho de Daviron e Ponte (2005) que dis-
tingue tais ondas de consumo e produção
do café segundo a distinção de atributos
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materiais, simbólicos e comerciais que per-
mitem delimitar um processo de singulari-
zação pelo qual passou o produto ao longo
do tempo (KARPIK, 2010). A partir daí, dis-
tanciam-se os chamados cafés especiais
aqueles de maior valor agregado, cujos meios
materiais de produção delimitam proprieda-
des simbólicas únicas – em relação àqueles
chamados cafés commodity (MANZO, 2010,
2015), de menor valor e provenientes de
menor complexidade material e simbólica.
Partindo das considerações desses e de
outros autores, busco aqui circunscrever
a economia das qualidades das atividades
do mercado de cafés especiais (BECKERT e
MUSSELIN, 2013; BECKERT; ASPERS, 2011)
buscando determinar como são produzidos
processos de sociabilidade que delimitam um
entendimento comum desse valor diferencial
atribuído ao café especial. Busco investigar
aqui a seleção de atributos e instrumentos
de medição de qualidade do café (CALLON,
2009, 2013, 2021; CALLON MADEL;
RABEHARIOSA, 2002; CALLON, ÇALISKAN;
2009, 2010), destacando os arranjos de socia-
bilidade constituídos pelos processos de expe-
rimentação situada da qualidade do café
neste mercado. O que particularmente me
interessa neste artigo é, portanto, analisar
como a qualidade atribuída ao café especial
é mensurada, atribuída e convencionada
1
pelos atores mercantis com ela envolvidos
1 Aliada à tradição da Economia das Convenções (THVENOT, 1986; EYMARD-DUVERNAY, 2006) a
noção de convenção é extensamente trabalhada nos escopos das sociologias econômica e pragmática
francesas, não cabendo aqui uma síntese completa da noção. Aos interesses do artigo, basta definir
como convenção um enquadramento valorativo situado (NIEDERLE, 2013) que garante uma mesma
interpretação sobre os marcos simbólicos vinculados ao produto/troca que tende a fixar um agir comum
que per mite suscitar trocas posterior es , preser vando tal significação de maneira preditiva (FAVE REAU;
LAZEGA, 2002) por sua afirmação e durabilidade ao longo do tempo (STEINER, 2010). Podemos dizer
assim que convencionar o valor do café é o mesmo que delimitar um “acordo sobre sua qualidade”
(EY MARD-DUV ERNAY, 2006, p. 33), estipulando o que deve ser analisado no produto, como isso deve
ser analisado e qual o critério comportamental e monetário válido na troca.
(HARVEY; WARDE; McMEEKIN, 2004;
CALLON et al., 2002; BECKERT; ASPERS,
2011; BECKERT; MUSSELIN, 2013), o que
faço aqui ao delimitar as distintas formas
de degustação pelas quais passa este café.
Associando-me ao movimento teórico
que chama atenção para o quality turn
característico da produção de alimentos no
final dos anos 1990 (GOODMAN, 2003;
ALLAIRE, 2004), construo o presente artigo
em dois momentos: primeiro, discuto as dife-
renciações da cadeia produtiva do café nas
três ondas de produção e consumo, expli-
citando os tensionamentos valorativos que
assentam as diferenciações entre café espe-
cial e commodity, principalmente a partir do
registro das práticas de degustação (GOL-
DSTEIN, 2011; KANAMARU, 2020). Depois,
parto para um análise da valoração do café
na onda final de produção e consumo – a
terceira onda de café, aquela que trabalha
apenas com cafés especiais – tendo selecionado
três contextos de análise: 1) o de aprendi-
zado sobre a qualidade do café (cursos de
barismo); 2) a coordenação de ações para a
operação prática de trabalho com essa quali-
dade (treinamento de baristas); e 3) a avalia-
ção da qualidade, espelhando-se o encontro
entre um engajamento amador e profissional
para com ela (degustação em cafeterias).
Metodologicamente, emprego neste
movimento um trabalho etnográfico que
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dura cerca de três anos
2
e que se baseia nas
prerrogativas da participação observante
(WACQUANT, 2002), onde o pesquisador
efetivamente experimenta e influi no quadro
de dinâmicas sociais analisado. Selecionei
duas cafeterias da cidade do Rio de Janeiro
como pontos fixos de observação, justamente
por conta do seu protagonismo no traba-
lho com café especial na região, tecendo
relações aprofundadas com seus baristas e
tomando nota do encontro entre baristas e
consumidores no cotidiano das cafeterias.
Nesse interim, analiso circunscrições espe-
ficas onde ora os consumidores ganham
protagonismo – como no caso de cursos de
barismo, que fornecem um panorama geral
do consumo e produção de café especial –,
ora são os baristas que ganham destaque na
análise, quando trato do treinamento desses
profissionais. Por meio disso, espero operar
uma passagem que vai de uma degustação
equipada [profissional] para uma degustação
espontânea [amadora] (MADEL; RABEHA-
RIOSA, 2013), delimitando como é constru-
ída a qualidade do café especial entre os dois
polos de interação que delimitam sua vida
comercial.
1. Avidasocialdocafénosdiferentes
enquadramentosmercantisdasondas
As ondas do café, das quais falaremos
agora, podem ser pensadas como diferentes
enquadramentos mercantis (CALLON, 2009,
2013) – e, por que não, morais (ZELIZER,
2012; STEHR; HENNING; WEILER, 2006)
2 Este movimento de pesquisa integra parte de um esforço de investigação maior que resultou em
minha pesquisa de mestrado, que ocorre entre os anos de 2020 e 2022. As cafeterias e personagens
mencionados aqui, portanto, podem ser melhor conhecidas na leitura da dissertação (PERRUT, 2022),
tendo sido preservado o anonimato desses personagens e cafeterias neste artigo. Por questão de espaço,
a justificativa para esta ampla movimentação em diferentes campos na pesquisa também é suprimida
aqui, encontrando-se apenas na dissertação.
–, segundo os quais o café teve ora reite-
rada sua homogeneidade (commodity), ora
explorada suas potencialidades únicas (café
especial). A cada uma dessas ondas há, por-
tanto, uma distinta modelagem cultural do
produto (KOPYTOFF, 1986), alterando-se os
meios físicos de sua produção bem como
o quadro de sentido segundo o qual ele é
comercializado.
Em razão disso, falo aqui de diferentes
agenciamentos que organizam as definições
e o gerenciamento da qualidade do produto
trocado, compõe-se um arranjo diferencial
entre atores da produção, modos de avalia-
ção do produto e dispositivos de cálculo do
seu valor. A chamada primeira onda do café
remonta a um momento de tratamento do
café como produto indiferenciado, ainda nos
anos 1950. Nela, preservavam-se os signi-
ficados históricos vinculados à bebida, ao
menos desde o século XV, quando o café é
descoberto no Iémen e é extensamente rela-
cionado a seus efeitos estimulantes, prove-
nientes da cafeína, e que leva à substituição
da bebida na rotina nutricional matutina – que
era até então a cerveja morna – pelo fato de
ser um estimulante não depressor da racio-
nalidade (SLINGERLAND, 2021).
Nessa onda, assistimos à massificação do
café, que se consolida como um produto vol-
tado à massa dos trabalhadores. Galgando o
posto de produto para consumo cotidiano, o
café passa a estar cada vez menos res-
trito ao tradicional ambiente das cafeterias,
adentrando o supermercado. Produzido
e trocado agora como uma commodity
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global, ou seja, como um produto de sig-
nificações gerais e com pouca ou nenhuma
distinção (KOPYTOFF, 1986), o uso da “torra
escura” – como bem observa Rosenberg et
al. (2018) –, é empregado aqui na medida em
que o café, para ser utilizado como bebida
caseira, necessita de um preparo que ao trans-
formar o “grão verde” em “grão torrado”
mantenha um padrão de homogeneização
do sabor, independentemente das diferentes
nuances de cada terroir de café. Além disso,
observa-se que a troca comercial do pro-
duto, nesse momento, encobria temas que
são objeto de crítica de vários dos envolvidos
com as ondas subsequentes, tais como explo-
ração de trabalhadores e a desvalorização
dos pequenos produtores, que não conse-
guiam produzir café em quantidade extensa
e, por isso, eram excluídos dos grandes cir-
cuitos de transação cafeeira.
Urge considerar aqui, portanto, o dese-
nho de uma concepção de mercado marca-
damente destrutiva (HIRSCHMAN, 1982;
FOURCADE; HEALY, 2007), balizado pela
desumanização dos atores da troca, prin-
cipalmente quando comparada às ondas
posteriores. Tratado como um produto sem
nenhuma diferenciação ou especificidade, o
plantio do café commodity é marcado pela
extensividade e pela quantidade, onde se
empregam métodos químicos com intuito
de proteger o grão de pragas e garantir a
extensividade produtiva. Nesse interim, é
importante considerar o fato de que o café
passa a ter um preço negociado pela bolsa de
valores de Nova York, deslocando-se o lócus
de valorização do produto dos seus contextos
locais, e produzindo um sistema de explora-
ção mundial de mão de obra campesina com
altos impactos no meio ambiente.
Este primeiro momento de massificação
da cafeína encontra um problema justamente
quando a produção gigantesca do café
começa a sofrer com a piora das condições
climáticas mundiais e com a instabilidade da
demanda pelo produto, em meio a radicais
quedas nos valores da commodity durante
os anos 1960 (TUCKER, 2011). Tais percalços
são vistos como motivações para surgimento
da segunda onda do café, cujo marco tem-
poral está cravado na criação da franquia
Starbucks (1971), e a partir da qual se regis-
tra um aumento progressivo da preocupação
dos consumidores com a qualidade da bebida
ingerida e com a forma como ela foi produ-
zida, como alega Mathieu (1999).
A onda subsequente buscaria resolver,
assim, alguns dos problemas ambientais e
sociais até então vinculados à produção do
café, estendendo um olhar sobre como o café
é efetivamente produzido e comercializado.
Aliado a isso, há todo um intenso trabalho de
produção de novas receitas para a tradicional
bebida matinal das massas, em um processo
de reconstrução da ideia das cafeterias. Estas,
agora, passam a estar vinculadas à ideia de
um “terceiro lugar”, um ambiente entre a
casa e o trabalho que permite algum grau
de relaxamento em meio ao frenesi urbano,
repletas de novidades em termos de consumo
de café (OLDENBURG, 2013).
com a segunda onda do café que alguns
dispositivos mercantis começam a circular
no mercado com o intuito de diferenciar e
caracterizar a produção de café, criando-se
algumas marcas e protocolos de comercia-
lização (TUCKER, 2011). Os certificados de
“denominação de origem”, de “sustentabi-
lidade” e de “troca justa” passam então a
habitar esse mundo mercantil, tendo por fun-
ção clássica mitigar as falhas do modelo de
mercado anterior e oferecer informações que
ajudem o consumidor a tomar conhecimento
do tipo de produto que se consume (BUSCH,
2020, p. 38). Graças a isso, o café preserva
suas conexões globais – tendo a Starbucks
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empreendido um trabalho com grãos de café
de diferentes origens, como Etiópia e Quênia,
por exemplo, abandonando o extenso uso do
café robusta3 da onda anterior, e passa a ser
comercializado como um produto de maior
singularidade, principalmente em decorrên-
cia da presença de selos de denominação de
origem que dão garantia de que, ainda que
em uma escala de produção global, o produto
assenta significações locais e características
únicas, diferenciadas da homogeneidade
commodity (GRONOW, 2004).
Por certo, isto reconfigura o trabalho dos
cafeicultores, que passam a estar cada vez
mais sujeitos a processos de avaliação e iden-
tificação das características potencialmente
valoradas de seus cafés, que não são mais
entendidos como um produto sem nenhum
tipo de especificidade. Contudo, é importante
reparar que a qualidade do café é atestada
principalmente pelo acionamento de meios
institucionais de julgamento (ALLAIRE,
2004), ou seja, por meio de certificadoras
globais que impõem altos custos de avalia-
ção da produção de café aos cafeicultores,
o que ainda retira do circuito cafeeiro os
cafeicultores de menor poder aquisitivo.
A propalada “nação Starbucks” (MATHIEU,
1999, p. 117), contudo, ainda não utilizava
de uma torra específica para cada tipo de
grão regional, justamente por conta de seu
cosmopolitismo. Como uma rede interna-
cional, ela aplicava a torra média, o que
determinava ainda alguma homogeneidade
3 Trata-se de uma variedade de café recorrentemente hierarquizada em relação à variedade arábica.
Enquanto o café robusta é reconhecido como de menor qualidade, levando em conta sua estrutura
genética e as possibilidades de cultivo, em geral em regiões mais baixas e com pluviosidade irregular,
a variedade arábica é associada a grãos de alta qualidade, o que relaciona suas potencialidades orga-
nolépticas às dificuldades inerentes ao seu cultivo, normalmente associadas à necessidade de maiores
altitudes e regiões com índices de pluviosidade e temperatura mais balanceadas. Assim, segundo sua
qualidade intrínseca, genética e biológica, a variedade robusta é associada ao café commodity, e a
variedade arábica ao café especial.
dos grãos vendidos, apesar de vendê-los
como sabores únicos – com um terroir espe-
cífico – em geral preparados nas máquinas
de expresso e combinados com uma série de
outros ingredientes de preparação.
Eis que o gigantismo da Starbucks e sua
torra para cafés são justamente os dois prin-
cipais motivos pelos quais tal projeto moral
da segunda onda também não se viu isento
de críticas. A partir dos anos 1990 elencam
-
-se alguns questionamentos em relação ao
modelo Starbucks, como a ausência de uma
relação efetivamente direta e duradoura com
os pequenos produtores – o que terceiriza o
direct trade e o conhecimento dos grãos com
que se trabalha ao trabalho de cooperativas e
revendedores de grande porte, pouco conec-
tadas com as especificidades da produção do
grão e com as histórias de vida dos peque-
nos produtores de café (HOLLAND et al.,
2015; SMITH, 2010). Além disso, o caráter de
franquia da rede Starbucks contribuiu para
a suposta perda do controle dos protocolos
de qualidade do café arábica, uma vez que,
vendendo e comprando em larga escala, a
torra tende a ser mais homogênea e pouco
singularizada, o que diminui a capacidade
de explorar as potencialidades únicas do
terroir dos grãos.
Por isso mesmo, uma terceira onda se ini-
cia, começando a investir em torras claras
– as que permitem atingir o potencial único
de café – e buscando uma série de produtores
até então desconhecidos por cooperativas e
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revendedores. Demarca-se um novo modelo
de produção de relações comerciais balizadas
pela ideia de troca justa (SMITH, 2010), que
pretende valorizar o contato direto com o
pequeno produtor, em que a definição dos
padrões singulares e potencialidades úni-
cas de cada grão de café acaba sendo rea-
lizada sem a presença de intermediários ou
de empresas especializadas em certificação,
sendo comum que alguns baristas e cafe-
terias entrem em contato direto com seus
produtores e eles mesmos avaliem o café que
compram, negociando em conjunto aos seus
“produtores parceiros”.
Por se tratar de um mercado de menor
alcance, no qual as avaliações de qualidade
dos grãos produzidos são primeiramente
acordadas entre cafeterias e produtores, a
terceira onda de café se apresenta como uma
modalidade na qual os baristas, os estudio-
sos educadores sobre o café (MANZO, 2010),
trabalham nas cafeterias e por vezes acom-
panham de perto o que se passa nas regiões
produtoras, criando relações de longa data
com os produtores de café. Tem lugar aqui
uma reconfiguração do projeto moral de
mercado iniciado pela segunda onda, rede-
finindo fronteiras e modos de avaliação do
produto por um novo plano de relações de
equivalência e justiça sobre o quadro mer-
cantil anterior (FOURCADE; HEALY, 2007).
Tal reorganização comercial consolida
transformações nas relações de produção,
fazendo com que a qualidade do café esteja
vinculada não apenas à importância do fair
trade (JAFFEE, 2007) e do contato direto com
o pequeno produtor (HOLLAND et al., 2015)
como também à experienciação e potenciali-
zação do complexo léxico de gostos e modos
de avaliação das bebidas que, tão prenhe de
complexidades, envolvem múltiplos métodos
de preparo, diferentes tipos de manejo, vari-
áveis formas de torra e amplas dimensões de
avaliação e identificação do café (PERRUT,
2024; ALCANTARA; PERRUT 2024). Essas
dimensões, portanto, consolidam-se como
novas marcas do consumo de café.
Passa-se a movimentar, a partir de então,
uma nova onda de consumo e produção do
café, ampliando-se o quadro de valorização
do café iniciado na onda anterior e circuns-
crevendo um novo campo de possibilidades
para os cafeicultores, desafiados por novas
formas de valoração do café, sobrema-
neira pautadas pelo momento da degustação
(KANAMARU, 2020). De modo semelhante,
os próprios consumidores se veem frente
a novos quadros de relação de consumo,
optando por cafés com descritivos sensoriais
e indicações de origem familiar, em geral
acompanhadas por sugestões de métodos de
preparo que convergem diretamente para a
prática da análise sensorial dos cafés que
passa a ditar a configuração atual desse mer-
cado (SOLANO, 2012).
2. Atos de apreciação: apontamentos
sobre a degustação no mercado de cafés
especiais
Seguindo as prerrogativas metodológicas
da já mencionada participação observante
(WACQUANT, 2002), delimitei uma análise
para compreender a visão de qualidade do
café em três momentos distintos: começo
investigando o arcabouço de competências
para realizar a troca com o pequeno produ-
tor de café, usando de um curso de barismo
(momento inicial da transação comercial com
o café). Depois, passo pela operação profis-
sional dos baristas (momento de beneficia-
mento nas cafeterias) até chegar ao consumo
da qualidade do café em contextos ordiná-
rios e não técnicos (consumo final).
Para cada diferente configuração de
situação, portanto, delimito um arranjo próprio
Atos de qualificação do café especial:
circulando pelas convenções de qualidade do mercado de “terceira onda”
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de socialização segundo o qual a qualidade
do café especial é interpretada e delimitada,
mapeando o conjunto de modos segundo os
quais a qualidade do café especial constitui
as relações sociais de seu consumo. Neste
sentido, discuto a qualidade do café especial
como uma convenção (THVENOT, 1990,
2001, 2002, 2007, 2015, 2017; DUPUY, 1989;
ORLAN, 2004; EYMARD-DUVERNAY, 2006;
BATIFOULIER, 2001; FAVEREAU; LAZEGA,
2002), ou seja, como “forma [tácita] de experi-
ência” (THEVENÓT, 2007, p. 72), algo situado
e relacionado a dispositivos, modalidades de
interação, agentes e definições que se con-
formam nas práticas de consumo aqui ana-
lisadas (CALLON, 2013), tornando-as uma
experiência comum. Portanto, a noção de
convenção assume a posição de instru-
mental analítico que delimita a construção
cognitiva comum que torna inteligível as
relações com o café.
2.1. Aprendendo qualidade: notas etno-
grácas de dois cursos de barismo
Como já observei em outro momento
(ALCANTARA; PERRUT, 2024) os cursos de
barismo são espaços privilegiados para
compreender como se adquirem as compe-
tências de qualculo (COCHOY, 2008)
4
, da
qualidade do café especial pelos atores que
integram o seu mercado. Isso porque estes
são espaços em que se ensina a utilizar uma
4 Conceito proposto por Frank Cochoy como alternativa ao modelo de calculação apresentado por
Callon e Muniesa (2003). Cochoy se volta às situações em que os atores sociais se veem diante de uma
definição quantitativa (numérica e proporcional), ao mesmo tempo que qualitativa (permeada por jul-
gamentos e valores). Além de uma torção sobre o argumento da perfomatividade do mercado de Callon
(1998) transmutando-o na performance dos mercados (COCHOY, 2007), o autor, pela fórmula do qualculo
(COCHOY, 2008), argumenta ser possível mediar a relação entre julgamentos e mensurações objetivas
sem sobrepor uma relação à outra ou estipular ambas como dimensões separadas que se coordenam,
tal como ele alega ter ocorrido com a utilização da noção de cálculo em Callon e Muniesa. Portanto,
trata- se de um conceito que busca pensar o arranjo de dispositivos e julgamentos que atuam nos mer-
cados, caracterizando-os como dispositivos coletivos de cálculo de ordens qualitativas e quantitativas
embrenhadas e simultâneas.
série de métricas visando tornar o café um
ágil (COCHOY, 2008), ou seja, um atributo
valoroso no mercado de café especial, seja
em razão do seu paladar ou em razão de seu
método de cultivo.
Aqui, compartilho notas etnográficas de
dois cursos realizados ao longo do ano de
2020, na cidade do Rio de Janeiro, ambos
lecionados pelo mesmo professor – Renato
tendo como propósito, justamente, delimitar
a forma como a qualidade do café especial é
pensada em um primeiro contato com este
tipo de café.
Tratava-se de ensinar um procedimental
que, através da degustação, tende a discri-
minar e tributar valor a cada fase da produ-
ção do produto consumido. Os cursos que
acompanhei tinham início do mesmo modo:
a apresentação mostrava aos alunos de onde
vinham os grãos utilizados naquele dia de
prática, recobrindo-se todo o processo de
cultivo, tipos de colheita, formas de pro-
cessamento dos grãos, seu beneficiamento,
classificação e torra. Era partindo das expe-
riências dos alunos em algumas cafeterias
“diferentes” e de suas histórias de consumo
cotidiano que os professores pontuavam a
forte repulsa ao amargor constituinte do
mercado de cafés especiais, posto que tal
sabor apresentava, na verdade, uma falha
nas fases de produção ou processamento
anteriormente apresentadas, dado que as
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grandes marcas “queimavam” o café para
eclipsar as variedades sensoriais próprias do
grão, naturalmente caracterizado pelos sabo
-
res florais, frutados e adocicados (SOLANO,
2012).
Após a apresentação do curso, passou-
-se à dimensão prática, quando formos con-
vidados a analisar cinco cafés diferentes,
preparados em um mesmo método de coa-
gem, sendo entregue para cada aluno uma
pastinha com algumas folhas de onde se
viam explicações sobre a identificação de
5 A “escala de qualidade”, assim, é o que atribui ao café uma classificação final para os compradores,
sendo o mercado de cafés especiais um nicho de mercado caracterizado por trabalhar, em geral, com
grãos/bebidas acima de 80 pontos na escala de qualidade da SCAA.
cada sabor (doce, salgado, ácido, amargo e
umami) e algumas escalas de pontuação e
definição do gosto. Cada um de nós ava-
liaria o café com apoio nesses dispositivos
de qualculo (COCHOY, 2008), que se pauta-
vam no padrão internacional estabelecido
pela SCAA (Specialty Coffee Association of
America) e que objetivava definir uma pon-
tuação final para o café avaliado, segundo
sua “escala de qualidade” dividida em um
método de classificação física e um método
de classificação sensorial do café5.
Figura 1-EscalasdequalidadedoprotocoloSCAA(2008)etabelasutilizadasnoscursosdebarismo
Atos de qualificação do café especial:
circulando pelas convenções de qualidade do mercado de “terceira onda”
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No que tange à classificação física do
café, no ato da compra de um lote de pro-
dução há a aferição da umidade, sua penei-
ração (que reporta o tamanho dos grãos) e a
torra do grão cru, padronizada em: tempo,
potência da máquina, cor esperada e tempo
de descanso (SCAA, 2008). Já o método de
avaliação sensorial se divide em três pro-
pósitos: determinar as características senso
-
riais do grão, descrever as notas e aromas do
café e, por fim, determinar uma preferência
entre as amostras. Isso é feito analisando-
-se, separadamente, alguns atributos, como:
fragrância/aroma, uniformidade, ausência de
defeitos (xícara limpa), doçura, sabor, acidez,
corpo, finalização, equilíbrio, defeitos, e uma
avaliação global.
Os grãos de café usados no curso, por-
tanto, passavam de aluno para aluno, cabendo
a nós uma definição do aroma que sentíamos
e do que víamos no pó – se era mais escuro
ou mais claro, mais grosso ou mais fino. Eu
e os outros alunos iniciamos um processo de
beber e classificar, com trocas de opiniões,
múltiplas tentativas sobre o mesmo copo de
café e diversas investidas para enquadrar
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nossas sensações, instituindo-se ali um pro-
cesso de investigação pela dúvida. Ou seja,
todo o processo era conduzido por meio de
uma modalidade de interação segundo a
qual deveríamos tentar classificar as sensa-
ções do café suspeitando do sabor e odor
que apareciam de imediato, para, só assim,
depois de uma confirmação sustentada pela
objetividade dos dispositivos de qualculo,
efetivamente apostar no reconhecimento
e definição daquele café.
Em tal processo, em que a subjetividade
dos sabores deveria ser submetida a um enqua-
dramento objetivamente discriminado (TEIL,
2004), formatávamos nossas sensações ime-
diatas em escalas de zero a dez, pontuando
e classificando cada uma das dimensões de
cada um dos cafés avaliados. Entretanto, é
importante considerar que esta formatação
de ação foi levada com extrema dificuldade
por todos os alunos, principalmente por uma
psicanalista, que fazia o curso com o intuito
de aprender mais sobre seu hobbie em cafés.
Segundo ela, era difícil pensar os cafés que
ingeria por nomes e notas específicos, pre-
ferindo uma abordagem mais “sentimental”,
como disse. Lembro de ela ter mobilizado
a ideia de que o café commodity passava
a sensação de estar em “um túnel escuro e
úmido”, enquanto o café especial a lembrava
“uma manhã ensolarada de domingo”.
Neste caso, ainda que fugindo um pouco
ao protocolo objetivo da degustação, a par-
ticipante reconhecia a existência e atuação
de um protocolo descritivo e mirava a xícara,
sentia seu odor com paciência, pedia para
olhar novamente o pó de café, e muitas das
vezes provava dois cafés, um seguido do outro,
tentando um julgamento comparativo entre
as provas.
Daí em diante, o processo base de degus-
tar serviu como prática para avaliar e preci-
sar a qualidade da bebida ingerida. Pensando
na forma pela qual o ato de degustar é con-
duzido em tal configuração de situação, nós,
alunos, nos engajamos em uma modalidade
de ação destinada a “estabilizar” a qualidade
do café ingerido, identificando suas notas
e perfil com o aporte de certos dispositivos
(BESKY, 2020). Isso me leva a considerar
que, sob essa circunscrição, a qualidade do
café especial é construída principalmente
pelo acionamento de dispositivos institucio-
nalizados de avaliação (ALLAIRE, 2004),
especialmente materializados pelas métricas
da SCAA, que permite realizar uma análise
sensorial do café executando um quadro cog-
nitivo e valorativo do consumo (NIEDERLE,
2013), cujo intuito é o de produzir uma prática
conjunta e padronizada de definição do produto
(SMITH, 2007) por sabores e sensações comuns.
Tal ação permite identificar a qualidade
do café em meio ao grau de incerteza, inco-
mensurabilidade e multidimensionalidade:
aspectos basilares da qualidade singular do
produto (KARPIK, 2010). Por isso mesmo,
a atividade dos cursos de barista assenta o
registro da singularidade do café especial em
uma modalidade de valoração do produto,
situada e coordenada por uma série de pro-
vas técnicas que compõem o que chamo de
degustação instrumental-disposicional.
Isto porque os alunos do curso apren-
dem a utilizar a degustação como “processo
de avaliação comparativo de produtos e
comportamentos, um processo de escolha
sobre a medida pela qual a decisão sobre
algum aspecto será alimentada” (MADEL;
RABEHARIOSA, 1999, p. 175), mobilizando
métricas de julgamento na tentativa de os
tornar habitual no seu consumo de cafés
especiais. Assim sendo, falo de instrumen-
tal no sentido de que dispositivos são acio-
nados no intuito de tornarem legíveis as
experiências com a singularidade do produto,
enquanto a ideia de disposição reflete uma
Atos de qualificação do café especial:
circulando pelas convenções de qualidade do mercado de “terceira onda”
81
habitualidade com o qual estes dispositivos
são colocados em prática, tornando-se, eles
mesmos, parte das práticas que envolvem
o café.
Afinal, em um primeiro momento, trata-
-se de fazer com que os estudantes apren-
dam a sentir e a tomar conhecimento das
notas, sabores e métodos do café, construindo
aquilo que os baristas julgam fundamental:
“repertório sensorial”, como repetia Renato.
Como disse o professor do curso, com quanto
mais frutas, alimentos e aromas os alunos
tiverem contado ao longo da vida, melhor
eles estarão preparados para perceberem o
café e produzir julgamentos para com sua
qualidade, sendo capazes de reparar no pala-
dar do café e, por isso mesmo, estabelecer
uma relação de causalidade entre a opera-
ção do cafeicultor/barista e o palato do café.
Tal repertório, por sua vez, se relaciona a
um processo investigativo e está pautado
no exercício do símile – quando o sabor é
expresso por semelhança com outro – onde
se permite construir um gama de produtos
em um contínuo de “bons sabores”.
2.2. Operando qualidade: notas etnográ-
cas da atuação dos baristas
Dos cursos de barismo em que a prática
de degustação se atualiza como uma dis-
posição treinada pelos alunos (LINDEMAN,
1924), ou seja, uma prática já entranhada no
seu consumo e sobremaneira relacionada ao
repertório sensorial de cada um, parto para
outro contexto de observação da atuação dos
baristas. Volto-me não mais para o lugar da
degustação na formação desses profissio-
nais e sim para a prática de degustação tal
como cotidianamente é colocada em prática
nas cafeterias onde trabalham. Por isso, fiz
parte de um dia de treinamento de adaptação
de dois baristas em uma outra cafeteria que
acompanhei ao longo da pesquisa, cerca de
um ano depois dos cursos de barismo, onde
Aisha e Leonardo eram os novos baristas
contratados.
A cafeteria em questão funcionava deli-
mitando dois espaços específicos de atuação
para os baristas. O primeiro era um espaço
na cafeteria destinado ao preparo de bebida
coadas, o que, segundo o dono da cafeteria,
facilitava ainda mais a performance do profis-
sional por conta do preparo mais demorado
e da abertura ao diálogo com o cliente. Já o
segundo era um espaço destinado às comidas
e ao café espresso, com larga vitrine ao lado
da caixa registradora. Colado ao espaço das
bebidas coadas, havia uma prateleira repleta
de sacos de café torrado na própria cafeteria.
Para o dono, este era um espaço estratégico,
pois o diálogo mais demorado e a perfor-
mance do barista no preparo dos cafés coa-
dos abriam mais espaço para falar do próprio
café, valendo-se de uma operação na qual,
ao preparar o café, cabia ao barista oferecer
ao cliente a compra de um pacote do grão
usado no preparo.
Essa estratégia se coadunava ao fato de
que ali se vendia uma “dupla identidade”,
tanto a de um café com rastreabilidade,
seguindo os padrões de qualidade dos espe-
ciais, quanto de uma “marca da cafeteria”,
reconhecida pelo bom atendimento dos baris-
tas e pela simpatia daqueles que nela traba-
lham. Eles ficariam responsáveis por servir
café especial “a quem quer que seja”, ofe-
recendo um “café de qualidade” com “um
excelente serviço, daquele que dá vontade
de voltar” sem passar como um mercado “eli-
tista” ou que “assuste” os clientes. Disse o
dono aos baristas:
 importante a gente ter em mente que exis-
tem três tipos de cliente: tem aqueles que
não sabem nada de café especial, mas têm o
potencial de aprender. Assim, por exemplo,
Rev. Pós Ciênc. Soc., São Luís, v.21, n.1, 71- 91, jan./abr. 2024
82
se eu estou fazendo um coado, vou chamar a
pessoa pra ver, explicar o potencial do café e
falar de sua qualidade, ao mesmo tempo que
estou mostrando como eu preparo o café e
como que o que eu estou fazendo vai afetar
a bebida final. Ainda dá para, nesse meio
tempo, fazer uma propaganda do café e ver
se a pessoa tem interesse em comprar e come-
çar a tentar em casa. Já o segundo tipo de
cliente é o “coffeelover”: muita atenção com
esse tipo de gente. A gente tem que redobrar
nosso cuidado no preparo e não se preocupar
em falar técnico. O papo é outro e a questão
é mais fazer direito mesmo, soltar o vocabu-
lário de sensorial (...). Por fim, tem o último
tipo de cliente que é aquele velhinho, que tá
acostumado com café ruim e não vai mudar
no final da vida. Daí a gente precisa só ajustar
o café para ele não ficar tão diferente do que
ele tá acostumado e tentar conquistar pelo
serviço também, sem muita firula e entre-
gando um café digno com sorriso no rosto.
Como é possível observar, para cada “tipo
de cliente” há um enquadramento específico
de atendimento: enquanto para os dois pri-
meiros tipos falar do sensorial é uma estra-
tégia consolidada de abordagem, valendo-se
de uma relação entre barista e consumidor
pautada na perspectiva da degustação instru-
mental disposicional, o tipo de cliente, que
aparentemente não vai se importar se o café
que consome é especial ou não, é abordado
apenas pela “simpatia” do profissional e por sua
tentativa de encobrir ao máximo os traços mais
característicos do café especial (como acidez,
paladar floral, frutado etc.) e o tornar o mais
“comum possível”, tendendo ao achocolato.
Contudo, ainda que os clientes conside-
rados menos abertos a essa experiência não
fossem interpelados pelos baristas sobre tais
dimensões, sempre durante o preparo era
recomendado a Aisha, a Leonardo e a mim
que discorrêssemos sobre o sabor do café
previamente: ora “puxado para o chocolate”,
ora mais relacionado a “frutas vermelhas”,
encampando um movimento de mobilização
prévia da identificação do sabor que bus-
casse fazer com que os clientes menos aber-
tos à discussão se instigassem sobre o que
seria o café especial, qual a origem do café
e o motivo de seu sabor. Para fazer isso,
entretanto, necessitávamos ter provado as
diferentes opções de bebidas que seríamos
responsáveis por preparar.
Sob o contexto de uma degustação equi-
pada (MADEL; RABEHARIOSA, 2013), faço
reparar aqui a importância de os baristas
também analisarem as bebidas da cafeteria
com o propósito de condicionar o seu pre-
paro, conformando-se frequentemente na
cafeteria um movimento de interpelação do
próprio fazer com o café através da degus-
tação. Moedores, métodos e máquinas, justa-
mente por isso, estão a todo momento sendo
avaliados no que podem entregar no preparo
do café, tratando-se de provar o café servido
constantemente e ajustar o que for necessá-
rio para garantir um mínimo de padrão de
qualidade naquilo que era servido.
Analisar o grau de adequabilidade dos
instrumentos convencionais pelos quais o
café era preparado criava uma circunscri-
ção de ação, segundo a qual a qualidade do
café era estabelecida e modulada por um
preparo técnico (ORLAN, 1989; THVE-
NOT, 2012) sobremaneira estipulado pelo
desempenho em termos de testagem (FAVE-
REAU; LAZEGA, 2002, p. 13). Neste caso,
a degustação profissional apresenta uma
modalidade de interação denominada por
Chateauraynaud e Bessy (1995, p. 75) como
uma “configuração profissional em situações
de expertise”, o que delimita em um primeiro
momento ações convenientes (THVENOT,
1990) ao preparo do café que integram o
quadro de “construção comum” (EYMAR-
D-DUVERNAY, 2006, p. 29) da percepção
sobre o quão bom algo está (CHATEAURAY-
NAUD; BESSY, 1995).
Atos de qualificação do café especial:
circulando pelas convenções de qualidade do mercado de “terceira onda”
83
Trata-se aqui de coordenar tanto o pre-
paro e o manuseio da singularidade do pro-
duto quanto de percebê-lo em conjunto,
tornando a degustação o caminho pelo qual
a própria atuação do barista é reorientada.
Justamente por isso, para falar da qualidade
do café deve-se falar tanto do café quanto da
ação do profissional (da qual ele é produto).
Como ilustração do que digo, relembro que
durante o dia em que começávamos a prati-
car o preparo de alguns dos drinques e bebi-
das da cafeteria tínhamos que avaliar não
apenas o preparo um do outro (em termos
de tempo, habilidade, limpeza e organização)
como também o paladar da bebida que tínha-
mos preparado. O intuito do treinamento era
não apenas conhecer em detalhes as formas
como bebidas do cardápio eram preparadas,
como também tomar nota dos ingredientes
e do tipo de paladar característico de cada
bebida, em uma dinâmica conjunta.
Aqui, foram muitos capuccinos e outras
bebidas misturadas com essências de fru-
tas, gelo, leite, chocolate, baunilha e demais
complementos. A cada preparo, nos víamos
a avaliar o corpo, o sabor e os efeitos da fei
-
tura: separávamos o sabor da acidez, o corpo
da bebida de seu aroma e compartilhávamos
as sensações que sentíamos na boca ao tomar
as bebidas, com indicativos do que faríamos
para melhorar o resultado, compartilhando
entre nós análises e sugestões do que tería-
mos feito diferente.
Ficou claro que, nesse momento, ajustá-
vamos ao máximo nossas percepções corpo-
rais em busca de um quadro padronizado de
operação e sabor próprio do estabelecimento,
de forma conjunta e reflexiva (LATOUR,
2004). Eu mesmo fui responsável por pre-
parar dois capuccinos. Para que estes fossem
feitos, foi necessário extrair um espresso e
complementá-lo com leite cremoso, que é
produzido quando o leite, colocado em uma
jarra específica (pitcher), é exposto a alta
temperatura da máquina de espresso, que
ainda possui uma pequena saída, em formato
de bico, capaz de liberar vapor. Assim, antes
que a bebida fosse avaliada em si mesma,
recebi a observação da parte do dono da
cafeteria que, logo que acabasse de espu-
mar o leite, o bico vaporizador deveria de
ser limpo, evitando que o leite secasse nele.
Afora o procedimento, assim que os outros
baristas receberam o capuccino o colocaram
sob a luz, argumentando que, visualmente,
havia menos espuma de leite do que deveria,
o que significava que eu passei do ponto na
hora da vaporização por ter ficado tempo
demais vaporizando o leite. No que se refere
ao paladar, o gosto do espresso ficou bem
combinado com o do leite, segundo argu-
mentaram, faltando apenas a cremosidade
característica de um capuccino.
O que meus pares fizeram nesse momento,
portanto, foi aliar meu preparo ao sensorial
da bebida que fiz, para além de analisar como
se deu minha desenvoltura em seu preparo.
Ora, se a noção de uma degustação instru-
mental disposicional estava relacionada ao
fato de que os futuros baristas iniciariam um
trabalho reflexivo sobre as próprias mecânicas
corporais do sentir para torná-las habituais
de seu consumo (TEIL, 2004; BUTLER, 2019),
agora que esses atores efetivamente ocupam
um posto em cafeterias de especialidade, a
degustação assume um outro aspecto – que
denomino como de degustação e como de
comprovação e testagem operacional. Dife-
rentemente de um contexto em que está se
aprendendo a identificar a bebida, os baristas
que acompanhei no treinamento utilizavam
a degustação efetivamente como uma prova
situada (MADEL; RABEHARIOSA, 2013) da
qualidade do café, utilizando a capacidade
de exercer definições precisas das suas repre-
sentações olfativas, visuais e gustativas para
Rev. Pós Ciênc. Soc., São Luís, v.21, n.1, 71- 91, jan./abr. 2024
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estabelecer um nexo causal entre preparo da
bebida e percepção sensorial dele resultante.
Constantemente tendo de provar o café
que preparavam, nesse circuito de interação
os baristas testavam (MARTUCCELLI, 2015)
a qualidade dele, o que não era isolado de
todo o arranjo composto por equipamen-
tos, medidas, técnicas e métodos de preparo,
como vimos. Isto me leva a reconhecer que
a qualidade do café especial é também
convencionada ao seu modo de avaliação
(EYMARD-DUVERNAY, 2006), uma dimen-
são profundamente dependente das provas
situadas e instrumentalizadas que ocorrem
balcão adentro da cafeteria.
Assim, degustar o café é mais do que
reconhecer suas notas.  partir delas para
enxergar a própria operação de preparo.
como fez Leonardo, ao preparar um espresso:
analisou o café na xícara, provou o café e
disse achar que ele estava ácido demais. Jus-
tamente por conta disso, ajustou o moedor
para que a proporção de pó fosse menor,
facilitando a saída da água. Provou nova-
mente o café e se disse satisfeito. O que se
pode argumentar a partir disto é que, de
certa forma, não existe café em si; existe
um arranjo sociotécnico multidimensional
que coordena a produção do café e de sua
qualidade. Consequentemente, não existe
café bom em si nem ruim em si, mas sim
composições desse arranjo sociotécnico que
são mais “bem-feitas” e mais “malfeitas”.
Nesse sentido, a qualidade do café espe-
cial é constantemente (re)qualificada pelo
quadro de percepção e ritualística partilhado
entre os baristas (BECKERT; ASPERS, 2011;
CALLON, 2013), posto que testar e operar são
lógicas de ação que têm na identificação do
gosto do café não mais uma mera forma de
reconhecimento, mas uma efetiva atribuição
de causalidade entre a qualidade singular
do café e o processamento de tal qualidade
operado por aquele que o prepara (BESKY,
2020).
2.3. Percebendo qualidade: notas etnográ-
cas do consumo de cafés especiais
Nos cursos de barismo, degustar envolve
a percepção corporal apurada do corpo,
aroma, acidez, entre outras variáveis. Já nas
práticas profissionais dos baristas, alia-se a
qualidade imediata do café na xícara à ope
-
ração por trás de sua feitura. A prática de
qualificação do café especial nesse contexto,
contudo, encontra alguns desafios no que se
refere a fazer a oferta encontrar a demanda:
como traduzir a qualidade do café especial,
operada pelo barista de forma profissional,
para pessoas não treinadas? Como sair do
“vocabulário técnico” próprio desse enqua-
dramento de percepções dos baristas e o tor-
nar “traduzido ao cliente”, de forma didática
e palatável, indicando caminhos compreen-
síveis quanto ao “perfil sensorial” do café?
Se até aqui me limitei à forma como os
baristas ou aficionados por café coordenam
suas percepções da qualidade da bebida,
dirijo agora minha atenção à “descarga cog-
nitiva” (GALEZZO, 2020, p. 23) modulada
no momento do consumo do café especial.
Ou seja, analiso a forma como a qualidade
singular deste produto, operada nos qua-
dros de convenção dos atores do mercado,
é interpretada e mobilizada pelo lado dos
consumidores, que não necessariamente têm
proximidade com as métricas objetivas da
degustação. Para isso, esta seção conta com
uma serie de notas etnográficas tomadas em
cafeterias especializadas da cidade do Rio de
Janeiro, ao longo de três anos, desde 2020.
Começo por um caso em que uma cliente
buscava comprar um grão de café para
fazer em sua casa. Falando com o barista, ao
mesmo tempo que com o marido por telefone,
Atos de qualificação do café especial:
circulando pelas convenções de qualidade do mercado de “terceira onda”
85
ela buscava eleger um café cujo paladar esti-
vesse de acordo com as preferências dela
e do companheiro. Justamente por isso, o
barista fornecia as notas sensoriais de cada
café e indicava as que “iriam melhor” com
cada método disponível na casa da cliente.
Com ela parecendo decidida sobre a esco-
lha do café, o atendente resolveu preparar
uma bebida com o grão escolhido, para que
se tivesse “certeza de que ela fez a escolha
certa”. Nesse momento, a cliente pediu que
fizesse um cappuccino, a mistura de espresso
com leite vaporizado, quando ouviu que não
seria uma boa ideia: “Esse café, ele já é floral
demais. Então, se você mistura com leite vai
dar uma combinação um pouco estranha. Eu
acho que não vai ornar bem”, disse o barista.
Em seguida, ele resolveu fazer o pre-
paro tanto em um método coado quanto no
espresso, de modo a conversar com a moça
sobre as nuances e sabores do café e arran-
car dela a confirmação de que, também para
ela, tomar aquele café com leite também não
“faria sentido”. A cliente, por sua vez, resol-
veu comprar o grão de café por ele indicado,
além de tomar o café sem o misturar com
leite, nos dois preparos realizados. Enquanto
isso acontecia, ambos mergulharam em um
processo de caracterizar como a bebida ia
na língua, quais os sabores eram mais evi-
dentes naquele café, buscando-se aventar as
complexidades próprias de cada café que, ao
ser devidamente preparado, teria todo seu
potencial devidamente explorado.
Descrevo esse processo de degustação
dos clientes, minuciosamente, em outro
momento (PERRUT, 2024), mas o que con-
sidero relevante destacar aqui é que degus-
tar um café balcão afora parece ser uma
dinâmica a ser empreendida com o outro,
valendo-se da interpelação de opiniões e
pelo fomento de noções comuns daquilo que
se percebe (EYMARD-DUVERNAY, 1989).
Seja com o próprio barista, interlocutor ou
com quem esteja de acompanhamento na
cafeteria, grande parte das minhas obser-
vações da clientela nesses espaços encon-
tra um momento em que os clientes trocam
informações relacionadas ao que sentem na
bebida, marcando expressões claramente
indicativas de atenção e concentração, rea-
lizando gestos, caretas e expressões corporais
indicativas de um momento de compenetra-
ção.  importante fazer reparar que esta é,
inclusive, uma estratégia dos baristas, que
buscam incitar sua clientela a fazer isso,
como já me relatou um deles:
Eu acho que paladar é constantemente melho-
rado. Então, assim, eu busco entender qual o
tipo de café que o meu cliente gosta, para ir
apresentando o café especial aos poucos, vou
comunicando o valor daquilo com pequenos
gestos, seja falando do produtor e do sabor,
até ele respeitar e entender esse café. Não vou
chegar falando de nota sensorial, de método e
de pressão, vou perguntar se gostou, o que sen-
tiu, se reparou em algum sabor e se foi agra-
dável o café. Isso que é importante num primeiro
momento, porque assim ele vai entendendo aos
poucos e vai despertando a curiosidade.
Por certo, se balcão adentro a degusta-
ção se volta para a análise do preparo do
próprio barista, servindo como prova da
eficiência da operação, do balcão para fora
ela ganha traços espontâneos e quase nada
técnicos (MADEL; RABEHARIOSA, 1999),
voltados apenas em “conter a flutuação dos
significados” e “fixar” a singularidade e a
qualidade do produto em algum campo de
leitura (BECKERT; ASPERS, 2011; DOUGLAS;
ISHERWOOD, 2004). Justamente por isso, é
digno de nota reparar que as notas sensoriais
do café, amplamente mobilizadas como
conteúdo das interações nesses espaços,
quase nunca são efetivamente definidas,
apresentando-se como parte de uma inde-
finição de situação.
Rev. Pós Ciênc. Soc., São Luís, v.21, n.1, 71- 91, jan./abr. 2024
86
Como é revelado no conteúdo da fala do
barista entrevistado, o importante, neste caso,
é desenvolver um exercício antes que esti-
pular uma definição precisa, compondo-se
a qualidade do café especial através de uma
forma ritual valorativa em que a interpelação
entre barista e consumidor é construída por
um modo de consumo voltado à percepção
das nuances da bebida e a uma interpretação
comum dessas percepções. Saindo de uma
análise que delimita os agentes que agem
no mercado (enquadrando ora os baristas,
ora os consumidores) e se destinando a um
olhar analítico sobre a atividade que reali-
zam, a degustação assume um lugar central
na definição da qualidade do café especial e
do modo engajado de seu consumo, pensada
como um recurso da interação destinado a
partilhar e processar uma experiência per-
ceptiva de forma espontânea (CHATEAU-
RAYNAUD; BESSY, 1995), o que instaura
uma pragmática da atenção que coordena
uma relação entre corpos, valores e disposi-
tivos de julgamento (HENNION, 2015), e faz
visualizar e perceber a diferença desse café
em relação a qualquer outro.
Como ilustração desse aspecto, retrato
outra situação um tanto quanto cotidiana
nas cafeterias analisadas na pesquisa. Uma
dupla de rapazes havia acabado de solici-
tar um capuccino, espresso, misturado com
leite cremoso, e um café coado. Ao realizar
o pedido, a barista responsável pelo atendi-
mento perguntou quais dos grãos utilizados
no dia o cliente que pediu o coado gosta-
ria de provar, posto que havia ao menos
três possibilidades de escolha, e cada uma
delas apresentava um paladar diferente. Do
café mais frutado ao mais achocolatado, os
rapazes travaram uma conversa sobre como
o preparo do café no método filtrado utili-
zado, o V60, produziria efeitos no realce das
notas sensoriais de cada café, tendo a barista
despendido uma breve explicação do como
aquele método funcionava. O cliente aca-
bou sendo convocado a definir qual sensorial
mais lhe agradaria para só assim escolher
o seu café. Nesse meio tempo, falaram da
região da fazenda produtora e das preferên-
cias de cada um em termos sensoriais, tendo
sido escolhido um café que o rapaz disse
conhecer pouco em termos de paladar, mas
que havia sentido interesse em experimentar.
Ao final do preparo, o rapaz provou o
café e continuou a debater o que sentia com
o amigo e com a barista que o havia aten
-
dido, ressaltando suas notas florais e dizendo
que havia gostado das notas daquele café.
Ele e a barista, assim, começaram a conver-
sar sobre como aquele café possuía um pala-
dar muito específico, distinto da maioria dos
outros de café especial, embarcando em uma
análise sobre as características da bebida e
falando sobre a pontuação daquele grão em
algum concurso para café, cuja informação
detinha a barista. Esse caso vai de encon-
tro a muitos outros dos quais tomei nota,
onde os consumidores de café questionam
as próprias sensações corporais na tentativa
de identificarem um sensorial para o café.
Neste meio tempo, amplia-se a conversa para
as regiões de origem do café, o método uti-
lizado e, em geral, para outros cafés que os
clientes já provaram, complexificando-se
ainda mais as experiências sensoriais das
quais participaram.
Considerações nais
A discussão aqui proposta mobiliza três
diferentes contextos de análise, com o
intuito de compreender como a qualidade
do café especial é definida e mobilizada nos
mais diferentes arranjos de socialização da
cadeia produtiva deste café. Como é possí-
vel observar, ao resgatarmos o histórico de
Atos de qualificação do café especial:
circulando pelas convenções de qualidade do mercado de “terceira onda”
87
transformações da produção e consumo do
café – traduzido na ideia das ondas do café
–, a degustação assume protagonismo no que
tange à maneira de conhecer e lidar com a
qualidade distintiva do café especial, o que
assume diferentes aspectos à medida em que
percorremos a vida comercial desse produto.
Em razão disso, pode-se entender a
degustação como um dispositivo, um
arranjo heterogêneo de ações e objetos
(LAW; RUPPERT, 2013) que torna legível a
qualidade do café especial, a depender das
circunstâncias e posições dos atores. Como
prática simultânea de testing (ou seja, de
prova e comprovação da qualidade do café)
e de tasting (uma modalidade de interação
que apenas por existir já reconhece o valor
do produto) (HENNION, 2015), tal prática
configura uma modalidade própria de rela-
ção com o café especial que ora delineia sua
qualidade por ditames técnico-operacionais,
e ora o faz em termos rituais valorativos.
No que tange ao trabalho profissional dos
baristas, o treinamento com eles e a partici-
pação nos cursos de profissionalização me
serviram para reparar que, constantemente
tendo de provar o café que preparam, enten-
dia-se a degustação como uma operação téc-
nica procedimental que conseguia depurar
o sabor resultante da xícara em termos dis-
tintos de procedimentos de operação para
com o café. Este enquadramento de sen-
sações acaba por, inclusive, produzir ágeis
voltados à valorização do produto em sua
circulação mercantil (ALCANTARA; PERRUT,
2024). Por isso, a qualidade do café especial
era convencionada ao seu modo de avalia-
ção (EYMARD-DUVERNAY, 2006), onde, no
mundo profissional do café, a degustação
torna-se um modo habitual de lidar com
o café e que acaba por permitir avaliar a
própria ação de preparo e beneficiamento
dele, estendendo uma percepção em que
não existe o café em si, mas sim um arranjo
sociotécnico multidimensional que coordena
a produção dele. A qualidade do café espe-
cial aqui, portanto, refere-se ao conjunto de
agências em torno de sua produção.
Já quando olhamos o consumo ordinário
na cafeteria, saltamos de uma avaliação téc-
nica do arranjo de produção do café e aden-
tramos em uma dimensão ritual valorativa
que tem traços mais espontâneos. Despida da
pretensão de validar ou não o preparo e o
beneficiamento do café, a degustação assume
o papel de fazer perceber o sabor, delimi-
tando a percepção sobre o café em termos
de preferências e afinidades. Importa menos
saber definir com precisão o sabor do café,
o seu grau de acidez ou mesmo lançar uma
pontuação sobre o sensorial da xícara (tal
como faria um expert), conferindo-se muito
mais importância à atividade de exercí
-
cio comum da percepção e manipulação de
quadros esquemáticos que definem o paladar
do café como “frutado” ou “floral”, com gosto
disso ou daquilo, para além do grau de precisão
de tal classificação (PERRUT, 2024). A quali-
dade do café especial, aqui, refere-se mais à
experiência de julgar que de apenas comprar
(DUBUISSON-QUELLIER; NEUVILLE, 2004).
Ao fim, circular pelos diferentes enqua-
dramentos da qualidade do café especial
reforça a perspectiva segundo a qual as
categorias que garantem a legibilidade das
relações mercantis (BECKERT; MUSSELIN,
2013) envolvem a coordenação de valores
(BECKERT; ASPERS, 2011) e a construção
de relações entre os atores (CALLON, 2021),
tendo toda qualidade mercantil o caráter
processual e socialmente construído que des-
vela a necessidade de um trabalho de acom-
panhamento das diferentes conexões entre
bens, agentes e instrumentos de avaliação.
Rev. Pós Ciênc. Soc., São Luís, v.21, n.1, 71- 91, jan./abr. 2024
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Atos de qualificação do café especial:
circulando pelas convenções de qualidade do mercado de “terceira onda”
91
RESUMO:
A partir de três contextos de análise dis-
tintos, o artigo busca discutir os processos
de qualificação do café especial realizando
um mapeamento da forma pela qual a qua-
lidade deste café é convencionada, ao longo
do seu ciclo de comercialização. A partir
de um trabalho etnográfico de cerca de
três anos em algumas cafeterias cariocas,
fundamento a qualidade do café especial
como uma convenção vinculada ao ato de
degustar o café, que assume um caráter ins-
trumental, no caso da avaliação realizada
na compra dos cafés; técnico procedimental,
no caso do cotidiano operacional dos baris-
tas para com o café; e o ritual valorativo,
pensando-se o consumo ordinário do pro-
duto em cafeterias.
PALAVR AS-CHAVE:
Mercado de cafés especiais. Economia das
qualidades. Economia das convenções.
Degustação.
ABSTRACT:
From three different fieldworks, this article
discusses the specialt y coffee qualification’s
process by mapping the way in which its
quality is understood throughout the coffee
marketing cycle, covering the purchase to
sold moments. Seeking to understand the
importance of tasting in this commercial
relationship, I propose to base the quality
of special coffee as a convention linked to
the act of tasting coffee that got an instru-
mental character, in the case of the evalua-
tion carried out when purchasing coffees;
procedural technician, in the case of the
baristas’ daily operational work with him;
and evaluative ritual, considering the ordi-
nary consumption of the product.
KEYWORDS:
Specialty coffee market. Economy of qua-
lities. Economics of conventions. Tasting.
Recebido em: 20/12/2023
Aprovado em: 19/01/2024
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Article
Full-text available
The emergence of close-knit global–local links in many agro-food production systems has necessitated rigorous coordination between the key stakeholders to ensure that quality and safety standards are met. To analyze this new supply chain configuration, agro-food studies inspired by convention theory have drawn significant attention to the plurality of quality conventions. In the literature specifically focusing on the inter-relationships between multiple quality conventions, the ways of interpreting a specific value orientation are perceived to have important implications. This view may lead to a questioning of how the configuration of multiple quality conventions can be stabilized if conflicting justification principles are not easily reconciled. The argument is further connected with an examination of situated plurality in a particular context, focusing on how the boundary among multiple quality conventions is stabilized on the ground. In this paper, through a case analysis of coffee quality management in Timor-Leste, I attempt to demonstrate that commoditization is to be reformulated as the process in which the qualification of objects and regularization of action are constituted through the differentiation of consumable quality as generality from heterogeneous cultural elements as particularity.
Article
The identification of distinguishing characteristics of commodities—a process known as “qualification”—frequently involves the use of specialized lexicons. Before Indian teas are auctioned, brokers evaluate them using a glossary of some one hundred and fifty English words. This glossary was devised at the end of the British colonial period by industrial chemists who aimed to subject the aesthetic judgments of brokers to experimental scrutiny. “Teawords” formed part of a late colonial effort to ensure the circulation of “quality” tea from plantation to market. After India's independence, Indian brokers and plantation managers continued this effort. Like other vocabularies for describing comestible commodities, teawords performatively reproduce gendered and classed distinctions, but they do much more. When they circulate among brokers and managers, teawords subject plantation conditions to experimental adjustment. As a form of linguistic and material experimentation, qualification extends colonial norms of valuation—and the institution of the plantation itself—into contemporary capitalist circuits. [ capitalism, food, taste, value, India ]
Book
How do we place value on goods-and, importantly, why? Valuation and pricing are core issues in the market economy, but understanding of these concepts and their interrelation is weak. In response, The Worth of Goods takes a sociological approach to the perennial but timely question of what makes a product valuable. Structured in three parts, it first examines value in the broader sense-moral values and how they are formed, and the relations between economic and non-economic values- discussing such matters as the value of an oil spill, the price of a scientific paper, value in ethical consumption, and imaginative value. The second part discusses the issues surrounding valuation in aesthetic markets, specifically wine, fashion models, art, and the creative industries. The third part analyzes valuation in financial markets-credit rating agencies, stock exchange markets, and industrial production. This pioneering volume brings together leading social scientists to provide a range of theoretical tools and case studies for understanding price and the creation of value in markets within social and cultural contexts and preconditions. It is an important source for scholars in economics, sociology, anthropology, and political science interested in how markets work, and how value is established.
Article
In food science and technology, understanding off-flavors has a significance with both technical and commercial implications. In the food industry in the United States, it is a widely held truism that consumers will not buy a product if they do not like the way it tastes or if it contains unpleasant flavors. But how can science determine when food is off putting, and how do scientists learn to address bad tastes in their experimental and technical practice? Based on ethnographic work with food scientists in the United States, this paper is a reflexive account of learning to taste off-flavors, a form of sensory learning that utilizes the scientist’s own body as a kind of instrument. The paper argues that a particular understanding of the consumer sensorium emerges through food scientists’ approach to off-flavors. This is an image of the consumer as a chemically receptive sensory system that is highly sensitive to compounds at trace levels. By utilizing the sensitivity of their own senses, food scientists exploit the relationship between distaste, memory and sensory perception as a form of training to produce future aesthetic memories of off-flavors that can be deployed in a technical context.
Book
How can we engage in a market relationship when the quality of the goods we want to acquire is unknown, invisible, or uncertain? For market exchange to be possible, purchasers and suppliers of goods must be able to assess the quality of a product in relation to other products. Only by recognizing qualities and perceiving quality differences can purchasers make nonrandom choices, and price differences between goods be justified. Not a natural given, “quality” is the outcome of a social process in which products come to be seen as possessing certain traits and occupying a specific position in relation to other products in the product space. While we normally take the quality of goods for granted, a closer look reveals that quality is the outcome of a highly complex process of construction involving producers, consumers, and market intermediaries engaged in judgment, evaluation, categorization, and measurement. The authors in this volume investigate the processes through which goods are “qualified.” They also investigate how product qualities are contested and how they change over time. The empirical cases cover a broad range of markets in which quality is especially difficult to assess, such as halal food, funerals, wine, labor, schools, financial products, antiques, and counterfeit goods. Constructing Quality contributes to the sociology of markets and connects to the larger issue of the constitution of social order through cognitive processes of classification. (Résumé éditeur)