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Desaos das ciências sociais aplicadas no desenvolvimento cientíco e tecnológico Capítulo 4 45
Data de aceite: 03/04/2023
CAPÍTULO 4
DETERMINANTES FINANCEIROS DA ESTRUTURA
DE CAPITAL DAS EMPRESAS HOTELEIRAS
PORTUGUESAS
Sandra Cristina Francisco Rebelo
Universidade do Algarve, Escola Superior
de Gestão, Hotelaria e Turismo; CiTUR
Portimão – Portugal
ORCID: 0000-0002-8943-9794
Maria Fernanda Ludovina Inácio Matias
Universidade do Algarve, Escola Superior
de Gestão, Hotelaria e Turismo; CEFAGE
Faro – Portugal
ORCID: 0000-0002-5128-7801
Marco Paulo dos Santos Carrasco
Universidade do Algarve, Escola Superior
de Gestão, Hotelaria e Turismo; CinTurs
Portimão – Portugal
ORCID: 0000-0002-0713-8366
RESUMO: O presente estudo visa
identicar e analisar os determinantes
nanceiros da estrutura de capital das
empresas hoteleiras de Portugal. Com base
em informação económica e nanceira
extraída da base de dados Amadeus,
para o período de 2007-2013, relativa a
uma amostra de 686 empresas hoteleiras
portuguesas, testou-se o poder explicativo
dos determinantes sugeridos pelas
principais teorias nanceiras da estrutura
de capital – teoria do trade-off e teoria da
pecking order, através da estimação de
um modelo de regressão tobit, com dupla
limitação [0,1], dado que a variável a
explicar, ou seja, o nível de endividamento,
apresenta valores compreendidos entre 0 e
1. Os resultados obtidos permitem concluir
que o nível de endividamento das empresas
hoteleiras portuguesas é tanto maior quanto
maior for o crescimento, a dimensão, o
nível de ativos tangíveis e de risco e quanto
menor a rendibilidade, o free cash-ow e
a idade da empresa. A evidência reforça o
poder explicativo da teoria da pecking order
e não exclui completamente a abordagem
da teoria trade-off. A interação entre as
variáveis de rendibilidade e free cash-ow
reforça o poder explicativo da teoria da
pecking order entre as empresas hoteleiras
portuguesas, sugerindo que as empresas
que possuem maior rendibilidade e excesso
de fundos tendem a endividar-se menos. Em
termos de políticas públicas, os resultados
são orientadores de medidas que poderão
ser adotadas para melhorar as condições
de nanciamento das empresas hoteleiras
em Portugal, especialmente em relação às
empresas de menor dimensão e às menos
rendíveis, que poderiam beneciar de
condições de crédito mais favoráveis.
PALAVRAS-CHAVE: Estrutura do capital;
Data de submissão: 20/02/2023
Desaos das ciências sociais aplicadas no desenvolvimento cientíco e tecnológico Capítulo 4 46
indústria hoteleira; Tobit; Portugal.
FINANCIAL DETERMINANTS OF THE CAPITAL STRUCTURE OF
PORTUGUESE HOTEL COMPANIES
ABSTRACT: This study aims to identify and analyze the nancial determinants of the capital
structure of hotel companies in Portugal. To this end, economic and nancial data collected
from the Amadeus database, relating to a sample of 686 Portuguese hotel companies from
the period 2007-2013, were used. In order to test the explanatory power of the determinants
suggested by the main nancial theories of capital structure - the trade-off theory and the
pecking order theory - a double-bounded [0,1] tobit regression model was employed, as the
dependent variable, namely the level of indebtedness, has values between zero and one. The
results indicated that the level of indebtedness of Portuguese hotel companies is higher when
growth, size, level of tangible assets and risk are higher, and when protability, free cash-ow
and age of the company are lower. These conclusions reinforce the explanatory power of
the pecking order theory and do not completely rule out the trade-off theory. The interaction
between the variables of protability and free cash-ow strengthens the explanatory power
of the pecking order theory among Portuguese hotel companies, suggesting that companies
with high protability and excess funds tend to borrow less. In terms of public policies, these
results indicate that measures can be adopted to improve the nancing conditions of hotel
companies in Portugal, especially in relation to small and less protable companies, which
could benet from more favorable credit conditions.
KEYWORDS: Capital structure; hotel industry; Tobit; Portugal.
1 | INTRODUÇÃO
A temática da estrutura de capital tem sido objeto de investigação desde a publicação
do seminal trabalho de Modigliani e Miller (1958). Na literatura empírica, duas teorias têm
sido amplamente estudadas em relação aos determinantes da estrutura de capital: a teoria
do trade-off (Kraus e Litzenberger, 1973), que defende a existência de um nível ótimo de
endividamento que decorre do equilíbrio entre os custos e os benefícios da dívida, e a
teoria da pecking order (Myers, 1984; Myers e Majluf, 1984), que preconiza a existência de
uma hierarquia de nanciamento.
Embora uma grande quantidade de literatura empírica tenha sido produzida sobre
os determinantes da estrutura de capital nas últimas seis décadas, vários autores no campo
das nanças corporativas concluem que o quadro geral é inconclusivo, conforme apontado
por Hang et al. (2018:212), sugerindo, portanto, a necessidade de pesquisa adicional. Além
disso, a investigação sobre este tema no contexto da indústria hoteleira ainda é escassa,
principalmente em Portugal (Serrasqueiro e Nunes, 2014).
Os determinantes da estrutura de capital das empresas hoteleiras têm sido
essencialmente estudados com base em modelos de regressão linear múltipla (Serrasqueiro
e Nunes, 2014; Devesa e Esteban, 2011; Tang e Jang, 2007; Dalbor e Upneja, 2004; Upneja
Desaos das ciências sociais aplicadas no desenvolvimento cientíco e tecnológico Capítulo 4 47
e Dalbor, 2001). No entanto, tais modelos não são adequados para a natureza limitada da
variável dependente (nível de endividamento), conforme reconhecido por Ramalho e Silva
(2013).
As empresas do setor hoteleiro são um dos principais segmentos do turismo e
representam um pilar da economia mundial e portuguesa. Conforme dados da WTTC
(2018), em 2017, o setor do turismo representou 20,4% do emprego em Portugal, enquanto
o contributo total para o PIB foi de aproximadamente 17% no mesmo ano. Acresce que a
indústria hoteleira destaca-se nas exportações de serviços, tendo representado cerca de
50% das exportações (OECD, 2020). O signicativo impacto económico deste setor aliado
às suas especicidades, tornam relevante aprofundar o seu conhecimento, especialmente
no que concerne à sua estrutura de capital.
O principal objetivo deste estudo consiste em identicar e analisar os determinantes
nanceiros da estrutura de capital das empresas hoteleiras portuguesas, utilizando
informação extraída da base de dados Amadeus relativa ao período compreendido entre
2007 e 2013. Dadas as características da variável dependente, utilizar-se-á um modelo de
regressão tobit para analisar os determinantes da estrutura de capital. No setor hoteleiro,
tanto quanto se sabe, esta é uma metodologia pioneira no estudo da estrutura de capital.
Além disso, este estudo analisa não só o impacto direto dos determinantes, mas também o
seu impacto indireto, recorrendo a variáveis transformadas.
Os resultados mostram que o comportamento nanceiro das empresas hoteleiras
portuguesas é mais ajustado aos fundamentos da teoria da pecking order, embora não
exclua completamente a abordagem da teoria trade-off. A investigação revela que as
empresas hoteleiras portuguesas com maior risco de negócio, apresentam maiores
diculdades em contrair dívida para nanciar o seu crescimento, e não veem valorizados os
seus ativos xos para ns de garantia bancária, aspeto que pode bloquear a sua estratégia
de crescimento.
Neste seguimento, os resultados sugerem que as instituições nanceiras tendem a
conceder nanciamento às empresas hoteleiras com base em garantias reais e/ou no perl
de risco pessoal dos proprietários da empresa, não relevando o risco do negócio.
Relativamente às políticas públicas, os resultados conduzem a duas sugestões de
melhoria das condições de nanciamento das empresas hoteleiras em estudo. Em primeiro
lugar, reetindo sobre o impacto positivo da dimensão sobre a dívida e o impacto negativo
da rendibilidade, seria de considerar o acesso a condições de crédito mais favoráveis
para as empresas de menor dimensão e menos rendíveis. Em segundo lugar, os impactos
direto e indireto da variável risco, sinalizam que é bem-vinda a implementação de medidas
destinadas a demonstrar a qualidade do relato nanceiro, de modo a aumentar a conança
das instituições nanceiras.
Além da introdução, o estudo encontra-se estruturado da seguinte forma. A seção
2 apresenta as hipóteses de pesquisa e os métodos de estimação utilizados; a seção 3
Desaos das ciências sociais aplicadas no desenvolvimento cientíco e tecnológico Capítulo 4 48
é dedicada à amostra e às variáveis; a seção 4 apresenta os resultados obtidos e sua
análise; e a seção 5 contém as conclusões, as contribuições do estudo e suas limitações.
2 | HIPÓTESES DE INVESTIGAÇÃO E MÉTODOS DE ESTIMAÇÃO
2.1 Hipóteses de pesquisa
A temática da estrutura de capital tem sido alvo de intenso debate desde a
publicação do artigo seminal de Modigliani e Miller (1958), cujos pressupostos suscitaram
o desenvolvimento da moderna teoria da estrutura de capital. Derrogando os pressupostos
irrealistas de mercado de capitais perfeito e completo que sustentavam a irrelevância da
estrutura de capital defendida por Modigliani e Miller (1958), surgiram diversas teorias
nanceiras da estrutura de capital, que podem ser subdivididas em duas teorias agregadoras:
a teoria do trade-off (Kraus e Litzenberger, 1973) e a teoria da pecking order (Myers, 1984;
Myers e Majluf, 1984). A teoria trade off defende a existência de uma estrutura de capital
ótima decorrente do equilíbrio entre os benefícios da dívida, benefícios scais (Modigliani
e Miller, 1963) e redução dos custos de agência do capital próprio (Jensen e Meckling,
1976), e os gastos proporcionados pela dívida, ou seja, os custos de falência (Scott, 1976)
e os custos de agência do capital alheio (Jensen e Meckling, 1976). A teoria pecking order,
com base na assimetria de informação entre investidores e gestores, defende a existência
de uma hierarquia de fontes de nanciamento, segundo a qual as empresas preferem
nanciar-se inicialmente com base em lucros retidos, seguido-se a dívida e, por último,
com recurso a aumentos de capital social (Myers, 1984; Myers e Majluf, 1984).
Estas correntes teóricas identicam várias características das empresas como
potenciais determinantes da estrutura de capital, nomeadamente, composição dos ativos,
crescimento, dimensão, free cash-ow, idade, rendibilidade e risco. Contudo, os resultados
da investigação aplicada não se mostram consensuais.
Apesar das características diferenciadoras do setor hoteleiro e da sua importância
económica, a investigação aplicada sobre os determinantes da estrutura de capital neste
setor é reduzida. Neste âmbito são de referir estudos sobre a realidade estado-unidense
(Tang & Jang, 2007; Dalbor & Upneja, 2004; Upneja & Dalbor, 2001), espanhola (Devesa &
Esteban, 2011), portuguesa (Serrasqueiro & Nunes, 2014; Matias & Baptista, 1998), italiana
(Botta, 2019) e da Turquia (Karadeniz et al., 2009).
Seguidamente analisam-se os determinantes da estrutura de capital para as
empresas hoteleiras portuguesas à luz das teorias nanceiras da estrutura de capital e
formulam-se as hipóteses da investigação.
2.1.1 Crescimento
Segundo a teoria da agência, o endividamento é um mecanismo de alinhamento
Desaos das ciências sociais aplicadas no desenvolvimento cientíco e tecnológico Capítulo 4 49
de interesses entre gestores e acionistas, que impede a realização de projetos subótimos
e estimula a eciência, ao diminuir a liquidez excedentária da empresa via necessidade
de cumprimento do serviço da dívida (Jensen, 1986). Neste âmbito, o crescimento é visto
como um substituto da dívida, dada a necessidade de fundos para crescer. Contudo, Myers
(1984) alerta para o facto de as empresas em crescimento frequentemente não possuírem
fundos sucientes para nanciar suas oportunidades de investimento, tendo de recorrer a
dívida quando os recursos internos se esgotam.
Hipótese 1: O nível de endividamento das empresas está positivamente associado
ao seu nível de crescimento, ceteris paribus.
2.1.2 Dimensão
No âmbito dos custos de falência, é expectável que as empresas de grande
dimensão tenham um maior nível de dívida, por lhes estar associado um menor risco de
incumprimento, por eventualmente serem mais diversicadas (Frank e Goyal, 2009) e
possuírem mais recursos e experiência (Pindado e Rodrigues, 2005; Scott, 1976), fatores
que poderão facilitar a obtenção de crédito.
Hipótese 2: O nível de endividamento das empresas está positivamente associado
à sua dimensão, ceteris paribus.
2.1.3 Rendibilidade
A teoria pecking order argumenta que quanto maior a rendibilidade da empresa,
maior será o seu nível de autonanciamento e, consequentemente, menor a necessidade
de recorrer a capital de terceiros (Myers, 1984). Por sua vez, com base em diferentes
argumentos, como sejam, o efeito scal, os custos de falência e os custos de agência, a
teoria trade-off defende uma relação positiva entre o nível de endividamento e a rendibilidade.
Embora ambas as teorias tenham conrmado as suas predições, a teoria pecking order tem
revelado maior aderência à realidade empresarial, conforme demonstrado por Botta (2019),
Serrasqueiro e Nunes (2014), Karadeniz et al. (2009) e Matias e Baptista (1998).
Hipótese 3: O nível de endividamento das empresas está negativamente associado
com a sua rentabilidade, ceteris paribus.
2.1.4 Free cash-ow
No âmbito da teoria da agência, Jensen (1986) refere que o endividamento pode
ser utilizado como uma forma de atenuar o comportamento oportunista dos gestores, uma
vez que reduz o free cash-ow através dos desembolsos necessários ao cumprimento
do serviço da dívida. Considerando a assimetria de informação, Myers e Majluf (1984)
argumentam que, em face de uma empresa subvalorizada, os gestores, que possuem
informações privilegiadas face aos atuais acionistas, tendem a rejeitar projetos com valor
Desaos das ciências sociais aplicadas no desenvolvimento cientíco e tecnológico Capítulo 4 50
atual líquido positivo sempre que seja necessário recorrer a capital próprio externo. Para
contornar esse problema de subinvestimento, a utilização de free cash-ow é a primeira
opção a explorar, dada a inexistência de custos de emissão e de necessidade de divulgação
de informações.
Hipótese 4: O nível de endividamento das empresas está negativamente associado
com o seu free cash-ow, ceteris paribus.
2.1.5 Idade
O impacto da idade na estrutura de capital está relacionado com as características
de cada empresa nas diferentes fases do ciclo de vida. Myers (1984) sugere que as
empresas jovens têm maior probabilidade de crescimento e menor nível de uxo de caixa,
pelo que é esperado que apresentem um maior nível de dívida do que empresas mais
antigas, cujas oportunidades de crescimento serão mais escassas e cujos níveis de uxo
de caixa serão mais elevados. Como uma empresa mais jovem tem maior probabilidade de
insolvência do que uma empresa estabelecida no mercado, Poitevin (1989), considerando
a assimetria de informação, sustenta que as empresas mais jovens têm maior diculdade
em se nanciar com base em capital próprio, recorrendo assim a capital de terceiros a taxas
menos favoráveis para demonstrar a sustentabilidade do seu projeto.
Hipótese 5: O nível de endividamento das empresas está negativamente associado
com a sua idade, ceteris paribus.
2.1.6 Tangibilidade
Do ponto de vista dos custos de falência, os ativos tangíveis reduzem o risco de
incumprimento da empresa, quer pelo valor de liquidação dos ativos (Scott, 1976), dado
que são ativos menos sujeitos à assimetria de informação e a menor erosão do seu valor
real num mercado de usados, quer pelo seu valor colateral (Myers, 1993), constituindo
uma potencial garantia na contratação de uma nova dívida. Na perspetiva dos custos de
agência, o valor colateral dos ativos tangíveis reduz os custos de agência do capital alheio,
constituindo um incentivo para o recurso ao crédito. Segundo Myers (1977) e Jensen e
Meckling (1976), quando os ativos garantem uma dívida, os gestores são obrigados a
aplicar os fundos nos projetos previamente denidos, não podendo investir em projetos
subótimos que expropriam riqueza aos credores.
Hipótese 6: O grau de endividamento das empresas está positivamente associado
com a tangibilidade de seus ativos, ceteris paribus.
2.1.7 Risco
De acordo com a teoria trade-off, as empresas com maior nível de risco, ou seja,
com maior variabilidade de resultados, tendem a reduzir o seu nível de dívida, para limitar
Desaos das ciências sociais aplicadas no desenvolvimento cientíco e tecnológico Capítulo 4 51
os potenciais custos de falência. Acresce que a maior variabilidade dos resultados diculta
aos credores a estimativa dos resultados futuros da empresa e, por sua vez, a concessão
de empréstimos, tendendo a aumentar os prémios de risco.
Hipótese 7: O grau de endividamento das empresas está negativamente associado
ao risco/variabilidade de seus resultados, ceteris paribus.
2.2 Métodos de estimação
A investigação empírica sobre os fatores que inuenciam a estrutura de capital das
empresas hoteleiras tem sido fundamentalmente realizada através da aplicação de modelos
de regressão linear múltipla (e.g. Serrasqueiro e Nunes, 2014). No entanto, a limitação dos
rácios de endividamento, que variam entre 0 e 1, é reconhecida como um aspeto que
torna inadequada a utilização desses modelos. Isto ocorre porque os modelos de regressão
linear pressupõem valores no intervalo de ]-∞, +∞[. Consequentemente, Ramalho e Silva
(2013) sugerem a utilização de modelos tobit e de regressão fracionária como métodos de
estimação mais adequados.
Neste contexto, optou-se pela aplicação do modelo tobit com duplo limite (two-limit
tobit), em que Y é denido da seguinte forma:
A especicação do modelo será,
e o efeito parcial da variação unitária
das variáveis independentes (xj) sobre a variável dependente (Y) é dado por,
.
Para garantir que os estimadores dos coecientes são consistentes e assintoticamente
normais, é importante que o modelo esteja bem especicado. A vericação da especicação
do modelo é realizada por meio do teste RESET, que além de indicar a adequação da
escolha da forma funcional do modelo, permite também detetar a omissão de variáveis
explicativas ou erros de medição nas variáveis.
3 | AMOSTRA E VARIÁVEIS
3.1 Amostra
A população deste estudo corresponde às empresas hoteleiras portuguesas que
constavam na base de dados da Amadeus, no período de 2007 a 2013. Essas empresas
foram classicadas de acordo com o código SIC 7011 - Hotels and Motels, que é equivalente
aos códigos 551 - Estabelecimentos Hoteleiros da CAE-Rev 3, a classicação portuguesa
Desaos das ciências sociais aplicadas no desenvolvimento cientíco e tecnológico Capítulo 4 52
de atividades económicas. Foi utilizada uma amostra não probabilística composta por
empresas que exerciam exclusivamente a atividade hoteleira, ativas durante o período de
estudo, que dispunham da informação necessária e de qualidade para a operacionalização
das variáveis em análise e que não se encontravam em situação de falência técnica.
Os dados monetários utilizados foram deacionados utilizando o índice de preços
no consumidor da classe 11 - restaurantes e hotéis. Para obter valores mais precisos e
ajustados à realidade de cada região, foram utilizados índices de preços no consumidor da
classe 11 por região (NUTS II - 2013), reportados ao ano base de 2007.
Posteriormente, foram analisadas as observações atípicas que poderiam inuenciar
indevidamente as conclusões da análise de regressão, resultando em uma amostra nal de
686 empresas hoteleiras portuguesas.
3.2 Denição operacional das variáveis
A Tabela 1 apresenta as variáveis em estudo e a sua operacionalização. Conforme
Tang e Jang (2007), foram testadas variáveis interativas com o intuito de aprofundar o
efeito de cada variável na estrutura de capital das empresas hoteleiras portuguesas.
Variáveis Medida
Dívida total (DTi,t)Passivo total/ Ativo total líquido
Crescimento (CVTi,t)Taxa de crescimento do volume de negócios
Dimensão (DLATi,t)Logaritmo decimal do ativo total líquido
Rendibilidade (ROIi,t)Resultado antes de juros e impostos /Ativo total líquido
Free cash-ow (FCFi,t)Resultado líquido e depreciações e amortizações / Volume de negócios
Idade (AGEi,t)Ano de dados – ano de constituição da empresa
Tangibilidade (TANi,t)Ativo xo tangível / Ativo total líquido
Risco (RISVTi,t)Coeciente de dispersão do volume de negócios
Tabela 1 – Variáveis
Fonte: Elaboração própria.
4 | RESULTADOS E DISCUSSÃO
4.1 Estatísticas descritivas
A Tabela 2 apresenta as estatísticas descritivas referentes à amostra de empresas
hoteleiras portuguesas utilizada neste estudo. De acordo com os resultados, a maioria
das empresas nancia-se através de capital próprio, uma vez que apresentam uma média
de endividamento de 47,99%. Durante o período de 2007 a 2013, as empresas hoteleiras
em análise possuíam um ativo total médio de 944 milhares de euros, dos quais cerca
de 57,66% eram ativos xos tangíveis. No mesmo período, a taxa média de crescimento
do volume de negócios destas empresas foi negativa (-2,54%), mas apresentaram uma
Desaos das ciências sociais aplicadas no desenvolvimento cientíco e tecnológico Capítulo 4 53
rendibilidade económica média positiva (1,53%). A média de idade das empresas hoteleiras
em estudo foi de 24,4 anos, sendo que a empresa mais antiga tinha 103 anos de idade.
Variáveis Média Des.Pad. Min Max
DTi,t0,4799 0,2609 00,9970
CVTi,t-0,0254 0,3733 -0,9857 16,8285
DLATi,t 2,9752 0,7814 0,8471 5,2525
ROIi,t 0,0153 0,1019 -1,7327 0,6458
FCFi,t 0,0953 0,5934 -22,445 8,3351
AGEi,t 24,40 14,60 3 103
TAN i,t 0,5766 0,3012 00,9952
RISVTi,t 0,1402 0,1213 0,0022 0,9392
1. A designação completa das variáveis encontra-se na Tabela 1.
2. Nível de signicância: *** <0,01, ** <0,05.
Tabela 2 - Estatísticas descritivas
4.2 Modelo de regressão tobit com duplo limite
O modelo utilizado para testar as hipóteses formuladas foi validado por meio de
testes de homocedasticidade (Breusch-Pagan/Cook-Weisberg), multicolinearidade (Fator
de Inação de Variância) e especicação geral (teste RESET). A Tabela 3 apresenta
um resumo dos resultados desses testes. Não foi realizado o teste de normalidade da
distribuição das variáveis dependentes devido à dimensão da amostra. Conforme observado
por Marôco (2021), para amostras grandes, testes paramétricos, como ANOVA e t-Student,
são altamente robustos, mesmo quando a distribuição da variável em estudo não é normal.
Testes estatísticos
Breusch-Pagan/Cook-Weisberg
Chi20,83 (0,3622)
Variance Inationary Factor (VIF)
VIF médio
VIF parcial máximo 3,71
7,93
RESET test 2,21 (0,1369)
Nota: O nível de signicância encontra-se entre parênteses.
Tabela 3 – Resultado dos testes de validação do modelo
Os resultados do modelo de regressão tobit com duplo limite são apresentados na
Tabela 4. O modelo apresenta um pseudo R2 de 18,77%. Observa-se que o efeito das
variáveis independentes é signicativo para um nível de signicância de 1% e conrma
todas as hipóteses formuladas, exceto a hipótese 7.
Desaos das ciências sociais aplicadas no desenvolvimento cientíco e tecnológico Capítulo 4 54
ModeloTobit
CVT ,1371***
DLAT ,0611***
ROI -,2776***
FCF -,0317***
R_FCF -,2427***
AGE -,0039***
TAN ,2362***
RISVT ,4280***
C_RISVT -,1560***
T_RISVT -,4975***
Constante ,2505***
Ln L 91,548045
Pseudo R20,1877
A designação completa das variáveis encontra-se na Tabela 1.
1. R_FCF=ROI*FCF; C_RISVT=CVT*RISVT; T_RISVT=TAN*RISVT.
2. Nível de signicância: *** <0,01, ** <0,05, * <0,10
Tabela 4 - Resultado do modelo de regressão tobit com duplo limite
4.3 Discussão dos resultados
Os resultados do modelo de regressão tobit indicam que a estrutura de capital das
empresas hoteleiras portuguesas é inuenciada por um conjunto de variáveis nanceiras,
incluindo o crescimento, a dimensão, a rendibilidade, o free cash-ow, a idade, a tangibilidade
e o risco. Os resultados conrmam a hipótese 1, que pressupõe uma relação positiva entre
o crescimento das empresas hoteleiras e o seu nível de dívida, de acordo com a teoria
pecking order. Entretanto, as empresas hoteleiras que apresentam maior risco encontram
diculdades adicionais na obtenção de nanciamento para assegurar o seu crescimento
(variável C_RISK).
A hipótese 2 é apoiada pelo modelo, indicando que a dimensão das empresas facilita
a obtenção de dívida. O resultado está alinhado com evidência de estudos anteriores, como
os de Dalbor e Upneja (2004), Serrasqueiro e Nunes (2014) e Botto (2019).
Os resultados também indicam que as empresas hoteleiras menos rendíveis em
Portugal apresentam um nível de endividamento mais elevado, o que está em conformidade
com a teoria pecking order e suporta a hipótese 3. No entanto, a relação direta entre o
nível de endividamento e a rendibilidade, prevista pela teoria trade-off, não é suportada
neste estudo, o que pode ser explicado pelas características das empresas analisadas,
Desaos das ciências sociais aplicadas no desenvolvimento cientíco e tecnológico Capítulo 4 55
principalmente por serem sociedades por quotas de pequena e média dimensão. Neste
tipo de empresas é comum que a propriedade e o controle estejam reunidos nas mesmas
pessoas, tornando desnecessário acionar o mecanismo de endividamento previsto no
âmbito dos custos de agência de Jensen (1986) para alinhar os interesses entre proprietários
e gestores.
O estudo também mostra uma relação negativa entre o nível de endividamento e
o free cash-ow o que suporta a teoria da pecking order, corroborando a hipótese 4 de
que as empresas hoteleiras recorrem menos ao endividamento quando possuem fundos
internos. A interação entre as variáveis rendibilidade e free cash-ow (R_FCF) reforça o
poder explicativo da teoria pecking order, sugerindo que as empresas rendíveis e com
excesso de fundos internos recorrem ainda menos a capital alheio.
Os resultados do estudo suportam igualmente a hipótese 5, mostrando uma relação
inversa entre a longevidade das empresas hoteleiras e o nível de dívida. Esta evidência
pode ser explicada quer pelo relacionamento das empresas com os mercados nanceiros à
luz da assimetria de informação (Poitevin, 1989), quer pelas características das empresas
em cada fase do ciclo de vida (Myers, 1984). é As empresas hoteleiras mais antigas tendem
a exibir uma imagem de marca e uma reputação mais sólidas, enquanto as empresas mais
jovens manifestam uma maior probabilidade de falência e um menor nível de transparência
na relação com os mercados, o que poderá dicultar o acesso ao nanciamento através de
capital próprio e estimular o recurso à dívida (Poitevin, 1989). Por sua vez, as empresas
mais antigas terão menores oportunidades de crescimento e disporão de maiores níveis
de cash-ow, pelo que os seus rácios de endividamento tenderão a ser inferiores aos das
empresas mais jovens, em fase de crescimento, que apresentam maiores necessidades
nanceiras e menores níveis de cash-ow (Myers, 1984).
À semelhança de Botto (2019), Serrasqueiro e Nunes (2014), Tang e Jang (2007) e
Upneja e Dalbor (2001), os resultados apresentam uma relação positiva e estatisticamente
signicativa entre o nível de endividamento e a tangibilidade dos ativos, o que suporta a
hipótese 6, e sustenta que empresas com maior peso de ativos tangíveis têm melhores
condições para captar capital alheio.
No entanto, a interação da variável tangibilidade com a variável risco (T_RISK)
sugere que empresas com maiores níveis de ativos xos tangíveis, na presença de risco,
não terão tanta facilidade na obtenção de dívida, o que indica uma certa menorização
da tangibilidade para ns de garantia. Esta evidência pode ser explicada pelo facto de a
concessão de crédito ainda depender de outras garantias, como pessoais, e/ou ainda existir
uma certa desconança quanto à transparência das demonstrações nanceiras divulgadas.
Os resultados deste estudo rejeitam a hipótese 7 que previa uma relação negativa
entre o nível de risco e o nível de endividamento das empresas hoteleiras portuguesas. Uma
possível explicação para esta relação talvez resida no facto de as instituições bancárias
concederem empréstimos com base em garantias reais ou no risco pessoal do proprietário,
Desaos das ciências sociais aplicadas no desenvolvimento cientíco e tecnológico Capítulo 4 56
em detrimento do risco do negócio, devido aos fatores que afetam a indústria hoteleira,
como a sazonalidade e o contexto económico. É possível que o indicador utilizado para
medir a variabilidade dos resultados não capte efetivamente o risco das empresas hoteleiras
analisadas, contudo estudos anteriores utilizando indicadores diferentes do adotado neste
estudo também encontraram uma relação positiva entre o nível de endividamento e o risco
em empresas hoteleiras dos EUA (Dalbor e Upmeja, 2004; Upneja e Dalbor, 2001).
5 | CONCLUSÕES, CONTRIBUIÇÕES E LIMITAÇÕES
Este estudo analisa as variáveis nanceiras passíveis de inuenciar a estrutura
de capital das empresas hoteleiras portuguesas com recurso a um modelo de regressão
tobit com duplo limite. Foram identicados como determinantes da estrutura de capital
das empresas hoteleiras portuguesas o crescimento, a dimensão, a rendibilidade, o free
cash-ow, a idade, a tangibilidade e risco. Os resultados sugerem que o comportamento
destas empresas encontra melhor sustentação na teoria da pecking order, embora a teoria
trade-off também tenha alguma relevância na explicação dos resultados. A interação entre
a rendibilidade e o free cash-ow está em conformidade com a teoria da pecking order,
indicando que as empresas com rendibilidade e excesso de fundos tendem a recorrer
menos a capital alheio.
As empresas hoteleiras com maior risco do negócio enfrentam diculdades e uma
aparente não valorização do seu nível de tangibilidade na obtenção de crédito quando
nanciam o seu crescimento, o que sugere a relevância de garantias pessoais. O estudo
indica que as instituições bancárias concedem empréstimos com base em garantias reais
e/ou risco pessoal do proprietário, em vez do risco do negócio, e que empresas com perl
de risco acentuado e elevados níveis de uxo de caixa obtêm crédito mais facilmente.
Visando melhorar as condições de nanciamento das empresas hoteleiras em
Portugal, sugere-se que sejam proporcionadas condições de crédito mais vantajosas para
as empresas mais pequenas e menos rendíveis e implementadas políticas que permitam
demonstrar a qualidade da sua informação nanceira, de modo a gerar maior conança
junto das entidades credoras.
Em termos de limitações, é de realçar o estudo de empresas hoteleiras e não de
hotéis como unidade de estudo. Efetivamente, uma empresa hoteleira pode deter hotéis
com diferentes realidades em termos de localização, modelo de gestão, dimensão, etc, além
disso, não permite o uso de indicadores especícos do sector, como taxas de ocupação e
RevPar ou aprofundar questões relativas aos modelos de gestão das unidades hoteleiras
ou à sua localização.
Como futuras linhas de pesquisa, sugere-se replicar o estudo com amostras de
características diferenciadas. Nesta pesquisa, prevalecem as sociedades por quotas
e as pequenas e médias empresas, portanto, é pertinente conduzir estudos aplicados a
Desaos das ciências sociais aplicadas no desenvolvimento cientíco e tecnológico Capítulo 4 57
sociedades anónimas e empresas de maior dimensão para avaliar possíveis divergências
de comportamento. Considerando o tipo de dados disponíveis (seccionais e temporais)
e as vantagens reconhecidas aos modelos de dados em painel, também é recomendado
replicar o estudo utilizando modelos de regressão fracionária para dados em painel.
Por m, tendo em conta as especicidades da indústria hoteleira, como a
intangibilidade, a heterogeneidade e a perecibilidade do produto hoteleiro, a simultaneidade
da produção e do consumo, a intensidade da mão de obra e do capital, recomenda-se
explorar a temática com base na especicidade dos ativos físicos, dos recursos humanos
e da localização.
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