ArticlePDF Available

Considerações sobre a dialética negativa e razão

Authors:
  • Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul

Abstract

The work Negative Dialectic (1966) provides an important reflection on the structuring of modern philosophical thought and a conceptual and epistemological legacy fundamental to the understanding of Theodor W. Adorno's thought. Its complex reading raises tensions about the limits of the role of reason and understands the methodological needs of building a dialectic that escapes the absolutizing tendency observed as immanent in the old dialectic. Thus, through a literature review, this article proposes to study the meanings that emerge from the concept of reason in Adorn's Negative Dialectic. Therefore, at first, it demonstrates how the criticism of reason is a constant of the author's thought that is gaining shape and relevance since the Dialectic of Enlightenment, which critically points to the positivist technicality expressed in the so-called instrumental reason, up to radicality of the criticism found in the work Negative Dialectic. Subsequently,it points to the limits of the predominant form of philosophy, materialized in Hegelian dialectics, and the limits of experience within the play of forces between theses and antitheses, highlighting the need to build a philosophy that does violence against itself. It is understoodthat other forms of structuring thought, such as aphorisms, can reach singular spaces of formative experience foreign to the predominant philosophical thought. Finally, it points to the totalitarianism of traditional dialecticsas a fundamental obstacle, forwarding principles of another reason exposed in a Negative Dialectic, which does not aim at dissolving differences and appeasing tensions as a way of resolving thought.
CONSIDERAÇÕES SOBRE DIALÉTICA NEGATIVA E RAZÃO
CONSIDERATIONS ABOUT NEGATIVE DIALECTIC AND REASON
Marsiel Pacífico
1
Israel Rosalino
2
Recebido em: 02/2021
Aprovado em: 11/2021
Resumo: A obra Dialética Negativa (1966) propicia uma importante reflexão sobre a estruturação
do pensamento filosófico moderno sendo um legado conceitual e epistemológico fundamental para
a compreensão do pensamento de Theodor W. Adorno. Sua leitura complexa suscita tensões acerca
dos limites do papel da razão e compreende a necessidade metodológica da construção de uma
dialética que escape à tendência absolutizante observada como imanente da velha dialética. Dessa
maneira, por meio de uma revisão de literatura, esse artigo se propõe a estudar os significados que
emergem a partir do conceito de razão na Dialética Negativa adorniana. Para tanto, de início,
demonstra-se como a crítica à razão é uma constante do pensamento do autor que vai ganhando
forma e relevância desde a Dialética do Esclarecimento, que apontara criticamente para a tecnicidade
positivista expressa na forma denominada razão instrumental, até a radicalidade da crítica
encontrada na obra Dialética Negativa. Posteriormente, aponta-se para os limites da forma
preponderante da filosofia, materializada na dialética hegeliana, e os limites da experiência no
interior do jogo de forças entre teses e antíteses, destacando a necessidade da construção de uma
filosofia que faça violência contra si mesma. Compreende-se que outras formas de estruturação do
pensamento, como os aforismas, podem alcançar espaços singulares da experiência formativa
estrangeiros ao pensamento filosófico predominante. Por fim, aponta-se para o totalitarismo da
dialética tradicional como obstáculo fundamental, encaminhando princípios de outra razão exposta
em uma Dialética Negativa, que não vise à dissolução das diferenças e o apaziguamento das tensões
como forma resolutiva do pensamento.
Palavras-chave: Dialética Negativa; Razão; Theodor Adorno; Dialética; Teoria Crítica da
Sociedade.
Abstract: The work Negative Dialectic (1966) provides an important reflection on the structuring
of modern philosophical thought and a conceptual and epistemological legacy fundamental to the
understanding of Theodor W. Adorno's thought. Its complex reading raises tensions about the limits
of the role of reason and understands the methodological needs of building a dialectic that escapes
the absolutizing tendency observed as immanent in the old dialectic. Thus, through a literature
review, this article proposes to study the meanings that emerge from the concept of reason in Adorn's
Negative Dialectic. Therefore, at first, it demonstrates how the criticism of reason is a constant of
1
Doutor em Educação (UFSCar), Professor Permanente do PROFEDUC (UEMS) e Professor Adjunto (UEMS),
é membro pesquisador do Grupo Teoria Crítica e Educação. E-mail: marsiellp@gmail.com
2
Doutorando em Ciências pelo Instituto de Química de São Carlos (IQSC). Tem trabalhado com educação em
Química sob abordagem epistemológica em ambiente formal e não formal de ensino. E-mail:
israel.rosalino@yahoo.com.br
Problemata: R. Intern. Fil. V. 12. n. 2 (2021), p. 51-65 ISSN 2236-8612
doi:http://dx.doi.org/10.7443/problemata.v12i2.57867
Considerações sobre dialética negativa e razão 52
Problemata: R. Intern. Fil. v. 12. n. 2 (2021), p. 51-65
ISSN 2236-8612
the author's thought that is gaining shape and relevance since the Dialectic of Enlightenment, which
critically points to the positivist technicality expressed in the so-called instrumental reason, up to
radicality of the criticism found in the work Negative Dialectic. Subsequently, it points to the limits
of the predominant form of philosophy, materialized in Hegelian dialectics, and the limits of
experience within the play of forces between theses and antitheses, highlighting the need to build a
philosophy that does violence against itself. It is understood that other forms of structuring thought,
such as aphorisms, can reach singular spaces of formative experience foreign to the predominant
philosophical thought. Finally, it points to the totalitarianism of traditional dialectics as a
fundamental obstacle, forwarding principles of another reason exposed in a Negative Dialectic,
which does not aim at dissolving differences and appeasing tensions as a way of resolving thought.
Keywords: Negative Dialectic; Reason; Theodor Adorno; Dialectic; Critical Theory of Society.
Introdução
Lançado no ano de 1966, a Dialética Negativa (Negative Dialektik) é uma obra tardia
do filósofo frankfurtiano Theodor W. Adorno, que exprime um traço fundamental do método e
da análise do autor: a relação entre a razão e a verdade. Traduzida somente no ano de 2009 para
a língua portuguesa, é fruto de cursos e palestras realizadas ao longo da década de 1960 no
Collège de France e na Universidade de Frankfurt (GATTI, 2009, p. 262) e carrega, à parte sua
originalidade, temáticas características da obra do frankfurtiano. Ao longo de sua extensa obra
bibliográfica, Adorno encarou as condicionantes de um tempo histórico fortemente
influenciado pela razão enquanto herança do projeto iluminista que, em seu estado positivista,
suplantou os vínculos humanos e propiciou diversos episódios de barbárie ao longo de todo o
século XX, como as duas grandes guerras mundiais, o antissemitismo, os campos de
concentração, entre outros.
Assim sendo, evidencia-se uma oposição entre a matriz do pensamento da Teoria
Crítica da Sociedade e a lógica tecnicista, denominada como razão instrumental. A
categorização dessa racionalidade específica decorre dos processos históricos, sociais e
culturais que propiciaram o advento de um éthos que alienou o sujeito de si e do outro pelo viés
da técnica, da calculabilidade e da classificação, na conformação de dois sentidos fundamentais:
o intento do domínio da natureza e o desenvolvimento da economia de mercado. Esse tipo de
razão centrada no quantum é a antítese do caminho trilhado pela Escola de Frankfurt em seus
diversos autores e, talvez, o sentido que lhes dê maior unidade na difícil tarefa de conferir um
conceito fechado que caracterize toda a primeira geração de seus autores. Tais sentidos se
tornam mais agudos a medida em que o capital aprofunda suas formas de dominação:
Considerações sobre dialética negativa e razão 53
Problemata: R. Intern. Fil. v. 12. n. 2 (2021), p. 51-65
ISSN 2236-8612
Trata-se agora, de um capitalismo administrado, ou seja, de um sistema
que se fecha em si mesmo e que, portanto, bloqueia estruturalmente
qualquer possibilidade de superação da dominação pela via da ação
transformadora ou emancipatória da razão iluminista (GOMES, 2010,
p.289).
Ainda que a negatividade fosse uma ideia em ascensão no pensamento de Adorno, visto
que as características de tal perspectiva se apresentam nos aforismas da Minima Moralia
(PUCCI, 2012), somente na obra Dialética Negativa o filósofo dedicou-se a elaboração
sistêmica do conceito, no intento de aplicá-la em uma estrutura dialética nova. Tal publicação
constituiu um legado epistemológico para a tradição filosófica, em especial para a Teoria Crítica
da Sociedade, influenciando em grande medida outros nomes da Escola de Frankfurt, como
Axel Honneth e Jürgen Habermas.
Todavia, a negatividade, conceito-método central na obra Dialética Negativa, enfrenta
a razão para além da sua dimensão instrumental, contrastando as formas de expressão filosófica
em suas múltiplas dimensões, sobretudo na relação com a dialética hegeliana e toda a tradição
teórica que deriva da mesma. Para tal, encontra dentro e fora do conceito de razão seu
movimento central e fundador.
Na primeira seção, Razão e dialética, serão demonstrados os distanciamentos
metodológicos da Dialética negativa para a dialética tradicional, cuja equação tese, antítese e
síntese exprimem um absoluto inequívoco e seus limites são apontados por Adorno.
Na segunda seção, denominada Negatividade filosófica, suspeita da razão, será
abordada a crítica à razão como fundamento teórico que se estabelece negativamente enquanto
método, na constituição de uma filosofia que fuja à autoabsolutização.
Na terceira seção, Tensões e as constelações dos conceitos: proposições para a
produção de novos sentidos, assume a contribuição de Walter Benjamin para a constituição de
um pensamento que escape à linearidade da pretensão da totalidade, deixando emergir a
produção de sentidos que tensionem sentidos expressos no idêntico e no não-idêntico, em uma
forma de experiência mais rica em seus aspectos formativos.
Conclui-se, por fim, a partir da retomada dos argumentos centrais de cada seção, que
a Dialética Negativa apresenta potencialidades significativas para a filosofia e o pensamento,
no intento da produção de novos sentidos e experiências para além de uma dialética
enclausurada em seus próprios meandros.
Razão e dialética
Considerações sobre dialética negativa e razão 54
Problemata: R. Intern. Fil. v. 12. n. 2 (2021), p. 51-65
ISSN 2236-8612
Embora Theodor W. Adorno objetive romper com o idealismo do método de Hegel, não
o faz a partir de sua exterioridade, mas, justificando-se pelo próprio método, elabora uma crítica
imanente cujo diagnóstico e superação se fazem no mesmo e dialógico momento. Nesse sentido,
podemos afirmar que a dialética negativa apresenta em sua própria estruturação os fundamentos
que pretende explicar, de tal modo a justificar sua pretensão pela consonância harmoniosa da
relação entre forma e conteúdo em sua obra.
A relação constelar dos aforismas e a aparente contradição interna do texto são prismas
para a mesma visão: as limitações do conceito exprimido no interior da dialética hegeliana
definham a potência do pensamento.
Ainda que a filosofia de Hegel tenha se distanciado de perspectivas mais idealistas, para
Adorno a mesma não aborda com seus métodos uma suficiente materialidade que possa
constituir o conceito da maneira amplamente necessária para sintetizá-la.
Embora baseado em uma dialética com origem inegavelmente hegeliana, Adorno
pretende transformá-la em uma perspectiva nova, que o mesmo denominou negativa, assim
justifica-se a afirmação de Pucci (2012, p. 4), que constata que a dialética negativa nasce “com
Hegel, contra Hegel”. Neste sentido, Hegel é a expressão não somente do filósofo, mas de toda
uma filosofia movida por uma dialética em que a razão tem a pretensão da totalidade absoluta.
Assim, a proposta de uma nova dialética em Adorno tem como ponto de partida sua manifesta
suspeita ante à razão.
A elaboração da dialética negativa não é um projeto reformador da dialética hegeliana,
embora dela seja inaugurada. As diferenças profundas que apontam suas limitações criam um
corpo conceitual em que a divergência irreconciliável se efetiva na necessidade de um novo
paradigma, que não traz para o interior de sua crítica somente os axiomas e esquemas do
método, mas questiona seus vetores, propriedades e efetividade do pensamento conceito frente
ao real objeto.
Assim, aquilo que se constitui enquanto método, no interior de uma perspectiva
filosófica, não está somente relacionado à determinação procedimental do pensamento e sua
objetivação, mas, sobretudo, implica intrinsecamente em uma nova configuração dos conceitos
que determinam o próprio conceito. Sendo assim, uma ruptura metodológica de uma tradição
para com o lastro histórico da filosofia está interligada com a necessidade imanente da
reestruturação do pensamento, na medida em que os conceitos que amparam o método se
mostram ineficazes frente aos fenômenos complexos que, contemporâneos à ruptura, tecem um
Considerações sobre dialética negativa e razão 55
Problemata: R. Intern. Fil. v. 12. n. 2 (2021), p. 51-65
ISSN 2236-8612
contexto de tensão entre pensamento e objeto que impulsionam o novo.
Deste modo, a proposta de Adorno no desenvolvimento de sua dialética negativa não é
somente a substituição mecânica de um este por um aquele, mas é, ao mesmo tempo, negação
e denúncia contra a insuficiência da herança de Hegel e Kant e a afirmação de uma perspectiva
de pensamento insurgente, que permite recriar a natureza do conceito em si. Assim, a razão,
fundamento central do pensamento de Adorno desde a Dialética do Esclarecimento, se torna
caminho e adversária para superação que resultará em uma nova dialética.
Para o frankfurtiano, a obsessão dialética pela equacionalização harmônica das forças
exerce um papel limitante ao pensamento. No interior da lógica da velha dialética, o conjunto
tese-antítese está sobretensionado na condição resolutiva da síntese que, por sua vez, cristaliza
a identidade do objeto no conceito. Tudo aquilo que não se harmoniza no processo é excluído
pelo princípio do não-idêntico (Nichtidentische). Como salienta Adorno, esse caráter de
pretensões absolutistas no pensamento tem raiz no seio da sociedade moderna:
Aquilo que dilacera a sociedade de maneira antagônica, o princípio da
dominação, é o mesmo que, espiritualizado, atualiza a diferença entre o
conceito e aquilo que lhe é submetido. Essa diferença, porém, assume a forma
lógica da contradição porque tudo aquilo que não se submete à unidade do
princípio da dominação, segundo a medida desse princípio, não aparece como
algo diverso que lhe é indiferente, mas como violação da lógica (2009, p.49).
Em contraposição, o filósofo propõe uma dialética cuja contradição é a força motriz,
fazendo com que o conceito exprima sem a necessidade de resolver as contradições
estabelecidas na natureza e na processualidade do objeto. Superar o caráter que estabelece o
não-idêntico fora da caracterização do conceito é a primeira ambição da dialética negativa, ou
seja, pensar o objeto na imanência de suas contradições, na ontologia de sua materialidade, não
por aquilo que ele é, mas também pelo que não é ou ainda pelo que ele poderia ser. O
pensamento que conhece sua limitação deve reconhecer que determinadas tensões não são o
medium do conceito, mas sim seu próprio significado.
Negatividade filosófica, suspeita da razão
A pretensão da totalidade pelo racional, que permeia de Hegel até o positivismo, deve
ser combatida na filosofia não somente em seu discurso, mas também em seu método,
estabelecendo assim a coerência daquele que deve sempre observar que o princípio da
Considerações sobre dialética negativa e razão 56
Problemata: R. Intern. Fil. v. 12. n. 2 (2021), p. 51-65
ISSN 2236-8612
conservação da filosofia é a possibilidade da crítica a si mesma. Desse modo, a dialética
negativa operacionada sobre a premissa da limitação do pensamento é a crítica imanente de seu
próprio destino, ou seja, a razão:
A dialética, na teimosia de seu momento negativo, é a tentativa de
extinguir o suposto poder autárquico do conceito (...) ao mesmo tempo em
que atesta a fragilidade do sujeito em seu objetivo específico, o estimula a ir
além de si mesmo, em busca daquilo que, no processo de conhecimento, foi
reprimido, desprezado, ignorado. (PUCCI, 2012, p.5)
A suspeita sobre a razão é componente do pensamento de Adorno desde a tese Dialética
do Esclarecimento, escrita a quatro mãos com Horkheimer. A promessa iluminista do ideal de
modernidade ditava um cenário que o se concretizou. Tal como aponta a famosa tese de
Adorno e Horkheimer (1985), o desencantamento do mundo, principal bandeira do plano
moderno de civilização que fora erguida por todos os cantos do pensamento positivista, tinha
como meta “[...] dissolver os mitos e substituir a imaginação pelo saber” (ADORNO e
HORKHEIMER, 1985, p.17), mas acabou por subverter-se em uma nova ordem de mitificação
mais sofisticada e poderosa do que aquelas que ornamentavam os grilhões da religião e para
quem sua gênese contra-apontava. O esclarecimento enquanto ideal formativo foi sucumbido.
Solapado pelas forças de um poderio ideológico e imagético, o campo social da ilustração
espiritual se perdeu nos clichês egóicos das propagandas e na produção subjetiva de novos
medos, ídolos e ritos de adoração.
O pensamento da teoria tradicional não expurgou os medos míticos nem suplantou as
sublimações ritualísticas. O pensamento que a tudo questionou acabou por enclausurar-se na
medida em que se autodeterminou. Sua lógica matemática e materialista, cuja verdade se
determina pelos critérios de calculabilidade e utilidade, esqueceu-se da necessidade da via de
mão dupla de suas interrogações, como demonstram Adorno e Horkheimer: “Sem a menor
consideração consigo mesmo, o esclarecimento eliminou seu cautério o último resto de sua
própria autoconsciência. Só o pensamento que se faz violência a si mesmo é suficientemente
duro para destruir os mitos” (1985, p.18).
A não efetivação do processo de emancipação dos indivíduos deve ser compreendida na
relação entre sujeito-natureza e sujeito-sociedade, intermediado pelo processo de
instrumentalização da razão. Tal processo está em contraposição às aspirações da Aufklärung,
que historicamente se enveredaram para a dominação de uma razão específica vinculada às
essencialidades das ciências positivas. Desse modo, a constatação de que “o número tornou-se
Considerações sobre dialética negativa e razão 57
Problemata: R. Intern. Fil. v. 12. n. 2 (2021), p. 51-65
ISSN 2236-8612
o cânon do esclarecimento” (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p. 20) sintetiza uma derrota
das utopias iluministas e a decorrente determinação da relação homem-natureza pelo viés do
útil e pelas forças de dominação. Na sua relação inteligível com a natureza, o homem passa a
se guiar por um novo norte, na medida em que a legitimação das experiências dos sujeitos com
os objetos do mundo natural passa a ser quantificada. Impera assim um tipo de razão prática-
axiomática, que substitui gradativamente as relações mais profundas da experiência subjetiva
pelas relações nas quais sejam possíveis quantificar as benesses objetivas aos desígnios
humanos, na medida em que “[...] de antemão, o esclarecimento reconhece como ser e
acontecer o que se deixa captar pela unidade. Seu ideal é o sistema do qual se pode deduzir toda
e cada coisa” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 20).
O princípio formador de ideias, como leis matemáticas e natureza-máquina, tem em
contrapartida à formação de um ideal de modelo de pensamento que poderia racionalizar e
operacionar a natureza. Com o decorrente avanço histórico do pensamento positivista, o método
cartesiano se tornou cada vez mais sinônimo de ciência; todavia, a produção de um novo modelo
de pensamento trouxe, concomitantemente, novos paradigmas para a relação entre os homens
e a natureza. A essência da relação obedece às leis primitivas do desejo de dominação, como
demonstra Adorno e Horkheimer:
O homem da ciência conhece as coisas na medida em que pode fazê-las. É
assim que seu em-si torna para-ele. Nessa metamorfose, a essência das coisas
revela-se como sempre a mesma, como substrato de dominação. Essa
identidade constitui a unidade da natureza (1985, p.21).
Ciente de que a dominação da natureza se reproduz no interior da humanidade”
(ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.92), o homem, constituído e constituinte de sua relação
com o meio, tem em sua experiência um duplo devir. Desse modo, uma análise verdadeiramente
ampla do elo entre homem e natureza deve se atentar para a multiplicidade de fatores e vetores
intrincados no interior dessa relação. O modo e a essência do vínculo estabelecido com a
natureza constituem, ao mesmo tempo, a relação do homem com o meio e consigo mesmo. Não
se trata assim, metodologicamente, de pensar tais encadeamentos a partir de uma perspectiva
subjetivista ou objetivista; não há também determinação possível de uma hierarquização
fundante da experiência humana. Trata-se, como demonstra Adorno, dos limites metodológicos
que o esclarecimento consolidou:
(...) quanto maior é o número de reações que são reprovadas como
Considerações sobre dialética negativa e razão 58
Problemata: R. Intern. Fil. v. 12. n. 2 (2021), p. 51-65
ISSN 2236-8612
supostamente apenas subjetivas, tanto maior é o número de determinações
qualitativas das coisas que escapam ao conhecimento. (...) Em seu postulado,
ou seja, no postulado da faculdade da experiência do objeto e a
diferencialidade é a sua experiencia transformada em forma de reação
subjetiva- aquele que conhece e aquilo que é conhecido, encontra refúgio
(2009, p.45-46).
O legado do pensamento positivista e o avanço da técnica nas ciências trouxeram
inegáveis conquistas para as sociedades humanas, não havendo nesse sentido um espírito
saudosista cuja utopia cultive qualquer desejo de retorno à uma sociedade medieval. Todavia,
na relação estabelecida com a natureza, a humanidade instituiu um caráter duplo: a almejada
superação do homem se constituindo enquanto senhor do mundo e soberano sobre a natureza
em seu processo de dominação e avanço técnico-científico, lhe imputa sentidos cada vez mais
profundos e alienados da superfície da razão da ciência enquanto ideologia, o que produz uma
relação de dependência e apequenamento. Tal fenômeno se dá pelo fato de que não houve, em
essência, uma reversão da lógica que permeia qualquer tentativa de exercício de domínio sobre
o mundo e, na medida em que “toda tentativa de romper as imposições da natureza rompendo
a natureza resulta numa submissão ainda mais profunda às imposições da natureza” (ADORNO;
HORKHEIMER, 1985, p.24), a dicotomia entre essência e aparência da relação homem-
natureza acaba por fundar novos grilhões sob o espírito humano.
Assim, o desencantamento do mundo, que se daria pela elevação dos sujeitos em uma
ruptura com sua condição de minoridade, resultou no pacto com as entranhas do pensamento
mítico. Destarte, a razão é denunciada por Adorno, visto que seus caminhos foram produzidos
no interior da compulsão pelo domínio: “[...] todos os conceitos, mesmo os filosóficos, apontam
para um elemento não conceitual porque eles são, por sua parte, momentos da realidade que
impele à sua formação primeiramente com o propósito da dominação da natureza” (2009,
p.18).
Não à toa, a superação do conceito pelo próprio conceito é central para o método
dialético negativo de Adorno. Outrossim, o conceito expresso tem a consciência da sua não
totalidade pois, para a sua síntese, o processo dialético acaba por eliminar aquilo que não
consegue captar. Ao sujeito cabe o exercício de, em posse da limitação do pensamento, exercitá-
lo de modo a produzir um conceito que supere o próprio conceito em sua dimensão negativa,
ou seja, trazendo à tona aquilo que havia sido negado na transição do objeto para o conceito.
Se a negação é em Hegel um intermediário para a resolução dialética atuando
invariavelmente enquanto antítese propedêutica à síntese, na dialética negativa de Adorno sua
Considerações sobre dialética negativa e razão 59
Problemata: R. Intern. Fil. v. 12. n. 2 (2021), p. 51-65
ISSN 2236-8612
tensão não serve à síntese e nem almeja se neutralizar. Embora a síntese seja uma das
alternativas para a dialética, a mesma deixa de ser uma consequência necessária na qual,
tensionada ao infinito, toda dialética se equalizaria e produziria uma síntese ideal.
Adorno demonstra como que na tensão de determinados objetos a reconciliação é
improcedível e a tensão assim permanece sem a necessidade inerente de sintetização. Ainda é
possível perceber no movimento dialético negativo que a afirmação e a negação não precisam
ser momentos distintos, podendo uma gama completa da experiência sob o objeto e, ao mesmo
momento, apontar um sentido de forma afirmativa e negativa sem que haja nisso uma
contradição e sem que tal estado dependa de uma sucessão dialética entre um e outro.
Ainda em relação à dialética hegeliana, Adorno demonstra como é falsa a possibilidade
de uma experiência plena do sujeito na observação de seu objeto. Dessa maneira, o conceito
derivado nunca pode expressar perfeitamente o objeto a quem buscou sistematizar. Ele será
sempre uma ideia construída no interior de um axioma determinado pela razão, na medida em
que o conceito, segundo Pucci, é “universal, abstrato, formal; o objeto por ele representado é
particular, concreto, histórico” (2012, p.5).
Assim sendo, a ideia de que a dialética tradicional, ao exprimir um conceito, exclui dele
a potência do devir, da ontologia e de suas contradições, requer como contrafogo um sujeito do
pensamento que seja ativo em seu exercício, na medida em que a personificação do conceito
pela experiência individual causa, mesmo que de maneira parcial, uma ruptura com o modelo
de pensamento a quem Adorno lança investigação.
Diante da limitação do método e frente à complexidade esquecida em sua categorização,
o frankfurtiano propõe em sua nova perspectiva dialética duas etapas que, em conjunto,
diminuiriam a distância entre a representação e o representado.
Tensões e as constelações dos conceitos: proposições para a produção de novos sentidos
Primeiramente se faz necessário reconhecer as diferenças ontológicas entre o objeto,
empírico e real, e seu conceito, representação formal e abstrata. Para Adorno, o pensamento
que se propõe ao exercício do conceito teria mais êxito se, no antagonismo dialógico entre os
termos, exercesse sua representação na tensão permanente entre um e outro. A ansiedade
imanente à dialética hegeliana, que almeja equacionar as tensões constituídas no interior de seus
axiomas, por essa perspectiva, deixa de captar ou uma ou outra parte de um todo mais denso e
complexo.
Considerações sobre dialética negativa e razão 60
Problemata: R. Intern. Fil. v. 12. n. 2 (2021), p. 51-65
ISSN 2236-8612
A obsessão da razão em dissolver a realidade em conceitos, expõe os limites de um
pensamento que amassa e comprime a realidade na busca da adaptação de sua complexa
expressão a partir das chaves binárias de resolução do não-idêntico. Para o autor, faz-se
necessário que o pensamento, ao assumir os limites de suas forças, expresse a resolução onde
seja possível, e que as forças que não se equacionam e não se anulam coexistam na produção
dos conceitos.
Para a possibilidade da expressão do pensamento a partir de uma dialética negativa há
a necessidade da dissolução entre a relação de verdade e a identidade total. A busca pelo
deslocamento sucessivo da parte para o todo remete à ideia de um universal absolutizado, no
qual as singularidades da coisa e do sujeito são dissolvidas na neutralidade dos axiomas da
razão instrumental. O sentido da verdade, expressa em uma nova proposição, deve conceber a
razão a partir dos limites de sua ação, considerando outras dimensões inerentes e inevitáveis
que se consubstanciam na produção do pensamento pelos sujeitos.
Com esse intento a dialética negativa rompe com um fundamento histórico da dialética:
Se objetarmos à dialética, tal como se fez repetidamente desde os críticos
aristotélicos de Hegel, que ela reduz indiscriminadamente tudo o que cai em
seu moinho à forma meramente lógica da contradição, deixando de lado
assim ainda argumentava Croce a plena multiplicidade do não contraditório,
do simplesmente diverso, então deslocamos a culpa da coisa para o método
(ADORNO, 2009, p.13).
A necessidade da construção de uma nova perspectiva metodológica da dialética incide
sobre sua forma de elevação: a superação do caráter que anula o divergente a partir da lógica
da não-identidade, que é definido por Schippling como:
O "não-idêntico" ("Nichtidentische"), que significa tudo o que uni indivíduo
apreende do seu ambiente, mas ainda não integrou no seu sistema de
conceitos, deve ser expresso através da filosofia, mas, ao mesmo tempo, deve
ser deixado na sua "não-identidade" ("Nichtidentitãt"). O sujeito, filosofando,
tenta exprimir as suas percepções sem conceitos, o que, no entanto, não é
possível, porque somente é capaz de falar de uma coisa que captou em
conceitos. Por conseguinte, a filosofia podia, por enquanto, aparecer como um
processo não realizável com base nas suas condições iniciais, de certo modo
como um "esforço" ("Anstrengung") sem sentido. (2004, p. 131)
Tal sentido demarca uma clara transição da crítica da razão instrumental, compreendida
como cerne da obra de Theodor W. Adorno, desde a Dialética do Esclarecimento, para a
complexificação de uma análise que aponta os limites da própria razão expressa na dialética
Considerações sobre dialética negativa e razão 61
Problemata: R. Intern. Fil. v. 12. n. 2 (2021), p. 51-65
ISSN 2236-8612
hegeliana, como matriz da filosofia tradicional. Outrossim, a razão estabelece uma força de
processamento das tensões dialéticas que exprimem sentidos isentos de seus resquícios e
absolutos na sua capacidade de síntese.
O estabelecimento da relação tese e antítese, que resulta em tal síntese absolutizada e
imune ao divergente, é superada por uma lida com o contraditório que não necessariamente se
resolve, mas se tensiona incessantemente resultando em novas formas de produção de sentido.
Assim, a dialética negativa define seu objeto não pela reconciliação entre as partes, mas sim
pela sua permanente tensão, pelo movimento do pensamento entre o concreto e sua abstração,
como afirma Pucci:
Então, na própria conceituação da filosofia enquanto sistema, Adorno detecta
duas dimensões antagônicas, que se confrontam, o espírito de sistema e o
espírito sistemático. Não se pode hipostasiar nem um e nem o outro, nem o
conceito e nem o objeto, nem a totalidade e nem os elementos. É da fricção
entre os dois que a força da filosofia brota. (2012, p.8)
A expropriação da potência da experiência, múltipla em seus sentidos, mas linearizadas
pelas mediações da dialética, também é superada na dialética que negativa à razão instrumental,
pois enquanto o pensamento tradicional se atém aos objetos que se materializam na forma e
como o fazem, suprime as possibilidades das diferentes formas que não se efetivaram,
movimento observado pela dialética negativa, dado que a mesma tensiona o objeto na expressão
dos sentidos do pensamento entre o efetivado e as formas que poderiam ter sido, na expressão
não reconciliada entre um e outro.
Por fim, outra categoria do pensamento defendida por Adorno em sua dialética negativa
é emprestada de outro filósofo, companheiro de trabalho do Instituto de Pesquisa Social, a quem
o pensamento marcou e fora marcado com a mesma profundidade. A partir da análise de Pucci,
que afirma que “a inspiração adorniana da ideia de constelação vem de Benjamin” (2012, p.9),
destacamos a influência daquele que inaugurou a perspectiva de que as ideias deveriam ser
pensadas não como estrelas, objetos únicos e alheios, mas sim como constelações de
determinantes históricas e suas variáveis, nas quais o conceito resultaria de sua conjugação
plural.
Assim sendo, o objeto não pode ser pensado somente em si, mas fundamentalmente
deve ser conceituado a partir da sua relação histórica com tantas outras condicionantes, tendo
em vista que para construir as ideias é necessário continuamente voltar-se aos fenômenos
mesmos, pois as ideias não são eternas e sim constelações historicamente específicas” (PUCCI,
Considerações sobre dialética negativa e razão 62
Problemata: R. Intern. Fil. v. 12. n. 2 (2021), p. 51-65
ISSN 2236-8612
2012, p.9).
O exercício constelar do pensamento pode ser compreendido como exercício de uma
filosofia autêntica e não-ingênua, que se sustenta entre a obstinação de seu percurso e o limite
de sua realização, pois como encontramos em Adorno, segundo Pucci:
A autêntica interpretação filosófica se desenvolvia à maneira das soluções dos
enigmas, ou seja, nestes, os elementos singulares e dispersos do fenômeno
são colocados em diferentes ordenações, até que se juntem em uma figura,
da qual se salta para fora a solução; do mesmo modo a filosofia, na análise
de um particular concreto, tem de dispor seus elementos em constelações
mutáveis, em diferentes tentativas de ordenação, até que eles se encaixem
em uma figura legível como resposta. (2012, p.9)
Deslocar o objeto de sua linearidade é um recurso metodológico central na dialética
negativa. Aquilo que escapa ao conceito quando o mesmo precipita de um axioma lógico se
estabelece na sua própria ontologia, sem que haja recursos metodológicos para desvelá-lo.
Estabelecer sua cadeia de relações com outros conceitos e determinantes históricos específicos,
ou seja, pensar o conceito de maneira constelar abrange a carga excluída por uma dialética de
síntese, produto da lógica hegeliana. O estabelecimento de seu momento negativo traz ao
conceito o lastro e o devir, o idêntico e o não-idêntico. Dessa maneira, para Pucci, a constelação:
(...) ilumina o que há de específico no objeto e que não é levado em
consideração pelo conceito no processo de conhecimento; isso porque as
constelações só representam de fora aquilo que foi amputado pelo conceito do
seu interior. Quando os conceitos se reúnem em forma de configuração em
torno do fenômeno a ser conhecido, eles alcançam por meio do pensamento
aquilo que o conceito extirpou de si (2012, p.9).
Considerações finais
A Dialética Negativa de Adorno anuncia que a não efetivação do projeto de
modernidade traz, em contrapartida, a permanência do instante não realizado do pensamento.
A modernidade e seu plano anunciado de desencantamento do mundo, cuja falência fora
denunciada na obra Dialética do Esclarecimento (1985), já apontavam os limites da razão frente
à superação de nossas angústias primitivas pelo viés da dominação da natureza:
A natureza desqualificada torna-se a matéria caótica para uma simples
classificação, e o eu todo-poderoso torna-se o mero ter, a identidade abstrata.
Na magia existe uma substitutividade específica. (...) É a isso que a ciência dá
Considerações sobre dialética negativa e razão 63
Problemata: R. Intern. Fil. v. 12. n. 2 (2021), p. 51-65
ISSN 2236-8612
fim. Nela, não nenhuma substitutividade específica: se ainda animais
sacrificiais, não há mais Deus. A substitutividade converte-se na fungibilidade
universal. (1985, p. 22).
Por outro lado, os mecanismos de subjetivação da Indústria Cultural passavam a impor
um gradativo aprisionamento da razão que, expropriada de sua capacidade formativa,
denominada no pensamento de Adorno por Bildung, propiciava uma forma instrumentalizada
de razão, aparato condicionado ao sentido de adaptação e reprodução da lógica do capital, ou
seja, a semiformação (Halbbildung). A filosofia aponta assim para a constatação de um
esvaziamento político de seu papel, que embora fora constituído no interior de um cenário social
amplo, tem relações com os limites de suas próprias forças. Para Adorno, “o desencantamento
do conceito é o antídoto da filosofia. Ele impede o seu supercrescimento: ele impede que ela se
autoabsolutize” (2009, p.19).
Se ainda sim o pensamento vive, embora atravessado por determinantes instrumentais,
tem a frente uma herança nefasta para enfrentar. À filosofia cabe, nesse contexto, superar o
derrotismo instaurado pela composição de um cenário no qual, ao mesmo tempo em que a
resignação frente ao fracasso emancipatório moderno se infiltra em todas as camadas da cultura
e da sociedade, a desproporção entre o avanço dos progressos da técnica e da ciência em relação
à Bildung amiúdam o papel social do pensamento.
Os limites da razão e suas implicações na construção da modernidade são alvos da crítica
de Adorno que perpassa, com maior ou menor ênfase, toda a trajetória intelectual do autor. Da
instrumentalização da vida, expressa na lógica positivista, ao constructo dialética expresso pela
filosofia tradicional de Kant a Hegel, e até mesmo no materialismo histórico dialético em
Adorno a suspeita vigilante ante ao pensamento que se absolutiza e, como forma de síntese,
dissolve o contraditório e seus extratos.
Todavia, a construção sistêmica de uma nova proposta filosófica que superasse os
limites da razão só foi constituída na obra Dialética Negativa. Suas páginas desafiadoras, ainda
pouco exploradas enquanto objeto e método de pesquisa, são um convite a permanente crítica
da razão, de modo a expurgar dela todos os seus mecanismos autoritários que, como demonstrou
o autor, constituíram o pensamento moderno cunhado no autoritarismo.
O limite da razão que não se encerra em si mesma deve tensionar e criticar a própria
razão de modo a compreender, para além das forças exteriores, os aspectos imanentes dos
métodos e objetivos da filosofia na sua intenção de produção de um novo mundo. Para tais
enfrentamentos, o pensamento precisa desenvolver a potência da autocrítica e a superação da
Considerações sobre dialética negativa e razão 64
Problemata: R. Intern. Fil. v. 12. n. 2 (2021), p. 51-65
ISSN 2236-8612
monotonia abstrata do mundo administrado (ADORNO, 2009, p.14). Ter a consciência de sua
insuficiência e restrições é o primeiro passo para sua reconstrução, afinal “o conhecimento não
possui nenhum de seus objetos completamente. Ele não deve promover o aparecimento do
fantasma de um todo” (ADORNO, 2009, p.20). Como observa Adorno, ao discutir a relação
discrepante entre a filosofia e a realidade:
Com efeito, tanto mais claramente quanto mais fundamentalmente ela
esqueceu aquela restrição, afastando-a de si como algo estranho, a fim de
justificar a sua própria posição em uma totalidade que ela monopoliza como
seu objeto, ao invés de reconhecer o quanto sua verdade imanente depende
dessa totalidade até a sua composição mais íntima. Somente uma filosofia que
se liberta de tal ingenuidade merece continuar sendo pensada. (2009, p.12).
Desse modo, apontados os limites do fazer filosófico, a chave para uma nova
possibilidade da dialética está, em Adorno, na razão e contra a razão. Neste sentido, a
racionalidade enquanto conceito central na constituição de nossa modernidade é o campo a
revolucionar, tencionando-a em seu sentido e método, de modo a exprimir a potência de uma
dialética negativa. Dialogando com as dialéticas de Kant e, sobretudo, de Hegel, Adorno aponta
para as formas da razão que reificam o totalitarismo enquanto norma em um pensamento no
qual o objetivo central da expressão de sua síntese passa pela diluição e extinção do não-
idêntico.
Em contrapartida, o autor proporá uma dialética em que a síntese não demanda a
superação de um pelo outro, mas que preserva o indissolúvel em uma constante tensão que
resultará no limite daquilo que a razão pode expressar. A conjunção de um novo conceito
dialético, que operaciona o pensamento pela tensão, com a perspectiva estética de uma forma
constelar do conceito são práticas que visam amainar os problemas e as limitações das
engrenagens da velha dialética, forçando a produção de um pensamento que critique a si mesmo
incessantemente, atacando frontalmente a razão filosófica na raiz de seu problema: sua
dimensão totalitária.
Por fim, simultâneo a uma nova perspectiva metodológica, o resgate da dimensão
espiritual do indivíduo na relação sujeito-objeto permitiria um novo momento para a filosofia
e o pensamento, na busca pela elevação de seu estado em arte.
Referências
ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento: fragmentos
Considerações sobre dialética negativa e razão 65
Problemata: R. Intern. Fil. v. 12. n. 2 (2021), p. 51-65
ISSN 2236-8612
filosóficos. Trad. Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
ADORNO, T. W. Teoria da Semiformação, In: Teoria Crítica e Inconformismo: novas
perspectivas de pesquisa. Tradução Newton Ramos-de-Oliveira. Campinas, SP. Autores
Associados, 2010.
ADORNO, T. W. Dialética Negativa. Rio de Janeiro. Zahar. 2009.
BENJAMIN, W. Sobre arte, técnica, linguagem e política. Tradutores: Maria Luz Moita,
Maria Amélia Cruz e Manuel Alberto. Lisboa: Relógio D’água Editores, 1992.
GOMES, L. R. Teoria Crítica e Educação Política em Theodor Adorno. Revista HISTEDBR
On-line, Campinas, n.39, p. 286-296, set.2010 - ISSN: 1676-2584
GATTI, L. Exercícios do pensamento: dialética negativa. Novos estud. - CEBRAP, São
Paulo, n.85, p.261-270, 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S010133002009000300012&lng=en&nrm=iso> Acesso em 14, Abr. 2020.
PUCCI, B. A dialética negativa enquanto metodologia de pesquisa em educação: atualidades.
In: Revista e-curriculum, São Paulo, v.8 n.1 ABRIL 2012
PUCCI, B. Walter Benjamin confidente de Adorno e Horkheimer na Dialética do
Esclarecimento. In: Comunicações (Piracicaba), Piracicaba, SP, v. 07, n. 02, p. 55-69, 2000.
SCHIPPLING, A. O "não-idêntico " na ideia de razão de Theodor W. Adorno e a resultante
possibilidade de uma filosofia fecunda para a Pós-modernidade. In: Revista Filosófica de
Coimbra - n." 25 (2004) pp. 129-140.
ResearchGate has not been able to resolve any citations for this publication.
Article
Full-text available
No atual cenário de complexidade das sociedades contemporâneas, vários são os fatores que contribuem para o agravamento da crise social. O esvaziamento da esfera pública e o conseqüente distanciamento da sociedade civil dos temas eminentemente sociais e humanos são sintomas que evidenciam a crise de uma das dimensões vitais da sociedade, a política. A esse respeito, as reflexões de Theodor Adorno sobre a educação, pensadas no contexto mais amplo de uma sociedade em que prevalece a racionalidade instrumental, o poder ideológico da indústria cultural e a conversão da Bildung (formação cultural) em Halbbildung (semiformação), não deixam dúvidas quanto aos limites do processo formativo atual. A dimensão crítica da cultura, que deveria garantir a emancipação, se desvincula da ação social e acaba cedendo lugar a forma dominante da consciência social voltada para a adaptação e o conformismo. Daí a necessidade, em termos políticos, de uma educação que privilegie a auto-reflexão crítica sobre o processo de semiformação da sociedade, em que ela necessariamente se converteu, já que a determinação política da educação decorre exatamente da necessidade de formação de sujeitos emancipados e livres da condição de alienação social.
  • T W Adorno
  • Teoria Da Semiformação
ADORNO, T. W. Teoria da Semiformação, In: Teoria Crítica e Inconformismo: novas perspectivas de pesquisa. Tradução Newton Ramos-de-Oliveira. Campinas, SP. Autores Associados, 2010.
A dialética negativa enquanto metodologia de pesquisa em educação: atualidades
  • B Pucci
PUCCI, B. A dialética negativa enquanto metodologia de pesquisa em educação: atualidades. In: Revista e-curriculum, São Paulo, v.8 n.1 ABRIL 2012
Benjamin confidente de Adorno e Horkheimer na Dialética do Esclarecimento
  • B Pucci
  • Walter
PUCCI, B. Walter Benjamin confidente de Adorno e Horkheimer na Dialética do Esclarecimento. In: Comunicações (Piracicaba), Piracicaba, SP, v. 07, n. 02, p. 55-69, 2000.