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A pesquisa em psicologia: contribuições para o debate metodológico 2
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
P474
A pesquisa em psicologia: contribuições para o debate
metodológico 2 / Organizador Ezequiel Martins
Ferreira. Ponta Grossa - PR: Atena, 2021.
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Modo de acesso: World Wide Web
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5983-430-3
DOI: https://doi.org/10.22533/at.ed.303210209
1. Psicologia. I. Ferreira, Ezequiel Martins
(Organizador). II. Título.
CDD 150
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mails dos autores, bem como nenhum outro dado dos mesmos, para qualquer finalidade que
não o escopo da divulgação desta obra.
APRESENTAÇÃO
A coletânea A Pesquisa em Psicologia: Contribuições para o Debate Metodológico
2, reúne vinte e sete artigos que abordam algumas das possibilidades metodológicas do
saber psicológico.
A Psicologia enquanto campo teórico-metodológico traz em suas raízes tanto a
especulação losóca sobre a consciência, a investigação psicanalítica do inconsciente,
quanto a prática dos efeitos terapêuticos da medicina e em especial da siologia.
E, desse ponto de partida se expande a uma innidade de novas abordagens da
consciência humana, creditando ou não algum poder para o inconsciente como plano de
fundo.
A presente coletânea trata de algumas dessas abordagens em suas elaborações
mais atuais como podemos ver nos primeiros capítulos em que se tratam do inconsciente
em suas relações com os mitos, o erotismo, os corpos, as contribuições socioeducativas
entre outros olhares para o que é abarcado pelo psiquismo humano.
Em seguida temos alguns temas situacionais de nossa realidade imediata quanto
aos efeitos psicológicos do isolamento social e o medo da morte, assim como de uma, não
tão nova, ferramenta para o tratamento psicológico que é o teleatendimento.
Uma boa leitura!
Ezequiel Martins Ferreira
SUMÁRIO
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 ................................................................................................................. 1
CONTOS DE FADAS: VAMOS JOGAR?
Paula Isabel Gonçalves dos Santos
Marta Silva Coelho
https://doi.org/10.22533/at.ed.3032102091
CAPÍTULO 2 ............................................................................................................... 12
OFICINA TERAPÊUTICA DE ESCRITA COM ADOLESCENTES: A ELABORAÇÃO DE
UMA TRAVESSIA
Lorena Peixoto da Silva
Emilse Terezinha Naves
https://doi.org/10.22533/at.ed.3032102092
CAPÍTULO 3 ............................................................................................................... 22
UM OLHAR À MÃE: RELATO DE EXPERIÊNCIA ACERCA DE PROJETO DE INICIAÇÃO
CIENTÍFICA COM GESTANTES DA REDE PÚBLICA
Thais Daiane Schmidt
Nadia Sefrin Nascimento Pinto
Evelyn Mates Bueno
Rosiane Guetter Mello
Thairine Camargo dos Santos
Ana Glória Siqueira da Silva
Bruna de Morais Teixeira
https://doi.org/10.22533/at.ed.3032102093
CAPÍTULO 4 ............................................................................................................... 35
REDES SOCIAIS VIRTUAIS (INSTAGRAM E FACEBOOK): APOIO MÚTUO E INFLUÊNCIA
PSICOLÓGICA DIANTE DA VIVENCIA DA INFERTILIDADE
Ana Paula Estevam Melo Pimentel
Juliana Santos de Souza Hannum
https://doi.org/10.22533/at.ed.3032102094
CAPÍTULO 5 ............................................................................................................... 51
AS INFLUÊNCIAS DA INTERNET E REDES SOCIAIS E SEU USO PATOLÓGICO NA
SOCIEDADE DIGITAL
Jéssel Renan Balleroni
Felipe Boso Brida
Adriana Pagan Tonon
Fernando Luis Macedo
https://doi.org/10.22533/at.ed.3032102095
SUMÁRIO
CAPÍTULO 6 ............................................................................................................... 64
A COMPREENSÃO DOS SONHOS NA CLÍNICA FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL: UM
ESTUDO TEÓRICO
Maria de Fátima Belancieri
Felipe da Silva Bazilio
https://doi.org/10.22533/at.ed.3032102096
CAPÍTULO 7 ............................................................................................................... 75
PROPRIEDADES DE CONTROLE AVERSIVO EM MANUAIS DE PSICOTERAPIA
ANALÍTICO-FUNCIONAIS CONTRARIAM AS RECOMENDAÇÕES DE SKINNER E
SIDMAN?
Fanny Bohnenberger Ruschel
https://doi.org/10.22533/at.ed.3032102097
CAPÍTULO 8 ............................................................................................................... 91
PELO SUJEITO EM ECOLINGUÍSTICA
Ezequiel Martins Ferreira
https://doi.org/10.22533/at.ed.3032102098
CAPÍTULO 9 ............................................................................................................... 99
PREVALENCIA DE DEPRESIÓN EN EL ADULTO MAYOR DEL POBLADO DE AQUILES
SERDÁN, CHAMPOTÓN, CAMPECHE
Betty Sarabia Alcocer
Betty Mónica Velázquez-Sarabia
María Eugenia López-Caamal
Baldemar Aké-Canché
Tomás Joel López-Gutiérrez
Carmen Cecilia Lara-Gamboa
María Concepción Ruíz de Chávez-Figueroa
María Guadalupe Jaimez-Rodríguez
Pedro Gerbacio Canul Rodríguez
Rafael Manuel de Jesús Mex-Álvarez
Patricia Margarita Garma-Quen
Alicia Mariela Morales Diego
https://doi.org/10.22533/at.ed.3032102099
CAPÍTULO 10 ........................................................................................................... 109
PROPOSTA DE INTERVENÇÃO PARA A PREVENÇÃO DE SUICÍDIO E
COMPORTAMENTOS AUTOLESIVOS ENTRE CRIANÇAS E ADOLESCENTES DE UMA
ESCOLA PÚBLICA BRASILEIRA
Gabrielli Ketlyn Ramos Andreani
Gabrielle Ecks
Geórgia Schubert Baldo
Ana Paula Ferreira Gomes
https://doi.org/10.22533/at.ed.30321020910
SUMÁRIO
CAPÍTULO 11 ........................................................................................................... 115
PERCEPÇÃO DA EQUIPE MULTIPROFISSIONAL SOBRE SEGURANÇA DO PACIENTE
EM SERVIÇO DE ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL
Leandro Lopes Gibson Alves
Leide da Conceição Sanches
Elaine Rossi Ribeiro
https://doi.org/10.22533/at.ed.30321020911
CAPÍTULO 12 ........................................................................................................... 126
PROMOÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA PARA PESSOAS IDOSAS QUE RESIDEM EM
ÁREAS DE VULNERABILIDADE SOCIAL
Dayara Fermiano Campos
Giovanna Silveira Ronqui Souza
Luana Silva Machioski
Thaynara Garcia Gomes
Felipe Ganzert Oliveira
https://doi.org/10.22533/at.ed.30321020912
CAPÍTULO 13 ........................................................................................................... 136
PROJETO NACIONAL DE EDUCAÇÃO PELOS PARES DA FUNDAÇÃO PORTUGUESA
“A COMUNIDADE CONTRA A SIDA” A FORMAÇÃO PEDAGÓGICA DOS JOVENS
VOLUNTÁRIOS
Filomena Margarida Venâncio Frazão de Aguiar
Paula Cristina de Almeida Costa
https://doi.org/10.22533/at.ed.30321020913
CAPÍTULO 14 ........................................................................................................... 148
POPULAÇÃO VULNERÁVEL: IDOSOS
Alyssa Reis Daniel
Bruna Silverio de Sousa
Hugo Murilo de Carlos Vergnano
Jamile Brey Vieira
Julia Marchesi Zeferino
Denise Ribas Jamus
Silvia Regina Hey
https://doi.org/10.22533/at.ed.30321020914
CAPÍTULO 15 ........................................................................................................... 157
O PSICODIAGNÓSTICO E SUAS CONTRIBUIÇÕES DIANTE DA QUEIXA DE
TRANSTORNO DE APRENDIZAGEM
Ana Raquel Gomes Ferreira
Lúcia Fernanda Costa Castro
Mara Eduarda Sousa de Alencar
https://doi.org/10.22533/at.ed.30321020915
SUMÁRIO
CAPÍTULO 16 ........................................................................................................... 164
PERCEPÇÃO DA DOENÇA E DIABETES TIPO 1: REVISÃO SISTEMÁTICA
Gracielie da Silva Campos
Luana Thums
Elisa Kern de Castro
Tonantzin Ribeiro Gonçalves
https://doi.org/10.22533/at.ed.30321020916
CAPÍTULO 17 ........................................................................................................... 178
EFICÁCIA A LONGO PRAZO DA PSICOTERAPIA NA DEPRESSÃO MAJOR: ESTUDO
DE COMPARAÇÃO ENTRE A TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL E A
TERAPIA FOCADA NAS EMOÇÕES
Paula Marinho Vieira
João Manuel de Castro Faria Salgado
Robert Elliott
Carla Alexandra Castro Cunha
https://doi.org/10.22533/at.ed.30321020917
CAPÍTULO 18 ........................................................................................................... 188
DANDO MAIS TEMPO AO TEMPO NAS ESCOLAS
Zena Eisenberg
Carlos Alberto Quadros Coimbra
Sibele Cazelli
Jéssica Castro Nogueira
https://doi.org/10.22533/at.ed.30321020918
CAPÍTULO 19 ........................................................................................................... 207
MECANISMOS DE COMPENSAÇÃO ADOTADOS POR UMA NONAGENÁRIA
IMPOSSIBILITADA DE ANDAR: UM ESTUDO DE CASO
Rosaine da Silva Santos Sousa
https://doi.org/10.22533/at.ed.30321020919
CAPÍTULO 20 ........................................................................................................... 217
CRENÇAS INFANTIS DE CONCEÇÃO E NASCIMENTO E FATORES ASSOCIADOS
Filomena de São José Bolota Velho
Elisabete Batoco Constante de Brito
https://doi.org/10.22533/at.ed.30321020920
CAPÍTULO 21 ........................................................................................................... 242
OS QUESTIONÁRIOS NA INVESTIGAÇÃO EMPÍRICA. FUNDAMENTOS PARA A SUA
CONSTRUÇÃO, ADAPTAÇÃO CULTURAL E ESTUDO DA FIDEDIGNIDADE E VALIDADE
Maria João de Castro Soares
António João Ferreira de Macedo e Santos
https://doi.org/10.22533/at.ed.30321020921
SUMÁRIO
CAPÍTULO 22 ........................................................................................................... 267
MONITORIA ACADÊMICA NA DISCIPLINA DE INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA:
EXPERIÊNCIAS E CONTRIBUIÇÕES PARA A FORMAÇÃO DOCENTE
Denise Maria de Azevedo Frota
Maria Laís dos Santos Leite
Mauro Michel El Khouri
https://doi.org/10.22533/at.ed.30321020922
CAPÍTULO 23 ........................................................................................................... 275
SÍNDROME DE BURNOUT: ESTUDO EM UMA INDÚSTRIA ALIMENTÍCIA
Álvaro Jorge Loro
Aline Bogoni Costa
Samantha de Toledo Martins Boehs
Thais Cristine Farsen
Samara Meinchein Furlanetto
https://doi.org/10.22533/at.ed.30321020923
CAPÍTULO 24 ........................................................................................................... 288
ASPECTOS PSICOSSOCIAIS DO CÂNCER INFANTIL: UMA REVISÃO INTEGRATIVA
Ray Roberto Andrade Nascimento
Rita Cristina de Souza Santos
https://doi.org/10.22533/at.ed.30321020924
CAPÍTULO 25 ........................................................................................................... 299
A DEVOLUÇÃO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES INSTITUCIONALIZADOS E UM
DIÁLOGO COM A PSICOLOGIA
Aldenise Barreto de Albuquerque Silva
https://doi.org/10.22533/at.ed.30321020925
CAPÍTULO 26 ........................................................................................................... 312
UMA PONTE ENTRE O PSÍQUICO E O SOMÁTICO: O PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO
COMO POSSIBILITADOR DA PROMOÇÃO DE SAÚDE
Carline Engel Krein
Valeska Schwarz Kucharski
Luciane Miranda
Bruna Sipp Rodrigues
Tatiane Ströher Renz
Simoni Antunes Fernandes
https://doi.org/10.22533/at.ed.30321020926
CAPÍTULO 27 ........................................................................................................... 319
ANSIEDADE PRÉ – COMPETITIVA E AUTOCONFIANÇA EM MODALIDADE DE ESPORTE
COLETIVO
Andréia Maria Bernardt
Scheila Beatriz Sehnem
https://doi.org/10.22533/at.ed.30321020927
SUMÁRIO
SOBRE O ORGANIZADOR ..................................................................................... 329
ÍNDICE REMISSIVO ................................................................................................. 330
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 1 1
Data de aceite: 20/08/2021
CAPÍTULO 1
CONTOS DE FADAS: VAMOS JOGAR?
Data de submissão: 06/07/2021
Paula Isabel Gonçalves dos Santos
Psicobodycare Unipessoal, Lda.
Porto-Portugal
Marta Silva Coelho
Psicobodycare Unipessoal, Lda.
Porto-Portugal
RESUMO: Introdução: É sabido que a
psicanálise reconhece a importância dos contos
de fadas na saúde mental infantil. Os contos de
fadas permitem que as crianças se expandam
emocionalmente, ajudando-as a compreender
a realidade, ao incluir personagens através das
quais a criança pode facilmente projetar-se e
exteriorizar os seus processos mentais de um
forma controlada e compreensiva. Este estudo
visa compreender se os contos de fadas, na
forma de jogos de tabuleiro, possuem utilidade
clínica. Metodologia: Foram criados quatro jogos
baseados nos contos de fadas e posteriormente
inquiridos 82 psicólogos de ambos os géneros,
após utilizarem esses jogos com pelo menos uma
criança. Resultados: Os resultados mostraram
que a totalidade da amostra já recorreu à técnica
dos jogos dos contos de fadas, sendo que a
grande maioria arma que esta metodologia é
interessante e útil em termos de prática clínica.
Discussão e Conclusão: Os quatro jogos
criados com base nos contos de fadas têm como
objetivo facilitar a psicoterapia infantil. Assim, e
tendo em conta os resultados deste estudo, esta
metodologia apresenta-se como uma técnica de
relacionamento terapêutico, dado que representa
uma plataforma através da qual a criança se
desinibe e se expressa, permitindo trabalhar o
seu mundo interno.
PALAVRAS - CHAVE: Contos de Fadas; Jogos
Terapêuticos; Psicoterapia Infantil.
FAIRY TALES: LET’S PLAY?
ABSTRACT: Introduction: It is well known
that psychoanalysis recognizes the importance
of fairy tales in children’s mental health. Fairy
tales allows the children to expand emotionally,
helping them to understand reality by including
characters through which the child can easily
project and externalize their mental processes
in a controlled and comprehensive way. This
study aims to understand whether fairy tales,
in the form of board games, have clinical utility.
Methodology: Four games were created
based on fairy tales and 82 psychologists of
both genders were later interviewed, after using
these games with at least one child. Results:
The results showed that the entire sample has
already resorted to the technique of fairy tale
games, with the vast majority claiming that this
methodology is interesting and useful in terms of
clinical practice. Discussion and Conclusion:
The four games created based on fairy tales are
intended to facilitate child psychotherapy. Taking
into consideration, the results of this study, this
methodology is presented as being a technique
of therapeutic relationship, as it represents a
platform through which a child is uninhibited and
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 1 2
expresses himself, allowing him to work on his internal world.
KEYWORDS: Fairy Tale; Therapeutic Games; Child Psychotherapy.
1 | OS CONTOS DE FADAS
Os contos de fadas sempre zeram parte do dia-a-dia das crianças (HAMMON,
1992). A essência de um conto de fadas é ser uma história que é partilhada e transmitida de
geração em geração e que sugere uma solução para os conitos e diculdades que todo o
ser humano vive ao longo do seu desenvolvimento. Assim, contar contos de fadas pode ser
uma maneira segura de entrar em contacto com a criança (HOURS, 2014).
De acordo com SILVERMAN (2020), as crianças necessitam de poder experimentar
o prazer de imaginar, muito antes de encontrarem o prazer de ouvir um texto e da linguagem
escrita, sendo que o facto de contar histórias a bebés irá favorecer a construção das suas
primeiras representações acerca do mundo.
Desde vários séculos que a população detém conhecimento do universo da
fantasia, através dos contos de fadas, uma vez que estes possuem signicados simbólicos,
que desde sempre despertaram o inconsciente e o consciente, possibilitando um mapa
complexo do imaginário (SAFRA, 2005). Sendo assim, no passado, os contos de fadas
serviam para adormecer as crianças (SCHNEIDER e TOROSSIAN, 2009). Atualmente, estes
contos, estimulam as capacidades imaginativas e fantasiosas das crianças (SCHNEIDER
e TOROSSIAN, 2009) em que é possível ver reetidas soluções para problemas diários,
sentimentos e emoções problemáticas acerca das relações interpessoais. Para além disso,
os contos de fadas representam maneiras importantes de ajudar as crianças a compartilhar
os seus desejos e expressar as suas agonias e conitos interiores (TSITSANI et al. 2012).
As diferentes narrativas contêm e constroem ligações e hipóteses entre experiências,
conectando o presente, passado e futuro numa estrutura que envolve sentido e signicado
(ANGUS e MCLEOD, 2004; FREDA, 2011; MARTINO et al. 2013).
Os contos de fadas narrados às crianças são estruturados com o objetivo de
sugerirem imagens mentais, sendo essas mesmas imagens que permitem às crianças
reorganizar os seus pensamentos (BETTELHEIM, 2002). Como tal, contar histórias às
crianças e estabelecer um diálogo acerca das mesmas, vai potenciar o aparecimento de
reações favoráveis no que diz respeito ao desenvolvimento da capacidade de imaginar e
recriar (VACHKOV, 2015).
De acordo com CASHDAN (2000) os contos de fadas percorrem cinco etapas, sendo
elas: a passagem ao mundo imaginário, a viagem por esse mundo, uma personagem má ou
um obstáculo a ser ultrapassado, a diculdade em vencer e por m a recompensa.
Nos contos de fadas, as personagens não são boas e más em simultâneo, como
acontece com o ser humano, ou seja, uma personagem ou é boa ou é má (uma irmã pode
ser honesta e a outra mandriona), contudo estes contos possuem o dom de entusiasmar as
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 1 3
crianças. Tal situação acontece nestes contos, com o intuito de ser mais fácil para as crianças
diferenciarem o bem do mal e dessa forma transportar as atitudes e comportamentos das
personagens para a sua vida real, projetando-se como se fosse ela própria (BETTELHEIM,
2002).
Paralelamente, os contos de fadas procuram dirigir-se seriamente a problemas
existenciais como é o caso da necessidade de ser amado(a), o amor pela vida e o medo
da morte. Assim, a forma como os contos terminam (exemplo: “E viveram felizes para
sempre”) mostram à criança a possibilidade de uma vida eterna assim como a necessidade
de edicar uma verdadeira união satisfatória com as outras pessoas. Através dos contos de
fadas, a criança consegue compreender quer a nível inconsciente, quer a nível consciente
a necessidade de se desprender do adulto e ser independente, uma vez que o herói da
história, parte sempre na procura de algo, ou seja, os contos de fadas são direcionados
para o futuro e servem como um guia para a criança (BETTELHEIM, 2002).
Nos contos de fadas, por vezes, o herói mostra-se isolado, construindo um
paralelismo com a criança que também se sente assim com frequência e como tal estes
heróis possuem o poder de mostrar à criança que ela também tem o direito de se sentir
rejeitada e abandonada no mundo, mas assim como ele irá sempre receber ajuda quando
necessitar. Nestas narrações, as crises psicossociais do desenvolvimento das crianças
são representadas de forma simbólica através das diferentes personagens: fadas, bruxas,
animais ferozes, guras sobre-humanas com inteligência, mas o herói e/ou heroína
permanecem humanos comuns que terão uma morte tal como todos os seres humanos
(BETTELHEIM, 2002).
De uma forma geral, toda a criança gosta de fantasia, heróis e histórias fantásticas,
e os contos de fadas apresentam acontecimentos imaginários adaptados à realidade,
promovendo a fantasia e transportando a pessoa que os ouve para um mundo de sonhos
e divagações, podendo estes contos representar um porto de abrigo tanto para as crianças
como para os pais (BETTELHEIM, 2002).
“Cada conto de fadas é um espelho mágico que reete alguns aspetos do
nosso mundo interior e das etapas exigidas na nossa evolução da imaturidade
à maturidade. Esta é uma das muitas verdades reveladas pelos contos de
fadas, que podem guiar as nossas vidas.”
(BETTELHEIM, 1976).
2 | OS CONTOS DE FADAS E A PSICANÁLISE
Diferentes autores (GUTFREIND, 2002; PICARD, 2002; XANTHAKOU, 2001)
sublinham a importância da utilização de contos de fadas no tratamento psicanalítico. Os
contos de fadas transmitem signicações tanto latentes como manifestas, dirigindo-se de
forma simultânea a todos os níveis da personalidade: id, ego e superego, sendo que estes
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 1 4
níveis são portadores de mensagens importantes para o psíquico (FREUD, 1913).
Por norma, as crianças não pedem aos cuidadores para contar uma nova história,
mas sim preferem ouvir aquela que conhecem, uma vez que esperam que a história
permaneça imutável, que nada mude, nem mesmo o tom ou a pessoa que a está a contar.
Assim, estes contos auxiliam no trabalho de ambivalências escondidas, sendo que as
fantasias inconscientes das crianças, as angústias pré-genitais e o complexo de Édipo são
extraídos através dos contos de fadas (DIATKINE, 2007).
O início dos contos remonta sempre para tempos muito longínquos (“Era uma vez”;
“ Há muitos anos atrás”), com o objetivo de simbolizar à criança que a realidade é colocada
de lado e que se vai enveredar por um mundo imaginário e de fantasia. Porém, por mais
que os contos de fadas se desviem da realidade, o seguimento da história não se extingue,
isto é, a criança pode ser transportada para um mundo de fantasia, mas no nal o conto
irá restituir-lhe a realidade da forma mais segura possível. Tal fenómeno permite à criança
retirar uma lição: não faz mal dar largas à imaginação e viajar, mas o importante é que não
se deixe dominar por ela (BETTELHEIM, 2002).
Os pais, quando narram estas histórias às crianças, dão a entender que apreciam
e valorizam as suas experiências internas projetadas na história, atribuindo-lhes alguma
mais-valia para a realidade e tal acontecimento assume-se como um marco de extrema
importância para a criança, uma vez que ela observa as suas próprias experiências
internas aceites como realistas. Por sua vez, os pais quando escolhem os contos de
fadas mais apropriados para os seus lhos, devem ter conhecimento do que se passa no
inconsciente deles e não no seu, para que o conto de encontro às necessidades da
criança (BETTELHEIM, 2002).
3 | OS CONTOS DE FADAS COMO MEIO TERAPÊUTICO
O poder terapêutico dos contos de fadas tem vindo a ser documento por inúmeros
autores, nomeadamente Freud, Melanie Klein e Winnicott (HOURS, 2014).
Segundo BETTELHEIM (1976) os contos de fadas constituem um alicerce terapêutico
ao futuro desenvolvimento da criança, contribuindo para o seu desenvolvimento a nível
psicológico e assumindo-se como um suporte para enfrentar os diversos problemas da
vida infantil, como é o caso da carência emocional. Assim, e ao contar uma história a uma
criança, proporciona-se uma visão global do mundo que a rodeia, onde é permitido expor
os seus sentimentos e pensamentos através de uma linguagem simbólica, oferecendo-lhe
diferentes perspetivas acerca da vida (CALDIN, 2004), sendo que os contos de fadas vão
favorecer a criança através da estimulação de diferentes formas de resolução de problemas,
permitindo-lhes compreender e aceitar os seus próprios sentimentos e motivações e
fomentar a procura do seu autoconceito (FRANZKE, 1989).
A psicoterapia recorre aos contos de fadas para minimizar o impacto da doença
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 1 5
em pacientes psicossomáticos assim como em crianças que sofrem de cancro, sendo
considerada benéca pelo facto de estes indivíduos narrarem as diculdades humanas e
libertarem as suas frustrações e tristezas funcionando como um incentivo à imaginação e
à aptidão do simbolismo, acarretando também um estímulo para o pensamento humano
e proporcionando um diálogo e socialização dos doentes, contribuindo dessa forma para
uma comunicação funcional e saudável (RUNBERG et al. 1993). Portanto, os contos
obrigam a criança a concentrar-se e impulsionam para uma reorganização de conceitos
pré-adquiridos, sendo que desta forma estimulam o pensamento (GUTFREIND, 2004)
assumindo-se como uma estratégia acessível e ecaz para que as crianças aceitem a sua
condição (LEZHAVA e RTSKHILADSE, 2006).
No âmbito do contexto terapêutico é possível recorrer a duas técnicas distintas: o
ato de contar histórias mútuas e a invenção de histórias personalizadas. No contar histórias
mútuas, a criança começa a contar uma história enquanto o/a terapeuta ouve. Quando a
criança termina o/a terapeuta reete sobre o signicado do conteúdo da história baseando-
se nos aspetos não-verbais que possuem relevância para o contexto. De seguida, o/a
terapeuta responde à narrativa contando uma nova história inventada por ele/a, ao passo
que são adicionadas soluções mais dedignas e adaptativas face aos problemas e conitos
representados na história inicial que a criança contou. Por sua vez, a invenção de histórias
personalizadas, refere-se à narração de histórias inventadas pelo/a terapeuta, baseadas
nos acontecimentos e sentimentos que ele/a deteta na própria criança (FRANZ, 1996).
Num estudo realizado com crianças onco-hematológicas, a utilização de contos
de fadas inventados, em contexto de grupo, permitiu que estes pacientes contassem e
compartilhassem a experiência da doença de uma forma diferenciada, que lhes permitia
expressar simbolicamente a sua dor. Neste sentido, os contos de fadas inventados,
sobretudo em modalidade grupal, são utilizados como uma ferramenta para expressar,
compartilhar e apoiar a vivência da doença nas crianças. Para além disso, esta estratégia
terapêutica assume-se como um mediador de processos psíquicos que oferecem novas
soluções ao mesmo tempo que melhora o relacionamento/comunicação interpessoal entre
os participantes do grupo (MARGHERITA et al. 2013), assumindo-se como uma forma de
conectar aspetos emocionais e cognitivos relacionados com a doença, desencadeando
conitos, frustrações e signicados simbólicos, diminuindo a ansiedade e levando ao
controlo ao nível das tarefas de desenvolvimento que são espelhadas no relacionamento
com os outros (KEYTON e BECK, 2009).
Num estudo elaborado por TSITSANI e col. (2012), vericou-se que 66,4% dos pais
utilizavam os contos de fadas para servir de exemplo aos lhos, 50% a m de amenizar
as suas ansiedades geralmente na hora de dormir, todos os participantes concordaram
que os contos de fadas representam ferramentas instrutivas, armando que possuem um
efeito positivo na vida dos seus lhos e ainda todos os participantes reconheceram que
os seus lhos se divertem com os contos de fadas. Portanto, os resultados deste estudo
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 1 6
enfatizam o papel crucial que a narrativa desempenha na vida e desenvolvimento normal
das crianças.
Por sua vez, a utilização dos jogos com base em contos de fadas, como meio
terapêutico (LIMA e KALLAS, 2015; PAPAROTO et al. 2009) vai permitir à criança expressar
melhor as suas emoções, favorece a formação do vínculo com a criança, permite identicar
os conceitos e as regras que governam o seu comportamento, permite vericar a forma
como a criança se relaciona com os outros, permite identicar sentimentos em relação a
si mesma, a determinadas pessoas e situações, treinar para a resolução de problemas
e desenvolver competências individuais e sociais, assumidas como fundamentais para a
obtenção e transmissão de valores e de insights.
No que toca à intervenção clínica, os jogos permitem alcançar determinados
objetivos que estão diretamente relacionados com a queixa clínica e permitem ainda atuar
sobre respostas, com o intuito de modica-las, em virtude da função reforçadora da tarefa
(CLAMAN, 2005; GADELHA e MENEZES, 2004; PAPAROTO et al. 2009).
Em suma, autores como LAFFORGUE (1995) defendem que os contos possibilitam,
num nível pré-consciente, enfrentar certas ansiedades, e portanto, assumem dessa forma
um valor terapêutico.
4 | OBJETIVO
Este estudo teve como objetivo compreender se os contos de fadas, na forma de
jogos de tabuleiro, elaborados pela equipa de investigação, apresentam ou não utilidade
clínica.
5 | METODOLOGIA
5.1 Participantes
Para a realização deste estudo, foram inquiridos 82 psicólogos, 92% do sexo feminino
com média de 10 anos de experiência prossional (DP= 2,4 anos), após a utilização dos
jogos abaixo apresentados, com pelo menos uma criança.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 1 7
Figura 1: O Jogo da Branca de Neve. Figura 2: O Jogo do João e da Maria.
Figura 3: O Jogo da Capuchinho Vermelho. Figura 4: O Jogo dos três Porquinhos.
5.2 Procedimentos
Foi realizado um estudo transversal, em que os autores se propuseram a escutar
a opinião de dezenas de psicólogos que utilizaram os jogos terapêuticos na prática
clínica como instrumento e estratégia de intervenção. Paralelamente, foi administrado um
questionário sociodemográco e recolhido o feedback acerca da utilidade terapêutica dos
jogos.
6 | RESULTADOS
Os resultados deste estudo demonstram que a totalidade da amostra (100%) arma
ter recorrido aos jogos baseados nos “Contos de Fadas” como técnica terapêutica ou
pedagógica, considerando estas atividades como um instrumento importante no âmbito da
prática clínica (Figura 5).
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 1 8
Figura 5: Utilização dos jogos dos “Contos de Fadas.”
Os resultados indicam ainda, que as mensagens que os jogos pretendem transmitir
são assinaladas pelos prossionais como presentes, dado que a maioria das respostas se
situa entre o “concordo” e o “concordo totalmente” (Tabela 1).
Tabela 1: Mensagens principais transmitidas pelos contos.
7 | DISCUSSÃO/CONCLUSÃO
Ouvir contar histórias na infância é muito importante para a formação da criança,
e é através delas que se pode sentir e viver importantes emoções como é o caso da
raiva, tristeza, alegria ou tranquilidade, permitindo viver de forma profunda tudo o que as
narrativas provocam em que as ouve (MAINARDES, 2019).
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 1 9
Os contos de fadas pretendem fornecer modelos de comportamento e regras
implícitas de pedagogia para a educação das crianças (ZIPES, 1988 cit. in TSITSANI et
al. 2012), e ao misturar factos reais com cção, promovem a iniciativa e a capacidade de
autonomia das crianças de uma forma mais efetiva do que a própria experiência da vida
quotidiana (RUSTIN e RUSTIN, 2011).
Os jogos terapêuticos assumem-se como poderosos aliados para os psicólogos em
terapia infantil, tanto como veículo de investigação como de intervenção terapêutica, sendo
o jogo terapêutico uma parte da psicoterapia. Outro aspeto importante relativo a estes jogos
prende-se ao facto de ocorrer um fortalecimento do vínculo com as crianças (GADELHA e
MENEZES, 2004; PAPAROTO et al. 2009).
Portanto, é possível concluir que os jogos elaborados e disponibilizados pelos
autores aos psicólogos que participaram neste estudo, representam um potencial
terapêutico muito interessante, são prazerosos para as crianças e podem fortalecer a
relação terapêutica, constituindo-se assim como mais uma ferramenta clínica ao dispor dos
diferentes prossionais.
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Capítulo 2 12
Data de aceite: 20/08/2021
CAPÍTULO 2
OFICINA TERAPÊUTICA DE ESCRITA COM
ADOLESCENTES: A ELABORAÇÃO DE UMA
TRAVESSIA
Lorena Peixoto da Silva
http://lattes.cnpq.br/7087200442542559
Emilse Terezinha Naves
http://lattes.cnpq.br/7589021673609995
RESUMO: Esse artigo origina-se de uma ocina
terapêutica de escrita com adolescentes no
Centro de Convivência do Pequeno Aprendiz
(CCPA) na cidade de Catalão-GO, cujo objetivo
é possibilitar uma escuta psicanalítica dirigida
aos adolescentes da referida instituição. Ao
longo do artigo destaca-se alguns conceitos
teóricos referentes a adolescência, propondo um
enlace entre as experiências desenvolvidas e as
construções psicanalíticas. A ocina foi realizada
durante o segundo semestre de 2018 e o primeiro
semestre de 2019.
PALAVRAS - CHAVE: Adolescência, Ocina
Terapêutica, Psicanálise.
THERAPEUTIC WRITING WORKSHOP
WITH ADOLESCENTS: THE
ELABORATION OF A CROSSING
ABSTRACT: This article originates from a
therapeutic writing workshop with teenagers at
the Little Apprentice Coexistence Center (CCPA)
in the city of Catalão-GO, whose objective is to
enable a psychoanalytical listening aimed at the
adolescents of the aforementioned institution.
Throughout the article, some theoretical concepts
referring to adolescence are highlighted, proposing
a link between the developed experiences and
the psychoanalytic constructions. The workshop
was held during the second half of 2018 and the
rst half of 2019.
KEYWORDS: Adolescence, Therapeutic
Workshop, Psychoanalysis.
1 | INTRODUÇÃO
Este trabalho origina-se do projeto de
Extensão “Escrita da Adolescência: Ocina de
Traços e Vozes na Elaboração de uma Travessia”
da Universidade Federal de Goiás- Regional
Catalão (UFG), onde é desenvolvida uma
ocina terapêutica de escrita com adolescentes
no Centro de Convivência do Pequeno Aprendiz
(CCPA) na cidade de Catalão- GO. O CCPA
é uma instituição subsidiada pela Prefeitura
Municipal e visa ofertar aos seus usuários de
9 a 22 anos a aprendizagem de ofícios como
os de artesão, corte de cabelo, maquiagem e
micropigmentação, dança, inglês e o curso de
auxiliar administrativo.
A ocina terapêutica de escrita objetiva
criar um lugar de fala e escrita, no qual, os
adolescentes possam compartilhar suas
experiências e possibilitar a elaboração de seus
conitos e angústias, além de contribuir para a
construção de laços sociais e para a constituição
dos processos identicatórios.
No período da adolescência a relação
com a linguagem é de transformação e
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 2 13
reconstrução do que se compreende como sendo próprio, assim, um reinventar-se
constante. Desse modo, o objetivo desse estudo é construir uma discussão teórico e
prática, por meio, dos construtos psicanalíticos e da experiência obtida durante a ocina
terapêutica. Considerando o processo da escrita, no contexto da adolescência, como um
processo de produção de um espaço que vai além do âmbito familiar e possibilita um espaço
próprio que viabiliza a construção de uma assinatura, uma singularidade, a apropriação
de algo seu, a partir da identicação com os traços maternos e paternos. Além disso, a
produção da escrita de si faz emergir discussões sobre questões inerentes adolescência
na contemporaneidade, como por exemplo, a automutilação a ideação suicida e o declínio
da metáfora paterna.
2 | ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A ADOLESCÊNCIA
A adolescência de acordo com Papalia e Feldman (2013, p. 386) é “uma transição no
desenvolvimento que envolve mudanças físicas, cognitivas, emocionais e sociais e assume
formas variadas em diferentes contextos sociais, culturais, e econômicos”. Não obstante, a
adolescência nem sempre teve a conotação adquirida na atualidade.
De acordo com Ariès (1978) a adolescência com suas características peculiares e
únicas surge no século XX, com a modernidade e após a implantação da concepção da
infância como um momento da vida distinto da idade adulta e que necessita de atenção
e cuidados diferenciados. Uma das condições que também favoreceram o surgimento da
concepção de adolescência no século XX foi a necessidade de se dedicar mais tempo a
formação prossional especializada, o que fez com que os jovens demorassem mais tempo
para entrar no mercado de trabalho, ou seja, mais tempo sob a tutela dos pais.
De acordo com Papalia e Feldman (2013), alguns pesquisadores atribuem a
intensidade emotiva e a instabilidade de humor no inaugurar da adolescência aos
desenvolvimentos hormonais. Há, contudo, uma diferença entre a adolescência e a
puberdade, a última envolve alterações físicas, visto que, ocorre um aumento na produção
do hormônio liberador de gonadotrona (GnRH) no hipotálamo, o que “leva a uma elevação
em dois hormônios reprodutivos fundamentais: o hormônio luteinizante (LH) e o hormônio
estimulador dos folículos (FSH)” (PAPALIA; FELDMAN, 2013, p. 387).
Não obstante, a adolescência se situa principalmente no campo social e tem sua
singularidade constituída a partir do meio, no qual, está inserida. Salles entende que as
“condições históricas, políticas e culturais diferentes produzem transformações não
na representação social da criança e do adolescente, mas também na sua interioridade”
(2005, p.34). Sendo assim, a adolescência “deve ser pensada como uma categoria que se
constrói, se exercita e se reconstrói dentro de uma história e tempo especícos”. (FROTA,
2007, p. 154).
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 2 14
2.1 Adolescência: um olhar psicanalítico
A adolescência refere-se a um campo de investigação amplo nos estudos
psicanalíticos, tendo em vista que não submetida aos preceitos biológicos da puberdade,
em psicanálise “a tônica é colocada nas repercussões psíquicas geradas pela chegada do
sujeito a essa etapa de sua vida.” (SAVIETTO; CARDOSO, p.17, 2006).
De acordo com Oliveira “na adolescência retornam-se as questões de identidade:
quem sou eu. Trata-se de um replay dos estágios iniciais do desenvolvimento, dependência
relativa rumo à independência, isto é, um segundo desao” (2009, p.94). Desse modo,
o desamparo que a princípio referia-se a insuciência psicomotora do bebê, signica na
adolescência a “insuciência do aparelho psíquico em dar conta do excesso de excitação
pulsional.” (SAVIETTO; CARDOSO, p.24, 2006).
Não obstante, na adolescência o desamparo retorna acrescido de arrogância,
hostilidade e a necessidade de apoio e conforto social, tendo em vista que, “na fantasia
inconsciente, crescer é, inerentemente, um ato agressivo” (WINNICOTT, 1975, p.195), o
adolescente sente que “está sozinho nesta busca de conhecer-se, nesta construção de
uma subjetividade própria, nesta reinstalação do seu si-mesmo.” (FROTA, 2006, p.60)
Freud em Os três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905) aponta que “como
advento da puberdade, introduzem-se as mudança que levarão a vida sexual infantil à sua
conguração denitiva normal. O instinto sexual, que era predominantemente autoerótico,
encontra agora um objeto sexual.” (FREUD, 1905/2010, p.121). Diante da obtenção das
capacidades reprodutivas ocorre na adolescência uma reedição das vivências do complexo
de Édipo, adormecido no período de latência devido à impotência do corpo infantil para
efetivar o ato sexual incestuoso. Logo, “a força readquirida pelo Complexo de Édipo nesta
ocasião e a possível vivência de sedução ou de perseguição por parte dos objetos (internos)
parentais contribuem para que o sujeito sinta-se violentado na adolescência.” (SAVIETTO;
CARDOSO, p.19, 2006).
Desse modo, a adolescência demonstra-se um momento conturbado, visto que,
além da retomada do complexo de Édipo o adolescente deve fazer um duplo luto pelo
corpo: “o de seu corpo de criança, quando caracteres sexuais secundários colocam-no
ante a evidência de seu novo status e o aparecimento da menstruação na menina e do
sêmen no menino, que lhe impõem o testemunho [...] do papel que terão que assumir.”
(ABERASTURY; KNOBEL, p.14, 1981). Esses processos vividos na adolescência abalam
fortemente as bases narcísicas.
A concepção do Ego é formada a partir do narcisismo, Freud em Introdução ao
Narcisismo (1914) chama atenção para esse fenômeno propondo que ele é indispensável a
todos os sujeitos, desse modo, o narcisismo torna-se um estágio comum no desenvolvimento
sexual humano. A primeira relação que estabelecemos ao nascer é com a gura materna,
pessoa que cuida e supre as necessidades. O bebê em seus primeiros meses de vida está
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 2 15
extremamente dependente do desejo dos pais e não experiencia perdas, “esse estado
paradisíaco de perfeição e completude, entretanto, está fadado a ser interrompido sob
pena de a criança não ascender ao estatuto de sujeito.” (ARAÚJO, p.80-81, 2010).
Com o tempo a criança passa a compreender que não é o objeto de desejo da
mãe, essa ferida narcísica primária faz com que o sujeito se esforce para reatar com
essa plenitude perdida, tentando reconquistar o seu amor. Isso faz com que a criança
entre no segundo estágio do narcisismo “ao qual Freud denominou de narcisismo do
ego ou narcisismo secundário, porque foi retirado dos objetos a partir dos processos de
identicação com as guras parentais ou seus representantes.” (ARAÚJO, p.81, 2010).
Savietto e Cardoso apontam que “as falhas narcísicas que se desenvolvem a partir do início
da subjetivação também vão ressurgir por ocasião da adolescência, quando está em jogo
a tensão entre dependência e autonomia.” (p.21, 2006).
O apoio dos pais torna-se indispensável nesse processo de desenvolvimento
conturbado da adolescência, tendo em vista que, é necessária a presença dos pais para
que os lhos sejam capazes de se desvincularem deles ou não, “o suporte parental é,
portanto, crucial para que a transação narcísica seja efetivada pelo adolescente. Isto
signica que, para serem capazes de investir em novos objetos, os lhos adolescentes têm
que abandonar seus pais como objetos de desejo.” (SAVIETTO; CARDOSO, p.21, 2006).
A renúncia aos desejos incestuosos propicia uma mudança signicativa nos referencial
identicatório. Desse modo, para que o adolescente possa realizar investimentos objetais
secundários é indispensável que ele se desvincule do modelo parental. Essa reorganização
impõe um luto da gura protetora dos pais.
Para Winnicott (1975, p.194) “na época do crescimento adolescente, meninos
e meninas canhestra e desordenadamente emergem da infância e se afastam da
dependência, tateando em busca do status adulto”. Paradoxalmente a imaturidade é uma
parte importante da adolescência, pois “nela estão contidos os aspectos mais excitantes
do pensamento criador, sentimentos novos e diferentes, ideias de um novo viver.”
(WINNICOTT, 1975, p.198). Esse deslocamento entre a realidade interna e externa e/ou a
alienação e a separação do Outro são parte fundamental na constituição da subjetividade.
Transitividade essa que no campo da “abordagem winnicottiana, envolve o exercício da
dimensão de transicionalidade, ou seja, do encontro com objetos da cultura intermediários
que possam ser apropriados e utilizados de forma singular por cada sujeito.” (COUTINHO;
ROCHA, 2007, p. 75).
2.2 Adolescência e escrita
A mãe é o primeiro objeto de amor da criança, desse modo, nos primeiros momentos
de vida “o que a criança busca, como desejo de desejo, é poder satisfazer o desejo da mãe.
(LACAN, 1958/1999, p.197). Tendo isso em vista, Lacan (1958) introduz como ponto axial
do progresso do complexo de Édipo a metáfora paterna que é um signicante metafórico
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 2 16
similar à castração apontada por Freud (1933), ela possibilita que a criança não se xe
na relação com a mãe construindo novos laços. Portanto, a metáfora paterna “propõe o
advento do recalcamento como marca do aparecimento da escrita.” (LIMA, 2006, p.64).
Desse modo, a lei do pai possibilita a identicação com um novo traço que não o
materno e a constituição da noção do Eu. Esse “traço não aponta para uma unidade –
que ela é imaginária –, mas para a possibilidade de contar-se um entre os semelhantes,
assim como de marcar sua diferença pelo seu traço, que é um, e, consequentemente,
singular.” (LIMA, 2006, p.65).
Bidaud (2010) aponta que uma das assinaturas que marcam os sujeitos na
contemporaneidade são as inscrições sobre o próprio corpo. Os cortes feitos pelos
adolescentes parecem testemunhar uma “falta em signicar em relação ao Outro. Elas são
a marca cicatrizada de uma escrita sem endereçamento, anúncio pobre e desesperado de
um gesto de nominação que não carrega nada em si.” (BIDAUD, 2010, p. 179) Logo, as
condutas adolescentes de auto-mutilação, inscrição no corpo sem nenhum endereçamento,
parece indicar uma insistência em permanecer no agir para se proteger do encontro com a
divisão subjetiva entre o eu e o Outro.
Devido ao luto que deve ser realizado quanto ao corpo infantil, o adolescente,
“parece encontrar-se ameaçado no seu valor de traço, dado que seus antigos contornos
modicam-se,” (LIMA, 2006, p. 68). Logo, o advento da adolescência exige um “retorno do
estádio do espelho, quer dizer um “re-jogo” de troca de olhares, [que] engaja os sujeitos
num posicionamento (a busca de sua posição) em sua relação à sua imagem própria e a
imagem do Outro.” (BIDAUD, 2010, p. 177). Desse modo, a adolescência pressupõe uma
crise na escrita, para a construção de novos traços e de uma assinatura que “tem a ver
com o reconhecimento de um sujeito que é nomeado e que pode se contar entre outros”
(BIDAUD, 2010, p. 177).
3 | METODOLOGIA
O projeto de Extensão “Escrita da Adolescência: Ocina de Traços e Vozes na
Elaboração de uma Travessia” propõe como metodologia a realização ocinas semanalmente
no Centro de Convivência do Pequeno Aprendiz (CCPA) da cidade de Catalão- GO, com
duração de uma hora, coordenada por duas alunas do curso de Psicologia. A ocina foi
composta por dez participantes, e mesmo sendo aberto a ambos os sexos, foi composto
exclusivamente por mulheres. Sua dinâmica de funcionamento consiste no acolhimento
inicial e em seguida na escrita livre sobre o tema que vier à mente das participantes, desse
modo, posteriormente são realizadas reexões e pontuações quanto ao material produzido.
São realizadas supervisões semanais com as estagiárias a partir dos relatos que
elas elaboram após o término de cada ocina terapêutica.
Para os objetivos desse estudo, tendo como base o material clínico e os relatórios
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 2 17
obtidos na realização das ocinas foi realizado uma pesquisa bibliográca de autores
psicanalíticos para compreender a constituição da adolescência, a escrita e as ocinas
terapêuticas, visando desenvolver uma análise da escrita e das falas das participantes a m
de compreender o alcance desse dispositivo terapêutico no cuidado com a adolescência.
4 | RESULTADOS E DISCUSSÃO
4.1 A Ocina Terapêutica- Caminhos para a construção de uma travessia
A adolescência é um “longo trabalho de elaboração de escolhas e um longo trabalho
de elaboração da falta no Outro.” (ALBERTI, 2010, p. 10). De acordo com Coutinho e
Rocha “neste re-encontro com o Outro na adolescência, é consenso entre os psicanalistas
que trabalham com adolescentes a importância do espaço de grupo como espaço de
fala, de reconhecimento e de suporte para novas identicações” (2007, p.77) Logo, a
ocina terapêutica torna-se “um lugar de sustentação psíquica, do holding, base para a
reedicação do ‘espaço potencial’ – área intermediária entre a realidade interna e externa;
em outras palavras, lugar das experiências ligadas aos fenômenos e objetos transicionais.”
(CARVALHO, 2015, p. 93). Assim, as ocinas terapêuticas são um setting com locus
privilegiado, pois promovem um espaço conável e não invasivo.
De acordo com Coutinho e Rocha “o grupo promove um fechamento em torno
de um sintoma, de uma fantasia, alimentada pelas identicações horizontais entre seus
integrantes, de forma que o que surge dentro do grupo se constitui em formações do
inconsciente grupal.” (2007, p.76). Frente a isso, o psicanalista se posiciona como um
facilitador do processo de alienação e separação constituintes do Eu na adolescência,
desse modo, atuando na encruzilhada entre o desejo do sujeito e o desejo do Outro.
Tal processo de identicação e desidenticação causa a sensação de desamparo,
insuciência e abandono, algo que é recorrente na fala e na escrita das adolescentes e
que aponta para um desencontro entre elas e os pais, desenlace que ocorre porque elas
não conseguem suprir seus desejos e expectativas. Desse modo, encontra-se presente
na escrita das adolescentes frases como: “minha mãe me xinga todo dia, fala que eu não
presto e que cada dia que passa ela desgosta de mim” (M.L, 14 anos). “sabe quando você
faz tudo para agradar as pessoas mas não é o suciente, então, eu passei esses últimos
dias tentando agradar a minha mãe mas ela nunca estava feliz, eu tento parar de fazer o
que eu gosto só pra agradar ela e nunca está bom e nunca é suciente” (M. 14 anos).
O desencontro entre as expectativas e desejos dos pais e os desejos dos seus
lhos fazem com que por diversas vezes ocorra um distanciamento entre eles. Uma das
adolescentes chega a relatar: “meu pai sumiu da minha vida” (M. 14 anos). O efeito da
desistência dos pais em relação aos lhos é devastador, visto que, “desesperado e perdido,
o adolescente então inicia uma busca que pode ser uma completa catástrofe na tentativa
de alcançar novamente a mão dos pais, o que, como numa bola de neve, tem cada vez
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 2 18
mais diculdade de conseguir.” (ALBERTI, 2010, p. 22).
Nessa tentativa de reatar a relação perdida com os pais as adolescentes, algumas
vezes, encontram-se em uma encruzilhada, entre seus desejos e o desejo do Outro, situação
geradora de angústia, visto que, “quando a integridade egóica é ameaçada, o sujeito é
sinalizado por meio de sensações de angústia.” (COSTA apud SAVIETTO; CARDOSO,
2006, p. 20). Nesse sentido, esse desencontro e, consequente distanciamento, diculta
ao adolescente encontrar os caminhos para dar vez aos processos de desindenticação
e alcance de novas identicações, podendo culminar em atuações desastrosas para sua
vida.
Logo, a fala e a escrita no espaço potencial que é a ocina terapêutica torna-se
um meio pelo qual as adolescentes encontram a possibilidade de expressar-se e construir
caminhos de mediação entre o ideal do eu e o eu ideal, efeito similar ao ocasionado pelos
objetos transicionais no bebê. Winnicott aponta que “na relação com o objeto transicional, o
bebê passa do controle onipotente (mágico) para o controle pela manipulação (envolvendo
o erotismo muscular e o prazer de coordenação).” (1975, p.23). Desse modo, o objeto
transicional permite que a criança suporte a separação da mãe e caminhe da total
dependência em direção a uma dependência parcial.
Na adolescência, quando ressurgem questões identitárias da primeira infância esse
processo de separação da gura dos pais retorna com maior vividez se intensicando, o
que faz ressurgir também a necessidade de mecanismos que auxiliem o adolescente a
elaborar e suportar a falta do Outro para constituir-se como sujeitos. Frente a isso, a escrita
pode adquirir status de objeto transicional, visto que, torna-se de suma importância para a
constituição da subjetividade, pois, além de aliviar as tensões presentes frente ao encontro
com a realidade ela permite que o sujeito adquira o sentimento de self.
Lima aponta que “do declínio vertiginoso da metáfora paterna, o adolescente, pela
escrita, apela à construção de imagens para o trabalho de modelagem de contornos que
lhe possibilitem existir.” (2006, p.70) Logo, a linguagem possibilita uma relação com o
objeto perdido, estabelecida na sua ausência e, que não apenas indica sua perda, mas a
construção de sentido. Assim, as adolescentes, por meio, da escrita na ocina terapêutica
podem construir signicados para seus afetos.
Os relatos de automutilação, ideação suicida e tentativas efetivas de suicídio também
são frequentes nas ocinas. “Tem dias que eu acordo com muita vontade de morrer” (K,
15 anos). “Tentei me matar, tomei vários remédios, tudo que você pensar eu tomei, eu só
queria morrer em paz.” (B. 16 anos). Macedo e Werlang apontam que a passagem ao ato
ocorre, pois, “dor, compulsão à repetição e ato se confundem na busca de dar m a algo
que atormenta o sujeito. (2007, p.102)
A incapacidade de atribuir sentido à angústia na adolescência faz com que muitas
vezes não se sintam escutadas e compreendidas. K. (15 anos) arma: “ninguém nunca
entenderá o que passa na mente de uma pessoa suicida, ela entende o que aquela
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 2 19
confusão está causando ali dentro, nem sempre um suicida quer acabar com sua vida
[...] queremos é acabar com tudo de uma vez.” A passagem ao ato está relacionado a
incapacidade de atribuir sentido a algo que ingressou no psiquismo (MACEDO; WERLANG,
2007). Logo, a desesperança, a sensação de ser incompreendida e de abandono feito
pelos responsáveis, por vezes torna-se “companheira e motor de combustão para a busca
de m.” (MACEDO; WERLANG, 2007, p.102). Nesses contextos, nos quais, o ato toma o
lugar da fala a escuta psicanalítica torna-se urgente, pois, pela via da transferência atua
na repetição possibilitando a construção de palavras que transformem o excesso pulsional.
5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da experiência no Centro de Convivência do Pequeno Aprendiz (CCPA) da
cidade de Catalão-GO é possível constatar que as ocinas de escrita com adolescentes
favorecem a construção de um trabalho grupal que é igualmente subjetivo e singular,
podendo “favorecer a circulação de sentidos e os deslizamentos signicantes, com alguma
repercussão possível nos modos de gozo dos sujeitos que delas participam, atrelados
às identicações e aos “lugares” ocupados por eles no campo da cultura.” (COUTINHO;
ROCHA, 2007, p.81)
A escuta psicanalítica nesse campo deve ser crítica e transformadora, preocupando-
se com manejo da transferência e o uso das palavras. Mediando a construção de um
espaço que propicie a elaboração dos afetos, desejos, anseios e vontades dos participantes
viabilizando a elaboração de novas saídas, novas identicações e novas possibilidades.
Por m, almeja-se com esse estudo contribuir para as discussões quanto à realização
de ocinas terapêuticas com adolescentes. Não obstante, apesar dos resultados positivos,
essa experiência é apenas um recorte da realidade de algumas adolescentes da cidade de
Catalão-GO, o que leva a apontar a necessidade de mais pesquisas sobre o tema, tendo
em vista que diante das questões que envolvem adolescência e contemporaneidade, torna-
se cada vez mais indispensável a construção de espaços que possibilitem a expressão dos
sentimentos e afetos que perpassam essa fase.
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A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 3 22
Data de aceite: 20/08/2021
CAPÍTULO 3
UM OLHAR À MÃE: RELATO DE EXPERIÊNCIA
ACERCA DE PROJETO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA
COM GESTANTES DA REDE PÚBLICA
Data de submissão: 04/06/2021
Thais Daiane Schmidt
Graduanda do Curso de Psicologia pelas
Faculdades Pequeno Príncipe Curitiba –
Paraná
ORCID: 0000-0002-0452-8190
http://lattes.cnpq.br/6813494400658615
Nadia Sefrin Nascimento Pinto
Graduanda do Curso de Psicologia pelas
Faculdades Pequeno Príncipe
Curitiba – Paraná
ORCID: 0000-0002-2465-6552
http://lattes.cnpq.br/5932725421542049
Evelyn Mates Bueno
Graduanda do Curso de Psicologia pelas
Faculdades Pequeno Príncipe Curitiba –
Paraná
ORCID: 0000-0001-8594-9386
http://lattes.cnpq.br/5910322453823412
Rosiane Guetter Mello
Diretora de pesquisa e pós graduação das
Faculdades Pequeno Príncipe
Curitiba - Paraná
ORCID: 0000-0002-7937-6590
http://lattes.cnpq.br/6425367037211487
Thairine Camargo dos Santos
Mestre no programa de Pós-Graduação da
Faculdades Pequeno Príncipe
Curitiba – Paraná
ORCID: 0000-0001-8643-2629
http://lattes.cnpq.br/4888876777028879
Ana Glória Siqueira da Silva
Graduanda do Curso de Psicologia pelas
Faculdades Pequeno Príncipe
Curitiba - Paraná
ORCID: 0000-0002-6207-4043
http://lattes.cnpq.br/1018717118630932
Bruna de Morais Teixeira
Graduanda do Curso de Psicologia pelas
Faculdades Pequeno Príncipe
ORCID: 0000-0003-2099-6725
http://lattes.cnpq.br/0325850423877927
RESUMO: A gestação é um período de intensas
mudanças e descobertas tanto físicas quanto
emocionais para a mulher, e essa preparação para
o nascimento de uma nova criança impactará no
percurso de desenvolvimento que se seguirá. O
objetivo dessa pesquisa foi conhecer a realidade
nas unidades selecionadas para o estudo, no que
diz respeito ao bem estar emocional de gestantes
entre vinte e trinta semanas de gestação, e
realizar intervenções em grupo terapêutico.
Trata-se de um relato de experiência realizado
através de um estudo de coorte, quantitativo, de
cunho exploratório e descritivo, realizada em três
unidades básicas de saúde localizadas em um
distrito sanitário de saúde de uma capital do sul
do país. A amostra total de gestantes captadas
nas unidades de saúde no tempo 0 foi de 165
mulheres, sendo que 35 delas apresentaram
sintomas de ansiedade ou depressão, e a amostra
nal foi equivalente a 11 participantes. A seleção
se deu a partir dos resultados acima de onze na
aplicação da Escala Hospitalar de Ansiedade e
Depressão – HAD. Foram realizados três grupos
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 3 23
distintos, que contaram com dois encontros em cada unidade de saúde. Os resultados obtidos
foram relacionados com a literatura existente sobre o assunto. Além disso, foi realizada
uma revisão narrativa, as buscas de dados foram realizadas nas bases: PUBMED, BVS
e Google Acadêmico, com os descritores: Gestante, Saúde Mental, Rede Pública. Foram
excluídos artigos que não relataram os aspectos psíquicos e emocionais de gestantes e
aqueles que ressaltaram a importância de outros métodos terapêuticos além do psicológico.
Ao todo, foram selecionados dezesseis artigos que correspondiam aos critérios denidos. A
intervenção grupal pôde ser considerada positiva, visto que criou situações de apoio mútuo
entre as participantes, explicado através do fenômeno da identicação projetiva. Conclui-se
que os grupos terapêuticos são estratégias importantes para trabalho com gestantes que
apresentam sintomas de ansiedade ou depressão.
PALAVRA - CHAVE: Gestante; Saúde Mental; Rede Pública.
A LOOK AT THE MOTHER: EXPERIENCE REPORT ABOUT THE
UNDERGRADUATED RESEARCH PROJECT WITH PREGNANT WOMEN FROM
THE PUBLIC HEALTH NETWORK
ABSTRACT: Pregnancy is a period of intense physical and emotional changes and discoveries
for a woman, and this preparation for the birth of a new child will impact the developmental
path that will follow. The objective of this research was to know the reality in the health centers
selected for the study, regarding the emotional well-being of pregnant women between twenty
and thirty gestation weeks, and to perform interventions in therapeutic groups. This is an
experience report through a cohort, quantitative, exploratory, and descriptive study, carried out
in three basic health centers located in a sanitary health district of a southern Brazilian capital.
The total sample of pregnant women picked up at the health centers at time 0 was 165 women,
35 of whom had symptoms of anxiety or depression, and the nal sample was equivalent to
11 participants. The selection was based on the results above eleven on the application of
the Hospital Anxiety and Depression Scale - HAD. Three different groups were held, with two
meetings in each health center. The results obtained were related to the existing literature on
the subject. In addition, a narrative review was conducted, data searches were performed in
the databases: PUBMED, BVS, and Google Scholar, with the descriptors: Pregnant Woman,
Mental Health, Public Network. Articles that did not report on the psychic and emotional
aspects of pregnant women and those that stressed the importance of therapeutic methods
other than psychological were excluded. A total of sixteen articles matching the dened criteria
were selected. The group intervention could be considered positive, since it created situations
of mutual support among the participants, explained through the phenomenon of projective
identication. From this, in can be concluded that therapeutic groups are important strategies
for working with pregnant women who present symptoms of anxiety or depression.
KEYWORDS: Pregnant Woman; Mental Health; Public Health Network.
1 | INTRODUÇÃO
A gestação é um período delicado, no qual a mulher está sujeita a alterações tanto
físicas, devido às reorganizações hormonais, bioquímicas e corporais, quanto sociais,
envolvendo a adaptação de um novo papel social e da sua identidade. Dessa forma,
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 3 24
a gestante se encontra exposta diversos sentimentos a serem elaborados, estando
vulnerável à ansiedade e à depressão (KLEIN; GUEDES, 2008). O nascimento de um lho
pode provocar mudanças signicativas na vida de uma mulher. Devido a responsabilidades
da troca de papel, e o estresse de cuidar de um bebê, aumentam a possibilidade de ocorrer
episódios de ansiedade e depressão na vida dessa mãe. A ansiedade durante a gestação,
segundo Silva et al. (2015), é considerada um fator de risco notável, pois pode prejudicar
o desenvolvimento do bebê, podendo até mesmo levar a prematuridade ou baixo peso ao
nascer.
Cabral et al., (2012) arma que a prevenção e proteção da mulher no período
gestacional minimiza o impacto dos fatores de risco, diminuindo assim, a possibilidade
de se desenvolver uma depressão puerperal. Por isso é importante que sejam tomadas
medidas de prevenção e sejam implementadas estratégias variadas nos serviços de saúde
que rastreiem esses grupos em vulnerabilidade e por m, fazer uma intervenção psicológica
para evitar que os quadros de vulnerabilidades psíquicas se agravem. O período do pré-
natal favorece a intervenção devido ao constante contato das gestantes com prossionais
da área da saúde (LARA et al., 2010). Outro aspecto que torna relevante realizar uma
intervenção durante o período perinatal, são os possíveis efeitos no bebê. Um estudo
demonstrou que lhos de mães deprimidas apresentaram níveis elevados de noradrenalina
e cortisol, desregulação acentuada do sono e pequena resposta a expressões faciais
(FIELD, 1998).
Também foi constatado em pesquisas que os bebês demonstram mais
descontentamento e menos vocalização (FIELD, 1995). Estudos com crianças mais velhas
que cresceram com mães depressivas apontaram para maior propensão à intolerância
à frustração, introversão, apego inseguro e diculdade de separação decorrentes do
desenvolvimento em um ambiente estressante e com uma gura parental distante, menos
afetiva e possivelmente negligente nos cuidados (CICCHETTI, ROGOSCH e TOTH,
1998; GOODMAN e GOTLIB, 1999). Outras possíveis consequências são o atraso no
desenvolvimento neurológico e a desregulação emocional (FIELD, 1998; MONK, 2001).
Segundo a Organização Mundial da Saúde, o número de gravidez na adolescência
no Brasil está acima da média, sendo que a cada mil adolescentes entre 15 e 19 anos,
68,4 engravidaram, o que comunica a condição psicológica a qual estão submetidas,
pois se reetirmos sobre sua conjuntura de desenvolvimento psicológico, é preocupante
(DADOORIAN, 2003). Além das estatísticas demonstradas nas adolescentes, não um
censo indicativo sobre a saúde mental de mulheres na gestação ou dados que apontem
para o índice de depressão pós-parto, diagnósticos de ansiedade, psicoses, ou qualquer
outra alteração psíquica no puerpério. Boa parte dos estudos é voltada à saúde física, não
dando a devida atenção para as complicações por fatores psicossomáticos (DADOORIAN,
2003).
Além desse fator, o que se observa no serviço público é a falta de assistência
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 3 25
psicológica à essa população de gestantes, isso devido a uma grande demanda de
atendimentos, como outros fatores. Diante desse cenário, esse trabalho busca discorrer
sobre os aspectos psicológicos da mulher durante a gravidez, assim como ressaltar a
importância do cuidado da saúde mental durante o período do pré-natal, como um método
preventivo de posteriores complicações em sua saúde como também na saúde do bebê.
2 | OBJETIVOS
Analisar o contexto psicológico de gestantes.
Investigar a importância da prevenção da depressão e ansiedade em gestantes.
Sugerir propostas de intervenção psicológica na rede pública.
Elaborar um relato de experiência acerca de uma intervenção psicológica rea-
lizada na rede pública.
3 | MATERIAL E MÉTODOS
Trata-se de um relato de experiência realizado através de um estudo de coorte,
quantitativo, de cunho exploratório e descritivo, realizada em três unidades básicas
de saúde localizadas em um distrito sanitário de saúde de uma capital do sul do país.
A amostra total de gestantes captadas nas unidades de saúde no tempo 0 foi de 165
mulheres, sendo que 35 delas apresentaram sintomas de ansiedade ou depressão, e a
amostra nal foi equivalente a 11 participantes. A seleção se deu a partir dos resultados
acima de onze na aplicação da Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão – HAD. Foram
realizados três grupos distintos, que contaram com dois encontros em cada unidade de
saúde. Juntamente a isso, foi feito uma revisão sistemática a respeito das terapias grupais
e como elas inuenciam nas gestantes deprimidas e/ou ansiosas.
Além disso, foi realizada uma revisão narrativa, que teve como base a busca de
dados na literatura e informações bibliográcas de outros estudos para a obtenção do
resultado (ROTHER, 2007). As buscas de dados foram realizadas nas bases: PUBMED,
BVS e Google Acadêmico, com os descritores: Gestante, Saúde Mental, Rede Pública.
Foram excluídos artigos que não relataram os aspectos psíquicos e emocionais de
gestantes e aqueles que ressaltaram a importância de outros métodos terapêuticos além
do psicológico. Ao todo, foram selecionados dezesseis artigos que correspondiam aos
critérios denidos.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 3 26
4 | RESULTADOS E DISCUSSÃO
4.1 Relato de experiência
Durante as sessões grupais o que mais pode ser observado, foi a emergência de
assuntos que nada tinham a ver com a gestação, mas que as gestantes acabavam atribuindo
à criança. Por exemplo, conitos com seus maridos, conitos sobre sua vida prossional e
conitos em relação a sua própria feminilidade. E, de maneira muito compreensível, uma
conseguia ajudar a outra a partir de alguma experiência já vivida. Sendo assim, observa-
se a presença de um fenômeno característico da psicanálise, a identicação projetiva.
O conceito criado por Melanie Klein é colocado como mecanismo de defesa primitivo,
originado nas relações objetais primitivas e que se apresenta na interrelação entre os
sujeitos, no qual o ouvinte tem sua mente acometida pelo mecanismo e ocorre um processo
de repetição (CAVALARI e MOSCHETA, 2007; ZIMERMAN, 2000).
O método utilizado nos grupos com as gestantes, foi a de associação livre. De
acordo com revisão sistemática realizada, nenhum estudo foi encontrado que utilizasse
da associação livre como intervenção psicológica. Ou seja, não é usual a utilização da
associação livre em grupos de intervenção psicológica em gestantes com ansiedade
e/ou depressão. Os métodos de intervenção mais encontrados foram de terapia
interpessoal, terapia cognitiva comportamental e intervenção psicoeducacional. Um fator
predominantemente complicador para esta pesquisa, foi a vinculação das gestantes que
participaram dos grupos, sendo atribuído pelo número pequeno de sessões grupais.
Neste estudo, as gestantes selecionadas obtiveram resultados acima de onze
na aplicação da Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão HAD, e a partir disso,
participaram de dois encontros de intervenção grupal. Na revisão sistemática pode-se
perceber que a maioria dos estudos selecionados desenvolveram seis sessões grupais ou
mais (BITTNER et al., 2014; MC GREGOR et al., 2014; LARA et al., 2010; GREEN et al.,
2015; FIELD et al., 2013; AUSTIN ET AL, 2008). A respeito do HAD, na experiência dessa
pesquisa há concordância com Botega et al. (1995) que aponta que a pequena quantidade
de itens prejudica o rastreamento na identicação de algum transtorno de humor, também
questiona se o instrumento não se torna facilmente manipulável pelo sujeito avaliado devido
à presença da pontuação das respostas. Ademais, a literatura sobre o assunto aponta que
a participação de gestantes em grupos, tem se mostrado de forma válida, uma vez que,
além de trazer pontos e questões terapêuticas à tona, oferece um suporte para essas
gestantes (SARTORI, VAN DER SAND; 2004).
4.2 Contexto Psicológico de gestantes
Ao contrário do que o senso comum arma, a maternidade não se caracteriza como
um processo inato, o qual a mulher já vem preparada para gerar uma vida desde que se
congura com o aparato de seu útero, ovários, vagina e mamas. Biologicamente pode
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 3 27
até ser assim que ocorre, porém, psicologicamente o processo é muito mais profundo. A
função materna é uma construção na mente da mulher, realizada ao longo da gestação, a
qual pode ser facilitada ou dicultada de acordo com os recursos psicológicos que a mulher
possui (STELLIN et al., 2011).
Os estudos psicanalíticos são os que mais se debruçam sobre a interação mãe-
bebê, e dentro dessa teoria, entende-se que a criança ao nascer é um ser que necessita de
estímulos para ingressar ao mundo, são os desejos da mãe que irão moldá-lo e marcá-lo
de forma que, a partir de então, ele irá se tornar alguém, e assim, sua personalidade será
constituída. Entende-se que a mãe foi essa criança em desenvolvimento que, dentro
desse processo, adquiriu seus recursos psíquicos, e que, necessariamente, necessita
deles para tornar-se mãe (STELLIN et al., 2011).
Além disso, dentro desta teoria, há as esferas consciente e inconsciente, onde o
inconsciente irá se formar a partir das vivências de sua infância primária, com aqueles que
zeram o papel materno e paterno, e o consciente será a esfera em que se manifestará
seus conteúdos inconscientes, que com auxílio de seus mecanismos de defesa
estruturais. É natural que haja conitos entres essas duas esferas psíquicas, porém, no
caso de uma gestação, ainda há o caso da mulher sofrer angustias relacionadas ao desejo
de conceber uma vida (TACHIBANA et al., 2006). Em um estudo feito na rede pública em
Fortaleza-Ce, onde em entrevistas semi-estruturadas procurava-se saber quais condições
psíquicas eram necessárias para o processo de construção da maternagem, destacou-se a
questão do planejamento da gravidez, em que se manifestava claramente a ambivalência
entre o querer ter um lho e o desejar. Dentro da teoria psicanalítica apresenta-se esses
dois conceitos como totalmente diferentes, ilustrando na perspectiva gestacional, quando
o lho passa da perspectiva imaginária e se torna real, a partir disso a mulher se vê entre
a obrigatoriedade social de querer um lho e a sua subjetividade que pode se expressar
como desejante do lho ou não (STELLIN et al., 2011).
Além disso, o processo imaginativo sobre o próprio lho constitui uma grande
parcela desse desenvolvimento de tornar-se mãe, fantasiar como será seus aspectos
físicos, comportamentais, se imaginar segurando-o no colo. No mesmo estudo citado
acima notou-se que esse processo começa a ocorrer quando o bebê se torna notado, com
movimentos, fazendo com que a mulher se perceba grávida a partir de suas alterações
físicas da gestação. A partir disso que a elaboração psíquica do bebê na mente da mulher
é feita, pois inicialmente é um estranho, mas que com o tempo se torna íntimo devido às
projeções e idealizações por parte da mãe. É a partir da linguagem que tanto a mãe vai
reconhecer o lho, quanto o lho irá se reconhecer como constituinte do ambiente familiar
(STELLIN et al., 2011).
Atualmente o quadro de transtornos mentais em gestantes na rede pública de saúde
foi denunciado em um estudo em 18 unidades básicas de saúde no Brasil que 21,6%
do público estudado apresentavam transtorno depressivo maior, 9,3% apresentavam
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 3 28
transtorno de pânico, 19,8% apresentavam ansiedade generalizada, entre outros (ALMEIDA
et al., 2012). Vê-se então, a necessidade de acompanhamento psicológico nessa fase de
fragilidade, tanto pela conjuntura psíquica, quanto pelas alterações hormonais que pioram
o quadro.
Entende-se que durante a gestação a mulher encontra-se em um período vulnerável,
principalmente por tratar-se de diversas mudanças biopsicossociais, como alterações
corporais, hormonais, bioquímicas e sociais, uma vez que, agora será adicionado um novo
papel social em sua vida, a inclusão da função de mãe (KLEIN; GUEDES, 2008). Devido a
tais mudanças, é comum surgir ansiedade por todo o processo de gravidez, acompanhado
pela sensação de insegurança, medo do desconhecido e a incerteza dessa nova identidade.
As alterações psicológicas envolvidas abordam diversos fatores não apenas em seu novo
papel social, mas também em sua rede de apoio, a questão nanceira, como ter condições
para criar um novo membro na família, preocupações sobre a saúde do bebê e se dará
tudo certo na gestação, assim como o meio social, dentre outras causas (KLEIN; GUEDES,
2008).
Como citado acima, acerca do medo do desconhecido, a mulher possui apreensão
sobre a possibilidade de o processo ser doloroso no momento do parto, assim como sua
relação inaugural entre mãe e lho. Pertinente a todas as questões apresentadas durante
a gravidez, faz-se necessário uma intervenção psicológica, possibilitando para a mulher
uma elaboração equilibrada das emoções manifestadas nesse período (KLEIN; GUEDES,
2008).
Os grupos de apoio proporcionam uma intervenção que oferece um espaço para
compartilhar com outras mulheres na mesma situação, um meio para repartir experiências
e trocar informações, através de um mediador. Esse espaço pode oferecer uma reexão a
respeito das mudanças da gestação e diminuir os sintomas envolvendo as preocupações
sobre a gravidez (KLEIN; GUEDES, 2008).
Além disso, de acordo com a literatura, o período da gestação é a fase mais
propensa na manifestação de transtornos psíquicos. Nesta etapa, há uma necessidade em
cuidar do bem-estar da gestante, para que não haja problemas e sintomas futuros em seu
lho. Apresentação de apatia, choro excessivo, futuros distúrbios afetivos, problemas no
desenvolvimento são tipos de complicações que podem ocorrer (FALCONE et al., 2005).
Dessa maneira, encontrar modos de prevenção e intervenção torna-se essenciais.
Um exemplo dado é a depressão pós-parto, sendo que esta pode ser prevenida durante
o pré-natal. O tratamento com uma equipe multiprossional, incluindo psicólogos, pode
promover uma qualidade de assistência integral na melhora dos fatores psicológicos
(FALCONE et al., 2005).
4.3 Sugestões de intervenções
Com o intuito de atuar como um fator de proteção para a depressão pós-parto, foi
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 3 29
criado em um hospital particular em Brasília, o programa Pré-Natal Psicológico (PNP). O
programa oferece grupos psicoeducativos, nos quais são discutidos temas que envolvam
gestação, parto e pós-parto. O grupo é aberto, com a possibilidade de que novas gestantes
possam ingressar ao decorrer das sessões, independentemente de estarem passando
por grande sofrimento psíquico ou não, e podem desvincular-se a qualquer momento.
Os encontros ocorrem semanalmente, e duram cerca de duas horas, sendo a demanda
abordada a ser trazida pela equipe ou pelos integrantes do grupo, de acordo com as
necessidades apresentadas. O seu fechamento ocorre dependendo do desenvolvimento
do grupo. É possível a participação dos pais e avós para que haja a conscientização dos
seus papéis como pai ou rede de apoio (ARRAIS; ARAUJO, 2016). O grupo almeja auxiliar
a gestante e a família na preparação emocional para enfrentar a parentalidade de maneira
positiva. Outros pontos abordados é a reorganização da relação conjugal, esclarecimento
de dúvidas e inseguranças, orientação sobre o parto, procedimentos envolvidos e puerpério.
Além disso, oferece um espaço de escuta qualicada para que os genitores possam expor
seus sentimentos, angústias e receios e ouvir outras experiências e perspectivas (ARRAIS;
CABRAL; MARTINS, 2012; ARRAIS;ARAUJO, 2016).
O PNP tem a intenção de envolver o pai no período da gestação como apoio à mulher
e prepará-lo para participar regularmente da criação da criança, a partir do reconhecimento
do seu papel como pai e da escuta das suas demandas emocionais. Dessa forma, a
gestante se sente mais acolhida e menos sobrecarregada, o que opera como um fator de
proteção para a depressão pós-parto (DPP) (ARRAIS; CABRAL; MARTINS, 2012).
Algumas pesquisas envolvendo dez gestantes, sendo cinco do grupo intervenção e
cinco do grupo controle, avaliaram diferentes critérios para observar se o PNP auxiliava nos
sintomas na gestação e na prevenção da depressão pós-parto, sendo utilizado em ambas
as pesquisas o perl gestacional, perl puerperal e escala COX Escala de Depressão
Pós-Parto de Edimburgo/EDPDS (ARRAIS; CABRAL; MARTINS, 2012; ARRAIS;
MOURÃO; FRAGALLE, 2014). Na pesquisa realizada por Arrais, Mourão e Fragalle (2014)
foram incluídos um questionário avaliativo sobre a participação do programa e a avaliação
do puerpério e maternidade, o Inventário Beck de Depressão (BDI) e o Instrumento de
Complemento de Frases (CF). Nas duas pesquisas foi observado que as mães que
não participaram dos grupos de intervenção apresentavam uma maior frustração ao
se depararem com uma maternidade diferente da idealizada, sendo que um dos temas
abordados nos dois estudos foi a desmisticação da maternidade. Em um dos grupos,
algumas mães que participaram do PNP apresentaram DPP, contudo, as participantes
armaram que o pré-natal psicológico as auxiliou a estarem preparadas para lidar com
os conitos conjugais e as diculdades referentes ao cuidado e vinculação com o bebê
(ARRAIS; CABRAL; MARTINS, 2012). No outro estudo, as mães que apresentaram
depressão durante a gestação obtiveram redução nos sintomas de depressão no puerpério
segundo os instrumentos de avaliação utilizados (ARRAIS; MOURÃO; FRAGALLE, 2014).
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 3 30
Dessa maneira, é possível armar que o PNP ampara na preparação para a maternidade
e pode atuar como um fator de prevenção ou minimizar os sintomas da DPP e outros
transtornos psicológicos. Contudo, devido ao pequeno tamanho da amostra, não é possível
avaliar o seu impacto isoladamente, sendo assim, deve-se considerar outros fatores de
proteção e risco envolvidos. Os autores defendem que esse programa é uma proposta
viável, de baixo custo e adaptável às necessidades de diferentes comunidades, sendo uma
opção ecaz a ser transformada em política pública (ARRAIS; CABRAL; MARTINS, 2012;
ARRAIS; MOURÃO; FRAGALLE, 2014).
Diversas intervenções com gestantes diagnosticadas com ansiedade e depressão
a partir de uma abordagem cognitivo-comportamental são propostas na literatura
(DIMIDJIAN et al., 2015; BITTNER et al., 2014; GREEN et al., 2015; RICHTER et al.,
2012). Uma intervenção realizada segundo a Terapia Cognitivo-Comportamental em
Grupo (TCCG) geralmente é realizada em doze encontros, contudo, devido ao contexto
gestacional e de pós-parto, um estudo realizado por Green et al. (2015) optou-se por
efetuá-los em 6 encontros realizados semanalmente, com a duração de duas horas
cada, para não comprometer a assiduidade das gestantes. O conteúdo oferecido nesse
estudo abordava “psicoeducação, reestruturação cognitiva, resolução de problemas,
relaxamento, experimentos comportamentais, bem como assertividade.” (GREEN et al.,
2015, p. 634). Além disso, as estratégias da Teoria Cognitivo-Comportamental foram
adequadas à temática de ansiedade e gestação pré-natal. Os resultados dessa intervenção
apresentaram redução de sintomas tanto para ansiedade quanto depressão (GREEN et al.,
2015). A mesma redução foi apresentada em uma pesquisa que avaliou apenas sintomas
depressivos (DIMIDJIAN et al., 2015) e nos níveis de cortisol, relacionados biologicamente
com o estresse. (RICHTER et al, 2012). Em contrapartida, outro estudo não encontrou
mudanças signicativas nos sintomas de depressão e ansiedade durante a gestação,
apenas melhoras em questões relacionais com parceiros (BITTNER et al, 2014).
Em outros estudos foram realizados grupos de gestantes com base na Terapia
Interpessoal (TIP), que avaliaram a ansiedade e depressão em três diferentes momentos,
no primeiro contato, ao nal da última sessão e no pós-parto (FIELD et al., 2013, BOWEN et
al., 2014, THOMAS; KOMITI; JUDD, 2014). De acordo com Thomas, Komiti e Judd (2014),
esse programa é utilizado para reduzir os sintomas de ansiedade e depressão e fortalecer
o apego materno. Com esse intuito, dentre os assuntos abordados, foi apresentado
componentes de psicoeducação e discutido conitos interpessoais, a aquisição de um
novo papel, comunicação e o encorajamento de afeto. (FIELD et al., 2013, BOWEN, 2014.
Uma das pesquisas utilizou a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) em paralelo com
componentes da IPT, sendo eles “o apoio social, a comunicação conjugal, as transições
de papéis e a conscientização entre os dois sinais de alerta de saúde mental um do outro”
(THOMAS; KOMITI; JUDD, 2014, p. 506). Tais autores convidaram os pais para participarem
de dois encontros com o objetivo de atuar como suporte e reforçar o seu envolvimento em
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 3 31
relação ao bebê, além de, que os pais também estão propensos a desenvolverem sintomas
de ansiedade e depressão ao conviverem com parceiras que apresentam sintomas
(THOMAS; KOMITI; JUDD, 2014).
As sessões nos diferentes estudos variaram entre 1 e 2h, durante 6 a 12 semanas,
na qual participaram entre 18 a 30 mulheres que completaram todas as etapas da pesquisa.
Todas as pesquisas apresentaram redução nos sintomas de ansiedade e depressão, sendo
também encontrado redução nos níveis de cortisol (FIELD et al., 2013, BOWEN et al.,
2014, THOMAS; KOMITI; JUDD, 2014). Uma pesquisa utilizando de meta-análise avaliou
27 estudos e constatou que o IPT era a intervenção mais utilizada (SOCKOL, EPPERSON,
BARBER, 2011).
A intervenção em grupo durante o pré-natal, independente da abordagem utilizada,
demonstra efetividade na redução de sintomas de ansiedade e depressão e possibilita
a elaboração da aquisição de um novo papel, a discussão de conitos interpessoais. A
inserção em um grupo oferece suporte social e o reconhecimento e normalização das
experiências (THOMAS; KOMITI; JUDD, 2014).
5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nota-se que o contexto psicológico das gestantes é delicado, tanto por ser um
momento de transição de um contexto sem um lho, para outro em que haverá uma vida que
possui demandas emocionais dessa mulher, quanto pela sensibilização siológica e social
que a mesma está submetida. A importância do cuidado da saúde mental das gestantes
se pelo amplo número de transtornos denunciados neste período, que fragilizam a
saúde da mulher e a da criança que, ao nascer, estará submetida a um contexto em que
sua mãe não estará plenamente saudável para satisfazer suas necessidades. Assim, a
partir de todos os estudos de intervenções psicológicas apresentados neste trabalho, os
quais apontam efetividade na redução da ansiedade e depressão, pode-se concluir que
a sua implantação trará à saúde pública benefícios a partir da prevenção de transtornos
mentais mais graves e redução nos gastos em disponibilização de recursos psiquiátricos.
As três intervenções citadas, que incluem o programa Pré-Natal Psicológico, a Terapia
Cognitivo-Comportamental e os grupos com abordagem segundo a Terapia Interpessoal,
demonstram o impacto positivo da implantação de uma intervenção e são realizadas em
grupo, o que atende a grande demanda da atenção básica de saúde. Contudo, devido ao
pequeno número das amostras, é necessário considerar a inuência de outros fatores.
Portanto, para obter um resultado mais conclusivo, é necessário realizar um estudo com
uma amostra maior.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 3 32
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A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 4 35
Data de aceite: 20/08/2021
CAPÍTULO 4
REDES SOCIAIS VIRTUAIS (INSTAGRAM E
FACEBOOK): APOIO MÚTUO E INFLUÊNCIA
PSICOLÓGICA DIANTE DA VIVENCIA DA
INFERTILIDADE
Data de submissão: 05/07/2021
Ana Paula Estevam Melo Pimentel
Psicóloga Clínica
Núcleo de Pesquisa em Psicopatologia Clínica
e Psicologia e Saúde – NPPS
Pontifícia Universidade Católica de Goiás
Goiânia/GO
http://lattes.cnpq.br/5465023275525137
https://orcid.org/0000-0001-6183-7865
Juliana Santos de Souza Hannum
Mestre e Doutora em Psicologia pela PUC-GO
Professora Orientadora de Iniciação Cientifica
da PUC-GO e Docente do Curso de Psicologia
PUC-GO). Goiânia/GO
Escola de Humanidades, Núcleo de Pesquisa
em Psicopatologia Clínica e Psicologia e Saúde
– NPPS
Pontifícia Universidade Católica de Goiás
http://lattes.cnpq.br/3186381389499396
RESUMO: A infertilidade é considerada uma das
experiências mais angustiante de quem deseja
ter lhos, causadora de expressivo estresse
psicológico. Para muitas mulheres, o tornar-
se mãe é considerado o maior acontecimento
da vida. No tratamento da infertilidade, os
procedimentos médicos, simples ou complexos,
geram um turbilhão de emoções, sintomas de
ansiedade e depressão. Contudo, os avanços
técnico-cientícos da contemporaneidade
podem contribuir com o tratamento. Diante da
proliferação de comunidades virtuais o foco deste
estudo é compreender a inuência psicológica
das redes sociais virtuais na vivencia da
infertilidade e interpretar de que maneira essas
redes fornecem apoio para mulheres, homens e/
ou casais inférteis. A pesquisa tem caráter quanti-
qualitativo de base exploratória e foi realizada
através da análise das narrativas encontradas
nas redes sociais virtuais (Instagram e Facebook
com mais de 1000 seguidores). Para que os
dados fossem interpretados, foi implementada a
técnica de Análise de Redes Sociais com auxílio
do software Iramuteq. O referido programa
fez uma análise textual e lexical quantitativa,
considerando a palavra como unidade. Foram
pesquisados 60 pers e escolhidos 28 contendo
as denominações “tentantes” e “gestantes” e
posteriormente, identicadas seis classes de
vocabulários. Tais classes foram interpretadas
por meio de ferramentas contidas no software
como Dendograma, Análise Fatorial de
Correspondência e Análise de Similitude. As
análises de narrativas demostraram que os pers
de tentantes e gestantes, são redes de relações
interpessoais e apoio mútuo que servem
como ferramenta de expressão livre, partilha,
socialização, pesquisa e troca de informações,
permitindo que qualquer pessoa tenha a
possibilidade de encontrar seu lugar na Internet
e possa se retroalimentar nas experiências com
o outro, numa tentativa, sobre tudo, de diluir o
sofrimento. Assim, acredita-se que as redes
sociais virtuais têm potencial para funcionar
como coadjuvante no tratamento da infertilidade,
havendo, no entanto, necessidade de mais
pesquisas.
PALAVRAS - CHAVE: Infertilidade; psicologia;
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 4 36
redes sociais virtuais.
VIRTUAL SOCIAL NETWORKS (INSTAGRAM AND FACEBOOK): MUTUAL
SUPPORT AND PSYCHOLOGICAL INFLUENCE IN THE FACE OF INFERTILITY
ABSTRACT: Infertility is considered one of the most distressing experiences of those who
want to have children, causing expressive psychological stress. For many women, becoming
a mother is considered the greatest event of life. In the treatment of infertility, medical
procedures, simple or complex, generate a whirlwind of emotions, symptoms of anxiety and
depression. However, the technical and scientic advances of contemporaneity can contribute
to the treatment. Faced with the proliferation of virtual communities the focus of this study
is to understand the psychological inuence of virtual social networks in the experience of
infertility and interpret how these networks provide support for women, men and/or infertile
couples. The research has an exploratory quantitative-qualitative character and was carried
out through the analysis of the narratives found in virtual social networks (Instagram and
Facebook with more than 1000 followers). In the process of being interpreted, the Social
Network Analysis technique was implemented with the aid of iramuteq software. This program
made a quantitative textual and lexical analysis, considering the word as a unit. We researched
60 proles and 28 were chosen containing the names “tempting” and “pregnant” and later, six
vocabulary classes were identied. These classes were interpreted through tools contained
in the software such as Dendogram, Factor analysis of Correspondence and Analysis of
Similitude. Narrative analyses showed that the proles of tempting and pregnant women
are networks of interpersonal relationships and mutual support that serve as a tool of free
expression, sharing, socialization, research and exchange of information, allowing anyone
to have the possibility to nd their place on the Internet and can feed back on experiences
with others, in an attempt, over all, to dilute suffering. Thus, it is believed that virtual social
networks have the potential to act as an adjunct in the treatment of infertility, however, there
is a need for further research.
KEYWORDS: Infertility; psychology; virtual social networks.
1 | INTRODUÇÃO
O desejo de ter um lho faz parte da constituição biológica, psicológica, social e
espiritual do ser humano. Inúmeros estudiosos armam que muitos casais e, principalmente
as mulheres, desejam ter um lho devido a variados impulsos e motivos conscientes e
inconscientes (MALDONADO, 2017; GUTMAN, 2012; STRAUBE & MELAMED, 2018c;
LEIS & MODELLI, 2004). Segundo Freud (1914), tanto para a mãe quanto para o pai, o
lho representa a imortalidade do ego ao assegurar a continuidade da família e, portanto,
a inexistência de um lho tem um valor signicante para o casal que gostaria de tê-lo
(TUBERT, 1996; MALDONADO et al., 2000).
Um dos fatores que impede aproximadamente 15% dos casais de terem lhos é a
infertilidade (STRAUBE & MELAMED, 2013a). De acordo com a Organização Mundial de
Saúde (2007a, 2004b, 2002c), a infertilidade é caracterizada por consecutivas tentativas
para engravidar por mais de um ano sem uso de métodos contraceptivos.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 4 37
Contudo, os avanços técnico-cientícos da contemporaneidade podem auxiliar
a superar a diculdade de se conceber uma criança. Para tanto, tem-se a Reprodução
Assistida, que vem gerando esperança a pessoas inseridas em diferentes realidades
siológicas e congurações sociais, como por exemplo, em decorrência da (o): idade
avançada, infertilidade, homossexualidade, transexualidade ou estado civil solteiro
(STRAUBE & MELAMED, 2013a).
Das causas que prejudicam a concepção, a infertilidade constitui uma das mais
preocupantes. Em pesquisa realizada por Sexton et al. (2010), metade das mulheres
investigadas descreveram a infertilidade como a experiência mais angustiante de suas
vidas, causadora de expressivo estresse psicológico. Constatação que corrobora com
estudo de Domar et al. (1992), em que as mulheres que apresentavam problemas de
fertilidade não se diferenciaram nas medidas de angústia global de pacientes com câncer,
reabilitação cardíaca e hipertensão.
No tratamento da infertilidade, os procedimentos médicos, dos mais simples aos
mais complexos, geram um turbilhão de emoções e sintomas de ansiedade e depressão. É
uma situação em que o paciente dicilmente encontra-se preparado, fazendo-se necessária
uma intervenção psicológica (STRAUBE & MELAMED, 2015b).
Braga & Amazonas (2005) armam que os aspectos psicológicos da infertilidade
estão comumente associados ao estresse, sentimento de perda, comprometimento da
autoestima, diculdade de relacionamento conjugal e social. Reiteram também que as
tecnologias conceptivas reforçam o estigma da mulher de ser infértil, proporcionando
vivencias singulares, carregadas de dúvidas e ambivalências que produzem
simultaneamente esperança e mal-estar, peso emocional e sentimento de fracasso mesmo
diante da gravidez real, pois é vista como fruto de uma relação de laboratório (STRAUBE,
2007d; SPOTORNO et al. 2008)).
Deste modo, as mulheres podem se acostumar a adotar uma terminologia médica
para falar de sua própria infertilidade, visando dominar a realidade dos seus “corpos
rebeldes”, perder a posição de sujeito que deseja e reduzir seu corpo a um objeto do
discurso médico (TUBERT, 1996). Diante disso, mulheres que vivem a crise da infertilidade,
especialmente as recém-diagnosticadas e tradadas, precisam contar com uma rede de
apoio constituída pela família, trabalho e comunidade de modo geral (BRITO & KOLLER
1999).
No nal do século XX e no início do XXI, as redes de apoio e relação interpessoal
começaram a se estabelecer em plataformas na internet (NICOLACI-DA-COSTA, 2006).
De forma simultânea, deu-se início a um tempo instantâneo, sem substância e sem
consequências, que prioriza as realizações imediatas e que causa exaustão e desinteresse
(BAUMAN, 2001). É um tempo denominado de modernidade líquida, norteada pelo
desapego, fantasia, provisoriedade e acelerado processo da individualização, liberdade e
insegurança (BRITO & KOLLER,1999; MATOS-SILVA et al., 2012).
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 4 38
A modernidade líquida surge com o advento da Internet, onde foram criados os
chats, e-mails e blogs. Mas, recentemente as redes sociais evoluíram para o Facebook
e o Instagram, os quais tem sido importante objeto de estudo da psicologia, devido sua
inuência sobre o desenvolvimento e bem-estar subjetivo das pessoas na atualidade
(BRITO & KOLLER,1999; MATOS-SILVA et al., 2012).
Segundo Matos-Silva et al. (2012), as redes sociais são agregações sociais no
ambiente virtual, com um número suciente de pessoas para manter discussões longas e
cercadas por emoções, podendo vir a formar uma comunidade para um determinado m.
Para Castells (2003) as redes sociais são um tipo de “comunitarismo renovado”, que tolera
ideias, pensamentos, ideologias e crenças. Independente do motivo que possa agregar
seus membros, as comunidades online possibilitam a expressão livre e horizontal, sem uma
entidade que as regula ou censura. Isso faz com que qualquer pessoa tenha a possibilidade
de encontrar seu lugar na Internet e, se não o encontrar, poder criá-lo e divulgá-lo, dando
início a uma nova comunidade ou rede de relacionamentos.
As comunidades online têm a capacidade de estabelecer relações sociais fortes e
fornecer informações, companhia, apoio e a sensação de pertencimento (MATOS-SILVA et
al., 2012; SILVA et al., 2006). Mas, nem todo agrupamento que surge na Internet pode ser
classicado como uma comunidade online. Alguns são apenas uma “agregação eletrônica”
onde os participantes não se sentem envolvidos e apenas compartilham informações e
experiências efêmeras (LEMOS, 2002; RECUERO, 2006).
Nas comunidades online que tratam do tema da infertilidade, as mulheres
expressam a sensação de estarem sendo excluídas da sociedade e a incredulidade sobre
a perspectiva de ter um lho biológico (WHITEHEAD, 2016). Além de poderem desabafar,
as comunidades online permitem às mulheres inférteis divulgar ou adquirir informações,
apoiar e serem apoiadas (DETÍLIO & LEIS, 2018).
Neste cenário as comunidades virtuais vêm para construir signicados e
representações perante a vivência da infertilidade, focando na promoção da saúde física,
cognitiva e afetiva associada à qualidade de vida e ao bem-estar da mulher diagnosticada
com infertilidade (CARAN & ARRAIS, 2015; JULIANO & YUNES, 2014).
Diante da proliferação de comunidades virtuais voltadas para o tema da infertilidade
e dos benefícios que podem trazer aos casais, em especial às mulheres, o presente projeto
realiza os seguintes questionamentos: As comunidades online constroem signicados e
representações perante a vivência da infertilidade? Como acontece o compartilhamento
de emoções e a troca de experiências pessoais nas comunidades online referentes a
infertilidade?
Todavia e com base na relevância das questões levantadas, este projeto teve
como objetivo principal compreender a inuência psicológica e social das redes sociais
virtuais (Instagram e Facebook com mais de 1000 seguidores) na vivencia da infertilidade e
interpretar por meio da análise das narrativas de que maneira essas redes fornecem apoio
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 4 39
mútuo para mulheres, homens e/ou casais inférteis.
2 | MÉTODO
A presente pesquisa tem caráter quanti-qualitativo de base exploratória e foi realizada
através da análise das narrativas encontradas nas redes sociais virtuais (Instagram e
Facebook com mais de 1000 seguidores) referentes ao tema da infertilidade. Para que
os dados em questão fossem modelados, calculados e interpretados, foi implementada a
técnica de Análise de Redes Sociais (ARS) com auxílio do software (freeware) Iramuteq
(CARAN & ARRAIS, 2015; RATINAUD, 2016; MUYLAERT, 2014; FIALHO, 2014).
O referido programa fez uma análise textual e lexical quantitativa, considerando
a palavra como unidade. O software Iramuteq também ofereceu uma contextualização
do conjunto de narrativas, onde cada narrativa selecionada era composta por conteúdos
semânticos que formavam um banco de dados ou corpus analisado pelo software.
Anterior às ARS desenvolvidas no Iramuteq, realizou-se uma observação sistemática
de inúmeros endereços (pers) do Instagram e Facebook com mais de 1000 seguidores
(agosto/2018 a abril/2019), utilizando-se da infertilidade” e “tentantes” como termos de
busca. Em seguida, foram selecionados 30 endereços de cada plataforma e escolhidos os
que possuíam mais seguidores.
Dos endereços do Instagram e do Facebook selecionados, foram estudados 60 pers
dos quais foram escolhidas as narrativas que continham as denominações “tentantes” e
“gestantes”, sendo excluídas as denominações “ex.tentantes”. Após esta seleção, restaram
um total de 20 pers do Instagram e 8 pers do Facebook. De cada um dos 28 pers foram
retirados em média dois fragmentos de narrativa (comentários), totalizando 56 narrativas
redigidas no período de janeiro a abril a 2019. Importante pontuar que os endereços dos
28 pers estudados foram suprimidos mediante referencial básico da bioética e segundo
Resoluções de n°466/2012 e n°510/2016 (BRASIL, 2016).
A partir do conteúdo das narrativas do Instagram e outra do Facebook foi realizada
a ARS no software Iramuteq por meio da produção de um Dendrograma e da realização
de uma Análise Fatorial de Correspondência (AFC) e de uma Análise de Similitude. Devido
ao grande número de dados gerados pelas narrativas, foram escolhidas aquelas com mais
de duas linhas, possibilitando a análise computadorizada do conteúdo com maior riqueza
de informações.
3 | RESULTADOS
Com base nas observações dos 30 pers do Instagram, foram selecionados 20 pers
que continham a denominação de tentantes e/ou gestantes, sendo que essas mesmas
denominações estavam presentes em 8 dos 30 pers do Facebook analisados e, por isso,
também foram escolhidas para compor os dados do presente estudo.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 4 40
Após a seleção de 28 pers, foram escolhidas narrativas compartilhadas nas
redes sociais Instagram e Facebook referentes aos meses de janeiro a abril de 2019 com
conteúdo que representasse o conceito global do perl. Os endereços foram retirados a
m de proteger a identidade dos autores das narrativas e foi criado um nome (código:
**** *Narrativa_[...]) referencial para auxiliar na interpretação das narrativas pelo software
Iramuteq.
3.1 Discussão dos Resultados
As análises do corpus do texto foram realizadas pelas ferramentas estatísticas
contidas no Iramuteq, as quais organizaram as palavras de acordo com suas classes
gramaticais (Adjetivos, Substantivos e Verbos). O corpus geral foi constituído por 56 textos,
separados por 224 segmentos de texto (ST).
Para uma análise mais limpa e para uma melhor diferenciação do vocabulário, foi
utilizado o Método de Reinert (1990 apud CAMARGO & JUSTO, 2018) que identicou que
o conteúdo textual se divide em seis classes (Figura 1). Cada classe de ST apresentou
vocabulário semelhante entre si e vocabulário diferente dos segmentos das outras classes.
Em seguida, foi possível relacionar as classes obtidas através do software
Iramuteq por meio de um Dendrograma (Figura 1). As classes de 1 a 6 foram denominas,
respectivamente: meu positivo, Deus, começar tratamento, emoções, problemas de
fertilidade, descobrir causa. Quanto às relações produzidas pelo Dendograma, observou-
se uma ligação entre as classes 1 e 2, que estão contidas dentro da classe 5 e entre as
classes 3 e 4. Por m, a classe 6 foi formada por um conjunto de palavras mais técnicas e
que foram citadas em basicamente todas as classes (Figura 1).
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 4 41
Figura 1. Dendograma de Classe de Palavras
Fonte: Iramuteq – Verson 0,7 alpha 2.
A classe1 (representada pela cor vermelha na Figura 1) denominada meu positivo
foi responsável pela explicação de 14,91% das palavras encontradas nos textos, incluindo:
positivo, lindo, ver, célula, certo, ciclo, sonho, fé, continuar, novo, acreditar, chegar, dar,
lágrimas, cheio, aprender, mês, momento, seguir, tentativa, consulta, aparecer, contar, bebê,
vida, resolver, entre outras. Logo, a maioria dos comentários da classe 1 faz referência ao
positivo, ou seja, a necessidade de continuar tentando um Beta-HCG positivo, que é o
exame de sangue que conrma uma gravidez. São exemplos de fragmentos dessa classe:
“[...]. Algumas pessoas conseguem o positivo já no primeiro ciclo, que felizes
elas são! Mas com uma grande maioria não é assim. [...] eu não tinha um
norte, não tinha um diagnóstico, só tinha fé e esperanças que meu positivo
chegaria [...]”. (Narrativa_Instagram_2.1)
“Hoje é um dia de tristeza... e me sinto tão sozinha... vai passar, eu sei. Muitas
vezes, o #positivo não chega e o seu mundo ca sem chão, não é mesmo?
[...]». (Narrativa_Instagram_8.2)
“[...]. Não vou apagar o IG gente, pq z várias amigas aqui e estarei aqui pro
que precisarem e quero ver o POSITIVO DE CADA UMA e quem sabe ne, no
meio desse tempo eu conte alguma novidades pra vcs então não vou apagar,
todos os dias estarei aqui vendo os feed e story de vcs. [...]”. (Narrativa_
Instagram_16.2)
“Conrmando o que eu já sabia, janeiro passou e meu positivo não chegou.
[...]” (Narrativa_Instagram_20.1)
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 4 42
“[...] São tentantes essas guerreiras que mês após mês, como a lendária
ave fênix, ressurgem das cinzas de mais um ciclo de tentativas fracassado
e recomeçam uma nova jornada ao encontro da maternidade almejada. [...]”.
(Narrativa_Facebook_2.2)
Na classe 2 (em cinza na Figura 1) a denominação “Deus” também esteve
correlacionada a 14,91% das palavras encontradas nos textos, onde as principais foram:
Deus, conar, último, abençoar, vida, desistir, milagre, maior, olhar, crer, chegar, tempo,
sonho, agradecer, sonhar, car, mundo, preparar, vir, melhor, palavra, dia, esperar, entre
outras. Essa classe de palavras faz referência ao sobrenatural para a cura da infertilidade
por meio da e da devoção em Deus, que tem o poder absoluto de curar todas as
enfermidades e realizar milagres.
“Não sei quais as orações que você tem feito a Deus, não sei seus sonhos
e planos, mas eu sei que o melhor em sua vida virá. Quando os desígnios
de Deus têm que se cumprir, quando o tempo chega não existe nada nem
ninguém que impeça Deus o abençoar. Continue conando, crendo, tendo
e esperando em Deus pois nEle toda espera tem recompensa e os planos e
sonhos que Ele tem para a sua vida com certeza vão além de todas as suas
expectativas [...]”. (Narrativa_Instagram_3.1)
“[...] a dica que eu deixo aqui pra vocês é se agarrem em Deus, sim tenham fé
busquem a ele que nós sabemos que nessa vida de tentante tudo é possível
não existe problema que ele não possa resolver. (Narrativa_Instagram_5.2)
“DEUS ME ESCUTA SR. DEUS DEIXA EU TER UM BB. DEUS DEIXA EU
FORMAR UMA FAMILIA COM O FRUTO DO AMOR. EU TE IMPLORO SR.
DEUS INTERCEDE E ME DÁ ESSE FILHO TAO DESEJADO”. (Narrativa_
Instagram_12.1)
“[...]. Queria muito que Deus me respondesse de alguma maneira, ta tão difícil.
Pq é tão difícil? [...] #Deus deve ter um propósito lindo na vida de cada uma
de nós. Vamos seguir rme e forte e não deixando a Fé de lado. Nosso dia vai
chegar. UM DESABAFO! TAVA PRECISANDO”. (Narrativa_Instagram_16.1)
“[...] Nunca desistam de seus sonhos, mesmo que o mundo diga não...A
última palavra vem dele, vem do céu, vem de DEUS e ele é el”. (Narrativa_
Facebook_4.1)
“[...] Oq eu tenho a dizer nunca desista dos seus sonhos e cona no Deus
que tudo pode pq é dele a última palavra meu MILAGRE está chegando”.
(Narrativa_Facebook_3.2)
A categoria “começar tratamento(classe 3 em verde na Figura 1) está ligada
21,12% das palavras encontradas, sendo elas: bom, começar, achar, menina, mês, médico,
exame, noite, tratamento, tomar, dia, só, marido, querer, ano, fácil, compartilhar, remédio,
diagnóstico, sangue, experiência, cama, anticoncepcional, difícil, caso, doer, entre outras.
Também foi possível observar que nesta categoria caram evidentes os relatos sobre a
conrmação da infertilidade, a busca por um diagnóstico e o início do tratamento.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 4 43
“Hoje fui fazer uma consulta com a equipe de anestesia, e minha Histero foi
marcada para 22.02, vamos ver tudo como está, fazer biópsia do Endométrio,
pesquisa de Células NK e mais um exame. [...]”. (Narrativa_Instagram_19.1)
“Triste Realidade. Gente, como dói, Pq é tão difícil assim em? Eu achava
que engravidar seria a coisa mais fácil do mundo, mas como eu era boba.
Eu lembro que eu sempre quis engravidar, desde dos 17 anos quando eu
comecei a namorar [...] as coisas acontecerem naturalmente. [...]”. (Narrativa_
Instagram_16.1)
“[...]. Eu comecei a 11 meses atrás o início das tentativas, logo no mês que
comecei, z os exames de sangue de rotina e o Papanicolau. Não acusaram
nada. Com 6 meses de tentativas, levei meu marido ao meu médico [...], ele
passou exames de sangue para medir, LH, FSH, testosterona, hemograma
completo, e passou o principal exame para o homem O ESPERMOGRAMA,
sim, sem isso vc NUNCA vai saber se a infertilidade é dele! Bingo! [...]”.
(Narrativa_Facebook_4.2)
“Olá meninas boa noite. Sou nova aqui é tenho zilhões de dúvidas. Com
certeza terei muitas perguntas. Vou começar a ser tentante. Tenho 39 anos e
o médico logo pediu exames de infertilidade. (Narrativa_Facebook_5.1)
“Olá meninas hj venho aqui falar um pouco sobre meu caso e tbm desabafar,
tenho 36 anos sou casada a 13 anos e tive o diagnóstico de endometriose
profunda no começo desse ano, diagnóstico tardio devido o despreparo de
alguns médicos, a descoberta foi devido estar investigando as causas de
infertilidade, e meu marido e eu sempre buscando entender o que estava
acontecendo [...].” (Narrativa_Facebook_7.2)
“[...]. Como vcs fazem para controlar a ansiedade?! Eu comecei a tentar esse
mês. Conversei com meu marido e ele tbm quer. Só que eu sei que vai ser
um pouco difícil. Eu não menstruo, só se eu tomar anticoncepcional, e mesmo
assim é difícil eu engravidar. [...] A única coisa que deu na minha ultra foi Cisto
Naboth, que o médico disse que é normal. Ai a parti desse ciclo vou fazer o
chá e vou tomar garrafada pra ajudar. Mais estou tão ansiosa, que chego a
ser chata, as vezes me dá uma crise de ansiedade que parece que vou ter um
treco”. (Narrativa_Facebook_6.3)
Ao analisar a classe 4 (representada pela cor azul-claro na Figura 1), obteve-se
relação de 14,91% das palavras do texto com a denominação “emoções”. Algumas dessas
palavras foram: pessoa, casal, amigo, história, ansioso, ouvir, coisa, grande, gostar, realizar,
casado, falar, tentar, engravidar, vontade, único, melhor, mulher, passar, conseguir, ano,
acabar, dentre outras que, em sua maioria, fazem referência aos sentimentos, asseios,
medos e sensações emocionais do casal diante do tratamento da infertilidade.
“[...]. Tenho chorado bastante e algumas áreas da minha vida estão sendo
afetadas por todo essa angústia e insatisfação com tudo ao meu redor”.
(Narrativa_Instagram_1.1)
“[...] é um caminho muitas vezes solitário, ninguém nos nota, o que mais
ouvimos é: enquanto estiver nessa ansiedade você não vai engravidar. As
pessoas não entendem como isso nos corrói por dentro, como não car
ansioso com algo que se quer tanto? [...]”. (Narrativa_Instagram_2.1)
“[...] zemos tudo que podíamos, e tudo que eu ouvia era que nunca seria
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 4 44
possível ser mãe, uma hora o problema era em mim, outra hora no meu
esposo, eu saia das consultas e tratamentos sem palavras, pensam como era
triste os encontros de famílias e amigos, dia das mães, festas natalinas, enm
um dor que só quem passa sabe [...]”. (Narrativa_Instagram_3.2)
“Reposted from @dr.rodrigorosa - Gostaria que as pessoas soubessem
a montanha-russa emocional que é a infertilidade. [...]”. (Narrativa_
Instagram_4.1)
“Nem sempre entendemos o motivo e, no meio da dor, muitas vezes
buscamos explicações sem sucesso... [...] abortos espontâneos - simboliza
um diagnóstico estarrecedor. [...]. E não há palavras de conforto capazes de
diminuir essa dor. [...] O luto materno merece ser vivido e merece RESPEITO.
[...]”. (Narrativa_Instagram_9.1)
“Hj estou indo dormir muito mal. Quando a coruja vai embora co com vontade
de namorar mais e hj senti uma rejeição fora do normal por parte de meu marido
e sinceramente estou muito magoada. [...]”. (Narrativa_Instagram_12.2)
“A perda é frustrante, o luto. Na v a ansiedade dura um processo todo, e
depois quando não dá certo só quem já passou para descrever uma das
piores Sensações que já tive, fora a frustração, impotência e de perda! E sentir
que todo aquele sacrifício não deu certo é que a menstruação desceu...é se
sentir vazia seca até menos mulher. [...]”. (Narrativa_Instagram_14.1)
“Cara infertilidade... Eu odiei você. Você rouba sonhos. Você parte corações.
Você traz tristeza. Você consome vidas. Você é a razão pela qual nós não
podemos engravidar sozinhos. Você afogou meu coração em profunda
miséria devido à incapacidade. [...]”. (Narrativa_Facebook_4.1)
A classe 5 com a designação problemas de fertilidade” (em azul na Figura 1)
explicou 13,7% das palavras encontradas nas narrativas, sendo elas: problemas, frente,
colocar, fertilidade, amor, vez, pensar, idade, dor, esposo, lho, buscar, enfrentar, viver,
diminuir, palavra, mãe, responder, consulta, entender, entre outras. Deve-se ressaltar que
a forma como estes termos foram utilizados demostrou claramente as especicidades dos
casais que vivenciam a infertilidade.
“[...]. E saibam que mesmo que para grande parte da população pode ter
sido tranquilo conseguir engravidar, cerca de 15% dos casais apresentam
diculdades e os casos de abortos são mais comuns que todos imaginam.
E as pessoas sofrem em silêncio, com medo do julgamento e pressão da
família e dos amigos. Por um mundo melhor, tenham mais empatia. (Narrativa_
Instagram_4.1)
“A idade tem um grande impacto na fertilidade da mulher. Em contrapartida, a
carreira prossional muitas vezes é colocada à frente do planejamento de ter
um lho. Você sabia que já com 35 anos, a fertilidade é limitada e nem mesmo
um estilo de vida saudável pode mudar isso? [...]”. (Narrativa_Instagram_2.2)
“[...] Devido a SOP eu não menstruava NUNCA. É sério!?! Tinha ciclos de
180 dias, e às vezes, até mais que isso. Mas já no primeiro mês de uso esse
medicamento fez a passar lá em casa, e esse é o terceiro mês que meu ciclo
tem 28 dias certinho. Porém como já contei antes ainda não tenho ovulação.
Tenho consulta essa semana com a GO, e vamos ver quais os próximos
passos. [...]”. (Narrativa_Instagram_10.2)
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 4 45
“Não sei se você já sabe, mas eu tenho problemas relacionados a infertilidade
masculina, e por isso criei um blog onde escrevo 2 ou 3 vezes por semana,
para passar minha experiência sobre esse assunto, e também ajudar quem
enfrenta esse mesmo problema para que possam entender a fundo tudo
sobre esse assunto. [...]”. (Narrativa_Facebook_8.2)
Por m, na classe 6 intitulada “descobrir causa” (em rosa na Figura 1), houve uma
correlação deste termo com 20,5% das palavras do texto, incluindo: descobrir, cirurgia,
causa, saúde, gravidez, foco, trompa, especialista, correr, barriga, curetagem, imenso,
semana, pedir, plano, risco, pequeno, devido, medo, resultado, passado, grávido, médico,
marido, ovário, perder, choque, triste, ansiedade, entre outras que como essas aqui
mencionadas, abarcam termos gerais que via de regra acabaram se repetindo em outras
classes.
“Hoje saiu o resultado da minha Histero. E o que eu menos esperava deu
positivo...Células NK aumentadas em 40% no endométrio. Eis, talvez, os
motivos das falhas de implantação e aborto. (Narrativa_Instagram_19.1)
“[...] a cirurgia estava programa apenas para 30 a 40 minutos, local da
endometriose? Apenas no ovário esquerdo, era para ser uma cirurgia
simples. E onde que realmente estava os focos de endometriose? Por toda,
toda barriga, ovários, bexiga, rins, fígado, intestino (tem 3 focos) o médico
preferiu não mexer, pq? Ele teve que queimar os focos do meu pulmão e
estava sangrando muito, sim meninas no pulmão, endometriose. (Narrativa_
Instagram_18.2)
“[...]. Faz um uns 4 anos que tento engravidar e não consigo.... Resolvi ir
a um médico de infertilidade, já que o meu ginecologista insistia em dizer
que eu não tinha nada. Em meio a vários exames descobrir que tenho pólipo
endometrial de parede anterior. [...]”. (Narrativa_Facebook_3.1)
“Fui no médico hoje ver o resultado de meus exames e descobri que tenho
hidrossalpinge, ou seja, acúmulo de líquido na trompa devido infecções não
tratadas isso causa infertilidade, o médico disse não se preocupa daqui a três
meses volta e refaz tudo daí marco o histeriossalpingograa sei lá se escrevi
correto [...]”. (Narrativa_Facebook_5.2)
“[...]. Ainda não conversei com o médico a respeito do resultado, então não sei
se as próximas gravidez terão o mesmo problema, porém estou com medo.
Estou me recuperando da curetagem que faz apenas 15 dias”. (Narrativa_
Facebook_7.1)
“[...] tive o diagnóstico de endometriose profunda no começo desse ano,
diagnóstico tardio devido o despreparo de alguns médicos, a descoberta
foi devido estar investigando as causas de infertilidade, e meu marido e eu
sempre buscando entender o que estava acontecendo [...]”. (Narrativa_
Facebook_7.2)
Com a Análise Fatorial de Correspondência (AFC) têm-se os resultados das classes
1 a 6 organizados gracamente da seguinte maneira: classe 1 (vermelho) e 2 (cinza)
distribuídas no lado esquerdo superior do gráco e classe 5 (azul) ocupando de forma
preponderante o lado esquerdo inferior do gráco, o que vem a indicar uma forte relação
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 4 46
entre essas três classes. No que concerne as classes 3 (verde) e 4 (azul claro), nota-se que
estão presentes com maior intensidade nos quadrantes inferiores tanto do lado esquerdo
quanto do lado direito do gráco, com alguns termos se apresentando interligados e
misturados, o que reforça a relação entre elas. Contudo, a classe 6 (rosa) apresenta-se
quase que totalmente no quadrante direito superior, com a presença signicativa de termos
técnicos da área médica (Figura 2).
Figura 2. Análise Fatorial de Correspondência (AFC) – palavras.
Fonte: Iramuteq – Verson 0,7 alpha 2.
Ao realizar a Análise de Similitude, obteve-se uma relação e/ou a conexão entre seis
grupos de palavras centralizados pelas palavras Deus, querer, só, engravidar, passar e
médico. No que concerne especicamente o termo “Deus”, nota-se que aparece ligado aos
termos vida, sonho, querer, só, engravidar, dia, passar, médico e infertilidade (Figura 3).
Os resultados da Análise de Similitude do presente estudo mostraram que a fé em
Deus é um tema recorrente e que permeia a grande maioria das narrativas nos pers
do Instagram e Facebook analisados. É por meio da fé que se torna possível lidar com
sentimentos contraditórios (de solidão ou de estar sendo apoiado) para que a decisão de
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 4 47
desistir ou persistir em ter um lho seja tomada.
Além da questão espiritual, também é constatado na Figura 4 que há agrupamentos
de palavras relacionadas aos meios de se descobrir as causas da infertilidade e ao
início do tratamento para infertilidade, complementando-se às descrições de tratamento,
procedimentos médicos, exames e medicações prescritas.
Figura 3. Análise de Similitude
Fonte: Iramuteq – Verson 0,7 alpha 2.
4 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a criação do Dendrograma e realização da Análise Fatorial de Correspondência
(AFC), observou-se que a classe 6 (descobrir causas - 20,5%) de palavras ofereceu uma
base para todas as outras classes; a classe 5 (problemas de fertilidade - 13,7%) esteve
contida nas classes 1 (meu positivo - 14,9%) e 2 (Deus – 14,9%); e, que as classes 4
(emoções - 14,9%) e 3 (começar tratamento - 21,1%) apresentaram forte relação.
Lembrando que a classe 3 foi a que apresentou a maior quantidade de seguimentos de
textos (ST).
Quanto às análises textuais, é possível concluir que: as classes 6 e 3 tiveram
narrativas que demonstraram com clareza a nalidade das redes sociais virtuais para
pessoas que estão passando pelo processo de diagnóstico e tratamento da infertilidade;
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 4 48
a classe 5, juntamente com as classes 3 e 6 retrata as experiências vivenciadas antes,
durante e depois das tentativas frustradas ou de sucesso da concepção; e, as classes
1, 2 e 4 mostraram-se constituídas de signicados e representações perante a vivência
da infertilidade, demonstrando o sofrimento físico e emocional do casal ou da mulher em
decorrência da alta carga de pressão social e pessoal diante de uma gravidez idealizada,
assim como o compartilhamento de pequenas vitórias, sentimentos positivos e palavras de
incentivo para quem está vivenciando situação semelhante.
Logo, os pers de tentantes e gestantes, são redes de relações interpessoais e
apoio mútuo que servem como ferramenta de expressão livre, partilha, socialização,
pesquisa e troca de informações sobre a infertilidade, permitindo que qualquer pessoa
tenha a possibilidade de encontrar seu lugar na Internet e possa se retroalimentar nas
experiências com o outro, numa tentativa, sobre tudo, de diluir o sofrimento.
Assim, acredita-se que as redes sociais virtuais têm potencial para funcionar como
coadjuvante no tratamento da infertilidade conjugal, havendo a necessidade de realização
de mais pesquisas que trabalhem esse tema.
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A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 5 51
Data de aceite: 20/08/2021
CAPÍTULO 5
AS INFLUÊNCIAS DA INTERNET E REDES
SOCIAIS E SEU USO PATOLÓGICO NA SOCIEDADE
DIGITAL
Jéssel Renan Balleroni
Instituto Municipal de Ensino Superior - IMES
Catanduva
Catanduva-SP
http://lattes.cnpq.br/1507213375875349
Felipe Boso Brida
Instituto Municipal de Ensino Superior - IMES
Catanduva
Catanduva-SP
http://lattes.cnpq.br/6261628006619098
Adriana Pagan Tonon
Instituto Municipal de Ensino Superior - IMES
Catanduva
Catanduva-SP
http://lattes.cnpq.br/5222998469493004
Fernando Luis Macedo
Instituto Municipal de Ensino Superior - IMES
Catanduva
Catanduva-SP
http://lattes.cnpq.br/906151966340995
RESUMO: A internet e, logo, as redes sociais,
estão entre as ferramentas que podem
propiciar muitos efeitos bons e ruins e, como
sendo dispositivos provenientes dos avanços
do processo tecnológico, são campos que
aparecem numa crescente, cada vez mais, no
cenário da sociedade atual. No presente estudo,
foi abordado efeitos malécos ocasionados por
tais instrumentos, quando atribuído o mau uso a
eles, que vai, exatamente, na contramão do que
se imagina para a construção de uma sociedade
mais afável. O intuito deste trabalho, tendo
em vista que estuda uma área relativamente
nova, em constante crescimento e que provoca
tantas transformações, é de contribuir para a
averiguação e compreensão dos processos
acerca dos fenômenos gerados pela internet e
redes sociais digitais sobre os indivíduos, seja
na condição grupal ou individual, examinando
suas práticas e comportamentos, atentando-
se às consequências provocadas para a
sociedade, pontuando as inuências positivas,
mas, sobretudo, as negativas, que têm efeito na
subjetividade da pessoa, assim como na saúde
física e mental. Para tanto, foi realizada revisão
de literatura, reunindo artigos, livros, pensadores
e teorias, recentes e de outros tempos, onde
foi observada a relação entre o uso patológico
da internet e mídias sociais, e os decorrentes
problemas de saúde física e psíquica,
relacionais, sociais e comportamentais. Assim,
faz-se necessária a adesão de técnicas, bem
como o exercício do Questionamento Socrático,
para motivar reexões no intuito de desenvolver
comportamentos benécos, e com o objetivo de
promover o uso saudável dos recursos digitais.
PALAVRAS - CHAVE: Redes Sociais; Mídias
Sociais; Internet; Sociedade.
THE INFLUENCES OF THE INTERNET
AND SOCIAL NETWORKS AND THEIR
PATHOLOGICAL USE IN DIGITAL
SOCIETY
ABSTRACT: The internet and, therefore, social
networks, are among the tools that can provide
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 5 52
many good and bad effects and, as being devices from the advances in the technological
process, are elds that appear in a growing, increasingly, in the current society scenario.
In the present study, the evil effects caused by such tools were approached, when misuse
is attributed to them, which goes exactly against what is imagined for the construction of a
more affable society. The purpose of this work, considering that it studies a relatively new
area, in constant growth and that causes so many transformations, is to contribute to the
investigation and understanding of the processes about the phenomena generated by the
Internet and digital social networks on individuals, whether in the group or individual condition,
examining their practices and behaviors, paying attention to the consequences caused to
society, pointing out the positive inuences, but, above all, the negative ones, which have an
effect on the subjectivity of the person, as well as on physical and mental health. To this end, a
literature review was conducted, gathering articles, books, thinkers, and theories, recent and
old, where the relationship between the pathological use of the internet and social media, and
the resulting physical and psychological, relational, social, and behavioral health problems was
observed. Thus, the adherence of techniques, as well as the exercise of Socratic Questioning,
is necessary to motivate reections in order to develop benecial behaviors, and to promote
the healthy use of digital resources.
KEYWORDS: Social Networks; Social Media; Internet; Society.
1 | INTRODUÇÃO
A tecnologia é um segmento da ciência e da engenharia que está em constante
desenvolvimento no decorrer dos anos, em diversos âmbitos, e nela engloba-se o
conhecimento técnico e cientíco, além dos processos e materiais criados e/ou utilizados a
partir de tal fundamento e inúmeras ferramentas (OLIVEIRA et al.,2016).
A internet e, logo, as redes sociais digitais, estão entre essas ferramentas e, como
sendo dispositivos provindos dos avanços desse processo, são campos que crescem, cada
vez mais, no cenário da sociedade atual. Essas evoluções cibernéticas trazem consigo
vantagens, pois possibilitam o acesso a uma ampla gama de informações, facilitando a
veiculação das mesmas; viabilizam a comunicação e interligação entre as pessoas, criando
vínculos relacionais, potencializando suas capacidades de atuação, de aprendizagem
(MARTELETO, 2010).
Nesse contexto, promovendo a intersubjetividade dos sujeitos e proporcionando
informações e conhecimento, o que é essencial tanto do ponto de vista social quanto
acadêmico e prossional, as redes sociais podem ou ao menos poderiam gerar uma
conexão quase que utópica entre os povos, se usada para ns benécos, que visassem
às necessidades de todos, e respeitassem também a subjetividade e singularidade de
cada indivíduo, assim, podendo ser uma importante ferramenta de transformação social e
inovação (SOUZA & LIMA, 2016).
Porém, em contrapartida, as pessoas nem sempre se utilizam destes dispositivos
para nalidades benevolentes e saudáveis. Existem também os efeitos malécos
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 5 53
ocasionados por tais mecanismos, quando atribuído o mau uso a eles, que vai, exatamente,
na contramão do que se imagina para a construção de uma sociedade mais afável e correta.
Sendo assim, a internet e redes sociais acabam sendo veículos de práticas como
cyberbullying, pedolia, falsidade ideológica, reprodução de fake news e outros crimes;
acarreta no distanciamento do contato social presencial; facilita a propagação de discursos
de ódio e exposição constante da vida pessoal, propiciando vulnerabilidade a roubos ou
sequestros; e no fácil acesso de menores a conteúdos impróprios. Seu uso desmedido pode
estar associado à suscitação da depressão, bem como desencadear outros transtornos
(NUNES, 2017).
A produção de estereótipos e o enquadramento social também estão entre estes
problemas, podendo ser, além de outros motivos, consequências das informações com
pouco embasamento acumuladas, compartilhadas e aceitas como verdades absolutas, e
da adoção de modismos, levando os indivíduos à alienação e ao conformismo. Isso remete
a uma alusão, por exemplo, aos prisioneiros de “O Mito da Caverna”, de Platão (SANTOS;
CUNHA, 2014; PLATÃO, 380 a.C.).
O tema “internet” é relativamente novo, são poucos os materiais de pesquisa
disponíveis sobre o assunto, portanto o presente trabalho pretende por meio da revisão de
literatura, que une diversas teorias e ideias contribuir para a averiguação e compreensão
dos processos acerca dos fenômenos gerados pela internet, mídias e redes sociais virtuais
sobre os seres humanos, seja na condição grupal ou individual, analisando suas práticas
e comportamentos, pontuando suas inuências, atentando-se ao uso patológico e às
consequências provocadas pelos mesmos e seus efeitos negativos perante a sociedade.
Assim, contribui para a elaboração de estratégias e práticas para a promoção do uso mais
saudável dessas ferramentas.
2 | EFEITOS DAS INTERAÇÕES SOCIAIS NO MUNDO CIBERNÉTICO
2.1 Interações: dinâmica, troca mútua e intersubjetividade
Nas redes sociais digitais as pessoas estão interconectadas e se inter-relacionam
virtualmente, de maneira global; vivenciam e trocam experiências; se comportam
coletivamente, expressam suas identidades, conhecimentos, informações e culturas
(MARTELETO, 2010).
Herbert Marshall McLuhan (1911-1980), lósofo canadense e teórico da comunicação,
é conhecido como o profeta dos novos tempos, por ter antecipado, ainda na década de
60, como as pessoas se conectariam em nível global décadas depois, graças a recursos
eletrônicos, criando novos modelos relacionais.
McLuhan criou o termo “Aldeia Global”, onde conceitua que os avanços tecnológicos
inuenciam para estreitar distâncias, fazendo alusão à ideia de aldeia propriamente dita.
Segundo ele, o desenvolvimento dessas tecnologias deu à luz às mídias de massa, que,
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 5 54
por sua vez, conectam todos ao redor do planeta, afunila e intensica as relações sociais,
econômicas e políticas.
Nessa era, ocorreria o que o autor batizou “mundo retribalizado” novos recursos,
logo, novas maneiras de interações entre os grupos. As ‘tribos’, agora, interconectadas
mundialmente, sem barreiras, onde as pessoas seriam bombardeadas por um frenesi de
informações, a todo o momento. A propagação de ideias ganhou velocidade e viabilidade
absurda, sendo de livre circulação (MCLUHAN, 1964).
O lósofo e pesquisador francês Pierre Lévy vai ao encontro dessas ideias em
vários aspectos. Em contorno a estas concepções de McLuhan, arma que as pessoas
estão mergulhadas na Cibercultura, que é fruto do Ciberespaço1. A maneira com que
os indivíduos adquirem informações foram modicadas e suas funções cognitivas se
transformam na medida em que o homem se integra com o Ciberespaço. Eles estão em
constante troca recíproca de gostos e interesses. O lósofo também entende que isso
implica em mudanças na educação, na economia, nos relacionamentos, na política, ou
seja, aderem a novas formas de todos se relacionarem, em diversos âmbitos. Ele ainda
alerta sobre possibilidade de o virtual substituir o real (LÉVY, 1999).
O pesquisador ainda lembra que o operador do processo de virtualização é o
computador, pois este é mais que uma peça que emite sons e imagens. Para ele, o virtual
existe, é real, porém não tem um território. Ele ocupa um espaço físico menor, e esse espaço
é o computador, espaço esse que anos mais tarde ganharia mais potência e intensidade
com a aderência a utilização de celulares e outros objetos semelhantes (LÉVY, 1999).
2.2 Pontos positivos e pontos negativos
As mídias sociais e as redes virtuais, as quais seu uso é muito comum e cada vez
mais crescente, são facilmente acessíveis, seja através de um computador ou um aparelho
móvel, bastando estar conectado à internet. Essa acessibilidade, viabilidade e velocidade
permitem aos seus usuários diferentes condições para que ocorra troca e propagação
de informações e para a elaboração de falas. Entretanto, essas falas podem trazer
signicados variados, bem como estarem relacionadas à violência, buscar sobrepor-se ao
outro, em diversos aspectos, e a criação de verdades absolutas. Com tal modernização, o
comportamento em massa ganha novos recursos. Este é capaz de criar uma cultura que,
por sua vez, pode, não só aturdir os envolvidos, mas também levar à alienação (SANTOS;
CUNHA, 2014).
Atualmente, alguns desses mecanismos que expressam a ação verbal e o contato
social são mídias sociais e/ou aplicativos de compartilhamento de conteúdo imagético, de
1 O Ciberespaço (que também chamarei de “rede”) é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial
dos computadores. O termo especica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o uni-
verso oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo.
Quanto ao neologismo “Cibercultura”, especica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de
atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do Ciberespaço
(LÉVY, 1999, p. 17).
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 5 55
conversas, de relacionamentos, dentre outros, com as mais diversas nalidades. Todos
manifestam modos diferentes de efetivar como os sujeitos se relacionam socialmente. São
alguns deles Facebook, Instagram, WhatsApp, Tinder (MODOLO, 2018).
Essa mudança repentina que sofreu o mundo virtual, no que tange aos avanços e
surgimento de novas tecnologias, tem como um de seus efeitos essa enorme quantidade de
informações que chegam às pessoas o tempo todo, deixando-as expostas e, até mesmo,
vulneráveis.
Esse acesso fácil e rápido à quantidade exacerbada de diversos tipos de notícias
e informações proporciona transformações bruscas durante todo momento, na sociedade;
os conceitos vão se atualizando com mais rapidez, e os aparatos tecnológicos, ao invés de
serem usados para ns produtivos, também acabam sendo usados para coisas ruins, como
violência virtual (FEUSER et al., 2017).
Por outro lado, há aspectos produtivos provindos das redes sociais e dessa interação
em redes cibernéticas. Vale destacar a importância da web para o compartilhamento de
informações e a construção de conhecimento, gerando, assim, novos conhecimentos e
inovações; bem como para o fácil acesso a conhecimentos e ao entretenimento, para a
comunicação instantânea e para a criação de laços afetivos que são mantidos através de
redes sociais (MOROMIZATO et al., 2017).
É pertinente, portanto, destacar que a tecnologia não diz respeito somente a
máquinas; ela engloba um conjunto de criações provenientes da genialidade do cérebro
humano e que são usadas de várias formas. Sendo assim, também contribuições da
modernização dessa área para a educação – o processo de ensino e aprendizagem é
potencializado, graças à fácil veiculação de informações (OLIVEIRA et al.,2016).
Marshall McLuhan pontua, como positivo, o dinamismo que estes recursos
proporcionam à sociedade e à troca de vivências e experiências, que, por conseguinte,
mudam a forma de as pessoas enxergarem o mundo. Pois, de acordo com ele, a linguagem,
numa troca mútua com a cognição, constrói novas visões.
No entanto, sob um ponto de vista desfavorável, McLuhan reconhece que, no
mundo “tribalizado”, advindo da Era Cibernética, tudo é imediatista, não há espaço para a
lentidão; as mudanças são constantes. Nesse mundo descrito por ele, o meio, assim como
as atividades que antes eram auxiliares às necessidades humanas, passa a ser como uma
extensão do indivíduo (MCLUHAN, 1964).
Já Pierre Lévy (1999) ressalta as vantagens da Cibercultura, no que se refere a
novas possibilidades, tal como a facilidade para interagir, enviar mensagens, transferir
arquivos, fazer vericações por intermédio eletrônico – há novos meios artísticos e novas
formas de música. Existem prós da educação e da economia. Em síntese, uma nova
maneira de produção e transação de conhecimentos, onde se aprende, produz e distribui.
Todavia, o lósofo alerta que o mundo está à deriva de um mar informacional, ao
passo que o Ciberespaço cresce e a Cibercultura evolui, e que é preciso desconstruir
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 5 56
métodos e convicções obsoletas e reestruturar as ideias frequentemente (LÉVY, 1999).
Os efeitos malécos desse uso patológico afetam desempenho acadêmico
ou prossional, que são comprometidos, relacionamentos interpessoais, que cam
prejudicados, qualidade do sono, atividade física e nutrição.
Segundo pesquisas, a AI está relacionada a transtornos como Transtorno do Décit de
Atenção com Hiperatividade (TDAH) e transtorno de humor, além de ansiedade, ansiedade
social, solidão, baixa autoestima, menores níveis de atividade física, comportamento
agressivo, menor felicidade e vitalidade subjetivas, saúde mental prejudicada de forma
geral e suicídio (MOROMIZATO et al., 2017).
De acordo com o psiquiatra Hewdy Lobo, cada doença gerada pelo uso desmoderado
da internet é concernente a outras doenças já existentes. Já os efeitos causados pela falta
da internet, em pessoas que já apresentam diculdades de se abster por um tempo do uso,
podem ser análogos aos que são observados em dependentes químicos. Ele arma que
crianças e adolescentes estão entre os mais afetados, apresentando sintomas prematuros
de depressão (divulgada na seção Vida e Estilo, do site Terra, em 03/07/2015).
Pesquisa recentemente realizada com 1500 jovens britânicos, por uma organização
sem ns lucrativos inglesa, Royal Society for Public Health, trouxe que o aumento
exponencial de ansiedade e depressão pode estar ligado diretamente ao uso exagerado de
internet e redes sociais.).Ademais, outras pesquisas realizadas por universidades como de
Pequim e do Sul da Califórnia, e publicadas pela revista acadêmica Psychological Reports,
indicam que a parte do cérebro que ca operante quando em contato com jogos e devido
ao abuso de substâncias, é a mesma que é acionada quando o indivíduo está fazendo uso
do Facebook.
3 | A INFLUÊNCIA NA ESTRUTURAÇÃO DA SUBJETIVIDADE
3.1 Transformações intrínsecas
Conforme abordado até aqui, são diversos, de várias naturezas e dimensões, os
efeitos que podem ser causados em decorrência do uso patológico da internet, visto que,
além das questões relacionadas à saúde, as interações virtuais podem desencadear
problemas, por exemplo, do ponto de vista relacional. Ou melhor, não bastando os
danos ao bem-estar físico e emocional, ca constatado o impacto no contexto social e no
comportamento.
Sobre a mudança de comportamento, o mundo cibernético tem sido um mal não
só no que diz respeito às interações virtuais, como também tem atrapalhado nas relações
presenciais, sejam elas entre familiares, alunos e professores, ou relações prossionais.
O que quer dizer, aquele sujeito que vive ‘pregado’ ao celular e sequer se atenta ao que
está ocorrendo ao seu redor, pode não dar importância às pessoas que estejam tentando
interagir.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 5 57
Romances são outros tipos de relações que podem ser afetados. Algumas mídias
sociais, por permitirem fácil acesso a informações pessoais, criam ocasiões que geram
ciúmes e/ou inquietações a respeito do relacionamento, fomentando desconanças e brigas
entre os companheiros, que estes cam vidrados observando e investigando pers de
outros usuários (FORTIM; ARAUJO, 2013).
Conforme essas ferramentas vão se atualizando, há, gradativamente, uma
necessidade incessante de exibir imagens e ideias de vidas perfeitas, por muitas vezes
montadas, para seus expectadores. Os sujeitos que absorvem isso cam motivados a aderir
a atitudes semelhantes para se sentirem ‘por dentro’. A sucessiva edição da vida/imagem
na busca por mostrar padrões ideais pode ser prazerosa até certo ponto, mas também
pode ser fonte de sofrimento, já que isso pode acarretar num choque de identidade, sobre
como o indivíduo tem consciência de si mesmo (RENDEIRO, 2011).
Mas, o que leva as pessoas a aderirem determinadas tecnologias? Estudos recém-
publicados formulam constructos que revelam indicadores para o uso de tais mídias e
redes sociais, estes baseados especialmente em variáveis externas, utilidade percebida,
facilidade de uso percebida, atitude, intenção de uso, sexo, idade, escolaridade, inuência
social, processos cognitivos, condições facilitadoras, entretenimento/prazer percebido e
objetivo do uso (OLIVEIRA; HUERTAS, 2014).
Para Garcia-Marques (2000), quanto ao que se remete à adoção de comportamentos,
costumes e modismos, que podem se tornar parte intrínseca do ser, a Teoria da Inuência
Social fornece, também, ideias importantes a respeito dessas manifestações. Várias áreas
de estudo, incluindo a Psicologia Social, conceituam processos que fundamentam essas
concepções.
Ainda segundo Garcia-Marques, o comportamento conformista pode estar associado
à unanimidade da situação, à importância do grupo, à autoestima do indivíduo, podendo
levar à perda da capacidade crítica, à aceitação da opinião da maioria, à sugestionabilidade,
conceito também apontado pelo polímata francês Gustave Le Bon (1841-1931), a respeito
do comportamento em massa, onde, segundo ele, os sujeitos nela envolvidos perdem
a capacidade de raciocinar, aceitando o que lhes é determinado. Flusser (2010, p. 90)
expressa o receio de que
as mensagens, no futuro, inclusive os modelos de percepção e de experiência,
sejam adotadas sem crítica, que a revolução da informática possa transformar
os homens em receptores de mensagens que permutam sem crítica, ou seja,
em robôs.
Entretanto, o ser humano parece submetido a coisas que foram determinadas
pelo mundo, a postulados e opiniões formadas, como se fossem dogmas irrefutáveis,
que, quando incorporados, colocam o elemento numa zona de conforto um tanto que
disfuncional. É como se o ‘eu’ legítimo e, naturalmente, livre para seguir caminhos de
diferentes sentidos, fosse extinguido em consequência dos padrões da modernidade, onde
tudo que é desviante e não se encaixa passa a ser coagido e reprimido.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 5 58
Sigmund Freud (1856-1939) explana estes fatos, do ponto de vista da Psicanálise,
com seus estudos acerca da Psicologia das Massas, permitindo uma alusão aos eventos
em esfera virtual. Ele arma que o indivíduo tem um desejo de controlar a ordem das coisas
e de evitar o desprazer a qualquer custo, e busca isso com a sua inserção na massa.
Nela, ele vai cando subordinado a agir de acordo com a vontade do grupo, muitas vezes
de maneira inconsciente. Na massa, mostra-se algo diferente do que ca escondido nos
indivíduos; estes se tornam mais encorajados quando adentrados na mesma; altamente
sugestionáveis, hipnotizados, ou seja, tendem a acatar ideias sugeridas e as executarem.
Um líder, por sua vez, é o hipnotizador, que exerce inuência sobre a massa. De
acordo com os conceitos descritos por Freud sobre o “Eu Ideal e Ideal do Eu”, o sujeito
considera o seu ‘eu’ como o seu próprio ideal, como estando no mundo da onipotência
originária a qual é chamada de “Narcisismo Primário”.
Sob outra visão, Tarde (1890) acreditava que a “imitação” está fundamentalmente
associada com a subjetividade e intersubjetividade. Conforme suas concepções, a
individualidade das pessoas está ligada pelas leis da imitação. Em outros termos, a
sociedade vai se desenvolvendo à proporção que há dialética entre os elementos, de modo
que um copie coisas do outro, concebendo mutações e semelhanças entre si. Para ele,
isso explica o porquê de os sujeitos buscarem imitar um “rei” ou uma gura em destaque e,
pensando no cenário contemporâneo, remete ao comportamento das pessoas que desejam
seguir e reproduzir ações de terceiros, sejam eles famosos, políticos ou outras pessoas de
suas redes sociais.
Com relação a essa indenição de identidade, Pierre Lévy (1999) proferiu a metáfora
de que “Somos céus atravessados por nuvens de energias vindas da profundidade dos
tempos. Quanto mais acreditamos que somos alguém, mais somos ninguém. Quanto mais
sabemos que não somos ninguém, mais nos tornamos alguém”.
Do mesmo modo, Marshall McLuhan escreveu que “todos os meios de comunicação
existem para conferir às nossas vidas uma percepção articial e valores arbitrários”, e,
em um outro pensamento, lançou a ideia de que “os homens criam as ferramentas, e as
ferramentas recriam os homens”.
3.2 A volatilidade das novas relações
O sociólogo e lósofo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017) arma que as novas
tecnologias, tal como as mídias sociais, mudaram as formas de contato e o estilo de
vida. Em várias de suas obras, descreve como as relações tornaram-se instantâneas e
transitórias; como a era da modernidade tem gerado relacionamentos “líquidos”, onde
nada dura. Ele aponta que a moda impulsiona a sensação de prazer pelas capacidades de
socializar, sendo
inspirada no estilo de vida consumista dominante, a tratar os outros seres
humanos como objetos de consumo e a julgá-los, segundo o padrão desses
objetos, pelo volume de prazer que provavelmente oferecem e em termos de
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 5 59
seu “valor monetário” (BAUMAN, 2004, p.96).
Assinala ainda que as pessoas do mundo moderno buscam ser cobiçáveis,
atraentes, interessantes, e vivem sedentas por mostrar-se, cada vez mais, constituindo sua
subjetividade em torno disso (BAUMAN, 2008). Tanto que menciona que “a paixão por se
fazer registrar é um exemplo importante, talvez o mais gritante, dos nossos tempos, nos
quais a versão atualizada do cogito (penso) de Descartes seria: ´Sou visto (observado,
notado, registrado), logo existo´” (BAUMAN, 2014, p. 88).
Para o lósofo Bauman, o indivíduo fruto da “modernidade líquida” entra num
choque de identidade, pois esta não é mais “sólida”; em meio a um amontoado de tarefas,
atividades e relações provenientes da vida online que parece ser obrigatória –, se vê
preso na ambiguidade das situações, sujeito à uidez, à exibilidade e isso lhe acarreta
angústias (BAUMAN, 2005).
A ideia que se tem é a de que a internet e as mídias sociais aproximam os sujeitos
que estão longe, porém, os distanciam de quem está perto. Do mesmo modo, as pessoas
buscam companhia e conforto nessas conexões, mas, ao mesmo tempo, estão rodeadas
de pessoas tão solitárias quanto elas mesmas (BAUMAN, 2014).
A modernidade líquida inuenciou em maneiras de se comportar, não apenas para
mudanças nos relacionamentos, como também para o consumismo compulsivo. Sendo
assim o ser objeticado e tendo valor atribuído pelo o que consome. Nesse tempo os
laços são passageiros, e as pessoas se tornam descartáveis. É um mundo de incertezas,
os vínculos se tornam cada vez mais difíceis, repletos de insegurança e supercialidade,
suscetíveis à desconexão súbita, onde as relações que apresentam deciências são
substituídas.
Bauman lembra que não se deve fazer generalizações a respeito desse fenômeno,
mas que é importante manter a autocrítica e autoanálise sobre o assunto, pois o mundo
está em constante transformação e é importante, então, que os princípios se reconstituam
de maneira benéca.
Em adição a essa última armação, é essencial que sejam consideradas todas as
variáveis e conjuntos de fatores que envolvem tais processos; seus efeitos não podem ser
atribuídos a uma única causa ou um motivo predeterminado, visto que os fenômenos do
ramo da cibernética também se transformam e se correlacionam com os comportamentos
dos indivíduos que, por sua vez, são seres singulares, onde cada qual está inserido em um
ambiente diferente e têm suas condições pré-existentes e características de personalidade
particulares (SKINNER, 1953).
4 | CONCLUSÃO
Embora grande parte dos dados e informações coletadas no presente trabalho
não sejam todas de estudos e obras recentes, ainda assim, estabelecem relação com
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 5 60
acontecimentos atuais e trazem noções importantes sobre o mundo virtual – internet,
mídias de redes sociais e tudo o que estas abrangem. E sob a perspectiva deste estudo,
apresentam correspondência com as hipóteses levantadas, atestando e dando crédito às
conclusões a que se chegou.
A literatura aponta para muitas doenças de cunho psicológico, físico, porém, de
acordo com os conceitos reunidos, de autores, aqui neste trabalho, pode-se constatar
que há inuência signicativa na maneira de se relacionar, de se comportar, nos aspectos
estruturais e na personalidade.
A epistemologia desta pesquisa, com base nos estudos e resultados obtidos,
permitiu que se conrmassem as seguintes hipóteses a respeito da internet, das mídias de
redes sociais digitais e das ferramentas tecnológicas em geral: exercem grande inuência e
provocam mudanças nos comportamentos e na dinâmica de relacionamentos; criam novos
padrões de inter-relações, que vão se transformando de acordo com os modismos; causam
inúmeros males à saúde física e psíquica, assim como danos à vivência social; servem de
gatilhos e/ou potencializam transtornos e doenças existentes no indivíduo; inuenciam
para formação de estereótipos; estabelecem rótulos e padrões; criam estigmas; produzem
um enquadramento social; e levam à alienação.
As mídias sociais e mecanismos do mundo virtual parecem potencializar e/ou fazer
emergir ainda mais doenças como depressão, ansiedade; parecem ser responsáveis
pelo estopim de vários transtornos e comportamentos deprimidos, de autodepreciação;
pela elevação de sentimentos de desvalorização, desesperança e pelo humor afetado.
Não signica dizer que as mídias sociais são responsáveis por produzir todas essas
perturbações (embora possam provocar muitos males), mas que o seu mau uso tem sido
culpado por aorar e potencializar esses distúrbios.
Tudo o que as pessoas absorvem desse mundo conectado, dessa rede digital, uma
vez que aderem como uma verdade universal, que estabelece um padrão a ser seguido
para sentir-se aceito, evitar rejeições, ganhar apoio de grupos para satisfazer interesses –,
parece trazer a tona, cada vez mais rápida e intensamente, problemas dos mais variados,
que partem do mental para o físico, logo, suscitando em problemas comportamentais
e que comprometem o convívio social, dado que as máscaras sociais vestidas para se
adaptar também geram conitos de identidade. Outra questão que pode ser considerada
um problema são os estereótipos, criados a partir de modismos da web e destas mídias, e
que, por sua vez, parecem gerar estigmas e enquadramentos de características de grupos,
estabelecendo padrões físicos, de beleza, e de comportamentos logo, nesta espiral, os
indivíduos sem senso de questionamento tornam-se alienados e vivem isto como o seu
mundo real.
Cabe aqui a analogia com o Mito da Caverna, de Platão (380 a.C.), onde Sócrates
faz uma metáfora sobre homens que nasceram e viveram aprisionados em uma caverna,
sem nunca terem saído de lá, e não conheciam a realidade das coisas, exceto o que lhes
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 5 61
era projetado nas paredes do lugar (em sombras, pela luz de uma fogueira). Em seguida,
propôs uma reexão sobre como seria se um desses homens, um dia, saísse da caverna
e conhecesse a verdadeira natureza e características desses objetos, animais, pessoas;
como seria o espanto do mesmo e o quão caria também maravilhado, até ir desconstruindo
a idéia que tinha, até então, sobre tais coisas e tomando conhecimento sobre a realidade.
Ele supõe que, se o desertor da caverna voltasse, para lhes contar o que conheceu
lá fora, poderia provocar inveja nos mais poderosos dos prisioneiros. Para ele, este mesmo
iria preferir viver sob qualquer condição fora, a voltar a viver sob a ilusão da caverna.
Segundo o pensador, o prisioneiro ainda seria zombado e se tentasse libertar alguém, a m
de lhes mostrar a verdade e as maravilhas do mundo externo, acabaria sendo morto, pois
duvidariam dele.
Por m, Sócrates conclui que, na medida em que o homem para de se ocupar com
ilusões e aprende a ideia do bem – esta que é responsável por tudo que há de correto e
belo –, ele eleva sua alma à sabedoria e passa a conhecer, e a viver o mundo real. Porém,
o lósofo alerta que, muitas vezes, nossa percepção pode ser enganada sobre o que é
demasiado bom e o que está envolto a trevas, portanto deve-se atentar a tudo o que se
mostra e apurar sua visão antes de formar quaisquer opiniões acerca de algo, educando-se
na boa direção.
Em síntese, ca claro que os processos do mundo digital e as interações construídas
nele também trazem benefícios – para campos prossional, acadêmico e pessoal –, como
a fácil comunicabilidade, velocidade e facilidade para obter informações, disposição de
recursos alternativos.
benefícios e malefícios, por isso é importante se atentar à maneira com que
cada um, com sua singularidade, reagirá ao contato com o universo virtual. Talvez fosse
interessante pensar na prática do Questionamento Socrático antes de qualquer ação ou
adesão de ideias, e na adoção de técnicas para policiar seus comportamentos, com o
objetivo de promover o uso saudável desses recursos e combater o empobrecimento mental
provocado por seu uso patológico. Resta saber se as pessoas continuarão na caverna
ou se passarão a ser mais questionadores e reexivos, se libertando, e saindo dela para
serem livres e viver o que lhe faz bem, independente de rótulos e tendências; independente
do que está posto ou que lhes é imposto; viver o seu próprio mundo real.
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A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 6 64
Data de aceite: 20/08/2021
CAPÍTULO 6
A COMPREENSÃO DOS SONHOS NA CLÍNICA
FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL: UM ESTUDO
TEÓRICO
Data de submissão: 03/06/2021
Maria de Fátima Belancieri
Centro Universitário de Adamantina/SP
Departamento de Psicologia, Adamantina/SP
http://lattes.cnpq.br/7084436217730453
https://orcid.org/0000-0001-7292-3961
Felipe da Silva Bazilio
Centro Universitário de Adamantina/SP,
Discente no curso de Psicologia
Adamantina/SP
http://lattes.cnpq.br/9653943243074133
RESUMO: Os sonhos sempre permearam a
existência humana gerando questionamentos
acerca de seus sentidos e signicados, não
obstante, a psicologia também se interessou
por esse fenômeno humano. em 1900,
Freud abordava essa temática em sua obra “A
interpretação dos sonhos”, sendo inegável sua
contribuição, porém, com o desenvolvimento
de outras abordagens psicológicas, novos
estudos e reexões sobre os sonhos foram
surgindo. Nesse sentido, este estudo teve
como objetivo compreender os sonhos na
prática clínica fenomenológico-existencial,
uma vez que esta temática é quase inexistente
na literatura cientíca. Assim, neste estudo
teórico, os dados foram coletados nas seguintes
bases de dados cienticas: Scientic Eletronic
Library Online (SCIELO), Portal de Periódicos
Eletrônicos de Psicologia (PEPSIC) utilizando-se
as seguintes palavras-chave: Psicologia clínica
x Fenomenologia x existencialismo x sonhos.
Inicialmente, foram encontrados onze estudos,
sendo descartados sete, restando, portanto,
quatro estudos para compor as análises. Embora
tivéssemos poucos estudos disponíveis, foi
possível compreender os estados oníricos com
base nas vertentes da Gestalt, Daseinsanálise
e Análise Sartriana. De modo geral, os
sonhos são compreendidos como eventos
diretamente relacionados ao estado de vigília
e seu manejo clínico visa buscar elementos
signicativos que podem estar relacionados aos
conitos existenciais, auxiliando o paciente na
maximização da consciência, alcançando, dessa
forma, maior clareza sobre si mesmo.
PALAVRAS - CHAVE: Psicologia Clínica,
Fenomenologia, Existencialismo, Sonhos
THE UNDERSTANDING OF DREAMS
IN THE PHENOMENOLOGICAL-
EXISTENTIAL CLINIC: A THEORETICAL
STUDY
ABSTRACT: Dreams have always permeated
human existence, generating questions about
their senses and meanings, however, psychology
was also interested in this human phenomenon.
As early as 1900, Freud addressed this theme
in his work “The interpretation of dreams”, his
contribution being undeniable, however, with the
development of other psychological approaches,
new studies and reections on dreams emerged.
In this sense, this study aimed to understand
dreams in existential-phenomenological clinical
practice, since this theme is almost non-existent
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 6 65
in scientic literature. Thus, in this theoretical study, data were collected in the following
scientic databases: Scientic Electronic Library Online (SCIELO), Psychology Electronic
Journal Portal (PEPSIC) using the following keywords: Clinical Psychology x Phenomenology
x Existentialism x dreams. Initially, eleven studies were found, seven were discarded, leaving,
therefore, four studies to compose the analyses. Although we had few studies available, it was
possible to understand the dream states based on the Gestalt, Daseins-analysis and Sartrian
Analysis strands. In general, dreams are understood as events directly related to the waking
state and their clinical management aims to seek signicant elements that may be related to
existential conicts, helping the patient to maximize consciousness, thus achieving greater
clarity about himself.
KEYWORDS: Clinical Psychology, Phenomenology, Existentialism, Dreams.
O fenômeno dos sonhos no decorrer da história tem suscitado uma diversidade de
questionamentos e reexões na tentativa de buscar respostas. Anal, o que é o sonho?
Por que sonhamos? Qual a sua função na vida do sonhador? As respostas para tais
questionamentos também são bem variadas, dependendo do ângulo de análise e da época.
Assim, a compreensão dos sonhos na antiguidade estava relacionada a causas
sobrenaturais ou a mensagens divinas dos deuses, que tinham como nalidade a previsão
do futuro ou a possibilidade de cura para as enfermidades.
Esta crença na divindade dos sonhos começa a desaparecer a partir de explicações
mais losócas, passando a trazer algum signicado, agora não mais sobrenatural, mas
sobre a relação do homem consigo mesmo e com o mundo externo. Somente no século XIX
que os sonhos passaram a ser objeto de estudos cientícos, pautados em explicações mais
objetivas, especialmente, com base na neurosiologia e seus mecanismos de ocorrência.
O pensamento moderno sobre a natureza dos sonhos foi inaugurado por Sigmund
Freud ao publicar a obra “Interpretação dos sonhos” no início de 1900. Para Freud [1900]/
(2001, p. 11) a “interpretação dos sonhos é a via real que leva ao conhecimento das
atividades inconscientes da mente”. Mas, ao prefaciar seu livro, revela que “um sonho é a
realização (disfarçada) de um desejo reprimido”. Para ele, os sonhos eram manifestações
dos desejos e das ansiedades mais profundas reprimidas na infância. Assim,
O sonho tem um sentido, e esse sentido é correlativo do trabalho de
interpretação. A explicação “neurológica” cede lugar a uma decifração do
sentido. É nesse momento que se articulam o desejo e a linguagem. E é por
pertença à linguagem que o sonho vai tornar-se modelo para a compreensão
dos sintomas, dos mitos, das religiões, da obra de arte como formas
dissimuladas do desejo. Essa é a razão pela qual Freud arma que o sonho é
o pórtico real da psicanálise (GARCIA-ROZA, 2004, p. 60).
Nesse sentido, por meio da interpretação é possível acessar os conteúdos
inconscientes da mente e trazê-la à consciência. Para que esse processo ocorra, de
acordo com Freud [1900]/(2001), serão necessários dois elementos fundamentais para
a interpretação: o conteúdo manifesto e o conteúdo latente. O primeiro corresponde ao
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 6 66
sonho lembrado e relatado pelo sonhador, ou seja, pelo conteúdo consciente do sonho. E,
o segundo, se refere ao que está oculto, ou seja, o conteúdo inconsciente do sonho, que se
pretende atingir por meio da interpretação.
Mas, é preciso compreender que os sonhos são provenientes de quatros fontes
distintas, que guardam conexão entre elas, sendo: a) excitações sensoriais externas ou
objetivas; b) excitações sensoriais internas (subjetivas); c) estímulos somáticos internos
(orgânicos); e, d) fontes psíquicas de estimulação (FREUD [1900]/(2001). Tanto as
excitações sensoriais objetivas quanto as subjetivas dão origem aos sonhos. A diferença é
que na primeira o estímulo que afeta o sonhador é proveniente do exterior e, no segundo, os
estímulos são internos, ou seja, do interior do sonhador. Já os estímulos somáticos internos,
se referem ao funcionamento do organismo, visto que, ao sinal de algum desequilíbrio ou
doença este apresenta sinais, dando origem aos sonhos durante o sono. Freud revela que
o mais importante são as fontes psíquicas do sonho, uma vez que serão por meio delas que
os conteúdos inconscientes reprimidos poderão ser acessados.
Nesta breve síntese, podemos observar as contribuições iniciais da psicanálise
na interpretação dos sonhos que reverberaram para outras abordagens psicológicas.
Contribuições essas, que possibilitaram aos psicólogos ampliar seus conhecimentos
e utilizar tais técnicas no processo psicoterapêutico, visando a análise dos sonhos para
compreender a origem das queixas apresentadas pelos pacientes.
É interessante esclarecer que na literatura a maioria dos estudos sobre a análise
dos sonhos são fundamentadas na psicanálise de Freud e na Psicologia Analítica de Jung.
Neste estudo, temos como objetivo compreender como é realizada a análise dos sonhos na
abordagem clínica fenomenológico-existencial. Ao realizar um breve levantamento sobre
esta temática, observamos a quase inexistência de estudos cientícos nesta perspectiva.
As obras mais conhecidas sobre o assunto se resumem no “O imaginário” de Sartre (1996)
e “Na noite passada eu sonhei” de Medard Boss (1979), o que nos motivou a buscar outros
estudos com o intuito de ampliar nossos conhecimentos acerca desta temática.
Nesse sentido, a busca dos estudos foi realizada nas seguintes bases de dados
cienticas: Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PEPSIC) e Scientic Eletronic Library
Online (SCIELO) por meio das palavras-chaves “Psicologia Clínica x Fenomenologia x
Sonhos”, Psicologia Fenomenológico-Existencial x Sonhos”, sendo empregada a técnica de
análise de conteúdo proposta por Bardin (2011) para a organização dos dados coletados.
A partir do levantamento realizado, foi possível recuperar 11 estudos nas duas bases
de dados utilizadas, sendo seis artigos na PEPSIC e cinco na SCIELO. Destes, sete artigos
foram descartados por estarem em desacordo com nossos objetivos, restando apenas 4
estudos para compor as análises.
No Quadro 1, apresentamos a caracterização dos estudos selecionados quanto ao
título, autor, categoria, delineamento metodológico, fonte e local da publicação.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 6 67
Titulo Autor Categoria Delinea-mento Fonte
1Fenomenologia do onírico:
a Gestalt-terapia e a
Daseinsanálise. SANTOS, I.P.A Revisão de
Literatura Qualitativo
Psicologia Ciência
e Prossão,
Brasília, 2004, v.24,
n.1, p. 36-43
2
Realizando o imaginário: da
concepção sartreana sobre os
sonhos à uma clínica existencial
do sonhar SANTOS, G.A.O Revisão de
Literatura Qualitativo
Psicologia em
Revista, Belo
Horizonte, v. 14, n.
1, p. 235-250, 2008
3
Clínica psicológica
fenomenológica existencial
como espaço de resgate do
sonho
ALMEIDA PRADO,
R. A., CALDAS, M.
T., BARRETO, C.
L. B. T.
Revisão de
Literatura Qualitativo
Psicologia
Argumento
Curitiba, v. 30, n.
69, p. 307-316,
2012
4
Os sonhos nas diferentes
abordagens psicológicas:
apontamentos para a prática
psicoterápica.
MILHORIM, T.K;
CASARINI, K.A;
SCORSOLINI-
COMIN, F.
Revisão
integrativa de
Literatura Qualitativo
Revista da
SPAGESP,
Ribeirão Preto, v.
14, n.1, p. 79-95,
2013
Quadro 1 – Caracterização dos estudos selecionados
É notória a escassez de estudos sobre os sonhos na perspectiva fenomenológico-
existencial, o que demonstra a importância da realização desta pesquisa. Observamos
que em relação ao ano de publicação dos estudos, há um grande espaçamento de tempo
entre um artigo e outro. Todos são de revisão de literatura, com delineamento metodológico
qualitativo e não uma centralização da produção dos artigos, uma vez que são de
regiões geográcas diferentes.
Quanto aos objetivos, o estudo de Santos (2004), buscou analisar as contribuições
das teorias gestáltica e daseinanalítica para a compreensão existencial do “sonhar
humano e sua consequente aplicação fenomenológica na prática clínica.” (p.37). O estudo
de Santos (2008) nos apresenta a concepção de Sartre sobre os sonhos, com base na
obra “O Imaginário”. Almeida Prado, Caldas e Barreto (2012) por meio de uma reexão
teórica, procurou mostrar a importância da capacidade de sonhar, apontando a relevância
do sonho na prática clínica fenomenológico-existencial. E, por m, Milhorim, Casarini e
Scorsolini-Comin (2013), realizaram uma revisão integrativa da literatura cientíca nacional
sobre a análise dos sonhos, resultando em apontamentos para a prática psicoterápica em
diferentes abordagens psicológicas.
Embora, tenhamos encontrado poucos estudos em relação ao nosso objetivo, foi
possível extrair alguns dados relevantes para a compreensão dos sonhos na abordagem
fenomenológico-existencial.
De acordo com o quadro 2, observamos que a compreensão sobre os sonhos pode
apresentar algumas divergências em relação à base teórica utilizada, mesmo convergindo
na concepção de homem e no método.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 6 68
A concepção de homem nesta perspectiva revela um ser-em-relação, com
capacidade de escolhas, livre para tomar as próprias decisões sobre sua vida, mas também
responsável pelas consequências destas escolhas (ERTHAL, 1989). As abordagens
teóricas com base no método fenomenológico elegem a descrição dos fenômenos tal como
aparecem à consciência para, posteriormente, buscar seu signicado. Assim, o “fenômeno
manifesta-se a uma consciência que o visa, e essa manifestação é por si reveladora.
As condições de aparição do fenômeno à consciência é o que a fenomenologia tentará
desvendar” (SANTOS, 2008, p. 238).
Daseinsanálise
- “Mais do que um produto psíquico, o sonhar passa a ser entendido com
base na estrutura existencial que compõe o homem enquanto ser humano”
(SANTOS, 2004, p. 36);
- “o sonhar ‘deve ser reconhecido como um modo de existência lado a lado
com a vida desperta’” (BOSS, 1979 apud SANTOS, 2004, p. 38);
- “o sonhar assemelha-se ao estado desperto em razão de o sonhador poder
intervir ativamente na situação sonhada” (SANTOS, 2004, p. 38);
- O sonhar, portanto, é compreendido como uma experiência que depende
da continuidade histórica da vida humana, se constituindo como um
acontecimento pertencente à própria experiência” (MILHORIM; CASARINI;
SCORSOLINI-COMIN, 2013, p. 89).
Gestalt
- [...] “a cena onírica é realizada pelo próprio sonhador em uma projeção de si
mesmo.” (SANTOS, 2004, p. 37);
- “o sonho é a manifestação dos signicados atribuídos à própria existência do
sonhador, a partir da relação intencional da consciência do sonhador consigo
mesmo e com o mundo à sua volta” (SANTOS, 2004, p. 38);
- “os sonhos constituem claramente a realidade do sonhador sendo, também,
caminho real para a integração do indivíduo, por meio da harmonização de
todas as suas partes” (MILHORIM; CASARINI; SCORSOLINI-COMIN, 2013,
p. 90).
Análise Sartriana
- “o sonho não é percebido como um objeto real, mas sim como irreal e
produto da consciência imaginante” (MILHORIM; CASARINI; SCORSOLINI-
COMIN, 2013, p. 88);
- “o sonho não é percebido como objeto real, mas é produto da consciência
imaginante, que em sua atitude de negação do mundo real cria um mundo
irreal com um enredo, uma espacialidade e temporalidade próprias, análoga
ao mundo real” (SANTOS, 2008, p. 241);
Quadro 2 – A compreensão dos sonhos na abordagem fenomenológico-existencial
Quanto ao conteúdo onírico, tais teorias postulam que este encontra-se relacionado
à própria existência do sonhador, ou seja, tudo aquilo que é sonhado apresenta uma
relação direta com a vivência desperta do indivíduo. Por mais que os teóricos possam
variar acerca da constituição do mundo dos sonhos, a base que os sustentam é a mesma,
ou seja, a existência e a relação entre o conteúdo que se apresenta no sonho e a vivência
em vigília do sonhador.
Neste estudo, encontramos vertentes de compreensão dos sonhos pautadas na
Daseinsanálise de Medard Boss, teoria esta, baseada na fenomenologia-existencial de
Martin Heidegger, bem como, na Gestalt de Fritz Perls e na Análise Sartriana.
Assim, na Daseinsanálise, o sonho é compreendido “como uma experiência que
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 6 69
depende da continuidade histórica da vida humana, se constituindo como um acontecimento
pertencente à própria experiência” (MILHORIM; CASARINI; SCORSOLINI-COMIN, 2013,
p. 89). Compreensão esta, corroborada por Santos (2004, p. 36) ao revelar que “mais
do que um produto psíquico, o sonhar passa a ser entendido com base na estrutura
existencial que compõe o homem enquanto ser humano” (SANTOS, 2004, p. 36) e deve
“ser reconhecido como um modo de existência lado a lado com a vida desperta” (BOSS,
1979 apud SANTOS, 2004, p. 38), uma vez que o “sonhador poder intervir ativamente
na situação sonhada” (SANTOS, 2004, p. 38). Assim, ambos os estados, vigília e sonho,
podem ser entendidos como “dois modos diferentes de conduzir a realização da mesma
existência humana histórica” (BOSS, 1979, p. 185).
Entretanto, Santos (2004), pontua a existência de diferenças entre o estado de vigília
e o estado onírico. Durante o sonho, a existência se encontra com menor abertura do que
quando desperto, ou seja, nos sonhos as situações são concretas, ao passo que na vigília
lugar para o abstrato, para os pensamentos e imaginação. Outra diferença pontuada
pela autora se refere a temporalidade dos acontecimentos, visto que, na vigília existe uma
conexão entre o passado, o presente e o futuro, enquanto que os sonhos ocorrem no
presente.
O fenômeno do sonho para a Gestalt, de acordo com Santos (2004, p. 38), “é a
manifestação dos signicados atribuídos à própria existência do sonhador, a partir da
relação intencional da consciência do sonhador consigo mesmo e com o mundo à sua
volta”. A autora revela que “a cena onírica é realizada pelo próprio sonhador em uma
projeção de si mesmo.” (p. 37), visto que, os elementos que compõem o sonho remetem a
um fragmento do próprio sonhador, buscando-se um caminho para a sua integração.
Corroborando, Milhorim, Casarini e Corsolini-Comin (2013, p. 90) revelam que os
sonhos “constituem claramente a realidade do sonhador sendo, também, caminho real para
a integração do indivíduo, por meio da harmonização de todas as suas partes”. Assim,
o sonhar possibilita ao sonhador reconhecer os fragmentos de sua personalidade que
precisam ser integrados.
Na compreensão dos sonhos de acordo com a Gestalt, dois conceitos nos chamam
a atenção - Integração e Projeção -, o primeiro permite ao indivíduo a harmonização de
todas as suas partes como um todo unicado. E o segundo, conceito este emprestado da
psicanálise e utilizado por Perls (1988, p. 50), como uma negação, de maneira “que nos seja
possível negar e não aceitar as partes de nossa personalidade que consideramos difíceis,
ou ofensivas ou sem atrativos”, e, assim, o indivíduo passa a atribuir a responsabilidade de
algo que pertence à ela, ao meio externo, negando a tomada de consciência de si própria,
em que os conitos interiores podem ser externalizados por meio dos sonhos.
Para compreender o fenômeno onírico sob a ótica Sartriana, Santos (2008), revela
que será necessário entender a diferenciação que ocorre entre a percepção e a imaginação.
A percepção ocorre de modo perceptual, visto que a consciência visa aos objetos do mundo
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 6 70
real, que contém uma temporalidade e espacialidade circunscritas, sendo que este objeto
real nunca poderá ser apreendido por completo, mas por múltiplas perspectivas, em que a
intencionalidade da consciência é que escolhe quais aspectos de tal objeto se direcionará.
Milhorim, Casarini e Corsolini-Comin (2013) e Santos (2008) revelam que o sonho,
pelo contrário, não pertence ao mundo real, “é produto da consciência imaginante, que
em sua atitude de negação do mundo real cria um mundo irreal com um enredo, uma
espacialidade e temporalidade próprias, análoga ao mundo real (SANTOS, 2008, p. 241).
Esse mundo imaginário, produzidos pela consciência imaginante “brota da espontaneidade
da consciência em uma atitude intencional de negação do mundo” (p. 239). Assim, o
objeto irreal criado pela consciência imaginante se diferencia do objeto real, visto que sua
apreensão não ocorre por múltiplas perspectivas, pois, o objeto irreal se apresenta como
um todo à consciência.
O conceito Sartriano de consciência é extremamente relevante para se compreender
os sonhos. Para Sartre (2001) a consciência é sempre consciência de algo, visto que à
princípio ela é um nada, um vazio, é pela intencionalidade que ela se dirige ao objeto na
tentativa de preenche-la. Nesse sentido, há duas formas de consciência, uma irreexiva e
outra reexiva. A primeira é apenas uma consciência perceptiva, que se esgota no objeto
e não depende de conteúdo psíquico, uma vez que este pode ser apreendido pela
reexão. a consciência reexiva surge a partir do ato reexivo, atribuindo sentido ao
objeto captado. É necessário esclarecer que a consciência irreexiva tem prioridade sobre
a reexiva, visto que a consciência reexiva é antes consciência irreexiva.
Se a consciência é sempre consciência de algo, como isso é aplicado aos sonhos?
Sartre (1996) revela que há uma diferenciação entre o estado de vigília e do sono, visto
que, quando desperto não há dúvida quanto a percepção de algo.
A qualquer instante, posso fazer desse termo o objeto de uma consciência
reexiva que me informara com precisão sobre sua estrutura. Ora, essa
consciência reexiva me imediatamente um conhecimento precioso:
é possível que, no sonho, eu imagine que estou percebendo; mas o que é
certo é que, que quando estou desperto, não posso duvidar que percebo
(SARTRE,1996, p. 211).
Como dito anteriormente, o sonho é fruto da consciência imaginante que nega o
mundo real, criando assim, um mundo irreal com um enredo, espacialidade e temporalidade
próprias. Segundo o autor, o sonho se apresenta enquanto história, sendo vivido como uma
cção que aprisiona a consciência dentro do sonho, assim, não consciência reexiva
neste mundo imaginário, uma vez que, caso adentre ao sonho, este se desfaz.
Num mundo imaginário, não há sonho de possibilidades, já que as
possibilidades supõem um mundo real, a partir do qual as possibilidades
são pensadas. A consciência não pode recuar em relação a suas próprias
imaginações para imaginar uma seqüência possível à história que ela está
representando – isso seria acordar. (SARTRE, 1996, p. 222).
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 6 71
Gestalt
- “A função do terapeuta passa a ser a de um facilitador [...] traz o sonho de volta
ao presente e faz ser revivida a situação sonhada como se estivesse acontecendo
no momento atual. Os gestalt-terapeutas podem utilizar-se, inclusive, da técnica de
dramatização, na qual o sonhador desempenha todos os papéis que são apresentados
na cena onírica” (MILHORIM; CASARINI; SCORSOLINI-COMIN, 2013, p. 90).
- “o sonho não é interpretado para a gestalt-terapia, pois ao invés de analisá-lo, o
objetivo é trazê-lo de volta à vida como se estivesse ocorrendo no momento atual
[...] Sua função, em suma, é apontar a diculdade existencial presente na vida do
sujeito, como parte da personalidade que lhe está faltando” (MILHORIM; CASARINI;
SCORSOLINI-COMIN, 2013, p. 91).
- “o trabalho com sonhos na gestalt-terapia consiste em pedir ao paciente que conte
seu sonho no momento presente, como se estivesse acontecendo agora. Depois, o
terapeuta escolhe algum elemento do sonho que parece trazer um signicado de conito
existencial e pede ao paciente para ser esse elemento, representando-o” (SANTOS,
2004, p. 38).
- “A função do terapeuta passa a ser a de um facilitador, no sentido de que este orientará
o paciente na reapropriação de suas características rejeitadas, projetadas para fora de
si. O Gestalt-terapeuta lança mão de uma técnica, chamada dramatização, em que o
sonhador desempenha todos os papéis apresentados em seu sonho” (SANTOS, 2004,
p. 38).
Análise
Sartriana
- “o analista deve auxiliar o analisando a regredir em sua história até que lhe seja
possível desvelar o sentido de seu projeto original”. (SANTOS, 2008, p. 244).
- “Na prática, o relato de determinado sonho seria paulatinamente compreendido quando
nos atentássemos à experiência que a pessoa traz de seu sonhar” (SANTOS, 2008, p.
245).
- “Na prática, o terapeuta deve pedir para que o cliente relate a experiência do sonho,
estimulando-o a entrar em contato com o que ele vivencia no relato e explorando as
diversas nuances do enredo da história” (SANTOS, 2008, p. 246).
“a formulação sartriana sobre os sonhos vem beneciar o terapeuta de orientação
fenomenológica e existencial, com uma compreensão das diversas intencionalidades da
consciência nessa produção imaginária que é o sonho” (SANTOS, 2008, p. 247).
- “o terapeuta pode fazer com que o sonhador se aproxime das experiências que são
manifestadas no contato com o material onírico, sendo a análise do próprio relato uma
maneira de observar elementos importantes sobre a vida do sonhador” (MILHORIM;
CASARINI; SCORSOLINI-COMIN, 2013, p. 88).
- “A função do analista, nesse aspecto, é auxiliar o paciente a regredir em sua
história pessoal até chegar ao sentido do seu projeto inicial” (MILHORIM; CASARINI;
SCORSOLINI-COMIN, 2013, p. 89).
Daseinanalise
- “as contribuições verdadeiramente importantes da perspectiva fenomenológica
existencial, para a prática clínica, fundamentam-se na compreensão mais aprofundada
da existência humana, e não na aplicação de técnicas psicoterápicas. Essa abordagem
fundamenta-se numa perspectiva compreensiva em que a dimensão explicativa e
causalista não são relevantes (PRADO; CALDAS; BARRETO, 2012, p. 314).
- “Lidar com os sonhos na psicoterapia, segundo o estudo, não teria como objetivo
desvelar a estrutura ou essência do sonhar, mas sim compreender o que seu conteúdo
está trazendo, de modo concreto, sobre a forma da pessoa vincular-se ao mundo”
MILHORIM; CASARINI; SCORSOLINI-COMIN, 2013, p. 89).
- “A tarefa dentro da psicoterapia, portanto, seria a de “convidar o paciente a visualizar
essas possibilidades de vida, ainda irrealizadas, que se apresentam no sonho”
(MILHORIM; CASARINI; SCORSOLINI-COMIN, 2013, p. 90).
- “A tarefa do daseinsanalista será exatamente a de convidar o paciente a visualizar
essas possibilidades de viver ainda irrealizadas que se apresentam no sonho. Sua
atitude terá o caráter fenomenológico [...]. Não promoverá qualquer tipo de interpretação
para encontrar um signicado latente ao conteúdo manifesto” (SANTOS, 2004, p. 38).
- “o terapeuta convoca o paciente a descobrir o como e o quê das coisas, alcançando
maior clareza sobre si mesmo” (SANTOS, 2004, p. 40).
Quadro 2 – A análise dos sonhos na prática clínica com base na Psicologia Fenomenológico-
Existencial.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 6 72
Assumir o compromisso de compreender a análise dos sonhos na prática clínica
fenomenológico-existencial se torna um desao, uma vez que, encontramos convergências
e divergências entre os diferentes teóricos que contribuíram para esta temática.
Diante do exposto no quadro 2, observamos que a maior convergência entre as três
perspectivas teóricas apresentadas se assenta no uso do método fenomenológico, que se
encontra fundamentado “na compreensão mais aprofundada da existência humana, e não
na aplicação de técnicas psicoterápicas.” (PRADO; CALDAS; BARRETO, 2012, p. 314).
Levando-se em consideração o trabalho com os sonhos na perspectiva da Gestalt, o
terapeuta assume o papel de um facilitador, que ao invés de interpretá-lo, solicita ao paciente
que relate seu sonho no momento presente, revivendo a situação como se estivesse
acontecendo naquele momento. Após, o terapeuta busca algum elemento signicativo do
sonho que pode estar relacionado ao conito existencial e solicita ao paciente para que ele
seja esse elemento. Este processo possibilita ao paciente a tomada de consciência de suas
características não integradas, ou seja, aquelas projetadas para fora de si (MILHORIM;
CASARINI; SCORSOLINI-COMIN, 2013; SANTOS, 2004).
Os autores acima citados ressaltam que neste processo os terapeutas podem fazer
uso da técnica de dramatização, na qual o sonhador desempenha todos os papéis que são
apresentados em seu sonho, recriando no presente a cena onírica.
Na Análise Sartriana o sonho é um recurso interessante a ser analisado na prática
clínica, visto que, a partir do desvelar da intencionalidade da consciência que criou as
cenas oníricas, é possível entender as outras intenções que estão presentes no projeto
existencial do paciente.
Nesse sentido, o terapeuta deve solicitar ao paciente que relate a experiência
do sonho, fazendo com que se aproxime das experiências vividas no enredo do sonho,
trazendo para a consciência reexiva o conteúdo onírico, possibilitando, dessa forma,
que o sonhador possa desvelar seus sentidos. (SANTOS, 2008; MILHORIM; CASARINI;
SCORSOLINI-COMIN, 2013). Este processo é extremamente rico para a psicoterapia, visto
que,
captar a intencionalidade da consciência do sonhador através da experiência
em vigília do próprio sonho é de grande valia para o trabalho psicoterápico,
na medida em que o signicado da experiência de um sonho se ana a outros
signicados presentes na existência (SANTOS, 2008, p. 245).
Partindo dessa premissa, o terapeuta tem a função de auxiliar o paciente “a regredir
em sua história até que lhe seja possível desvelar o sentido de seu projeto original”
(SANTOS, 2008, p. 244). Ao desvelar o sentido de seu projeto original, poderá compreender
os demais projetos existenciais, ampliando sua consciência reexiva e, consequentemente,
se tornará mais responsável por sua existência, a partir de suas escolhas.
O autor revela ainda que a forma como o paciente relata seu sonho tem grande
relevância no trabalho clínico, visto que, o tom de voz e os sentimentos expressos são
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 6 73
elementos a serem explorados, uma vez que reetem a forma como a consciência irreetida
lida com os conteúdos oníricos apresentados e, para além disso, as sensações evocadas
nos sonhos são extremamente mobilizadoras, tanto na fala quanto na reexão, motivo
para o terapeuta atentar para o elementos que o cliente escolheu para trazer ao mundo
em vigília.
A análise dos sonhos na clínica Sartriana pode trazer outros benefícios para o
processo, visto que, o terapeuta pode buscar a compreensão não somente dos sonhos,
mas também da totalidade do ser, auxiliando o cliente a entender e ampliar sua consciência
em relação ao seu projeto existencial, como pontua Erthal (1989).
A nalidade do trabalho clínico com sonhos na Daseinsanálise não édesvelar a
estrutura ou essência do sonhar, mas sim compreender o que seu conteúdo está trazendo,
de modo concreto, sobre a forma da pessoa vincular-se ao mundo” (MILHORIM; CASARINI;
SCORSOLINI-COMIN, 2013, p. 89). É lançar luz às possibilidades existenciais, visto que
estas podem ser desconhecidas até mesmo pelo próprio sonhador.
Nesta perspectiva, o terapeuta não fará qualquer tipo de interpretação, no sentido
de buscar algum signicado latente no conteúdo manifesto, mas apenas convidará
“o paciente a descobrir o como e o quê das coisas, alcançando maior clareza sobre si
mesmo” (SANTOS, 2004, p. 40), compreendendo quais possibilidades existenciais ainda
não realizadas que aparecem no sonho.
A forma como o sonhador se relaciona e se posiciona diante do relato sobre o sonho,
possibilita-lhe maior compreensão acerca de sua existência, observando as semelhanças
entre o enredo onírico, sua situação vivencial em conjunto com sua história biográca.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a realização deste estudo foi possível compreender algumas das contribuições
da fenomenologia-existencial para a prática clínica sobre os sonhos. E, embora tivéssemos
poucos estudos disponíveis nas bases de dados pesquisadas, foi possível compreender os
estados oníricos com base nas vertentes da Gestalt, Daseinsanálise e Análise Sartriana,
ainda que de forma breve.
De modo geral, os sonhos são compreendidos como eventos diretamente
relacionados ao estado de vigília e seu manejo clínico visa buscar elementos signicativos
que podem estar relacionados aos conitos existenciais, auxiliando o paciente na
maximização da consciência, alcançando, dessa forma, maior clareza sobre si mesmo.
Cabe ainda salientar que cada perspectiva teórica exposta neste estudo apresenta
convergências, mas também divergências acerca da compreensão, formulação e manejo
clinico dos sonhos, não cabendo aqui uma discussão neste momento.
E, em razão da escassez de material cientíco sobre os sonhos na abordagem
fenomenológico-existencial, consideramos necessária a realização de novos estudos,
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 6 74
visando ampliar e aprofundar os conhecimentos no que se refere às convergências e
divergências em relação aos principais teóricos, além de incluir outras fontes de pesquisa,
como teses, dissertações e livros, bem como, a possibilidade de estudo empírico, por meio
de técnicas de entrevista a prossionais que atuam nesta vertente teórica.
REFERÊNCIAS
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existencial como espaço de resgate do sonho. Psicologia Argumento Curitiba, v. 30, n. 69, p. 307-
316, 2012.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.
BOSS, M. Na noite passada eu sonhei. São Paulo: Summus, 1979.
ERTHAL, T. C. S. Terapia Vivencial: Uma abordagem existencial em psicoterapia. Rio de Janeiro: Ed.
Vozes, 1989.
FREUD, S. A interpretação dos sonhos. São Paulo: Imago, 2001 (Original publicado em 1900).
GARCIA-ROZA, L. A. Freud e o inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
MILHORIM, T. K.; CASARINI, K. A.; SCORSOLINI-COMIN, F. Os sonhos nas diferentes abordagens
psicológicas: apontamentos para a prática psicoterápica. Rev. SPAGESP, Ribeirão Preto, v. 14, n. 1, p.
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PERLS, F. A abordagem gestáltica e a testemunha ocular da terapia. Rio de Janeiro: Ed. LTC,
1988.
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existencial do sonhar. Psicol. rev. v. 14, n. 1, p. 235-250, 2008.
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daseinsanálise. Psicol. cienc. prof., v. 24, n. 1, p. 36-43, 2004.
SARTRE, J-P. O imaginário: psicologia fenomenológica da imaginação. São Paulo: Ática, 1996.
SARTRE, J. P. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Petrópolis: Vozes, 2001.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 7 75
Data de aceite: 20/08/2021
CAPÍTULO 7
PROPRIEDADES DE CONTROLE AVERSIVO
EM MANUAIS DE PSICOTERAPIA
ANALÍTICO-FUNCIONAIS CONTRARIAM AS
RECOMENDAÇÕES DE SKINNER E SIDMAN?
Data de submissão: 29/06/2021
Fanny Bohnenberger Ruschel
Universidade Federal do Paraná
Curitiba – PR
http://lattes.cnpq.br/7488177803914612
RESUMO: No Behaviorismo Radical, Skinner e
Sidman são conhecidamente citados por seus
posicionamentos contrários ao uso do controle
aversivo, mantendo suas críticas com base
principalmente na inecácia e transitoriedade
de seus efeitos. Entretanto, autores posteriores
armam que existem contextos nos quais o
controle aversivo não só pode ser uma alternativa
justicável, como é também ecaz. Entre os
contextos onde ele vem sendo usado está a
psicoterapia, que possui diversas vertentes
dentro da Análise do Comportamento. Entre elas,
a Functional Analythic Psychotherapy (FAP) é
uma modalidade de psicoterapia que utiliza a
relação terapeuta-cliente como principal meio
de intervenção e recurso para mudança do
comportamento do cliente. No presente artigo,
foram analisadas duas obras voltadas a FAP
(Functional Analytic Psychotherapy: Creating
Intense and Curative Therapeutic Relationships
e A Guide to Functional Analytic Psychotherapy:
Awereness, Courage, Love and Behaviorism) a
m de identicar elementos de controle aversivo e
comapará-las com as recomendações de Skinner
e Sidman. Conclui-se que a discussão a respeito
do uso de controle aversivo em instâncias sociais
entre elas, a psicoterapia – é complexa, e requer
a compreensão das implicações de cada uma
das formas de controle possíveis no contexto da
ação. Assim, embora Skinner e Sidman tenham
mostrado posicionamento contrário a esta forma
de controle, as análises aqui efetuadas sugerem
discrepância entre o posicionamento destes
autores e o desenvolvimento da psicoterapia
analítico-funcional.
PALAVRAS - CHAVE: Controle aversivo,
Psicoterapia Analítico-Funcional, Skinner,
Sidman.
DO AVERSIVE CONTROL PROPERTIES
IN FUNCTIONAL-ANALYTICAL
PSYCHOTHERAPY MANUALS AVOID
THE RECOMMENDATIONS OF SKINNER
AND SIDMAN?
ABSTRACT: In Radical Behaviorism, B. F.
Skinner and Sidman are mostly cited for their
opposing views on the use of aversive control,
based on their main indications of ineffectiveness
and transitoriness of their effects. However,
later authors afrm that there are contexts
in which aversive control not only can be a
justiable option but also an effective alternative.
Among the contexts where it can be used is
psychotherapy, which has several strands within
the Behavior Analysis. Among them, Functional
Analytical Psychotherapy (FAP) is a modality
of psychotherapy that uses a therapist-client
interface as the main means of intervention and
resource to change patient’s behavior. In this
paper, two books were investigated, Functional
Analytic Psychotherapy: Creating Intense and
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 7 76
Curative Therapeutic Relationships and a Guide to Functional Analytic Psychotherapy:
Awareness, Courage, Love and Behaviorism, in order to identify elements of aversive control
in their works and to discuss them based on the recommendations of Skinner and Sidman. The
conclusion is that the discussion about the use of aversive control in social instances - among
them, the psychotherapy - is complex, and requires an understanding of the implications of
each of the control forms. Thus, although Skinner and Sidman have shown a position contrary
to this form of control, the analyzes carried out here suggest a discrepancy between the
position of these authors and the development of Functional Analytic Psychotherapy.
KEYWORDS: Aversive Control, Functional Analytic Psychotherapy, Skinner, Sidman.
INTRODUÇÃO
No Behaviorismo Radical, B. F. Skinner (1953/2000) e M. Sidman (1995) são
frequentemente citados por seus posicionamentos contrários ao uso do controle aversivo,
mantendo suas críticas com base principalmente na inecácia e transitoriedade de seus
efeitos. Entretanto, em publicações posteriores, autores armam que existem contextos
nos quais o controle aversivo não só pode ser uma alternativa justicável, como é também
ecaz, sugerindo que o uso de controle aversivo pode ser inevitável ((Mazzo, 2007;
Todorov, 2011; Critcheld, 2014). A existência dessas discordâncias levanta a possibilidade
de que as técnicas utilizadas por teorias psicoterapêuticas mais recentes possam não
estar livres de propriedades aversivas em suas orientações de atuação, ainda que em
suas diretrizes existam recomendações contrárias. Entre estas, a Functional Analythic
Psychotherapy (FAP) é uma modalidade de psicoterapia que utiliza a relação terapeuta-
cliente como principal meio de intervenção e recurso para mudança do comportamento do
cliente (Kohlenberg & Tsai, 2001).
Orientados pelas recomendações de Skinner (1953/2000) sobre o estabelecimento
terapêutico da “audiência não punitiva”, terapeutas tendem a evitar a emissão de
consequências aversivas às verbalizações do cliente (Medeiros, 2002). Sidman (1995)
menciona que grande parte dos clientes que procuram a clínica possuem histórico de
exposição a contingências aversivas, principalmente punição, o que acabaria gerando
como subproduto a restrição do comportamento verbal. Por isso, ao estabelecer-se como
audiência não punitiva e reforçar o relato verbal do cliente, o terapeuta fortaleceria o vínculo
terapêutico, uma vez que ao não punir o relato verbal do cliente, ele se estabelece como
estímulo discriminativo (Sd) para a apresentação desse comportamento, possibilitando que
este compartilhe com o terapeuta assuntos que não compartilharia com outras pessoas
(Rangé, 1995).
As recomendações de Skinner (1953/2000) referentes à “audiência não punitiva”
são similares às encontradas nas fundamentações teóricas da FAP, que armam que
melhoras clínicas, “cura” e mudança terapêutica, envolvem contingências de reforçamento
que ocorrem por meio da relação entre o cliente e o terapeuta (Kohlenberg & Tsai, 1994).
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 7 77
Para a FAP, muito do que os clientes verbalizam a respeito de seus problemas fora da
clínica possui correspondência em seus comportamentos dentro do ambiente terapêutico,
sendo função do terapeuta identicar e promover a apresentação desses comportamentos,
chamados de “comportamentos clinicamente relevantes” (Kohlenberg & Tsai, 1994).
Entretanto, Silva (2002) pontua que certas técnicas (por exemplo, evocar respostas
emocionais no procedimento de “aceitação”, bloqueio de comportamentos clinicamente
relevantes) da FAP estão fundamentadas em contingências aversivas, sugerindo uma
orientação diferente da prescrita por Skinner e Sidman.
Nos livros de direcionamento à atuação do psicoterapeuta FAP, é discutido que para
que o processo de mudança comportamental do cliente ocorra, é necessário que este
apresente um comportamento problema – denominado CRB1 – em sessão (Kohlenberg e
Tsai, 1991; Tsai, e Kohlenberg, 2009). Esse comportamento costuma ser uma amostra da
forma problemática de agir que o cliente apresenta fora da sessão e, portanto, consequenciar
este comportamento de forma adequada torna-se o mecanismo pelo qual a FAP exerce
sua função terapêutica. Isto ocorre na medida em que pressupõe que a consequenciação
adequada ao comportamento problema do cliente servirá para que outros repertórios
concorrentes sejam reforçados e assim, pelo mecanismo de modelagem operante,
comportamentos mais adaptativos ao ambiente do cliente possam surgir. Entretanto, para
que o CRB 1 seja apresentado em sessão, é possível que a FAP recorra a mecanismos que
incitem a ocorrência deste, sendo controlados por contingências aversivas, como citado
por Silva (2002).
Ao analisar o posicionamento de Skinner (1953/2000) e de Sidman (1995), é
possível perceber forte oposição ao uso de procedimentos aversivos, baseando-se em
seus subprodutos indesejáveis. No caso da punição, Sidman (1995) arma que produz
efeitos colaterais ou indiretos à supressão da resposta, que podem produzir efeitos
além dos esperados. Para o autor, crianças que tem seus comportamentos punidos
frequentemente tendem a ser mais agressivas e utilizar a punição futuramente para
controlar comportamentos de outras pessoas. Para Skinner (1953/2000) enquanto o efeito
direto da punição diz respeito ao aumento ou à redução da probabilidade da resposta
(efeitos operantes), os efeitos indiretos ou subprodutos dizem respeito, principalmente, aos
efeitos respondentes ou emocionais, mencionados acima. Ambos os autores destacam que
a punição é largamente utilizada em sociedade devido aos efeitos imediatos que produz,
reduzindo a resposta indesejada temporariamente.
Como alternativa à punição, Skinner (1971/1977, 1972/1975, 1953/2000) propõe:
uso da extinção, uso do reforço positivo de respostas operantes alternativas à resposta
punida e manejo da condição ambiental antecedente. Apesar de tratar do assunto, Skinner
não detalha como estes poderiam ser efetivamente utilizados. Além disso, o próprio autor,
ao examinar os efeitos da extinção em sua obra Ciência e comportamento humano,
pontuou que esta operação produziria reações emocionais denominadas frustração e
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 7 78
cólera, além de um “violento comportamento emocional” (Skinner, 1953/2000, p. 77). Isto
suscita a discussão de que, se reações emocionais indesejáveis são uma das principais
características do uso de controle aversivo, e nem mesmo suas alternativas estão livres
desses mesmos subprodutos, analistas do comportamento podem estar se pautando em
caracterizações objetivas a respeito do não uso do controle aversivo, ou podem estar, como
pontua Hunziker (2017) entendendo essa forma de controle a partir de uma conotação
pejorativa e dogmática?
Ainda de acordo com Hunziker (2017) quando se mencionam os efeitos prejudiciais
do controle aversivo, existe um entendimento equivocado do controle aversivo como algo
opressor, quando na verdade trata-se, experimentalmente, de um conjunto de relações
que alteram a probabilidade de respostas. Para a autora, tanto reforçadores positivos
quanto estímulos aversivos podem ser benécos ou prejudiciais ao sujeito a depender da
contingência em que estão inseridos e a quem favorecem, além de que ambos os tipos
de controle podem ser caracterizados como “bons”, “maus” ou “éticos” independente do
caráter negativo atribuído dogmática e previamente. Para ilustrar, Hunziker (2017) cita
o treinamento realizado em um jovem com esquizofrenia, onde além do reforçamento
positivo contingente à fala coerente, utilizava-se punição negativa da fala incoerente. O
procedimento, utilizando o método punitivo, auxiliou o jovem a comunicar-se de forma mais
ecaz em menos de dois meses, e, de acordo com este resultado, foi caracterizado como
um “bom” procedimento.
Critcheld (2014) sugere que analistas do comportamento deveriam ser mais
céticos com relação à suas crenças a respeito dos efeitos da punição, considerando que
as contingências aversivas podem ter papel importante na regulação do comportamento
ético e na coesão de grupo. Segundo o autor, na medida em que a punição é capaz de
reprimir respostas que violem regras sociais estabelecidas, esta pode ser essencial para
manter a sociedade mais unida. Na mesma linha, Martins, Carvalho Neto e Mayer (2017)
em análise à obra Walden Two, de Skinner, encontram evidências de controle aversivo em
uma sociedade utópica criada com o objetivo de – paradoxalmente – demonstrar como
seria uma sociedade estruturada em princípios que não envolvam controle aversivo. Os
autores constatam, ao nal do trabalho, que a obra faz menção à utilização de controle
aversivo em relações sociais e não sociais, e questionam a exclusão de qualquer traço de
aversividade dado a complexidade das relações reais em sociedade. A análise também
menciona que defender o uso preferencial por reforçamento positivo não necessariamente
implica na exclusão de qualquer traço de aversividade.
O controle aversivo deve ser utilizado? Em que circunstâncias? E com quais
características? E em ambiente terapêutico, em que há o entendimento de que o terapeuta
necessita adquirir a função de uma audiência não punitiva, o controle aversivo deve ser
sempre evitado? À luz dessas controvérsias, é necessária uma investigação a respeito do
uso de controle aversivo nas estratégias terapêuticas da FAP, bem como da denição desse
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 7 79
conceito pelos autores da psicoterapia. O uso de controle aversivo, não recomendado por
Skinner e Sidman tende a ser discutido por outros autores da Psicologia como algo muito
presente nas sociedades humanas e que acaba por ser indispensável para a manutenção
das relações sociais. O objetivo do presente estudo foi identicar, nas obras Functional
Analytic Psychotherapy: Creating Intense and Curative Therapeutic Relationships e A Guide
to Functional Analytic Psychotherapy: Awereness, Courage, Love and Behaviorism, se
propriedades de controle aversivo nas práticas constituintes da atuação de psicoterapeutas
analítico-funcionais e compará-las com as recomendações de Skinner (1953/2000) e de
Sidman (1995) a respeito do uso do controle aversivo.
MÉTODO
Fontes de informação
Foram selecionadas as seguintes obras:
Livro 1 - Functional Analytic Psychotherapy: Creating Intense and Curative
Therapeutic Relationships
Livro 2 - A Guide to Functional Analytic Psychotherapy: Awereness, Courage, Love
and Behaviorism
Essas obras foram selecionadas por se tratarem das principais obras de instrução
e exposição dos princípios da FAP, contemplando seus métodos e fundamentos. As obras
foram lidas na língua de origem (Inglês).
Materiais e instrumentos
Foi utilizado um protocolo para classicação de informações a respeito de diferentes
aspectos do controle aversivo nas estratégias terapêuticas da FAP. Esse protocolo é
constituído pelas seguintes variáveis: I. Comportamentos emitidos pelo cliente sugerindo
uma prática aversiva, II. Relatos do cliente que sugerem que a prática é aversiva, III.
Recomendações, IV. Eciência, V. Comportamentos do terapeuta e VI. Denição de controle
aversivo. Estas variáveis foram selecionadas por tratarem-se de aspectos especícos
relacionados ao cliente ou ao terapeuta, em que existe a maior probabilidade de vericação
de propriedades de controle aversivo.
Procedimento
As obras foram lidas na íntegra e foram selecionados os trechos que faziam alusão
ao controle aversivo. Para tanto, algumas expressões foram utilizadas para orientar a
seleção dos trechos, dentre elas: “Punishment”, “Aversive stimuli”, “Aversive”, “Extinction”,
Avoidance”, Emotion”, Pain” e “Negative feeling”. Quando elas apareciam, o trecho
era selecionado. Porém, alguns trechos foram selecionados a despeito de não serem
constituídos por tais expressões. Por exemplo, em situações onde é recomendada a
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 7 80
estruturação de um ambiente em que se evoquem CRBs signicativos, entende-se que é
necessária a apresentação de estimulação potencialmente aversiva. Consequentemente,
um trecho com tal informação foi selecionado. Outro exemplo são trechos no qual apresenta-
se um diálogo onde o terapeuta bloqueia a esquiva do paciente – que foge ao assunto –
reapresentando a pergunta sobre um evento emocionalmente desgastante.
Após a seleção dos trechos, eles foram agrupados e classicados de acordo com as
variáveis apresentadas no protocolo de observação. Para orientar a seleção de trechos, foi
considerada a seguinte denição das variáveis:
A. Comportamentos do cliente que sugerem uma prática aversiva:
Descrição ou indicação de comportamentos apresentados pelo cliente que
caracterizem uma resposta a uma prática aversiva, como car irritado, chorar, fuga
e esquiva, discutir em voz alta ou exercer contra-controle.
B. Relatos do cliente que sugerem uma prática aversiva:
Descrição de relatos do cliente em que ele verbaliza algo com a função de esquivar-
se de certo tópico apresentado pelo terapeuta que tem função aversiva ou de
expressar sentimentos negativos. Ex: Mentir, mudar de assunto, gritar, ofender.
C. Recomendações do uso de controle aversivo:
Informações constituídas por recomendação (ou não) do uso de procedimentos
que envolvem elementos de controle aversivo. Por exemplo: Estabelecer metas
terapêuticas que envolvem reduzir a apresentação de comportamentos de esquiva
e manter o cliente na presença de estímulos aversivos. Como exemplo, ampliar o
repertório de enfrentamento por meio da diminuição gradual de esquiva frente a
estímulos aversivos, como falar sobre algo doloroso.
D. Eciência do uso de elementos de controle aversivo:
Informações relativas ao grau de eciência do uso de procedimentos que envolvam
elementos de controle aversivo. Como por exemplo, o uso de determinada forma de
controle comportamental pode perder sua ecácia ao longo do tempo.
E. Comportamentos do terapeuta:
Descrição ou indicação de comportamentos do terapeuta que sugerem que uma
prática é aversiva, como aplicação de punição, extinção e reforçamento negativo.
F. Denição de controle aversivo:
Denição de controle aversivo que é utilizada pelos autores.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 7 81
RESULTADOS
Natureza das informações relacionadas ao uso de controle aversivo
distribuídas em categorias
Para melhor caracterizar as diferentes formas de apresentação de uso ou de
produtos da apresentação da estimulação aversiva, foram selecionadas seis categorias
que compreendem aspectos classicados de cada trecho. Para cada um dos trechos
selecionados, preenche-se a tabela colocando em evidência fragmentos que podem ser
representados em alguma(s) categoria(s).
A) Comportamentos do cliente que sugerem uma prática aversiva
Nos livros utilizados como fonte de informação, as informações identicadas a
respeito de comportamentos emitidos pelo cliente que sugerem uma prática aversiva dizem
respeito a apresentação de esquiva pelo cliente, a contracontrole, a luto, raiva, tristeza e
perda; fortes respostas emocionais; a escapar, esquivar e atacar; a mágoa, raiva, tristeza e
medo. No quarto trecho do Livro 2, por exemplo, encontra-se a descrição da recomendação
de que o uso deliberado de reforçadores pode ser visto como manipulativo pelos clientes,
gerando comportamentos como contracontrole.
CRBs I: Problemas do cliente que ocorrem durante a sessão. CRBs I
são ocorrências, durante a sessão, de repertórios do cliente que foram
especicados como problemas de acordo com os objetivos do cliente para a
terapia e a conceituação do caso. Deve haver correspondência entre CRBs
1 especícos e os problemas particulares da vida diária. Entender os CRBs
1 requer uma avaliação do comportamento em termos de amplas classes
de resposta que incluem diferentes topograas comportamentais; algumas
ocorrem durante a sessão, relacionada ao processo de terapia e ao terapeuta,
ao passo que outras ocorrem fora da sessão, estando relacionadas ao
trabalho, amigos, família, a outras pessoas signicativas e assim por diante.
Em uma FAP bem sucedida, CRBs 1 devem diminuir de frequência ao longo
da terapia. Geralmente, CRBs 1 estão sob controle de estímulos aversivos
e consistem de esquiva (inclusive esquiva emocional), porém, é claro,
existem CRBs 1 que não são restritos ao problema da esquiva. Seguem
alguns comportamentos que são exemplos de problemas clínicos reais. (Livro
2 – Trecho 4, pág 12. Grifo meu).
B) Relatos do cliente que sugerem uma prática aversiva
O quarto trecho do Livro 1, refere-se a um diálogo em que a cliente diz: “Vamos
voltar ao assunto de minha depressão”. Esta armação foi interpretada pelo autor como
uma esquiva à pergunta do terapeuta sobre se a cliente teria sentimentos negativos a seu
respeito, caracterizando uma tentativa de esquiva por meio da expressão verbal.
C: Tudo o que sei é que estou deprimido e eu quero alguma ajuda porque me
sinto mal. (CRBl-esquiva.)
T: Você não respondeu minha pergunta. Eu disse que pensei que você
tivesse sentimentos negativos ou hostis em relação a mim. (Regra 3, bloquear
esquiva).
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 7 82
C: Eu não tenho, vamos voltar a falar da minha depressão. (CRBl,
esquiva.). (Livro 1 – Trecho 4, pág 44. Grifo meu)
C) Recomendações quanto ao uso de controle aversivo
Possui três aspectos principais: 1) Recomenda-se o uso de controle aversivo em
certas situações; 2) Não recomenda o uso de controle aversivo, mas adverte que ele pode
ocorrer em certo momento; 3) Não recomenda, mas adverte que o uso incorreto da técnica
pode ser visto como aversivo.
No primeiro aspecto, pode-se citar o seguinte exemplo:
Assim, embora a aplicação de estímulos aversivos seja circunscrita na FAP,
a “punição” (ou seja, uma resposta do terapeuta que enfraquece o CRB1
do cliente, como retirar o reforço) no contexto de uma relação terapêutica
forte pode ser usada para abordar comportamentos problemáticos. Mais
uma vez, até a punição pode ser usada de um lugar de cuidado. Muitas
vezes, dizemos aos terapeutas que não sejam excessivamente cautelosos
sobre a evocação de reações negativas no cliente; Se existir uma relação
forte, ela poderá ser reparada. Na verdade, isso também está modelando um
repertório importante (a capacidade de reparar rupturas no relacionamento),
e também é algo que pode ajudar os terapeutas e os clientes a compreender
melhor um ao outro. (Livro 2 – Trecho 19, pág 184. Grifo meu)
No segundo aspecto, pode-se citar o seguinte exemplo:
Uma das principais vantagens da abordagem comportamental incorporada
na FAP, é que ele aponta para os mecanismos de mudança de hipótese que,
por sua vez, se prestam a diretrizes de tratamento especícas e ensináveis.
Os conceitos e denições comportamentais permitem que os terapeutas
implementem uma ampla gama de mecanismos terapêuticos potencialmente
signicativos, como “coragem”, “amor terapêutico” e “criação de um espaço
sagrado” (ver Capítulo 4), geralmente não abordados nas terapias cognitivas
comportamentais. Trazer tanta coragem e amor em seus relacionamentos
com os clientes é um processo difícil que leva os terapeutas ao limite
de suas próprias zonas de conforto, muitas vezes evocando esquiva
emocional. [...](Livro 2 – Trecho 1, pág 3. Grifo meu)
No terceiro aspecto, pode-se citar o seguinte exemplo:
Cada ação de um terapeuta pode ter uma ou mais das três funções acima
ao mesmo tempo. Considere um terapeuta perguntando: “O que você está
sentindo agora?” Esta questão poderia ter uma função discriminatória, com
efeito, dizendo: “Agora é apropriado descrever seus sentimentos”. A resposta
do cliente a esta questão é a ocorrência de um operante. Também é possível,
no entanto, que a questão possa ser aversiva ao cliente e, portanto, punir
o comportamento que imediatamente precedeu. (Livro 2 – Trecho 3, pág
11. Grifo meu)
D) Eciência
A única recomendação sobre eciência identicada ocorre no Livro 2 (segundo
trecho) e refere-se uso feito de certos estímulos reforçadores, que pode se tornar articial
e falso e perder sua efetividade. Recomenda-se neste ponto do segundo livro, que o
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 7 83
terapeuta tome cuidado ao utilizar reforçamento mais especicamente reforçamento
arbitrário, como elogios – pois isto pode ser considerado algo manipulativo pelos clientes e
gerar respostas de contracontrole.
Infelizmente, o uso deliberado de reforçadores pode favorecer para que este
se torne arbitrário ou “falso”, perdendo sua efetividade. (Ferster, 1972). Esse
problema foi comentado por Wachtel (1977), que observou que terapeutas
comportamentais que estavam frequentemente exagerando no uso de elogios,
tinham sua ecácia diminuída. Além disso, o uso delibeado de consequências
pode ser, considerado pelo cliente aversivo ou manipulativo e induzi-lo a
realizar esforços paa reduzir ou alterar a mudança terapêutica - o que Skinner
(1953) chamaria de “contra-controle” (Livro 2 – Trecho 2, pág 9).
E) Comportamentos do terapeuta que sugerem uma prática aversiva
Foram considerados trechos onde refere-se ao uso de contingências como punição
e extinção, utilizadas para ns terapêuticos.
Um exemplo desta classicação seria o sexto trecho do Livro 2:
Consistente com a FAP, os resultados revelaram que, apesar de tentar
conscientemente de forma não contingente, a melhoria na terapia foi associada
ao reforço diferencial, embora inadvertido, das melhorias do cliente. Tais
achados sugerem que, enquanto muitos terapeutas podem não perceber,
eles estão constantemente moldando o comportamento de seus clientes
através de contingências de reforços verbais e não-verbais, punição e
extinção (Livro 2- Trecho 6, Pág 27. Grifo meu).
F) Denição de controle aversivo: sem exemplos.
Tabela de excertos a serem considerados para a discussão:
Livros – Número do
trecho Trechos
1 – Trecho 2
A importância da Regra 1 não pode ser enfatizada em demasia. Teoricamente,
seguir a Regra 1 por sé tudo o que precisamos para o tratamento ter sucesso.
Ou seja, um terapeuta habilidoso em observar a ocorrência, na sessão,
de instâncias de comportamento clinicamente relevante, tenderá a reagir,
naturalmente, no sentido de reforçar, extinguir e punir o comportamento
em questão, propiciando o desenvolvimento de alternativas úteis para a
vida diária. (Livro 1 – Trecho 2, Pág 26. Grifo meu.)
1- Trecho 4
C: Tudo o que sei é que estou deprimida e eu quero alguma ajuda porque me
sinto mal. (CRBl-esquiva.)
T: Você não respondeu minha pergunta. Eu disse que pensei que você tivesse
sentimentos negativos ou hostis em relação a mim. (Regra 3, bloquear
esquiva).
C: Eu não tenho, vamos voltar a falar da minha depressão. (CRBl, esquiva.).
(Livro 1 – Trecho 4, Pág 44. Grifo meu.)
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 7 84
1 – Trecho 12
As variáveis controladoras que ocorrem durante a sessão de terapia podem
ser muito potentes. Os procedimentos da FAP tendem a evocar reações
emocionais intensas e efeitos reforçadores associados a relacionamentos
íntimos. Por causa disso, a FAP pode ser muito benéca para o cliente,
afetando grandes repertórios. Por exemplo, durante a FAP, um cliente
pode aprender pela primeira vez a conar em outro ser humano. Essas
mesmas variáveis de controle dentro da sessão, no entanto, podem ser
extremamente aversivas e produzir efeitos prejudiciais para o cliente,
como sentimentos negativos intensos e repertórios de fuga e esquiva
associados. Assim, um cliente pode abandonar a terapia, porque o
“abaixamento da guarda”, que acontece quando uma pessoa cona, pode
evocar a esquiva, fuga e acompanhar dor (Livro 1 -trecho 12, Pág 190. Grifo
meu.).
1 – Trecho 13
Visto que é comum o CRB1 ser um comportamento controlado
aversivamente, é necessário, frequentemente, que exista alguma
aversividade presente para (1) evocar o CRB que é requerido para a
FAP e (2) bloquear a esquiva que se segue. Embora a pouca aversividade
atrapalhe o progresso porque a esquiva do cliente é sucientemente reforçada
em sessão, muita aversividade pode ser sufocante e imobilizadora. Os
clientes cujos comportamentos diante de estímulos aversivos são geralmente
disruptivos devem ser expostos à FAP com precaução. Por exemplo, considere
o cliente que é extremamente sensível às críticas. Neste caso, quando um
colega o critica por um pequeno erro, ele ca emocionalmente desorganizado e
perde vários dias de trabalho. A FAP, de início, é utilizada cuidadosamente com
este cliente, pois focalizar comportamentos na sessão pode parecer uma crítica
indireta e provavelmente demasiada, se ocorre no aqui e agora. Geralmente,
é boa política iniciar o tratamento focalizando os problemas que ocorrem fora
da sessão, usando procedimentos de outros tipos de terapia, antes de fazer
alguma coisa com os CRBs, ou seja, antes de focalizar a relação terapeuta-
cliente. Esse procedimento ajudará a desenvolver a tarefa de orientação do
tratamento, fornecendo a oportunidade de terapeuta e cliente estabelecerem
um método de trabalhar juntos, sem complicações adicionais oriundas de
reações emocionais disruptivas. Proceder cautelosamente também signica
que, identicar como CRB um comportamento na sessão é uma hipótese para
ser explorada, e que a relevância clínica necessita ser demonstrada e não
assumida. (Livro 1 – Trecho 13, pág 190. Grifo meu)
2 – Trecho 3
Cada ação de um terapeuta pode ter uma ou mais das três funções acima
ao mesmo tempo. Considere um terapeuta perguntando: “O que você
está sentindo agora?” Esta questão poderia ter uma função de estímulo
discriminativo, dizendo: “Agora é apropriado descrever seus sentimentos”. A
resposta do cliente a esta questão é a ocorrência de um operante. Também
é possível, no entanto, que a questão possa ser aversiva ao cliente e,
portanto, punir o comportamento que imediatamente precedeu. (Livro 2 –
Trecho 3, pág 11. Grifo meu)
2 – Trecho 12
Denimos funcionalmente mindfulness terapêutico como um tipo de
autoconsciência que ajuda o cliente a permanecer na presença de Sds
aversivos (como pensamentos negativos, sentimentos e situações) que
evocam tipicamente repertórios de esquiva. Na sequência, isso disponibiliza
uma oportunidade para emergir e reforçar comportamentos novos e mais
adaptativos. Usar uma denição funcional pode ajudar a reduzir uma confusão
relevante na literatura do mindfulness, que resultou no fracasso em distinguir
técnicas de um processo psicológico (Hayes e Wilson (2003). (Livro 2 – Trecho
12, pág 114. Grifo meu).
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 7 85
2 – Trecho 19
Assim, embora na FAP o uso de estímulos aversivos seja limitado, a
“punição” (ex., uma resposta do terapeuta que enfraqueça um CRB1 do
cliente, tal como a retirada de um reforçador) no contexto de uma relação
terapêutica forte, pode ser utilizada para tratar comportamentos-problema.
Novamente, até mesmo a punição é usada num contexto de cuidado.
Dizemos frequentemente aos terapeutas para não se preocuparem muito em
não evocar reações negativas em seus clientes: se uma relação é forte, ela
deve ser capaz de ser reparada. Na verdade, isto modela um repertório que
também é importante (a capacidade de reparar rupturas cm um relacionamento)
e também é algo que pode ajudar os terapeutas e clientes se entenderem
melhor. (Livro 2 – Trecho 19, pág 184. Grifo meu.)
DISCUSSÃO
O objetivo deste estudo foi investigar a presença de propriedades aversivas
nas recomendações de atuação presentes em dois manuais da Functional Analytic
Psychotherapy (FAP), e discutir os resultados à luz das recomendações de Skinner e Sidman
a respeito do uso de controle aversivo. Os resultados possibilitam demonstrar a utilização
de técnicas que permitem o uso de punição e bloqueio de esquiva, além de apresentar
subprodutos diretos característicos do uso de controle aversivo, como fuga e esquiva.
Estas técnicas e seus respectivos subprodutos aparentam contrariar as recomendações de
Skinner e Sidman, uma vez que ambos os autores prescrevem a não-utilização de técnicas
que apresentem controle aversivo.
No décimo segundo trecho do Livro 2, ao descrever o mindfulness terapêutico, por
exemplo, os autores relatam que este é denido como “[...] um tipo de autoconsciência que
ajuda o cliente a permanecer na presença de Sds aversivos (como pensamentos negativos,
sentimentos e situações) que evocam tipicamente repertórios de esquiva.[...]”(Livro 2
Trecho 12, pág 112). Os comportamentos de fuga e esquiva, mencionados diversas
vezes em ambos os livros, ocorrem em função da presença de reforçamento negativo.
Para Sidman (1989/2003), contingências de reforço negativo não ampliam o repertório do
indivíduo, como seria o caso da aplicação em contingências de reforço positivo. Skinner
(1953/2000) por sua vez, admite que o reforço negativo pode ser benéco no ensino do
comportamento de seguir regras, e que este restringe o contato do organismo com eventos
prejudiciais. Portanto, com relação a esta forma de controle, ambos os autores possuem
posicionamentos um pouco distintos, apesar de não ser recomendado como forma ideal
de controle.
Outro procedimento, muito característico da FAP, é a evocação do CRB1. De
acordo com Kohlenberg e Tsai (1991): “Visto que é comum o CRB1 ser um comportamento
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 7 86
controlado aversivamente, é necessário, frequentemente, que exista alguma aversividade
presente para (1) evocar o CRB que é requerido para a FAP e (2) bloquear a esquiva
que se segue.[...]” (Livro 1 – Trecho 13, pág 190).Com isto, certo nível de aversividade
é frequentemente necessário para que exista a emissão do CRB, mantendo o paciente
na presença de Sds aversivos, sob a justicativa de que o cliente possa desenvolver
novas habilidades de enfrentamento. Estas habilidades apresentadas nos livros da FAP
são um conjunto de comportamentos necessários para que o cliente seja capaz de se
adaptar de forma mais favorável ao ambiente em que se insere, no sentido de maximizar
as oportunidades de ser reforçado. Para isto, é necessário muitas vezes que ele consiga
superar instâncias potencialmente aversivas para obter algum reforçador.
Desta forma, o conjunto de comportamentos denominado “enfrentamento” é
construído por meio da exposição do cliente a estímulos que possuem efeito aversivo
– como certos pensamentos e sentimentos – e que comumente são evitados. A partir
desta exposição é objetivo diminuir a função aversiva destes elementos que controlam
respondentes do cliente (como comportamentos de ansiedade) e permitir o surgimento
de um repertório mais adaptativo. O bloqueio de esquiva também tem sido descrito na
literatura como uma técnica ecaz para mudanças no repertório comportamental do cliente,
como aumento na frequência de autorrelato, exposição de sentimentos e auto-exposição a
aversivos que gerem tolerância emocional (Andrade Gouveia et al, 2017). Tal procedimento
pode ser observado em um diálogo descrito no Livro 1, Trecho quatro. Este direcionamento
contrariaria Skinner (1953/2000) na medida em que pode ser interpretado como um excesso
de controle característico da sociedade em que o cliente vive e que pode ter relação direta
com o problema que o leva à clínica procurar ajuda.
Outra forma de controle encontrada nos manuais da FAP é a punição. Embora a
FAP não prescreva explicitamente o uso dessa forma de controle, os autores recomendam
que esta possa ser utilizada em determinados casos, o que, de certa forma, contraria as
prescrições de Skinner (1953/2003) a respeito do papel de “audiência não punitiva” a ser
exercida pelo terapeuta. Em Ciência e Comportamento humano, por exemplo, Skinner
comenta “[...] Do ponto de vista do paciente, o terapeuta em princípio é apenas mais um
membro de uma sociedade que tem exercido excessivo controle. É tarefa do terapeuta
colocar-se em situação diferente. Evita, portanto, consistentemente o uso da punição[...]”
(Pág, 403). Ao falar sobre a importância do terapeuta estar atento à apresentação de CRBs
do cliente em sessão, os autores da FAP mencionam que reforçar, punir e extinguir são
formas de fomentar o desenvolvimento de comportamentos considerados “úteis” para a
vida diária, a despeito dos subprodutos emocionais. Isto é evidente no trecho dezenove
do Livro 2: “Assim, embora na FAP o uso de estímulos aversivos seja limitado, a “punição”
(ex., uma resposta do terapeuta que enfraqueça um CRB1 do cliente, tal como a retirada
de um reforçador) no contexto de uma relação terapêutica forte, pode ser utilizada para
tratar comportamentos-problema. (Pág 184). Além de Skinner, isso contraria também
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 7 87
Sidman (1989/2003), uma vez que para esse autor o controle aversivo nunca é benéco
e mesmo que fosse possível encontrar alguma vantagem, seus prejuízos cancelariam
seus benefícios. O autor arma que padrões de esquiva generalizada, característicos
de situações que envolvem controle aversivo dicultam a interação do indivíduo com
o ambiente, restringindo a variedade de respostas que poderiam ser apresentadas em
situações aversivas (Sidman (1989/2003).
Ainda que não se recomende abertamente o uso de controle aversivo, nos manuais
da FAP constam informações que possibilitam concluir que certos elementos que constituem
essa prática estão presentes ou mesmo devem estar presentes no processo terapêutico.
Em discussões do Livro 2, no trecho 19 (mencionado acima), os autores ressaltam
a ocorrência de reações negativas do cliente como parte importante e indissociável do
processo terapêutico, e mesmo em sua ocorrência, não invalida a força da relação entre
cliente e terapeuta. Os autores rearmam que ainda que o uso de contingências aversivas
deva ser evitada pelos terapeutas, justamente pelos potenciais danos que causaria ao
estabelecimento do vínculo terapêutico, uma leve porção deveria ser utilizada. Portanto, o
estabelecimento de uma relação entre o cliente e o terapeuta depende de contingências
que não se pautam apenas em reforçamento positivo e, de acordo com os autores, o
surgimento de aversividade na relação pode inclusive modelar um repertório importante
para a própria relação, permitindo que ambos encontrem formas de reparar problemas.
Essas recomendações, presentes nos livros analisados, sugerem que o uso de controle
aversivo pode ser necessário para o progresso da terapia. Assim, é possível aproximar as
formas de atuação recomendadas pela FAP a indicações mais recentes no que diz respeito
ao uso de controle aversivo.
Uma das possíveis justicativas para que a punição seja utilizada na clínica da
FAP, se refere à facilidade de aplicação e imediaticidade do efeito supressor (Ferster,
Culbertson, & Perrot-Boren, 1968/1978). Um exemplo é o caso de um diálogo, onde o
terapeuta interrompe um monólogo do paciente para retornar a outro assunto de interesse.
Por vezes é necessário que o terapeuta faça uso de um procedimento de efeito imediato,
no caso, a punição. No caso de procedimentos alternativos à punição, é frequentemente
necessário que o terapeuta disponha de tempo e informações que não se fazem presentes
de imediato. No caso da extinção, o efeito demora em razão do número de respostas
que precisam ser emitidas até que a frequência se aproxime de zero. Outra alternativa,
então, seria o reforçamento de comportamentos alternativos aos punidos, o que envolve
a identicação do estímulo reforçador que mantém o comportamento a ser enfraquecido,
identicação de outros reforçadores de alta magnitude para serem contingentes aos
comportamentos alternativos, além de especicar quais os comportamentos alternativos
devem ser fortalecidos (Moreira & Medeiros, 2007).
A despeito de a punição ser recomendável ou não, observa-se que, na prática, os
terapeutas analítico-comportamentais parecem emiti-la na clínica. Falcão (2011) analisou
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 7 88
15 diálogos entre terapeuta e cliente, ocorrido sob orientação analítico-comportamental e
retirados da literatura nacional. No estudo, foram utilizadas oito categorias de intervenções
utilizadas pelos terapeutas, entre elas perguntas abertas e fechadas, reforço natural e
arbitrário, perguntas por que, regras, punição e outras verbalizações. O autor observou
que em 55% dos diálogos analisados houve a emissão de verbalização punitiva por
parte do terapeuta. É discutida a não recomendação da punição na terapia, pontuando
suas desvantagens à longo prazo, como tatos distorcidos, diminuição da assiduidade e
abandono da terapia. Todas estas consequências ameaçariam o forte vínculo terapêutico
construído dentro da FAP. Os dados de Falcão (2011), assim como as informações a
respeito de propriedades aversivas nos manuais da FAP (ver tabela), possibilitam concluir
que o controle aversivo é indissociável da prática clínica.
É necessário, no entanto, que exista o questionamento: Se a punição encontra-se
tão presente na prática dos analistas comportamentais, é possível armar que ela não
deve ser utilizada? Estariam os analistas do comportamento tão inclinados a contrariar
Skinner e Sidman em sua prática clínica? Em trabalho recente, Banaco e Zamignani
(2018) questionam a existência de uma psicoterapia analítico-comportamental que não
contemple a utilização de controle aversivo. Após demonstrarem a presença de instâncias
clínicas onde o uso de controle aversivo faz-se necessário, os autores chegam à conclusão
apresentada pelos trabalhos de Perone (2003): mesmo os procedimentos que deveriam
envolver apenas reforço positivo, ainda possuem muitos elementos de reforço negativo
ou mesmo punição. Em síntese, a partir das informações encontradas nos dois manuais
da FAP consultados, é possível vericar que a discussão a respeito do uso de controle
aversivo em instâncias sociais entre elas, a psicoterapia é complexa, e requer a
compreensão das implicações de cada uma das formas de controle. Embora Skinner
(1953/2000) e Sidman (1995) possuam posicionamento contrário a esta forma de controle,
as análises subsequentes permitem concluir que certos traços de aversividade podem ser
benécos em diversas instâncias. Assim, embora Tsai e Kohlenberg (2009) recomendem a
utilização de formas de controle aversivas, os autores reconhecem as implicações do uso
indiscriminado desta forma de controle, recomendando cautela em sua aplicação, ainda
que exista o risco de que o terapeuta não mensure corretamente as limitações do paciente
e esteja passível de erro.
Ainda assim, em face das discussões apresentadas, é imprescindível que ao tratar
deste assunto reconheça-se que o uso de controle aversivo, mesmo em psicoterapia é
uma prática que pode ser recomendada, ainda que isto implique na apresentação de seus
subprodutos emocionais indesejados. Isto revela que ainda que o uso de contingências
de reforçamento positivo continuem sendo privilegiadas, outras modalidades de controle
parecem ser indissociáveis não das práticas psicoterapêuticas, mas das relações
sociais de modo geral. Isso aponta para a necessidade de que analistas do comportamento
compreendam as limitações das proposições de Skinner e Sidman, e estejam abertos para
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 7 89
as concepções posteriores que examinam as implicações de quaisquer formas de controle.
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A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 8 91
Data de aceite: 20/08/2021
CAPÍTULO 8
PELO SUJEITO EM ECOLINGUÍSTICA
Ezequiel Martins Ferreira
http://lattes.cnpq.br/4682398500800654
RESUMO: A ecolinguística surge como uma
retomada das ideias de vários autores sobre a
relação estabelecida entre língua e meio ambiente
e vem se armando como uma nova forma e
possibilidade de ver a língua. Uma forma que se
nomeia holística e vê a língua como o elo daquilo
que se pode chamar de interação entre o homem
e seu meio. Em outras palavras a ecolinguística
se ocupa de interação que se estabelece entre
a população e o território através da língua. O
presente artigo pretende inserir nessa discussão
a dimensão do sujeito pra além de indivíduo.
PALAVRAS - CHAVE: Sujeito, mente, linguagem.
ABSTRACT: Ecolinguistics emerges as a
resumption of the ideas of several authors about
the relationship established between language
and the environment and has been asserting
itself as a new way and possibility of seeing
language. A form that calls itself holistic and sees
language as the link of what can be called the
interaction between man and his environment.
In other words, ecolinguistics deals with the
interaction established between the population
and the territory through language. This article
intends to insert in this discussion the dimension
of the subject beyond the individual.
KEYWORDS: Subject, mind, language.
A ecolinguística surge como uma
retomada das ideias de vários autores sobre
a relação estabelecida entre língua e meio
ambiente e vem se armando como uma nova
forma e possibilidade de ver a língua. Uma forma
que se nomeia holística e a língua como o
elo daquilo que se pode chamar de interação
entre o homem e seu meio. Em outras palavras
a ecolinguística se ocupa de interação que
se estabelece entre a população e o território
através da língua.
Hildo do Couto comenta que para
entender melhor a relação entre população,
língua e território deve-se antes partir do conceito
de ecossistema, que nas palavras de Couto “é
o sistema formado pela interação dos membros
de uma comunidade de organismos com seu
meio ambiente e deles entre si” (COUTO,
2009, p. 147). Esse ecossistema composto
por população, língua e território compreende
aquilo que na ecolinguística se nomeia como
ecossistema fundamental da língua (EFL) que
se apresenta como um ecossistema maior, em
virtude da decomposição microscópica deste
em três outro: Mental; Social; Natural.
Com isso o que se pretende aqui é a
reexão de alguns conceitos da ecolinguística
para aquilo que esbarra no além da língua:
a concepção de sujeito que permeia essa
interação entre população e território.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 8 92
O Ecossistema Fundamental da Língua
Antes de qualquer outra coisa é necessário, na ecolinguística, deixar claro a noção
que nela se tem de língua. Língua como interação.
Por ser baseada pelas teorias da ecologia, a qual ganha na teoria um maior destaque
inclusive por ser a dominante na nomenclatura, a ecolinguística tende a encontrar em si
um paralelo aos conceitos ecológicos. Dessa forma, ecossistema, população e território se
mantêm da mesma forma, enquanto a língua encontra equiparação no conceito de inter-
relações, tidas aqui principalmente como o modelo comportamental utilizado por um povo
de forma que se opere uma dinâmica que se estabelece como convivência.
Na lingüística encontramos em Mikhail Bakhtin um representante daqueles que
vêem a língua como interação.
Os signos só emergem, decididamente, do processo de interação entre
uma consciência individual e uma outra. E a própria consciência individual
está repleta de signos. A consciência só se torna consciência quando se
impregna de conteúdo ideológico (semiótico) e, conseqüentemente, somente
no processo de interação social. (BAKHTIN, 2006, p.32)
Cabe ressaltar que a ecolinguística lida com a possibilidade de complementaridade
entre as disciplinas e os pontos de vista. Assim, apesar de um certo enfoque na abordagem
interacionista a ecolinguística não descarta a abordagem formalista, e acredita que uma
complementa a outra.
Outro destaque dado por Couto (2010) dessa complementaridade entre as disciplinas
diz respeito à língua enquanto “realidade biopsicossocial”, considerando na ecolinguística
os aspectos biológicos, psicológicos e sociológicos que envolvem a possibilidade de
operação da linguagem.
Em relação às disciplinas principais que compõem atualmente o campo da
ecolinguística estão sem sombra de dúvida a ecologia, a gramática gerativa, a sociolingüística
e em parte as neurociências.
Passadas algumas considerações que julgo serem necessárias como plano de
fundo no entendimento do ecossistema fundamental da língua volto então à questão que
funda esse tópico: O que é o ecossistema fundamental da língua?
Tomada como a interação entre o indivíduo, seus semelhantes e o meio, a língua
entra em cena, não como uma coisa, mas como uma estrutura, uma existência que permeia
e que permite um jogo dialógico entre os indivíduos sobre eles mesmos e seu meio.
Desse modo, os elementos que compõem esse jogo dialógico fazem parte do
ecossistema fundamental da língua, que nada mais é que o ecossistema lingüístico no qual
através da língua (L) ocorre interação entre os indivíduos membros de uma determinada
comunidade - população (P) - demarcada por um território (T) em comum a eles.
Nesse aspecto o meio ambiente da língua se estabelece em três esferas pelas quais
a mesma perpassa: esfera biológica, esfera sociológica, esfera psicológica - para manter
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 8 93
a mesma tônica. Enumerando-as como meio ambientes: Meio ambiente (MA) natural, MA
Social, MA Mental.
MA Natural da Língua
Para entender um pouco essa divisão triádica se faz necessário entender o que se
quer dizer com cada uma delas. Aqui se dene por natural aquilo que possui equivalência
relativa ao físico, ao biológico, logo uma aproximação com a biologia e a ecologia.
Partindo de que o ecossistema fundamental da língua é a totalidade formada por
população e território, o ecossistema Natural bem poderia ser o ecossistema fundamental
da língua, pois nesse T está incluído P.
No entanto, do ponto de vista biológico o que nos interessa nessa subdivisão, em
especial ao ecossistema natural, são o território e a população enquanto causa física, que
permitem e fornecem uma sólida base para a produção da língua. Não por outro motivo
Couto ressalta que as vezes o ecossistema natural é chamado de fundamental, ou ainda
fundacional. “Isso porque é ele que fornece as bases, as fundações para os demais”
(COUTO, 2008a). Nas palavras de Couto :
O MA Natural da Língua é constituído pelo conjunto de todos os fenômenos
físicos do entorno da língua, o que inclui os membros de P como organismos
naturais, físicos. entram o solo, a topograa, as águas, o ar, os céus etc.
O estudo da relação entre L e respectivo MA natural, ou seja, a relação entre
língua e mundo, vem sendo feito desde pelo menos os gregos, sobretudo
sob a forma da relação palavra-coisa. É o caso do conhecido diálogo de
Platão Crátilo, no qual Crátilo defende a idéia de que há uma relação natural
entre palavra e coisa, ao passo que Hermógenes defende a tese de que essa
relação é arbritária. A despeito desses precedentes históricos tão antigos, o
assunto não é muito popular fora da losoa, embora haja algumas poucas
correntes linguísticas que, excepcionalmente, trataram dele, como a escola
dialetológica da geograa linguística conhecida como Wörter und Sachen
(palavras e coisas). Essa escola defende a tese de que não se pode estudar a
palavra sem a coisa a que se refere, embora a coisa possa ser estudada sem
a palavra que a desgina. De acordo com essa escola, quando o estudo parte
da coisa para averiguar que nomes recebe, tem-se a onomasiologia; quando
vai do nome para a coisa, a semasiologia. Isso no que tange ao vocabulário.
No entanto, segundo Ogden & Richards (1972), Heráclito teria armado que
a própria estrutura da linguagem reete a estrutura do mundo, com o que
Ludwig Wittgenstein (1968) está inteiramente de acordo. Mas, há uns poucos
autores mais recentes, inclusive linguistas, que defendem essa tese, como
Haiman (1980), que chegou a armar que a estrutura da língua reete, de
algum modo, relações existentes no mundo. (COUTO, 2008a)
MA Mental da Língua
Assim como Natural tende a equivaler ao bios de biologia, mental equivale por sua
vez aos processos ligados a funcionalidade individual, em especial as funcionalidades do
cérebro. Dessa forma, se privilegia aqui os processos priorizados pelas neurociências, no
que diz respeito a memória, e os comportamentos, ou ainda o que se apresenta “como
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 8 94
individualidade ou como realidade psíquica” (COUTO, 2009. p. 152).
No entanto, a justicativa do termo mental se dirige a existência do grande dualismo
cartesiano entre corpo e mente, bem como pela “longa tradição na gramática gerativa”
no uso do termo, segundo Couto (2009. p.159). O que seria a mente então? Na visão de
Couto mente se reduziria a “funções cerebrais”, se apoiando na “neurologia do cérebro”,
ao expressar que:
Embora lexicólogos, psicólogos e lósofos não tenham chegado a um
acordo sobre como deni-la, emprego-a no sentido de «funções cerebrais»,
que emergem da neurologia do cérebro, sem entrar nos detalhes da sua
conceituação. (COUTO, 2009. p. 159)
Ainda para Couto o MA mental tem papel importante como intermediador entre o MA
natural e o MA social :
Esse MA intermedeia o MA natural e o MA social da língua, no sentido de
que, da perspectiva do cérebro, ele faz parte do MA natural e, da perspectiva
da mente, de certa forma se direciona para o MA social (ou psicossocial).
(COUTO, 2009. p. 159)
MA Social da Língua
Por m o MA Social da Língua é formado pela relação da língua com a sociedade,
e se apresenta como o mais próximo, tanto pela ideia saussuriana da língua como um
acontecimento social, quanto pela grande inuência da sociolingüística nos estudos da
ecolinguística.
Sobre o MA social da língua Couto assim declara:
Por ser o mais visível, muitos pesquisadores foram levados a pensar que ele
era o único MA de L. No entanto, por mais conspícuo que seja, é apenas um
entre três. Nenhum deles é mais importante do que o outro. Na verdade, há
uma inter-relação inextricável entre eles. Não há como falar de um sem que os
outros dois quem implícitos. A vantagem da ecolinguística é justamente não
compartimentalizar, ou melhor, não coisicar um deles e tentar vendê-lo como
se fosse a língua. As inter-relações entre eles podem ser visualizadas na
gura 1, em que S está para ecossistema social, M para ecossistema mental
e N para ecossistema natural da língua.
A linha segmentada entre S e N indica que não há relação imediata e direta entre
o aspecto social e o natural da língua. Como veremos pormenorizadamente
mais adiante, toda relação entre o aspecto social da língua e o mundo físico,
natural, é mediada por P. No caso da gura 1, pelo ecossistema mental,
sendo que o cérebro/mente é também uma parte física dos membros de P.
Toda relação entre S e N é mediada por M. (COUTO, 2008b)
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 8 95
A inclusão da ideia de sujeito
A ideia de sujeito perpassa por toda a losoa do aristotelismo até as mais
recentes discussões pós-estruturalistas, mas não é de interesse aqui fazer esse exaustivo
levantamento histórico das ideias que giram em torno do sujeito.
Aqui se faz necessário abordar a relação que se tem do sujeito com a linguagem.
Poderia até ser interessante passar por alguns autores e levantar de seus escritos a
conceituação que cada um faz do sujeito. Como o sujeito do trabalho de Karl Marx, o
sujeito pulsional de Sigmund Freud, até mesmo o sujeito da linguagem de Jacques Lacan.
Não importa de qual sujeito se fala dentro das humanidades, qualquer um deles satisfaria
perfeitamente aquilo a que nos propomos aqui.
Diante disso, prero utilizar, até mesmo prezando certa neutralidade, a substantivação
do verbo sujeitar. Nisso: o sujeito à linguagem - pois parece ser assim que se procede quanto
a posição do homem frente ao mundo. Ele só consegue interagir com seus semelhantes e
com o meio que o cerca, sujeitado a linguagem.
Esclarecida a ideia de sujeito, e por isso o uso do termo ideia e não conceito, cabe
identicar onde esse sujeito se localiza no MA da Língua.
O sujeito entra no lugar do membro isolado da comunidade, na noção de
“individualidade” e principalmente na realidade psíquica. E como intermediador entre o
MA natural e o MA social, nada melhor que colocar o sujeito na posição do MA mental,
não como substituição, mas como um complemento dos aspectos de processamento da
consciência.
Dessa forma, o MA mental, seria não apenas o reducionismo das “funções cerebrais”
e passaria a uma forma holística de encarar o homem como aquele que para além da
consciência se relaciona com o meio, com seus semelhantes e consigo mesmo, justicando
assim a expressão realidade psíquica.
DISCUSSÃO
Encarando o sujeito (S) como o representante do MA mental, o território (T) do MA
natural, e a população (P) do MA Social, e baseado na gura de Couto (2013)1 temos a
seguinte gura, ilustrando a relação entre os três MAs da língua.
1 Comunicação pessoal de Hildo do Couto em palestra proferida no I EBIME em dezembro de 2013.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 8 96
Fig. 1
Desse modo, se alinha três triângulos correspondendo cada qual um dos três MAs
da língua. Nessa formação cria-se no espaço “vazio” um quarto triângulo, esse invertido,
onde possivelmente localizamos a língua, inclusive por sua função interacional.
Mas dessa forma como bem destacou Borges (2013)2 teria uma estrutura fechada
que possibilitaria a coisicação da língua. Sendo, pois, a língua dinâmica e constituinte no
MA na medida em que relaciona por intermédio do sujeito a população ao território, ela não
poderia se estabelecer de forma rígida. Diante disso, surge a necessidade de algo que faça
o gráco “girar” para se aproximar da ideia “real” da estruturação da língua.
Nisso caberia justicar como sendo o MA da Língua de um ponto de vista biológico.
No qual temos a base do MA sendo T e P na relação com S pela língua que pode facilmente
ser vista como um reexo do MA mental em suas características mais naturais, logo o
cérebro.
Dados 180° e possivelmente se aproximando de uma visão sociológica têm-se na
Figura 2 um ponto de encontro entre os três triângulos representantes dos três MAs da
Língua.
Aqui, onde antes aparecia um triângulo invertido representando a língua há apenas
um ponto onde os MAs da Língua se encontram.
2 Comunicação Informal com Lorena Borges em dezembro de 2013.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 8 97
E nalmente girados 90º o que nos restaria para a visão psicológica do MA da Língua
é uma gura disforme. Isso por sua vez coincidiria com a noção de realidade psíquica, no
que diz respeito à imprecisão dos processos psíquicos que constituem o homem como
homem.
O triângulo invertido e o ponto de convergência dão lugar aqui apenas a um espaço
vazio, que poderia simbolizar diversas coisas, mas principalmente nos ilustra a dinâmica da
língua. Dessa forma se tem a língua como um triângulo que intermédia os MAs, um ponto
de convergência entre os MAs, e um vazio, um entorno dos MAs.
Fig. 3
CONCLUSÕES
Muitas ideias aqui podem ser vistas apenas como especulações e para dar-lhes um
caráter cientíco seria necessário um grande esforço tendo em vista inclusive a resistência
de muitas ciências, em especial as naturais, reconhecerem as humanidades enquanto
cientícas. Mas aqui, o que se pretendia era ao menos iniciar a possibilidade de em sendo
uma teoria holística enxergar o homem de uma forma um pouco mais humana: em sua
posição de sujeito que interage na natureza.
Além do sujeito, e com ele, surge também a possibilidade de se ver um para além
da consciência que as ciências cognitivas acabaram de descobrir, embora já o esteja dito
em Freud, Jung, Lévi-Strauss e Lacan.
Dessa relação com as teorias metapsicológicas seria possível considerar uma
quantidade inimaginável de relações que perpassam a interação do sujeito com o território
e o povo que nele habita, embora ainda não exista muito que armar.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 8 98
REFERÊNCIAS
Bakhtin, Mikhail. 2006. Marxismo e losoa da linguagem. São Paulo: Editora HUCITEC, 12. ed.
Couto, Hildo. 2008a. MA Natural da Língua. Retirado do website: http://meioambienteelinguagem.
blogspot.com.br/2008/11/ma-natural-da-lngua.html em 06/01/2014.
Couto, Hildo. 2008b. O que É Meio Ambiente da Língua. Retirado do website: http://
meioambienteelinguagem.blogspot.com.br/2008/10/o-que-meio-ambiente-da-lngua-hildo.html em
06/01/2014.
Couto, Hildo. 2009. Língua e meio ambiente. Revista de Estudos Linguísticos. Belo Horizonte- MG. V.
17, n. 1, p. 143-178.
Couto, Hildo. 2010. A língua como realidade biopsicossocial. Retirado do website: http://
meioambienteelinguagem.blogspot.com.br/2010/06/lingua-como-realidade-biopsicossocial.html em
06/01/2014.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 9 99
Data de aceite: 20/08/2021
CAPÍTULO 9
PREVALENCIA DE DEPRESIÓN EN EL ADULTO
MAYOR DEL POBLADO DE AQUILES SERDÁN,
CHAMPOTÓN, CAMPECHE
Data de submissão: 06/07/2021
Betty Sarabia Alcocer
Dirección: Río Usumacinta # 23
Fraccionamiento Villa del Río
Campeche, Campeche, México
Universidad Autónoma de Campeche, México.
San Francisco de Campeche
Campeche, México
https://orcid.org/0000-0002-7912-4377
Betty Mónica Velázquez-Sarabia
Secretaría de Salud del Estado de Campeche,
México.
San Francisco de Campeche,
Campeche, México
https:/orcid.org/0000-0002-9165-9016
María Eugenia López-Caamal
Instituto Campechano.
San Francisco de Campeche
Campeche, México
https://orcid.org/0000-0001-5292-5169
Baldemar Aké-Canché
Universidad Autónoma de Campeche, México.
San Francisco de Campeche
Campeche, México
https://orcid.org/0000-0003-2636-5334
Tomás Joel López-Gutiérrez
Universidad Autónoma de Campeche, México.
San Francisco de Campeche
Campeche, México
https://orcid.org/0000-0002-3554-1347
Carmen Cecilia Lara-Gamboa
Universidad Autónoma de Campeche, México.
San Francisco de Campeche
Campeche, México
https://orcid.org/0000-0001-7893-9913
María Concepción Ruíz de Chávez-Figueroa
Instituto Campechano de Campeche, México.
San Francisco de Campeche
Campeche, México
https://orcid.org/0000-0002-7789-3703
María Guadalupe Jaimez-Rodríguez
Instituto Campechano de Campeche, México.
San Francisco de Campeche
Campeche, México
https://orcid.org/0000-0003-1840-6917
Pedro Gerbacio Canul Rodríguez
Universidad Autónoma de Campeche, México
San Francisco de Campeche
Campeche, México
https://orcid.org/0000-0001-7643-2924
Rafael Manuel de Jesús Mex-Álvarez
Universidad Autónoma de Campeche, México
San Francisco de Campeche
Campeche, México
https://orcid.org/0000-0003-1154-0566
Patricia Margarita Garma-Quen
Universidad Autónoma de Campeche, México.
San Francisco de Campeche
Campeche, México
https://orcid.org/0000-0003-4347-0347
Alicia Mariela Morales Diego
Universidad Autónoma de Campeche, México.
San Francisco de Campeche
Campeche, México
https://orcid.org/0000-0001-5727-959X
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 9 100
RESUMEN: La depresión en la tercera edad obedece a los factores etiopatogénicos que
condicionan los trastornos Objetivo: Identicar la prevalencia de depresión en Personas
Mayores, se realizó un estudio prospectivo, transversal, descriptivo, participando 76 Personas
Mayores de 60 años. Material y métodos: Se aplicó la encuesta DSM-IV para determinar la
depresión en las Personas Mayores Resultados: presentaron depresión, 79.3% tenían una
escolaridad de primaria o menor, el 17.2% son analfabetas, el 3.4% tienen una escolaridad
mayor de secundaria, presentaron depresión el 27.5% se encontraba incapacitado para
trabajar de manera formal por presentar alguna discapacidad, mientras que el 62% se dedica
a labores del hogar y el correspondiente al 9.4% laboral de manera formal. Conclusión: Este
estudio revelo una prevalencia de 38%, mayor que la media nacional.
PALABRAS CLAVE: Prevalencia, Depresión, Adulto Mayor.
PREVALÊNCIA DE DEPRESSÃO EM IDOSOS NA CIDADE DE AQUILES
SERDÁN, CHAMPOTÓN, CAMPECHE
RESUMO: A depressão em idosos deve-se aos fatores etiopatogênicos que condicionam
os transtornos Objetivo: Identicar a prevalência de depressão em Idosos, foi realizado um
estudo prospectivo, transversal e descritivo, com a participação de 76 pessoas com idade
superior a 60 anos. Material e métodos: O inquérito DSM-IV foi aplicado para determinar a
depressão em idosos.Resultados: apresentavam depressão, 79,3% tinham o primeiro grau
de escolaridade, 17,2% são analfabetos, 3,4% tinham ensino médio superior, 27,5% eram
deprimidos e não podiam trabalhar formalmente por deciência, enquanto 62% realizavam
atividades domésticas e os correspondentes 9,4% trabalhavam com formalidade. Conclusão:
Este estudo revelou uma prevalência de 38%, superior à média nacional.
PALAVRAS-CHAVE: Prevalência, Depressão, Idosos.
PREVALENCE OF DEPRESSION IN THE ELDERLY IN THE TOWN OF AQUILES
SERDÁN, CHAMPOTÓN, CAMPECHE
ABSTRACT: Depression in the third age obeys the etiopathogenic factors that condition the
disorders Objective: To identify the prevalence of depression in the Elderly, a prospective,
transversal, descriptive study was performed, participating 76 People over 60 years old.
Material and methods: Se Applied the DSM-IV survey to determine the depression in the
Elderly people. Results: they presented depression, 79.3% had a primary school education
or less, 17.2% were illiterate, 3.4% had a higher secondary schooling, had depression 27.5%
were unable to work formally because they had a disability, while 62% worked in the household
and 9.4% worked in a formal way. Conclusion: This study revealed a prevalence of 38%,
higher than the national average
KEYWORDS: Prevalence, Depression, Elderly.
INTRODUCCIÓN
La depresión es una de las causas más importantes de discapacidad en el mundo,
genera considerable sufrimiento a quienes la padecen, y los problemas asociados con ella
son extremadamente costosos para la sociedad. La depresión es una de las enfermedades
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 9 101
más debilitantes y más comunes entre los ancianos, sin embargo es poco mencionado. El
estudio epidemiológico más reciente en México estima que la prevalencia de la depresión
es mayor de 7.8% en la población entre 18 y 54 años de edad, superada únicamente por
la dependencia al alcohol (8.2%). Un estudio previo encontró que los adultos mayores
tienden a presentar niveles de depresión más altos que los adultos jóvenes, aunque hay
importantes brechas de información respecto a la anterior información aplicada a ancianos.
(1)
Es preciso anar las técnicas de medición y se requiere más investigación acerca
de los factores de riesgo y protección para la depresión ya que ello puede dar la pauta para
establecer áreas de intervención. Atender la depresión entre personas de edad avanzada
puede contribuir signicativamente a reducir los costos de atención en salud, disminuir la
discapacidad, la morbilidad y la mortalidad. Esto generaría importantes ahorros y liberaría
recursos que podrían ser dedicados a la atención de otras necesidades de salud. (2)
Estudios recientes en donde se ha tomado en cuenta la discapacidad e incapacidad
relacionada con el trastorno, han expuesto el impacto y trascendencia del mismo, ocupando
en la actualidad el tercer lugar entre las enfermedades más incapacitantes y estimándose
que, para el año 2020 será la segunda causa de morbilidad. (3)
La revisión hecha por Leihtinen y Joukamas mostró que la prevalencia de episodios
depresivos variaba de 2.6 a 5.5% en los hombres y de 6.0 a 11.8% en las mujeres.
Kaelber presentó resultados de 7 países en donde la prevalencia total durante la
vida oscilaba desde 1.5 hasta 16.4. (3) . Las depresiones son alteraciones de la vitalidad del
individuo que producen repercusiones afectivas cognitivas y en aspectos interpersonales.
Es muy común encontrar alguna enfermedad física subyacente. Usualmente la enfermedad
es unipolar y la apatía, rechazo y falta de cuidado personal llevan frecuentemente a
sospechar demencia o “pseudodemencia” (4).
Cualquier enfermedad grave o leve puede causar depresión importante. Es en
particular probable que trastornos como la artritis reumatoide, la esclerosis múltiple o
las cardiopatías crónicas se acompañen de depresión, similar a todas las enfermedades
crónicas. (5)
Como la depresión puede formar parte de cualquier enfermedad hay que dar atención
cuidadosa a los problemas personales de ajuste a la vida, la función de los medicamentos,
entre otros aspectos. (6)
Cuanto más tiempo continua la depresión, más cristalizada se torna, en particular
cuando hay un elemento de refuerzo secundario. La complicación más frecuente es el
suicidio, que a menudo incluye otros elementos de agresión. (5).
En individuos con depresión, el riesgo de suicidio durante toda la vida incrementa de
manera notable a más del doble, y aumenta la mortalidad por grupos de edad particularmente
en varones mayores 80 años (200 por cada millón de habitantes). La tercera parte de todos
los suicidios es en ancianos. Por otro lado, los intentos suicidas sin éxito parecen ser
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 9 102
menos comunes que en personas más jóvenes. (7)
Los varones tienen éxito en el suicidio, en particular los grupos de edad avanzada,
en tanto las mujeres hacen más intentos con menor mortalidad. (8)
El impacto de la edad sobre la depresión es también importante y requiere cambios
signicativos en el manejo del paciente anciano. (9, 10)
DESCRIPCIÓN DEL MÉTODO
Se realizó un estudio prospectivo, transversal, descriptivo, en el cual se estudiaron
Adultos Mayores correspondientes a la población residente del poblado Aquiles Serdán,
Champotón, en el estado de Campeche, México. Previa autorización y consentimiento
informado, la encuesta DSM-IV fue aplicada a dicha población para determinar si existía
presencia de depresión, y posteriormente se procedió a vaciar los datos en hojas de
concentración, logrando así analizar los resultados y elaborar las grácas y estadísticas
correspondientes.
RESULTADOS
Gráca 1. Distribución por edades
En la gráca 1, se puede apreciar la distribución por edades, apreciando la
prevalencia de senectos en la primera década de esta etapa, los cuales constituyen el 54%
de la muestra, seguidos por el grupo de personas cuyos rangos de edades oscilaban entre
los 71 y 80 años con el 36%, para seguir nalmente por el grupo más reducido, que fue, por
razones de supervivencia, el grupo con mayor edad, variando esta entre los 81 y 90 años,
los cuales conforman el 10% del universo de estudio.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 9 103
Gráca 2. Rango de edad
En esta graca 2, tipo comparativa, se puede apreciar el total de la población
estudiada (amarillo), divido por grupos de edad, comparada con los casos de depresión
detectados (rojo), apreciando claramente el aumento de la prevalencia de la depresión, a
la par con el aumento de edad en la población estudiada, con el aumento de la proporción.
Los valores de cada columna se encuentran en la parte superior de la misma.
Gráca 3. Distribución de Depresión por grado y edad
En la presente gráca se puede apreciar la distribución de la depresión, y el grado
de esta y compararla con la población total. Nótese que los valores de depresión severa
se mantienen constantes, al parecer aumenta la incidencia de esta con el aumento de la
edad. Lo cual nos hace pensar que la presencia de depresión severa requiere de factores
muy especícos, cuya exposición no varía en gran medida con el incremento de la edad.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 9 104
Gráca 4. Distribución por género en personas deprimidas
En esta graca se puede apreciar la distribución por género en personas deprimidas
en las cual se puede apreciar el predominio del sexo femenino con un total de 18 pacientes
correspondientes al 62 % del total, en comparación con los 11 pacientes correspondientes
al 38%.
Lo anterior puede ser explicado por las características culturales propias de la región
la cual imponen numerosas limitaciones sociales y laborales al sexo femenino.
Gráca 5. Escolaridad de los personas mayores con depresión
En esta gráca se aprecia la escolaridad de los Adultos Mayores deprimidos en
comparación con los no deprimidos.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 9 105
COMENTARIOS FINALES
Resumen de resultados
Del total de 76 pacientes mayores de 60 años el 59.2% (45 Adultos Mayores)
corresponde a personas del sexo femenino y 40.8% (31) al sexo masculino, divididos en
los siguientes grupo etarios: el primer grupo conformado por adultos de 60-70 años, en el
cual se registraron 44 pacientes (57.8%), el segundo grupo perteneciente a los individuos
con rango de edad de 71-80 años de edad, conformado por 29 Adultos Mayores que
corresponde al 38.1% de la muestra total, y nalmente el último grupo etario de 81 años a
90, conformado por individuos que corresponden al 4.1%. (Gráca numero 1).
La presencia en depresión fue de 38.1% (29 A.M.), de los cuales la distribución
correspondió a 18 pacientes 62%, del sexo femenino, y 38% (11 pacientes) al masculino.
La distribución por grupos etarios se dene de la siguiente manera: del total de los adultos
mayores de depresión 58.6%(17 Adultos mayores) correspondió al grupo de 60-70 años,
mientras que el grupo de 71 a 80 años le correspondió el 31% (9 A.M), mientras que al
grupo mayor de 90 años le correspondió el 9.4% (3 A.M.). En el grupo de mayor edad
en el cual se encontró la mayor frecuencia de depresión, encontrándose que el 66%
correspondiente a dos de los tres adultos mayores presentaron depresión, seguidos del
grupo de 60-70 correspondiendo a 38.6% del total de la muestra para este grupo etario,
mientras que el grupo de 80-90 años: 31.0%, del total de número de adultos mayores, el
9.4% de los Adultos Mayores con depresión presenta depresión mayor.
De los adultos mayores que presentaron depresión, el 79.3% (23 AM.) tenían una
escolaridad de primaria o menor, el 17.2% (5 A.M.) son analfabetas, mientras que el 3.4%(1)
tienen una escolaridad mayor de secundaria, de los Adultos mayores que presentaron
depresión el 27.5% (8 A.M.) se encontraba incapacitado para trabajar de manera formal
por presentar alguna discapacidad, mientras que el 62%(18) se dedica a labores del hogar
y el 3 correspondiente al 9.4% laboral de manera formal.
Del total de la población que resultó positiva a la depresión, el 37.9% (11 personas)
muestran alguna conducta nociva. Empero, gran parte de la población presenta alguna
enfermedad crónica degenerativa 82.7% (24 personas).
La prevalencia de la depresión fue de 0.38 x100 = 38%.
CONCLUSIONES
El estudio realizado reveló una prevalencia de 38%, mayor que la media nacional,
la cual se encuentra en 17%, asimismo, el presente estudio reveló una fuerte relación entre
el género femenino y la prevalencia de depresión en el medio rural, localizándose ésta en
64, mientras que las estadísticas nacional, se encuentra en 48.
No se encontró una relación directa entre la situación laboral y el grado de depresión,
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 9 106
sin embargo se encontró que tampoco existe una relación directa entre la edad y el grado
de depresión que experimentan las personas mayores. Se estableció que el grupo en
mayor riesgo son las mujeres mayores cuya edad oscila entre 70 y 80 años, que padecen
alguna enfermedad crónica, y no cuentan con una fuente de ingresos propios.
REFERENCIAS
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Harold Kaplan y Benjamin Sadock. Williams & Wilkins, Baltimore, 1995.
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Capítulo 9 107
Salud Pública Mex 2005; 47 supl 1:S4-S11.http://www.insp.mx/rsp/_les/File/2005/47_s1%20
prevalencia.pdf
APÉNDICE
Cuestionario utilizado en la investigación
I.P.D.E. _____________________________ Módulo DSM-IV
Nombre y Apellidos..................................................................................................
Fecha.........................................
1. El propósito de este cuestionario es conocer qué tipo de persona ha sido usted
en los últimos 5 años.
2. Por favor, no omitir ningún ítem. Si no está seguro de una respuesta, señalar la
respuesta [VERDADERO o FALSO) que le parezca más correcta. No hay límite de tiempo
pero no pierda mucho tiempo pensando cuál es la respuesta correcta a un ítem determinado.
3. Cuando la respuesta sea VERDADERO, señalar con un círculo la letra V, cuando
la respuesta sea FALSO, señalar con un círculo la letra F.
1 Normalmente me divierto y disfruto de la vida V F
2 Confío en la gente que conozco V F
3 No soy minucioso con los detalles pequeños V F
4 No puedo decidir qué tipo de persona quiero ser V F
5 Muestro mis sentimientos a todo el mundo V F
6 Dejo que los demás tomen decisiones importantes por mí V F
7 Me preocupo si oigo malas noticias sobre alguien que conozco V F
8 Ceder a algunos de mis impulsos me causa problemas V F
9 Mucha gente que conozco me envidia V F
10 Doy mi opinión general sobre las cosas y no me preocupo por los
detalles V F
11 Nunca me han detenido V F
12 La gente cree que soy frío y distante V F
13 Me meto en relaciones muy intensas pero poco duraderas V F
14 La mayoría de la gente es justa y honesta conmigo V F
15 La gente tiene una gran opinión sobre mí V F
16 Me siento molesto o fuera de lugar en situaciones sociales V F
17 Me siento fácilmente inuido por lo que me rodea V F
18 Normalmente me siento mal cuando hago daño o molesto a alguien V F
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 9 108
19 Me resulta muy difícil tirar las cosas V F
20 A veces he rechazado un trabajo, incluso aunque estuviera
esperándolo V F
21 Cuando me alaban o critican maniesto mi reacción a los demás V F
22 Cuando me alaban o critican maniesto mi reacción a los demás V F
23 Uso a la gente para lograr lo que quiero V F
24 Paso demasiado tiempo tratando de hacer las cosas perfectamente V F
25 A menudo, la gente se ríe de mí, a mis espaldas V F
26 Nunca he amenazado con suicidarme, ni me he autolesionado a
propósito V F
27 Mis sentimientos son como el tiempo, siempre están cambiando V F
28 Para evitar críticas preero trabajar solo V F
29 Me gusta vestirme para destacar entre la gente V F
30 Mentiría o haría trampas para lograr mis propósitos V F
31 Soy más supersticioso que la mayoría de la gente V F
32 Tengo poco o ningún deseo de mantener relaciones sexuales V F
33 La gente cree que soy demasiado estricto con las reglas y normas V F
34 Generalmente me siento incómodo o desvalido si estoy solo V F
35 No me gusta relacionarme con gente hasta que no estoy seguro de
que les gusto V F
36 No me gusta ser el centro de atención V F
37 Creo que mi cónyuge (amante) me puede ser inel V F
38 La gente piensa que tengo muy alto concepto de mí mismo V F
39 Cuido mucho lo que les digo a los demás sobre mí V F
40 Me preocupa mucho no gustar a la gente V F
41 A menudo me siento vacío por dentro V F
42 Trabajo tanto que no tengo tiempo para nada más V F
43 Me da miedo que me dejen solo y tener que cuidarme a mí mismo V F
44 Tengo fama de que me gusta “irtear” V F
45 Me siento muy unido a gente que acabo de conocer V F
46 Preero las actividades que pueda hacer por mí mismo V F
47 Pierdo los estribos y me meto en peleas V F
48 La gente piensa que soy tacaño con mi dinero V F
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 10 109
Data de aceite: 20/08/2021
CAPÍTULO 10
PROPOSTA DE INTERVENÇÃO PARA A
PREVENÇÃO DE SUICÍDIO E COMPORTAMENTOS
AUTOLESIVOS ENTRE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES DE UMA ESCOLA PÚBLICA
BRASILEIRA
Data de submissão: 04/06/2021
Gabrielli Ketlyn Ramos Andreani
Faculdades Pequeno Príncipe (FPP)
Curitiba – Paraná
http://lattes.cnpq.br/2949528564832041
Gabrielle Ecks
Faculdades Pequeno Príncipe (FPP)
Curitiba – Paraná
http://lattes.cnpq.br/2028303357251492
Geórgia Schubert Baldo
Faculdades Pequeno Príncipe (FPP)
Curitiba – Paraná
http://lattes.cnpq.br/4998452085509390
Ana Paula Ferreira Gomes
Faculdades Pequeno Príncipe (FPP)
Curitiba – Paraná
http://lattes.cnpq.br/0527322103772182
RESUMO: O projeto foi desenvolvido para ser
aplicado em crianças e adolescentes de uma
escola pública de um bairro de Curitiba, Paraná,
após a realização de estágio obrigatório em uma
Unidade Básica de Saúde - UBS, localizada na
mesma região. Entre as principais demandas de
saúde mental da UBS em questão, foi percebido
alto índice de tentativas de suicídio entre jovens
e adolescentes, como também automutilação e
lesão autoprovocada. O projeto foi desenvolvido
a partir do Arco de Maguerez, que possibilita
analisar, teorizar, pensar em soluções e aplicá-
las. Pensando na adolescência como um período
de oscilações de humor e instabilidade emocional,
propôs-se como intervenção o planejamento de
cinco reuniões com atividades que tratariam sobre
os temas: autoimagem e autoestima, padrão de
beleza, relações abusivas e depressão, e por
m a apresentação da Estratégia Borboleta,
que é um método para lidar com autolesões. Os
encontros teriam como objetivo tratar sobre os
temas de forma a incentivar a reexão, diálogo
e união dos adolescentes. Cada tema seria
abordado com uma dinâmica diferente, que daria
início às conversas e opiniões sobre a temática.
Ao nal das reuniões almeja-se a sensibilização
e compreensão dos adolescentes quanto a
importância do cuidado de sua saúde mental, e
que é possível buscar ajuda em momentos de
diculdade e sensibilidade emocional.
PALAVRAS - CHAVE: Suicídio; adolescência;
prevenção.
INTERVENTION PROPOSAL FOR
THE PREVENTION OF SUICIDE AND
AUTOLESIVE BEHAVIORS AMONG
CHILDREN AND ADOLESCENTS OF A
BRAZILIAN PUBLIC SCHOOL
ABSTRACT: The project was developed to be
applied to children and adolescents from a public
school in a neighborhood of Curitiba, Paraná,
Brazil, after completing a mandatory internship
at a Primary Health-Care Service (PHCS) in that
area. Among the main mental health demand of
the PHCS in question, there was a high rate of
suicide attempts and self-harm between these
kids and adolescents. This project was elaborated
from the Arco de Maguerez, a method that makes
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 10 110
it possible to analyze, theorize, seek solutions and apply them. Thinking about adolescence
as a period of mood swings and emotional instability, it was proposed as an intervention
to plan ve meetings with activities that would deal with the themes: self-image and self-
esteem, beauty standards, abusive relationships and depression, and nally the presentation
of the Buttery Strategy, which is a method for dealing with self-harm. The meetings would
aim to address the themes in order to encourage reection, dialogue and unity among the
adolescents. Each theme would be approached with different dynamic, which would initiate
conversations and opinions on the theme. At the end of the meetings, the idea is to sensitize
and understand the adolescents about the importance of taking care of their mental health,
and that it is possible to seek help in times of difculty and emotional sensitivity.
KEYWORDS: Suicide; adolescence; prevention.
1 | INTRODUÇÃO
O projeto desenvolveu-se em uma disciplina teórico-prática, do curso de graduação
em Psicologia, que tem como objetivo aproximar os acadêmicos do cuidado em Saúde Mental
na Atenção Primária em Saúde (APS). Estimula a problematização, tendo como metodologia
o Arco de Maguerez, que, segundo Prado et al. (2012), é uma proposta metodológica da
Aprendizagem Baseada em Problemas, e é bastante utilizada nas metodologias ativas.
Desta forma, os alunos observam a realidade, identicam os problemas que direcionam
buscas teóricas para o desenvolvimento de possíveis soluções.
Neste contexto, o grupo observou o território da Unidade Básica de Saúde (UBS)
e os atendimentos e abordagens realizados pela psicóloga do Núcleo de Apoio à Saúde
da Família (NASF). Percebeu-se que as principais demandas trazidas pelos usuários
envolviam questões relacionadas à violência doméstica, violência autoprovocada; sintomas
ansiosos e depressivos; diculdades de aprendizagem; uso de drogas ilícitas e relações
com o tráco.
Elencou-se como um dos problemas prioritários o elevado número de casos
envolvendo ideação e tentativas de suicídio em crianças e adolescentes. Diante da proposta
da disciplina, foi selecionado este problema e recorreu-se a literatura cientíca acerca do
tema para a construção de um Projeto Aplicativo, cujo objetivo principal foi a prevenção de
suicídio entre crianças e adolescentes.
2 | SUICÍDIO, INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA
O comportamento suicida engloba três questões, são elas: a ideação suicida, com
planejamento ou não; a tentativa de suicídio; e o ato em si. Já a ideação suicida refere-se
ao nível de risco para que haja uma tentativa, e alerta a existência do sofrimento. (AMARAL
et al., 2020).
A Organização Mundial da Saúde - OMS (2006) aponta que os comportamentos
suicidas entre crianças e adolescentes, geralmente estão relacionados ao humor
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 10 111
depressivo, problemas emocionais e sociais, abuso de substâncias, perdas de relações
afetivas, baixa autoestima, diculdades para lidar com questões acadêmicas, estressantes
e de identidades sexuais. Casos de crianças e adolescentes que sofreram algum tipo de
abuso, seja dos colegas ou de familiares, costumam aparecer mais nas ocorrências de
ideação suicida e tentativas de suicídio.
Gabriel et al. (2020) complementa armando que algumas modicações ocorrem
nesse período, podendo gerar sofrimentos, que irão repercutir em diferentes contextos, e
também podem acabar ocasionando comportamentos suicidas. Posto isto, Amaral et al.
(2020), retrata a adolescência como uma fase com tendências à impulsividade, frente aos
aspectos citados anteriormente, os adolescentes podem desenvolver comportamentos
suicidas, como forma de lidar com os seus conitos.
3 | O PAPEL DO SUS
A Portaria nº 1.876 de 14 de Agosto de 2006, que dispõe “Diretrizes Nacionais para
Prevenção do Suicídio, a ser implantadas em todas as unidades federadas, respeitadas
as competências das três esferas de gestão”, norteia os prossionais da saúde no âmbito
do Sistema Único de Saúde (SUS), pois esta discorre sobre o grande problema de saúde
pública que é o suicídio. Destacando também, as suas repercussões nas famílias, nos
trabalhos, nas escolas e outras instituições. Sendo assim, cabe aos prossionais,
desenvolver estratégias de promoção, prevenção, tratamento e recuperação, independente
do nível de atenção do serviço. (BRASIL, 2006).
Dentro do cuidado em saúde, deve-se avaliar os fatores de risco, como transtornos
mentais, tentativas de suicídio anteriores, condições clínicas incapacitantes, questões
sociodemográcas e psicológicas. O trabalho do prossional requer uma postura de
acolhimento, com local adequado, tempo, escuta ativa, empatia e sigilo. (BRASIL, 2006).
Além disso, é necessário vericar quais são os fatores protetivos presentes na
vida do sujeito, como apoio da família, de amigos e outros relacionamentos signicativos;
crenças religiosas, culturais e étnicas; envolvimento na comunidade; uma vida social
satisfatória; integração social e acesso a serviços de saúde mental. Pois, eles reduzem o
risco de que os pensamentos sejam colocados em prática. (OMS, 2006).
No contexto da APS, Ferreira et al. (2018), destaca seu papel fundamental na
prevenção do suicídio, ela costuma ser o primeiro serviço em que os indivíduos têm
contato no SUS. A equipe nesse cenário, também, possui proximidade com o território,
possibilitando assim, fornecer aos familiares, amigos e instituições locais, o apoio
necessário, como também, acompanhar o sujeito, no desenvolvimento dos sintomas, no
tratamento e posteriormente a ele. Os fatores como o comprometimento, a disponibilidade,
a informação, entre outros, dos prossionais da APS, contribuem para a realização das
estratégias de prevenção ao suicídio. (OMS, 2000).
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 10 112
4 | CENÁRIO DO SUICÍDIO
Segundo a OMS, aproximadamente 800.000 pessoas morrem por suicídio no ano.
Sendo esta, no ano de 2016, a segunda e terceira principal causa de morte entre os jovens
de 15 a 29 anos e 15 a 19 anos, respectivamente. (OMS, 2019). Tratando-se do Brasil, em
2015, ele representou a terceira maior causa de morte dos jovens do gênero masculino,
com idades entre 20 e 39 anos. Ainda, entre os anos de 2011 e 2015, o principal método
usado para o ato, foi o enforcamento, seguido das intoxicações exógenas. (BRASIL, 2019).
Nas informações fornecidas pelo Sistema de Informação de Agravos de Noticação
(SINAN), durante os anos de 2011 a 2016, houve 1.173.418 casos de violências
interpessoais ou autoprovocadas. E destes, 176.226 são referentes a lesão autoprovocada.
Neste número, 27,4% foram tentativas de suicídio, a maioria relacionadas a ocorrências em
mulheres, representando 69,0%, em seguida os homens, correspondendo a 31,0%. Nos
índices coletados, duas regiões se destacaram no número de casos: a Sudeste, totalizando
51,2%, e a Sul, equivalente a 25,0%. (BRASIL, 2017).
Em relação, ao contexto na cidade de Curitiba, onde se desenvolveu o projeto,
no ano de 2018, o município registrou, por meio do SINAN, 1.814 casos de tentativas
de suicídio. As UBS representaram 5,3% dos registros divididos em serviços de saúde, a
maior concentração ocorreu nas Unidades de Pronto Atendimento (UPA), resultando em
53,4% dos casos. Os jovens de 10 a 19 anos, caracterizam 33,2% do número total, e o
envenenamento foi utilizado em 83,7% deles, em sua maioria, uso de medicamentos. No
mesmo ano, o número de mortalidade foi de 6,9 por 100.000 habitantes, o maior entre os
anos de 2009 e 2018. (CURITIBA, 2019).
5 | RESULTADOS
O produto desenvolvido foi a elaboração de um Projeto de Prevenção ao Suicídio,
a ser aplicado na escola pública da área de abrangência da UBS, sendo previsto cinco
encontros, abordando os temas: autoestima, padrão de beleza, relações abusivas e
depressão nos quatros primeiros encontros; e, a estratégia da Borboleta no último encontro.
No desenvolvimento destas ações, cada tema será introduzido e contextualizado, no intuito
de dar voz e espaço de expressão aos participantes, utilizando-se recursos como dinâmicas
de grupo e vivências direcionadas.
No quinto e último encontro será apresentado à estratégia da Borboleta, que segundo
Costa, Silva e Vedana (2019), consiste na prevenção da automutilação. Neste método, os
participantes reetem sobre suas emoções e dores, inclusive sobre aquelas expressas
por meio dos comportamentos autolesivos, como no caso da prática do cutting, sendo
orientados a substituir, em cada eventual tentativa, o ato de se cortar pelo ato de desenhar,
em sua própria pele, uma borboleta. Cada borboleta desenhada será representada por
alguém importante e amado na vida daquele indivíduo, tendo-se como desao cuidar de
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 10 113
suas borboletas e buscar ajuda ou auxílio quando sentir que não está conseguindo dar
conta deste autocuidado.
6 | CONCLUSÕES
Acredita-se que a implementação do projeto de intervenção proposto possa contribuir
para a promoção da saúde mental e prevenção do suicídio em crianças e adolescentes do
território destacado. A importância da compreensão dessa fase e de suas peculiaridades,
são essenciais para que o adolescente tenha um melhor desenvolvimento e aceitação em
relação aos seus sentimentos.
A simbologia do projeto serviu para que as crianças e adolescentes pudessem
transformar suas dores, inseguranças e incertezas, em algo a ser desenvolvido com um
viés positivo e de liberdade, além da sensação de pertencer a um grupo, ser acolhido e
respeitado em seus sentimentos.
A utilização dos métodos e dinâmicas expressivas e representativas acerca de temas
tão recorrentes dentro da saúde mental de crianças e adolescentes, têm a capacidade de
ajudar na elaboração do autoconhecimento e estima, tornando-o mais compreensivo em
relação ao que envolve o seu desenvolvimento e momento de vida.
REFERÊNCIAS
AMARAL, Ana Paula; SAMPAIO, Josiane Uchoa; MATOS, Fátima Regina Ney; POCINHO, Margarida
Tenente Santos; MESQUITA, Rafael Fernandes de; SOUSA, Laelson Rochelle Milanês. Depressão e
ideação suicida na adolescência: implementação e avaliação de um programa de intervenção.
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pt_1695-6141-eg-19-59-1.pdf. Acesso em: 24 mai. 2021.
BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 1.873, de 14 de agosto de 2006.
Brasília, 2006.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Prevenção do Suicídio: manual
dirigido a prossionais das equipes de saúde mental. 2006. Disponível em: https://www.nescon.
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BRASIL. Perl epidemiológico das tentativas e óbitos por suicídio no Brasil e a rede de
atenção à saúde. Boletim Epidemiológico, v. 48, n. 30, p. 1-14, 2017. Disponível em: https://
portaldeboaspraticas.iff.ocruz.br/wp-content/uploads/2021/03/2017025Perlepidemiologicodastentati
vaseobitosporsuicidionoBrasilearededeatenaoasade.pdf. Acesso em: 23 mai. 2021.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 10 114
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CURITIBA. Tentativas de suicídio e mortalidade por suicídio: residentes em Curitiba. 2019.
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GABRIEL, Isabela Martins; COSTA, Luiza Cesar Riani; CAMPEIZ, Ana Beatriz; SALIM, Natalia Rejane;
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signicados para prossionais da educação e da Atenção Básica à Saúde. Escola Anna
Nery, v. 24, n. 4, p. 1-9, Jul. 2020. Disponível em: http://www.revenf.bvs.br/scielo.php?script=sci_
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ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Prevenção do suicídio: um recurso para conselheiros.
2006. Disponível em: https://www.who.int/mental_health/media/counsellors_portuguese.pdf. Acesso
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PRADO, Marta Lenise do; VELHO, Manuela Beatriz; ESPÍNDOLA, Daniela Simoni; SOBRINHO,
Sandra Hilda; BACKES, Vânia Marli Schubert. Arco de Charles Maguerez: reetindo estratégias
de metodologia ativa na formação de prossionais de saúde. Escola Anna Nery, Rio de Janeiro,
v. 16, n. 1, p. 172- 177, Mar. 2012. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S1414-81452012000100023. Acesso em: 24 mai. 2021.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 11 115
Data de aceite: 20/08/2021
CAPÍTULO 11
PERCEPÇÃO DA EQUIPE MULTIPROFISSIONAL
SOBRE SEGURANÇA DO PACIENTE EM SERVIÇO
DE ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL
Data de submissão: 21/05/2021
Leandro Lopes Gibson Alves
Centro Universitário UNIFACEAR
Araucária, Paraná
http://lattes.cnpq.br/9094362021888930
Leide da Conceição Sanches
Faculdade Pequeno Príncipe
Curitiba, Paraná
http://lattes.cnpq.br/4038558959541958
Elaine Rossi Ribeiro
Faculdade Pequeno Príncipe
Curitiba, Paraná
http://lattes.cnpq.br/9575920850713634
RESUMO: A segurança do paciente é uma
questão complexa que envolve todos os
membros da equipe de saúde para melhorar a
qualidade da atenção à saúde, incluindo taxas de
erro decrescente e permanência hospitalar. Este
artigo tem o objetivo de conhecer a percepção
da equipe multidisciplinar sobre a segurança do
paciente em saúde mental. Trata-se de um estudo
descritivo, com abordagem qualitativa, utilizando-
se grupo focal como estratégia para coleta de
informações. O referencial teórico de Bardin
foi utilizado para a análise de conteúdo, a qual
permitiu a construção de três categorias, a saber:
conhecimento dos prossionais sobre segurança
do paciente, a importância da segurança do
paciente em saúde mental e a importância do
prossional olhar para si. Percebe-se uma falta
signicativa de conhecimento dos prossionais
sobre a presença e proposta de segurança do
paciente, o que apresenta um desao diário
no cuidado em saúde mental. As informações
evidenciadas podem e devem ser trabalhadas
na perspectiva da gestão, da assistência e do
ensino, e poderão contribuir para a melhoria do
cenário da (in)segurança dos pacientes com
transtornos mentais.
PALAVRAS - CHAVE: Segurança do paciente.
Saúde Mental. Equipe Multiprossional.
Educação Prossional.
PERCEPTION OF THE
MULTIPROFESSIONAL TEAM ON
PATIENT SAFETY IN MENTAL HEALTH
CARE SERVICE
ABSTRACT: Patient safety is a complex issue
that involves all members of the healthcare team
to improve the quality of healthcare, including
decreasing error rates and hospital stay. This
article aims to get to know the multidisciplinary
team’s perception of patient safety in mental
health. This is a descriptive study, with a
qualitative approach, using a focus group as
a strategy for collecting information. Bardin’s
theoretical framework was used for content
analysis, which allowed the construction of three
categories, namely: knowledge of professionals
about patient safety, the importance of patient
safety in mental health and the importance of the
professional looking at you . There is a signicant
lack of knowledge by professionals about the
presence and proposal of patient safety, which
presents a daily challenge in mental health care.
The evidenced information can and should be
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 11 116
worked on from the perspective of management, assistance and teaching, and may contribute
to the improvement of the scenario of (un) safety of patients with mental disorders.
KEYWORDS: Patient safety. Mental health. Multiprofessional team. Professional education.
1 | INTRODUÇÃO
A Segurança do Paciente é denida como a diminuição ao mínimo admissível do risco
de dano evitável associado à assistência à saúde (ANVISA, 2015). Os danos podem ser de
várias especicidades, incluindo-se doenças, lesão, sofrimento, incapacidade e morte. Por
outro lado, são eventos ou circunstâncias que poderiam ter resultado, ou resultaram, em
dano desnecessário ao paciente, sendo ele permanente ou não (ANVISA, 2015).
O Errar é humano: Construindo um Sistema de Saúde mais Seguro, emitido pelo
Instituto de Medicina (OIM) em 5 de outubro de 2007 apelou para a reavaliação da educação
das prossões da saúde e à incorporação da segurança do paciente nos currículos
acadêmicos de todas as prossões da saúde (KIERSMA, PLAKE, DARBISHIRE, 2011).
Neste contexto de segurança do paciente, o trabalho em equipe é ecaz, e
a colaboração Interprossional é um aspecto vital para a qualidade da segurança e
assistência em saúde (JEFFS et al., 2013). Sendo assim, a segurança do paciente é uma
questão complexa que envolve todos os membros da equipe para melhorar a qualidade
dos resultados, incluindo taxas de erro decrescentes e diminuição do tempo de internação
hospitalar.
Por acompanhar toda a trajetória do paciente com transtorno mental durante todo
seu tratamento, a equipe tem papel fundamental na promoção da segurança do paciente
durante o processo assistencial (BORGARIN et al., 2014). Um dos aspectos vitais para a
segurança do paciente, é a necessidade de qualicação cientíca desses prossionais,
comprometendo-se eticamente com ações sistêmicas de avaliação e prevenção, e tentando
viabilizar a redução de eventos adversos, bem como analisar o impacto sobre a qualidade
da assistência oferecida (BORGARIN et al., 2014). A partir disso, atenta-se às elevadas
taxas de erros e eventos adversos sucedidos nos serviços de assistência à saúde mental
(COSTA, 2014).
Assim, o objetivo deste estudo foi conhecer a percepção da equipe multidisciplinar
sobre a segurança do paciente no serviço de saúde mental. Através da realização do grupo
focal, e após os dados transcritos foi realizado a análise das informações.
2 | MÉTODO
Trata-se de um estudo descritivo, com abordagem qualitativa. O presente estudo foi
realizado em uma clínica especializada em psiquiatria da cidade de Curitiba, a qual será
denominada “Clínica” para ns desse estudo. Este estudo aprovação pelo Comitê de Ética
e Pesquisa (CEP) sob o número da CAAE: 08554819.0.0000.5580
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 11 117
Para a obtenção das informações foi utilizado a técnica de “Grupo focal”, derivada
da entrevista coletiva, que contribui com informações por meio dos diálogos grupais (TRAD,
2009).
Bardin (2011) indica que a utilização da análise de conteúdo prevê três fases
fundamentais: pré-análise, exploração de material e tratamento dos resultados. Desta
forma, após as informações serem transcritas e analisadas, as falas foram exploradas em
profundidade e emergiram três categorias baseada nas unidades de respostas que mais
se repetiram, sendo a primeira categoria denominada “desconhecimento prossional”, a
segunda categoria aborda-se a” importância da segurança do paciente” para a equipe que
atua na saúde mental, e a terceira categoria “olhando para si”.
3 | APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO
O grupo focal teve a participação de treze prossionais de nível superior e médio,
sendo quatro psiquiatras, dois (duas) psicólogos (as), três enfermeiros (as), uma técnica de
enfermagem, uma terapeuta ocupacional, uma assistente social e uma gestora hospitalar,
os quais foram identicados com letras e números com o objetivo de se estabelecer o
anonimato.
Após a categorização, considerando-se que houve a possibilidade de se estabelecer
unidades de respostas (UR), que se aproximaram em várias ocasiões, optou-se por fazer
uma subdivisão em tópicos, desenvolvendo sobre todo o assunto relativo à cada categoria,
para efeitos didáticos.
4 | DESCONHECIMENTO PROFISSIONAL
Sabe-se que todos os prossionais da saúde que já vivenciaram erros ou falhas
em sua atividade diária que possam ter ocasionado dano ou lesão persistente no
paciente, conhecem a sensação de mal-estar e falta de acolhimento do sistema de saúde
atual. Indaga-se as competências, mas ao mesmo tempo teme-se a possibilidade de
serem punidos, visto a falta de conhecimento sobre segurança do paciente que permeia os
principais estabelecimentos de saúde mental.
Um dos aspectos marcantes na narrativa do grupo foi o pouco conhecimento teórico
sobre segurança do paciente. Logo no início ao grupo focal, os participantes solicitaram que
o moderador deve mais explicações sobre o tema, pois tiveram diculdades em entender a
primeira questão norteadora.
O conhecimento limitado dos participantes sobre segurança do paciente evidencia a
necessidade de estratégias voltadas para a educação em saúde da equipe, no sentido de
promover melhorias na qualidade e segurança na assistência.
Sobre este assunto, Jeffs et al, (2013) consideram que, apesar da diculdade
de qualicação em psiquiatria, os prossionais contribuem ativamente na segurança do
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 11 118
paciente que estão internados de forma integral no hospital.
Mais perguntas surgiram sobre o tema, rearmando o quanto a saúde mental
necessita de qualicação e mais trabalhos cientícos relacionados à segurança do paciente
e debates articulados.
Assim, Jeffs et al, (2013) armam que a importância do trabalho em equipe e a
colaboração são vitais para a qualicação, qualidade e a segurança da assistência em
saúde mental. A segurança do paciente é uma questão complexa que envolve todos os
membros da equipe para melhorar os resultados da qualidade na assistência, incluindo a
diminuição das taxas de evento adversos e da duração da internação hospitalar. Embora
os prossionais reconheçam a importância das outras categorias, evitam extrapolar o que
é sua atribuição típica.
Educar os prossionais sobre os eventos adversos na assistência prestada pelos
prossionais de saúde mental, estimula uma atitude um tanto realista e uma abordagem
mais positiva e produtiva, tendo uma experiência prossional franca nas discussões de
eventos adversos faz com que esta ação seja discutida em novas ocasiões e torna-se uma
prática de aprendizado permanente.
Ao abordar a questão sobre segurança do paciente, os participantes levam a crer
que a temática é pouco difundida no ambiente de trabalho psiquiátrico, muitas vezes
dicultada pela falta de comunicação e qualicação desses prossionais.
Instituições de saúde mental precisam estudar com mais profundidade e cienticidade
formando estratégias preventivas para enfrentar eventos adversos, principalmente com
lesões e suas consequências.
O embasamento teórico e as normativas especícas foram citados durante o grupo
focal como uma maneira de melhorar a comunicação entre as instituições scalizadoras,
instituições públicas e privadas na assistência à saúde mental. O investimento na educação
permanente seria uma estratégia de comunicação mantendo relação direta com a melhoria
da capacidade de rendimento e relacionamento no trabalho que pode auxiliar diretamente
na prevenção de evento adverso.
Os registros feitos pela equipe são considerados ações fundamentais na obtenção
de informações de falhas e possibilita a comunicação e implantação de medidas voltadas
para a redução do número de eventos adversos.
Sobre a falta de comunicação Fay-Hillier, Regan, Gallagher (2012) respondem,
especicamente, que a comunicação, qualicação, trabalho em equipe de forma
colaborativa e uma abordagem centrada no paciente são fundamentais para a segurança
do paciente. A forma como os prossionais são cobrados também inuencia a qualidade do
trabalho prestado.
Temas sobre a estrutura física do ambiente relacionado à segurança do paciente em
psiquiatria surgiram como questões de discussão rearmando o pouco conhecimento dos
prossionais de saúde mental.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 11 119
A segurança em relação à estrutura física tem se destacado entre os prossionais
de saúde principalmente na psiquiatria, analisando não só a estrutura física, mas a mesma
vinculada às situações críticas, promovendo instituições seguras, construídas para serviços
de saúde mental com igual segurança quando aplicada para a nalidade assistencial de
acolhimento e tratamento das necessidades humanas.
O participante a seguir, relata sobre a diferenciação estrutural de uma instituição em
saúde mental para com uma estrutura de um serviço assistencial.
Após a armação dos participantes pode-se extrair da discussão do grupo uma das
várias diferenciações estruturais/assistenciais que serviços de saúde mental oferecem
para seus pacientes: a vigilância 24 horas realizada através de vídeo/lmagem, restrição
de espaços, grades, rondas periódicas, líderes de grupo terapêutico e entre outros. Tais
estratégias corroboram com a diminuição dos eventos adversos e propicia a comunicação
e gestão de risco efetiva.
Na perspectiva dos prossionais da clínica, há dilemas éticos, jurídicos e estruturais
que os diferenciam de outros serviços de saúde, principalmente os clínicos/assistenciais.
Considerando-se que esses assuntos são poucos discutidos pelas equipes, faz com que se
coloque a segurança de qualquer paciente de saúde mental em perigo.
Durante todo período, são adquiridas diversas medidas para garantir o cuidado
integral ao paciente e proteger a equipe. Todavia, quando os prossionais de saúde
identicam, por exemplo, um risco de fuga, algumas ações são intensicadas para manter a
segurança e a permanência do paciente no hospital pelo tempo recomendado pelo médico.
Situações relatadas durante todo o grupo focal são eventos adversos rotineiros
entre os serviços de saúde mental, e que pode trazer riscos à segurança não somente do
paciente, mas como também da instituição e equipe.
IMPORTÂNCIA DA SEGURANÇA DO PACIENTE EM SAÚDE MENTAL
Esta segunda categoria possibilitou que os participantes desenvolvessem discussões
que reforçaram a importância das práticas assistenciais relacionadas à segurança do
paciente, dos prossionais e ambientes de assistência à saúde mental. Durante a discussão
no grupo focal surgiram vários assuntos e um deles foi sobre a importância da comunicação
e embasamento teórico-cientíco da equipe para o desenvolvimento da segurança do
paciente.
É importante a capacitação na habilidade de se trabalhar em equipe, aumentando
a capacidade de atuação, promovendo a comunicação, cooperação e liderança. Em uma
equipe é de extrema importância o desenvolvimento de competências relacionais, o que
possibilita a diminuição de riscos, aumentando a segurança do paciente.
Silva et al., (2016) oferecem uma visão ampliada sobre o assunto em questão,
quando pesquisaram sobre o conhecimento da equipe sobre segurança do paciente. Os
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 11 120
autores apontam que é o conhecimento, isto é, a sustentação teórica que irá promover
mudanças na cultura da segurança e levar os prossionais a prestarem assistência
adequada, livre de danos, com qualidade. Nesta expectativa reside o fato de se categorizar
a importância do tema segurança do paciente, evidenciando um conhecimento pouco
expressivo, principalmente quando se está trabalhando com saúde mental. Não houve
demonstração visível de conhecimento aprofundado, principalmente das diretrizes e
legislações pertinentes.
Pode-se observar que o embasamento teórico-cientíco, protocolos institucionais e
estrutura física vão dar subsídio para a realização dos combinados feitos com os pacientes,
sempre prezando pela segurança deles. É importante ressaltar que a quebra de combinados
ou de processos de riscos em saúde mental, acarreta eventos adversos ou até mesmo a
morte de pacientes.
Segundo Brock et al, (2013) a relação entre comunicação em equipe e segurança
do paciente aumentou a ênfase colocada no treinamento de futuros prossionais de saúde
para trabalharem em equipe.
A Portaria Nº 529 de 1º de abril 2013, que institui o Programa Nacional de Segurança
do Paciente, coloca os holofotes sobre a comunicação efetiva, dando-lhe a visibilidade
necessária para promover a melhoria da interação entre os prossionais da saúde. Quando
a equipe não se comunica com efetividade, erros facilmente surgem na prestação do
cuidado (AVISA, 2015).
De acordo com Fay-Hillier, Regan, Gallagher, (2012) a comunicação da transferência
inclui relatórios de turnos, instruções de enfermagem, relatórios de enfermeira para
médico, relatórios de incidentes, revisões de casos e relatórios de serviços de emergência
para facilitar um cuidado seguro e ecaz. Pode-se correlacionar com as organizações de
alta conabilidade, como a indústria aérea e a indústria automotiva, que usam briengs,
consciência situacional e identicação de bandeiras vermelhas ou avisos para promover a
comunicação e o trabalho em equipe por segurança.
No cenário da assistência à saúde, esse formato de relatório é usado para promover
a comunicação interdisciplinar colaborativa, o trabalho em equipe e a segurança do
paciente para reduzir eventos adversos. Fay-Hillier, Regan, Gallagher, (2012) evidenciam
instrumentos que facilitam a comunicação entre equipes de diversos turnos para assim
melhorar a comunicação e estreitar informações valiosas para assistência em saúde mental.
Estes instrumentos vão dar subsídios estatísticos para discutir entre a equipe,
estreitando o vínculo com a instituição, podendo encaminhar para denição de em uma
melhor estratégia para a segurança do paciente.
Culpar os prossionais não evita eventos adversos, ao passo que a divulgação,
análise e aprendizado deles evitam a repetição desses eventos. A segurança do paciente
é uma responsabilidade compartilhada de todos os membros da equipe de, dos tomadores
de decisão até aos prossionais da linha de frente (ou seja, as extremidades bruscas e
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 11 121
agudas do sistema) (INFANTE, 2006).
Eventos adversos não compartilhados são vistos como uma admissão de
incompetência na abordagem por pessoa, enquanto a possibilidade de falha humana e a
aceitação do evento adverso são compensadas com o trabalho em equipe sob a abordagem
dos protocolos (INFANTE, 2006).
O Hospital possui dever de vigilância em relação aos pacientes internados que
apresentam confusão mental. Vindo o paciente a falecer após fuga do hospital psiquiátrico,
responde este por prejuízos advindo de tal fato. A morte de um familiar caracterizando dano
moral in re ispa, pois o sofrimento e a dor pela perda, além de serem insuperáveis, são
presumíveis. O valor da indenização mede-se pela extensão do prejuízo, nos termos do art.
944 do código civil (TJMG, 2019).
O Grupo destacou também a função e a importância estrutural da comissão de
segurança do paciente.
Nota-se, então, a falta de conhecimento até mesmo da existência de uma comissão
de segurança neste serviço de saúde mental, ainda mais das funções que ela desempenha
dentro da instituição. A falta de reuniões regulares e comunicação das discussões de
eventos adversos ou até mesmo informações básicas através de treinamentos e qualicação
facilitam os eventos adversos.
OLHANDO PARA SI
Para esse grupo de prossionais, a capacidade em acolher o sofrimento depende
da disponibilidade do prossional, do seu perl e da sua formação interferindo de maneira
direta na segurança do paciente. Foi marcante nesta narrativa a expressão da angústia ao
entrar em contato com o sofrimento e certo medo em relação à necessidade de lidar com
os pacientes considerados com transtornos mentais.
Avalia-se que a formação acadêmica da equip, não contribui para que possam
intervir no campo da saúde mental. Pode-se identicar na fala do participante.
Na perspectiva dos prossionais de psiquiatria, a angústia mencionada se deve ao
fato de o campo de atuação ser a saúde mental e não ao local de trabalho, e que o estado
emocional do mesmo, estando abalado acaba por consequência interferindo na assistência
e segurança do paciente, ocasionando, por sua vez, eventos adversos.
A fala dos participantes expressa uma demanda importante no campo da atenção
à saúde mental, principalmente quando se trata da estrutura emocional do prossional
relacionada à segurança do paciente.
O ambiente de assistência à saúde mental, cujo cenário é composto de grades,
enfermarias cheias, barulho incômodo e odor que remete à insalubridade, contribui muito
para a insatisfação dos prossionais. Esse cenário somado aos personagens - usuários,
familiares e prossionais - na relação já exposta anteriormente, cria condições favoráveis à
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 11 122
difusão do sofrimento entre todos.
Para prestar uma assistência de qualidade, é preciso reconhecer o limite entre
dedicação ao paciente e dedicação a si mesmo. É preciso que o prossional esteja
informado, orientado e se sinta apoiado. Caso contrário, o estresse toma conta e acaba
prejudicando a segurança do paciente.
Na perspectiva dos prossionais do hospital psiquiátrico, é necessário um preparo
emocional do prossional que irá, consequentemente, se expor e se colocar como
ferramenta de trabalho.
De acordo com McKie e Naysmith, (2013) podem ser identicadas três áreas
conceituais amplas que, cumulativamente, têm o potencial de dar nova direção à equipe
em saúde mental. A primeira área baseia-se em desenvolvimentos mais amplos no campo
da psiquiatria.
O cuidado com o cuidador aparece em vários momentos durante o grupo focal,
como pode-se perceber neste trecho recortado da fala do participante.
McKie e Naysmith, (2013) vêm ressaltar as principais causas que afetam o bem-
estar do prossional, a saber: enfrentamento de situações adversas e inesperadas; vivência
do cotidiano em uma unidade de internamento integral; relacionamento interpessoal com
familiares; relacionamento interpessoal com os demais membros da equipe prossional;
condições socioeconômicas e conitos gerais.
A partir disso pode-se trabalhar na causalidade para tentar diminuir a incidência de
eventos adversos ligados a estrutura emocional dos prossionais em saúde mental.
McKie e Naysmith, (2013) também dizem que ao reconhecer uma pluralidade de
bases conceituais, o mérito desse movimento centrado na pessoa reside em sua tentativa
de evitar o reducionismo, reconhecendo, assim, que os esforços para conceituar a prática
de saúde mental são complexos.
Nortvedt, Hem, Skirbekk, (2011) complementam dizendo que uma ética do cuidado
se concentra nas redes relacionais. Os agentes morais têm responsabilidades em relação
a seres humanos especícos com os quais estão conectados e afetados pelas ações dos
agentes morais. O que é eticamente relevante na ética do cuidado é como nos encontramos
e cuidamos dos nossos próprios interesses e necessidades do outro.
Novamente pode-se citar Mckie e Naysmith (2013), que de maneira ontológica,
apontam para a criação de signicado, principalmente quando adjacente à vida e ao
cuidado de si e do outro. Nortvedt, Hem, Skirbekk, (2011) vem justamente reforçar a
pluralidade e humanidade prossional. Dessa concepção mais ampliada de saúde mental,
no qual os valores morais e a atitude ética favoreçam a preservação da dignidade, respeito
e solidariedade entre a equipe preservando assim a segurança do paciente, aumentando a
comunicação e reduzindo os eventos adversos.
Os participantes reconhecem que é preciso criar um ambiente de trabalho favorável
que seja afetuoso, caloroso, atencioso, amoroso e que propicie crescimento, alívio,
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 11 123
segurança, proteção, bem-estar, ou seja, um ambiente no qual a pessoa experiencie o
cuidado humano, proporcionando assim estabilidade emocional e qualidade na assistência.
De acordo com Scanlon, (2011), complementa-se que a dimensão ontológica é
sobre a prática in situ, exigindo doses fortes de socialização, onde os prossionais, como
tradicionalmente percebidos, devem exibir altruísmo, conança, autonomia e conhecimento
de sua base de pacientes. Essa dimensão exige que os prossionais desenvolvam um
senso de quem eles são em termos de prática prossional, como eles habitam o mundo
prossional e em que termos e como eles interagem com os outros naquele mundo.
Percebe-se dos participantes do grupo focal que nos serviços de saúde mental, a
estrutura emocional do prossional é um dos focos da segurança do paciente e que deve
ter um olhar especial.
No entanto, a formação do conceito real da equipe sob uma abordagem assistencial
em saúde mental é impulsionada mais pelo modelo biomédico do paciente do que pelo
modelo sociológico e epistemológico. De fato, essa característica pode ser considerada um
poderoso indicador da prevalência da perspectiva biomédica no tratamento do paciente.
Finalmente, como Nortvedt, Hem, Skirbekk, (2011) documentaram recentemente
a perspectiva e o papel do prossional no processo de colaboração em equipe para a
melhora da assistência e principalmente na segurança do paciente.
Incorporar uma cultura de aprendizado sobre as falhas humanas requer das
instituições não a segurança do paciente como objetivo organizacional, mas acima de
tudo como ação individual, responsabilidade pessoal e prossional. Diante disso, a falta de
conhecimento da equipe sobre segurança do paciente, faz com que haja a necessidade
de implementar ações de educação permanente para uma assistência de qualidade,
priorizando assim a segurança do prossional e não somente do paciente.
Considera-se necessário que a equipe seja incentivada e orientada a se perceber
como peça importante para o equilibrado funcionamento do sistema de saúde mental,
e que para tanto, o cuidado e a atenção dispensada ao outro deve ser equivalente aos
cuidados que prossionais devem ter com eles mesmos. Somente assim poder-se-á prezar,
fortalecer e aprimorar a segurança do paciente.
Dotados deste saber, os prossionais que prestam assistência à saúde mental
serão capazes de valorizar e promover saúde e qualidade de vida e, além disso, ofertando
atenção de qualidade que responda integralmente às necessidades dos que procuram
excelência no cuidado.
5 | CONCLUSÃO
Revisitando os objetivos propostos neste estudo, foram apreendidos vários aspectos
da percepção da equipe sobre a segurança do paciente em saúde mental, identicando-se
conceitos advindos de uma prática descontextualizada com as políticas públicas relativas à
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 11 124
segurança do paciente em saúde mental.
Percebe-se, também, o papel do prossional no processo de busca pela melhoria
da comunicação, qualicação e assistência, principalmente no que tange à segurança
do paciente. Certamente, pode-se considerar que, se o prossional não possui estrutura
emocional e ferramentas de trabalho seguro acabam não desenvolvendo competências
relativas à segurança, e a equipe consequentemente não apresentará papel seguro.
Preparar programas de educação permanente em saúde mental seria a estratégia
para modicar o cenário aqui apreendido. As metodologias ativas de ensino e aprendizagem
certamente poderiam favorecer a construção do conhecimento que não foi percebido nas
falas do grupo focal, metodologias tais como Grupo de Verbalização e Grupo de Observação
(GVGO), Team Based Learning (TBL), iped class room, sala de aula invertida entre outras
modalidades de aprendizado interessantes para a equipe.
O contato humano neste cenário de saúde mental é imperativo e componente
preponderante do cuidado, assim sendo, é preciso denir-se estratégias laborais que
permitam ultrapassar o “olhar para si” e caminhar para o “cuidar de si” como prioridade e
condição para o real processo de “cuidar do outro”.
A gestão entraria em cena, propiciando ambiente de trabalho adequado, seguro
e promovendo, aos prossionais, maior qualidade de vida, que embora tenha uma
conceituação difícil, reete a preocupação com o aprimoramento dos componentes da vida.
As informações aqui evidenciadas podem ser trabalhadas na perspectiva da gestão,
da assistência e do ensino, e poderão contribuir para a melhoria do cenário da (in)segurança
dos pacientes com transtornos mentais.
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A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 12 126
Data de aceite: 20/08/2021
CAPÍTULO 12
PROMOÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA PARA
PESSOAS IDOSAS QUE RESIDEM EM ÁREAS DE
VULNERABILIDADE SOCIAL
Data de submissão: 04/06/2021
Dayara Fermiano Campos
Discente em Faculdades Pequeno Príncipe no
curso de Psicologia
Curitiba – Paraná
http://lattes.cnpq.br/3781284391079862
Giovanna Silveira Ronqui Souza
Discente em Faculdades Pequeno Príncipe no
curso de Psicologia
Curitiba – Paraná
http://lattes.cnpq.br/8785817626603153
Luana Silva Machioski
Discente em Faculdades Pequeno Príncipe no
curso de Psicologia
Curitiba – Paraná
http://lattes.cnpq.br/4422280246145550
Thaynara Garcia Gomes
Discente em Faculdades Pequeno Príncipe no
curso de Psicologia
Curitiba – Paraná
http://lattes.cnpq.br/0943025962428231
Felipe Ganzert Oliveira
Mestre em Psicologia do Desenvolvimento
e Aprendizagem, docente em Faculdades
Pequeno Príncipe
http://lattes.cnpq.br/6171743370686519
RESUMO: A m de observar o atendimento
oferecido para pessoas idosas, realizamos duas
visitas a uma unidade de saúde, localizada
na região metropolitana de Curitiba, para
acompanhar grupos de idosos acima de 60
anos que realizavam atividade física na unidade.
Após conhecer a iniciativa, tínhamos como
objetivo identicar possíveis falhas no sistema ou
aspectos a serem melhorados na execução do
programa. Aspectos como a pouca atratividade
do programa, a diculdade de mobilidade de
alguns idosos em sua locomoção até a unidade
de saúde e a não participação de familiares
nas atividades foram alguns dos problemas
encontrados. Pesquisas sobre vulnerabilidade
social, a pessoa idosa, exercício físico, relação
cuidado e cuidador e assistência domiciliar
foram essenciais para que pudéssemos fazer
recomendações viáveis para a população
em questão. Encontramos a necessidade da
promoção à assistência domiciliar para que se
tivesse maior alcance dos atendimentos, e a
importância de incluir o grupo familiar ou rede
de apoio desse idoso durante o processo de
melhora na qualidade de vida.
PALAVRAS - CHAVE: Idosos, vulnerabilidade,
qualidade de vida.
PROMOTION OF QUALITY OF LIFE FOR
ELDERLY PEOPLE RESIDING IN AREAS
OF SOCIAL VULNERABILITY
ABSTRACT: For observe the care offered to
elderly people, we made two visits to a health
unit, located in the metropolitan region of
Curitiba, to accompany groups of elderly people
over 60 years old who performed physical activity
in the unit. After knowing the initiative, we had to
identify possible aws in the system or aspects
to be improved in the execution of the program.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 12 127
Aspects like the low attractiveness of the program, the difculty of mobility of some elderly
people in their locomotion to the health unit and the non-participation of family members in
the activities were some of the problems found. Research on social vulnerability, the elderly,
physical exercise, care and caregiver relationship and home care were essential so that we
could make viable recommendations for the population in question. We found the need to
promote home care so there was a greater reach of care, and the importance of including the
family group or support network of this elderly person during the process of improving quality
of life.
KEYWORDS: Elderly people, vulnerability, quality of life.
INTRODUÇÃO
A m de observar o atendimento oferecido pelo SUS para pessoas idosas, o grupo
realizou duas visitas a uma unidade de saúde para acompanhar o grupo de exercício
físico, oferecido para idosos acima de 60 anos. Depois de conhecer a iniciativa tínhamos
como objetivo identicar possíveis falhas no sistema ou aspectos a serem melhorados
na execução do programa, além de entender a importância da atividade física na vida da
pessoa idosa. As pesquisas a serem apresentadas foram realizadas para nos auxiliar a ter
uma visão da complexidade do processo do envelhecer e suas implicações no atendimento
no âmbito da saúde.
OBSERVAÇÃO DA INSTITUIÇÃO
A observação foi realizada em uma unidade básica de saúde, no estado do Paraná,
e seu espaço de atendimento engloba a maior parte das indústrias da região, o índice de
vulnerabilidade da área atendida, é alto, questões como prostituição, violência doméstica e
tráco de drogas permeiam os atendimentos. Próximo a unidade encontram-se as seguintes
instituições: CRAS, FAS, escola municipal, dois centros de educação infantil, duas igrejas
evangélicas e uma igreja católica.
Segundo Aguiar (2015), são três princípios doutrinários que mantêm o SUS, são eles:
universalidade, equidade e integralidade da atenção. A universalidade é baseada na Lei
8.080/90, em que consta que o acesso a saúde é direito fundamental de todo ser humano,
sendo garantido pelo Estado, implementando políticas públicas, oferecendo acesso em
todos os níveis de assistência médica, sem preconceitos ou privilégios (AGUIAR,2015). O
princípio de equidade assegura que o acesso a todos os níveis de serviço, de acordo com a
complexidade de cada caso, independente de suas diferenças sociais. A integralidade pode
ser entendida “como um conjunto articulado e contínuo de ações e serviços preventivos e
curativos, individuais e coletivos, exigido para cada caso” (AGUIAR,2015, p. 51). E que a
articulação entre promoção, prevenção e a recuperação no cuidado, sejam intersetoriais
objetivando melhorias (AGUIAR,2015).
Usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) que residem na área de abrangência
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 12 128
da Unidade de Saúde, a instituição realiza o atendimento com os usuários da população
denitiva (12.158 habitantes) e da população provisória (7.500 pessoas). A rede conta com
atendimentos de odontologia, enfermagem, nutrição, sioterapia, psicologia, psiquiatria e
medicina, além de atendimento farmacêutico. Sobre os recursos físicos, a unidade de saúde
possui uma recepção com cadeiras para que os pacientes aguardem os atendimentos,
12 salas para atendimentos diversos, espaço saúde anexo à unidade, onde realizam as
atividades em grupos.
A unidade possui 3 equipes que atuam diariamente na unidade, cada uma conta
com um médico, uma enfermeira, três técnicas de enfermagem, um dentista, dois auxiliares
em saúde bucal, e duas agentes comunitárias de saúde. Outras especialidades visitam
a instituição periodicamente, psicóloga, nutricionista, educador físico, sioterapeuta e
farmacêutico uma vez na semana e a cada quinze dias a psiquiatra vai até a instituição. A
unidade apresenta todas as quartas-feiras um grupo de apoio ministrado pela psicóloga,
que também realiza atendimentos individuais quando necessários.
GRUPO DE ATIVIDADE FÍSICA PARA A PESSOA IDOSA
O Grupo é frequentado por idosos com idades entre 65 a 92 anos, que buscam
melhorar sua qualidade de vida ou que foram encaminhados para o atendimento com o
educador físico por meio da Agente Comunitária de Saúde (ACS), as atividades ocorrem
uma vez na semana.
Durante o período da manhã, às 07h30m, o grupo realiza os exercícios em uma
praça da região, localizada a duas quadras da unidade, a praça possui uma quadra de
areia com duas traves e uma academia ao ar livre, envolta do espaço havia uma calçada
onde realizam as caminhadas. As atividades a partir das 08h30m são realizadas no espaço
saúde, um anexo da Unidade da Saúde, na sala são dispostas várias cadeiras formando
um círculo, uma das paredes laterais possui um espelho e pia, o ambiente também conta
com banheiros, feminino e masculino com adaptação para portadores de necessidades
especiais.
A região apresenta um alto índice de vulnerabilidade, além da unidade a população
não promove nenhum tipo de assistência para as pessoas idosas, jovens, crianças, etc. A
associação de moradores da região busca no futuro oferecer atividades para a população,
como: capoeira, artesanato, para que os moradores se sintam amparados.
Foi observado que alguns idosos não dão continuidade no programa, alguns
recusam participar dizendo que seus acompanhantes (seus responsáveis) não teriam tempo
de levá-los até a unidade toda semana mesmo sem consultá-los previamente. A maior
parte dos idosos observados apresentava diculdades na mobilidade e riscos de queda,
decorrentes de tonturas e fraquezas, dessa maneira necessitavam de acompanhante, na
maior parte dos casos algum familiar. A realização do grupo na unidade de saúde ou na
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 12 129
praça diculta a participação das pessoas. Conforme o artigo 230 da Constituição Federal
(1988), os programas de amparo aos idosos devem ser realizados preferencialmente em
seus lares, e é dever da família, sociedade e Estado amparar essas pessoas, garantindo
sua participação na comunidade.
VULNERABILIDADE SOCIAL
A integridade física da pessoa deve ser protegida, para Sanches & Gubert (2012),
a dimensão corporal é essencial para a qualidade de vida do ser, quando esta ca
comprometida revelamos nossa vulnerabilidade. A velhice é identicada por um período
de fragilidade da vida, a fragilidade é ligada ao que é quebradiço, pouco vigoroso, a
vulnerabilidade refere-se a qualidade ou o estado de alguém que pode ser atacado
ou ferido, uma situação ou acontecimento capaz de abalar o estado físico ou psíquico
do indivíduo (Minayo & Coimbra,2002). A fragilidade se refere a eventos tidos como
causadores de desordem ou desajustamentos na pessoa, sendo assim podemos chamar
de vulnerabilidade de qualidade do evento, acontecimentos, situações onde o indivíduo
socialmente vivência fenômenos tidos como vulneráveis (MINAYO & COIMBRA,2002).
Conforme Côrte, Mercadante & Arcuri (2006), em consequência de perdas os idosos
são vulneráveis devido a perda das habilidades sociais, mentais e físicas. Para Sanches
& Gubert (2012), o sofrimento da vulnerabilidade torna-se pior para a pessoa do que a dor
sentida, em consequência de um adoecimento, o indivíduo se encontra em uma situação
que a atinge emocionalmente, causando muitas vezes: improdutividade, isolamento,
enfraquecimento da estrutura pessoal, angústia e medo da morte.
A PESSOA IDOSA
Conforme Minayo & Coimbra (2002), no Brasil o crescimento da população idosa é
cada vez maior, entre 1950 e 1991 a proporção de pessoas com 60 anos ou mais de idade
aumentou de 3,5% para 7,3%, e a proporção de idosos com 65 anos aumentou de 1,7 para
4,5%, em 1991 o número total de pessoas idosas com mais de 65 anos ultrapassou os 7
milhões, e a expectativa para 2025 é que esse número passe para 30 milhões. Em 1970 a
expectativa de vida da população brasileira era de 52,7 anos, em 1991 de 66,1 anos e em
2000 a expectativa foi para 67,3 anos.
Embora o prolongamento da vida seja um indicador de melhores condições de
sobrevivência, o cuidado com o envelhecimento deve ser idealizado com base nos princípios
da qualidade de vida (MINAYO & COIMBRA, 2002). Viver muito não é o suciente, é preciso
viver bem. No caso da saúde, o planejamento de políticas deve incluir a promoção de ações
socioambientais e preventivas. É preciso pensar em transformações culturais e estruturais
para atender a nova realidade e demanda, pensando nos idoso e em suas famílias que
lhe dão o cuidado necessário (CÔRTE, MERCADANTE & ARCURI, 2006). Em um país
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 12 130
tão marcado pela desigualdade social, Minayo & Coimbra (2002) citam que o processo de
envelhecimento pode reforçar desigualdades em termos da qualidade de vida e bem-estar
entre diferentes classes da população, aumentando a chance de exclusão da pessoa idosa.
A partir da segunda metade do séc. XIX o processo de envelhecer foi tratado
como uma etapa da vida caracterizada pelo declínio e pela perda de papéis sociais, o
envelhecimento era associado a deterioração do corpo. Segundo Minayo & Coimbra
(2002), a literatura gerontológica compreendia a velhice como uma fase de ajustamento a
mudanças siológicas provocadas pela força física cada vez menos presente.
Para Minayo & Coimbra (2002), no âmbito da saúde o envelhecimento populacional
que gera novas demandas para os serviços, esse fenômeno abrange uma diversidade
de experiências, deve se levar em consideração que esse processo é vivido de formas
diferentes de uma pessoa para outra, de uma geração para outra, e de uma sociedade
para outra. Côrte, Mercadante & Arcuri (2006), alertam para a complexidade física,
psicológica e social, além das diversas realidades, a velhice deve ser compreendida de
formas distintas, sem comparações de um país como a Serra Leoa, onde a expectativa
de vida é de 37 anos ou do Japão, em que a expectativa chega a 78 anos de idade. As
pesquisas sobre o envelhecimento ditam uma ligação entre os processos de doença e
morte, que segundo Minayo & Coimbra (2002), dicultam a visão do envelhecimento de
maneira diferenciada, não favorecendo sua relação com qualidade de vida e saúde. Sendo
a velhice identicada por um período de fragilidade da vida, vivenciada com perdas e
limitações, não conseguimos associar com outros cursos de vida (MINAYO E COIMBRA,
2002). Côrte, Mercadante & Arcuri (2006) citam como desao da velhice a perda da uidez
e liberdade relacionada a aspectos sociais, culturais e familiares.
PROMOÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA
Segundo Ferro (2012), o cálculo da evolução na área da saúde aconteceu devido
a este tema central chamado qualidade de vida (QV). Esse assunto é vasto e complexo.
Possui diferentes interpretações e só pode ser compreendido quando se compreende
as condições de vida da pessoa naquele determinado momento. A QV é um termo de
muita subjetividade que abrange diversas dimensões, é estabelecida como a ideia que a
pessoa tem sobre o seu lugar no âmbito sociocultural, levando em conta suas expectativas,
medos e padrões. Aspectos como saúde física, mental, satisfação pessoal e hábitos estão
relacionados à QV (FERRO,2012).
A m de calcular a QV, foram desenvolvidas diferentes ferramentas para avaliar
populações diversas, em sua maioria eram realizadas em países de alta renda e adaptada
para outros contextos (FERRO,2012). Para o autor, é comum pensar em promoção
de saúde quando se fala em qualidade de vida, pois se relaciona com a mudança de
comportamento da pessoa com ela mesma e com o grupo. Sendo assim, as ações de
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 12 131
promoção da saúde são dirigidas às pessoas e familiares, com o objetivo de inuenciar
questões comportamentais, culturais e hábitos no estilo de vida.
Levando em conta essa questão o Ministério da Saúde do Brasil publicou, em 2006,
a Política Nacional de Promoção da Saúde, onde explica sobre o quanto é importante a
prática regular de exercícios físicos na vida do indivíduo, percebe-se que há um aumento
no interesse de compreender a ligação entre atividade física e questões relacionadas à
capacidade funcional. O decréscimo da capacidade funcional pode ser mais rápido quando
ocorre desuso pela falta de estímulos de acordo com estudos. Pesquisas armam que o
hábito de praticar exercícios físicos diminui a velocidade do envelhecimento, mantendo
assim a autonomia do idoso. Os indicativos mostram uma união positiva entre a atividade
física e QV, mas esta relação ainda não foi totalmente compreendida. Alguns autores
evidenciaram que os resultados devem ser analisados em pessoas de diferentes faixas
etárias e estado de saúde, com ferramentas de medidas especícas de atividades físicas
(FERRO,2012).
EXERCÍCIOS FÍSICOS E SAÚDE
De acordo com Maciel (2010) apud Organização Mundial da Saúde (2006), para
uma pessoa estabelecer uma boa qualidade de vida é necessário adotar um estilo de
vida que inclua boa alimentação e a prática de atividades físicas relevantes na promoção
da saúde e na prevenção dos fatores de risco à saúde. Para a prática de exercícios é
preciso compreender que além dos benefícios biológicos, sociais e psicológicos que a
prática promove mudanças individuais e grupais para a adesão das mesmas, através delas
é possível realizar com frequência e qualidade as atividades físicas.
Segundo o autor apud OMS (2005) pode-se considerar idoso, todo indivíduo
com idade a partir de 60 e 65 anos, para países em desenvolvimento e para países
desenvolvidos. Para compreender as condições de saúde dos idosos são precisos
indicadores que diferenciam o processo saúde/ doença dessa parcela da população,
destacando a mobilidade, a mortalidade, o conjunto de causas para doenças e a
qualidade de vida. A respeito da morbidade do idoso ressalta-se as doenças e agravos
não transmissíveis (DANT) pois necessitam de constante acompanhamento pelo indivíduo
idoso. (MACIEL,2010,p.1025).
As DANT podem dicultar ou impedir a prática de atividades físicas do cotidiano de
um idoso, implicando na sua funcionalidade, as condições que a funcionalidade acarreta
não são fatais, porém comprometem de forma signicativa a qualidade de vida de uma
pessoa, para que isso não ocorra é de extrema importância o incentivo da manutenção da
autonomia e independência durante o período de envelhecimento. ( MACIEL,2010).
Para Maciel (2010) apud Duarte,Andrade,Lebrão (2007) a funcionalidade é a
capacidade de uma pessoa de realizar sozinha atividades do cotidiano, como cuidar de si
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 12 132
mesmo, manter relacionamentos sociais, lazer, essas atividade podem ser denominadas de
AVD, atividades de vida diária e estas podem se subdividir em atividades básicas do dia-a-
dia, como tomar banho, se vestir, se alimentar. E as atividades chamadas de instrumentais
do dia-a-dia que dizem respeito a vida em comunidade, como fazer compras, utilizar meios
de transporte, tomar medicamentos, administrar as nanças.
Quando essas não podem ser realizadas independentemente pelo idoso ele é
considerado incapaz, para identicar essa incapacidade é preciso que o idoso declare
a alguém suas diculdades, que podem ser atribuídas a modicações morfológicas
e siológicas do corpo que acabam limitando sua autonomia. E é para isso que as
atividades físicas cooperam para o bem estar do indivíduo reduzindo danos advindos dos
envelhecimento. (MACIEL,2010).
Maciel(2010) apud OMS(2006) explica que o exercício físico como atividade
física planejada, pré estruturada e que necessita de repetição, tem como objetivo a
manutenção da saúde, busca-se com isso a maior capacidade pulmonar, aeróbica,
resistência, exibilidade. Essa busca apresenta um resultado psicológico como a melhora
da autoimagem e autoestima, reduzindo a depressão, a ansiedade no idoso, e sicamente
acarreta na diminuição dos problemas cardíacos, diabetes, hipertensão, diminui o risco
de obesidade e osteoporose. E apesar dos conhecimentos sobre os riscos da inatividade
física, ainda há um aumento destas e consequentemente das DANT mundialmente.
Cerca de cinquenta por cento da população idosa pratica atividade física por
prescrição médica no Brasil, é possível observar com isso a deciência do incentivo
público à prática de atividades físicas no país. Algumas justicativas para a inatividade da
população com mais de 60 anos são a sensação de cansaço, falta de companhia, falta de
local e de habilidades. ( MACIEL,2010).
INTEGRAÇÃO CUIDADO E CUIDADOR
Segundo Sanches & Gubert (2012), o cuidado é um princípio básico da vida humana,
partindo de que não é possível nos tornarmos humanos sem o cuidado de um terceiro.
Leonardo Boff (1999) apud Sanches & Gubert (2012), dene cuidado como uma atitude de
ocupação, onde uma pessoa se preocupa e se responsabiliza por outra, o momento em
que sai de si para se concentrar no outro.
Côrte, Mercadante & Arcuri (2006), conceituam cuidador como a pessoa que se
responsabiliza pelos cuidados de outra pessoa, sendo um familiar ou não, que realiza a
mediação entre paciente e equipe de saúde.
Para Sanches & Gubert (2012) existem três tipos de relações de cuidado, o primeiro
é relacionado ao afeto, representado pela família, parentes e amigos mais próximos; o
segundo grupo de cuidado é chamado de relações solidárias, refere a cuidados voluntários
com pessoas necessitadas ou adoecidas; e o terceiro é caracterizado pelas relações
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 12 133
prossionais, médicos, líderes religiosos, professores, assistentes sociais, psicólogos, etc.
Côrte, Mercadante & Arcuri (2006), trazem dois tipos de cuidador, formal e informal.
Os cuidadores formais são prossionais de instituições que realizam atendimento, os
cuidadores informais são família, amigos, vizinhos, voluntários etc. Além destas duas
formas Côrte, Mercadante & Arcuri (2006), classicaram cuidadores em três classes,
cuidadores primários: possuem a responsabilidade de supervisionar, orientar, acompanhar
e cuidar do paciente. Cuidadores secundários: realizam as mesmas tarefas que o primário
mas sem o mesmo envolvimento, substituem os primários em caso de falta. E por último
cuidadores terciários: são as pessoas que auxiliam quando são solicitadas, não possuem
responsabilidade com o cuidado e em último caso substituem o cuidador primário.
ASSISTÊNCIA DOMICILIAR
A assistência domiciliar é uma nova forma de atendimento à saúde, é uma alternativa
para dar sequência a tratamentos e cuidados, executada na maioria das vezes por
instituições públicas ou privadas (CÔRTE, MERCADANTE & ARCURI, 2006). O conforto e
privacidade da residência do paciente, segundo Côrte, Mercadante & Arcuri (2006), podem
ajudar na adesão de tratamentos.
Conforme Côrte, Mercadante & Arcuri (2006), a assistência domiciliar refere-se
a maneiras de atenção à saúde realizadas no lar do indivíduo, como o atendimento e
internação domiciliar. O atendimento pode ser compreendido como atividades planejadas
por meio de ações preventivas e assistenciais por uma equipe multiprossional. O processo
de envelhecimento pode desencadear doenças decorrentes da idade, tornando a pessoa
dependente para algumas atividades, neste caso necessitam de apoio especializado que
pode ser atendido pela assistência domiciliar (CÔRTE, MERCADANTE & ARCURI, 2006).
MELHORIAS IDENTIFICADAS
Compreendemos que a locomoção até a unidade pode ser um fator de risco devido
a fragilidade da pessoa idosa, conforme citado por Minayo & Coimbra (2002). A assistência
domiciliar abordada por Côrte, Mercadante & Arcuri (2006), pode ser uma alternativa para
um alcance maior dos atendimentos, assim o trabalho é realizado com os indivíduos até
que alcancem uma maior independência e queiram realizar as atividades no grupo.
Se tornaria mais interessante incluir no grupo os familiares que realizam o papel
de cuidadores para que possam participar e assim quem mais motivados para levarem
os idosos, vendo a execução dos exercícios no grupo podem ajudar o idoso em casa,
pois conforme Sanches & Gubert (2012), o cuidado é essencial, pois assim nos tornamos
humanos.
Para a efetivação de um serviço multiprossional, incluir o atendimento da
nutricionista e de um médico generalista frequentemente na rotina do idoso. Para apoiar a
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 12 134
família, a elaboração de cartilhas ou até mesmo a realização de palestras podem prepará-
lo para lidar com o envelhecer da melhor forma.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento do presente trabalho proporcionou ao grupo a possibilidade de
analisar a realidade do Sistema Único de Saúde (SUS) e as iniciativas voltadas às pessoas
idosas. Com isso, nos deparamos com pequenos problemas nas estratégias e pontos a
serem estudados para suprir essa necessidade.
Como o Sistema Único de Saúde (SUS), possui uma grande abrangência e seus
projetos são desenvolvidos por cargos administrativos a remodelação deste projeto se
torna inviável, pois seus métodos estão pré estabelecidos, mas por se tratar de uma
pequena área, a sensibilização pessoal, pode ser um meio de motivar cada sujeito, a qual
o projeto é oferecido, para que se sintam capazes, sem colocar suas limitações a frente de
suas vontades.
O cuidado estabelecido para com cada pessoa idosa se mostrou como um impulso,
para que as atividades fossem realizadas semanalmente, na busca pela qualidade de
vida. A interação estabelecida pelos próprios idosos também estimula a participação de
cada pessoa, não deixando se desanimar por suas limitações físicas que corriqueiramente
possam surgir, o que se tornam dois grandes pontos positivos para a adesão do projeto.
Quando não esses pontos de incentivo, a falta de ânimo culminam na desistência do
programa.
REFERÊNCIAS
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desaos. São Paulo: Martinari, 2015.
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DUARTE, Yeda Aparecida de Oliveira; ANDRADE, Claudia Laranjeira; LEBRÃO, Maria Lúcia. O Índex
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G/?lang=pt . Acesso em 01 jun. 2021.
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Capítulo 12 135
FERRO, Fernanda Fernandes. Instrumentos para medir a qualidade de vida no trabalho e a
ESF: uma revisão de literatura. Orientadora: Fernanda Magalhães Duarte. 2012. Dissertação
(Especialização em Atenção Básica em Saúde da Família) - Universidade Federal de Minas Gerais,
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MACIEL, Marcos Gonçalves. Atividade física e funcionalidade do idoso. Rio Claro: Motriz, p.1024-1032,
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SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE CURITIBA. Missão, visão e valores do SUS Curitiba.
Disponível em: http://www.saude.curitiba.pr.gov.br/a-secretaria/missao.html Acesso 28 de maio de
2019.
SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE CURITIBA. Histórico da Secretaria. Disponível em: http://
www.saude.curitiba.pr.gov.br/a-secretaria/historico-da-secretaria.html Acesso 22 de junho de 2019.
SANCHES, Mário Antonio; GUBERT, Ida Cristina. Bioética e vulnerabilidades. Curitiba: Ed. UFPR:
Champagnat, 2012.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 13 136
Data de aceite: 20/08/2021
CAPÍTULO 13
PROJETO NACIONAL DE EDUCAÇÃO PELOS
PARES DA FUNDAÇÃO PORTUGUESA “A
COMUNIDADE CONTRA A SIDA” A FORMAÇÃO
PEDAGÓGICA DOS JOVENS VOLUNTÁRIOS
Data de submissão: 06/07/2021
Filomena Margarida Venâncio Frazão de
Aguiar
Fundação Portuguesa
“A Comunidade Contra a SIDA
Lisboa, Portugal
Paula Cristina de Almeida Costa
Fundação Portuguesa
“A Comunidade Contra a SIDA
Lisboa, Portugal
ttps://orcid.org/0000-0002-7591-8292
RESUMO: A Educação pelos Pares é uma
metodologia utilizada na promoção da saúde,
na prevenção da doença e dos comportamentos
de risco. O Projeto Nacional de Educação pelos
Pares (PNEP) conta com a contribuição de
voluntários universitários que recebem formação
(cientíca e pedagógica) para atuarem junto
dos alunos das escolas parceiras. Este artigo
objetiva caraterizar esses voluntários, conhecer
as suas motivações e expetativas iniciais, avaliar
a formação pedagógica ministrada e perceber
as expetativas alcançadas na sua experiência
de voluntariado. Os resultados obtidos, através
da realização de três questionários, no ano
letivo 2015/2016, revelaram que os 80 jovens
voluntários, maioritariamente na faixa etária
dos 18-22 anos, são provenientes sobretudo de
cursos de Medicina, Psicologia e Comunicação.
Face à formação pedagógica recebida realçam o
interesse, a utilidade e a organização, mas também
as estratégias utilizadas pelas professoras
do PNEP. Salientam vários aspetos positivos,
nomeadamente o “Clima de total abertura” e
a “Elevada interação entre os voluntários e
as professoras”. Quanto aos motivos para a
adesão ao PNEP referem, entre outros: “ajudar
os jovens a ter acesso a informação sobre VIH e
prevenção de outras IST”; “participar em projetos
de voluntariado”; “obter enriquecimento pessoal
e prossional” e “fazer parte de um projeto
interessante e contribuir para a alteração de
comportamentos e mentalidades”. Os resultados
legitimam a importância da formação pedagógica
dos jovens voluntários na consecução do PNEP
e evidenciam pontos fortes deste programa a dar
relevo em edições futuras.
PALAVRAS - CHAVE: Educar para a Saúde;
Educação pelos Pares; Jovens Voluntários,
Prevenção do VIH e Sida.
NATIONAL PEER EDUCATION PROJECT
OF FUNDAÇÃO PORTUGUESA “A
COMUNIDADE CONTRA A SIDA” THE
PEDAGOGICAL TRAINING OF YOUNG
VOLUNTEERS
ABSTRACT: Peer Education is a methodology
used in promoting health, preventing disease
and risk behaviors. The National Peer Education
Project (PNEP) features the contribution of
university volunteers who receive scientic and
pedagogical training to work with the students from
partnering schools. This article aims to describe
these volunteers, know their motivations and initial
expectations, evaluate the pedagogical training
provided as well as understand the expectations
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 13 137
achieved in their volunteering experience. Results obtained in three questionnaires conducted
in the 2015/2016 academic year reveal those 80 volunteers, mainly students aged 18 to 22,
come essentially from Medicine, Psychology and Communication courses. In regards to the
pedagogical training they received, they point out its importance, usefulness and organization,
but also the strategies used by PNEP teachers. They highlight many positive aspects, namely
the “total openness” and the “great interaction between volunteers and teachers”. As for their
reason for joining the PNEP they mention, among others, “helping young people access
information about HIV and how to prevent other sexually transmitted infections”, “participating
in volunteering projects”, “achieving personal and professional development” and “being part
of an interesting project and contributing to changing behaviors and mentalities”. The results
prove the importance of the young volunteers` pedagogical training in carrying out the PNEP
and present the strong points of this program to be highlighted in future editions.
KEYWORDS: Health Education; HIV/AIDS Prevention; Peers Educators; Volunteers.
1 | INTRODUÇÃO
Educar para a Saúde é uma responsabilidade de diversos setores da sociedade,
nomeadamente do setor da saúde e da educação, mas também de outras organizações
que consideram a saúde um recurso para a vida, em direção a um bem-estar global dos
indivíduos. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) Educar para a Saúde pode
constituir-se como “qualquer combinação de experiências de aprendizagem que tenham por
objetivo ajudar os indivíduos e as comunidades a melhorar a sua saúde, através do aumento
dos conhecimentos ou inuenciando as suas atitudes” (DGE, 2014) e que visa contribuir
para a operacionalização do conceito de Promoção da Saúde. Tal como consignado
na Carta de Ottawa (1986), a Promoção da Saúde é um processo de “capacitação dos
indivíduos e das comunidades para atuar na melhoria da sua qualidade de vida e saúde,
incluindo uma maior participação no controle deste processo” (WHO, 1986).
Partindo destes pressupostos foi desenvolvido, pela Fundação Portuguesa “A
Comunidade Contra a SIDA” (FPCCSida), um projeto pioneiro, em Portugal, designado por
Projeto Nacional de Educação pelos Pares (PNEP) que se traduz pelo desenvolvimento, a
nível nacional, do Programa Sexualidade e Prevenção do VIH/SIDA (FPCCSida, 2007) em
escolas com 3º ciclo do ensino básico, iniciando-se no 7º ano de escolaridade e nalizando
no 9º ano, abrangendo um público-alvo com idades compreendidas entre os 11 e os 15 anos
de idade. A concretização do PNEP conta com a valiosa contribuição de jovens voluntários/
as, estudantes do Ensino Superior, provenientes de diversos cursos que recebem formação
cientíca e pedagógica para atuarem junto dos/as alunos/as das escolas parceiras e contam
com a supervisão pedagógica dos/as docentes destacados/as nas diversas Delegações
Regionais da FPCCSida e dos/as docentes das turmas envolvidas.
Estes/as jovens universitários/as, voluntários/as neste projeto, constituem-se como
Pares Educadores e organizam-se em dois grupos distintos, mas que complementam: i)
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 13 138
as Brigadas Universitárias de Intervenção (BUI) que animam os momentos de formação
e informação junto dos/as alunos/as, partilham vivências, medos, preconceitos, gostos,
sentimentos e, reetem em conjunto sobre o que de mais e de menos positivo nas
atitudes e nos comportamentos que são assumidos pelos/as jovens na comunidade social
em que estão inseridos; e pelo ii) Teatro Universitário de Intervenção (TUI), grupo que
apresenta uma peça de teatro-debate. Em ambos os grupos as temáticas abordadas são
as que estão consignadas no Programa Sexualidade e Prevenção do VIH/SIDA e que
estão em conformidade com as diretrizes do Ministério da Educação no que se refere à
Sexualidade e Educação Sexual.
O desenvolvimento do Programa “Sexualidade e Prevenção do VIH/SIDA” no âmbito
do Projeto Nacional de Educação pelos Pares, implementado em contexto de sala de aula,
utiliza como metodologia a Educação de Pares, incentivando os/as estudantes a explorarem
as valências relacional, afetiva, social e siológica da sexualidade humana, estimulando a
partilha de vivências, a compreensão de problemas associados a comportamentos de risco,
a tomada de decisão com responsabilidade no âmbito da vivência saudável da sexualidade,
tendo em conta os valores pessoais, familiares e sociais. Para a concretização do referido
Programa os/as voluntários/as do ensino superior, recrutados/as a nível nacional, sobretudo
nas regiões afetas aos Centros de Aconselhamento e Orientação de Jovens (CAOJ),
das Delegações Regionais da FPCCSida, recebem dois tipos de formação: cientíca e
pedagógica. A formação cientíca, de carácter generalista, é ministrada por especialistas
das áreas de medicina, psicologia, direito, educação e segurança e assenta, sobretudo, nas
seguintes temáticas: “VIH, Sida e outras IST”, “Sexualidade, saúde e educação”; Questões
ético-jurídicas associadas ao VIH e Sida”, “Perigos da Internet”, “Igualdade de Género e
Violência no Namoro”, “Riscos associados ao consumo de álcool e drogas” e “Métodos
contracetivos e gravidez na adolescência”. A formação pedagógica visa preparar os/as
jovens para a sua intervenção em sala de aula e perspetiva, não só, o conhecimento do
Programa “Sexualidade e Prevenção do VIH/SIDA”, mas também prevê a apresentação e
dinamização dos jogos e outras atividades que nele estão inseridos de forma a familiarizar
os/as voluntários/as para essas mesma estratégias e metodologias de implementação
do referido Programa. Habitualmente, é ministrada pelos/as docentes ao serviço de cada
CAOJ. Ambas a formações são avaliadas pelos/as intervenientes através da aplicação de
questionários.
O presente artigo irá debruçar-se, por um lado, na caracterização desses/as jovens
universitários/as, percebendo a sua proveniência universitária, a sua faixa etária e quais
as suas motivações e expetativas iniciais aquando da sua entrada no projeto, e por outro,
procura compreender como os/as voluntários/as avaliam a formação pedagógica e quais as
expetativas alcançadas na sua experiência de voluntariado.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 13 139
2 | METODOLOGIA
A consecução dos objetivos deste trabalho requereu a recolha de dados
provenientes do Questionário de Satisfação aplicado no nal da formação pedagógica e
dos dados obtidos nos Questionário Inicial – BUI e no Questionário Final BUI aplicados a
80 jovens voluntários/as, no ano letivo 2015/16, distribuídos pelas Delegações dos CAOJ
do Porto, Coimbra, Lisboa e Setúbal. Relativamente à avaliação da Formação Pedagógica,
ministrada após o recrutamento dos jovens e antes da formação das BUI, foi implementado
um questionário de avaliação do curso, constituído por nove questões de resposta fechada:
(1) os objetivos denidos para o curso, (2) a metodologia usada, (3) a duração global,
(4) as expectativas dos jovens, bem como (5) o relacionamento entre os/as participantes
na formação, (6) organização da ação, (7) desenvolvimento de competências pessoas e
sociais, (8) desenvolvimento de competências sobre sexualidade e (9) nível de satisfação
face aos aspetos pedagógicos abordados, tendo sido utilizada uma escala em que (1)
signica Nada e (5) Totalmente. As décima e décima primeira questões foram de resposta
aberta, a primeira diz respeito aos aspetos positivos do curso e a segunda aos aspetos
que deveriam ser melhorados. Quanto ao Questionário Inicial BUI, que foi aplicado após a
formação das Brigadas Universitárias de Intervenção, que constituem grupos de voluntários
que posteriormente se distribuem pelas escolas parceiras no projeto, é composto por quatro
questões de resposta aberta nas quais se pretende perceber: (1) os motivos de adesão ao
PNEP; (2) resultados que espera atingir com o desenvolvimento do projeto; (3) dúvidas e
receios relativamente à implementação juntos dos/as alunos/as mais novos/as e (4) qual
ou quais a(s) área(s) de formação do Programa que necessita de formação e informação.
Contudo, para este trabalho apenas iremos explanar as questões (1) e (2), deste mesmo
questionário. No que concerne ao objetivo “perceber as expetativas alcançadas nesta
experiência de voluntariado” analisou-se a questão (1) indique as expetativas que foram
alcançadas com a consecução do PNEP referente ao Questionário Final da BUI.
Os dados obtidos foram tratados recorrendo à criação de um sistema de categorias
indutivas. Posteriormente, foi feita uma análise relativa à frequência com que emergiram
cada uma das categorias de análise nos dados recolhidos, que serão apresentados
conjuntamente com alguns excertos das respostas para uma melhor explicitação dos
mesmos.
3 | RESULTADOS
Relativamente aos e às jovens voluntários/as que colaboraram no ano letivo
transato verica-se que a maioria são do sexo feminino (72%) e os restantes (28%) do
sexo masculino, de idades compreendidas entre os 18 e os 22 anos, sendo oriundos,
maioritariamente, dos Cursos de Medicina, Psicologia e Comunicação, das diversas
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 13 140
Universidades e Politécnicos Nacionais.
Face aos resultados obtidos no questionário de avaliação da Formação Pedagógica
apresentam-se, de seguida, na tabela 1. Avaliação dos Curso de Formação Pedagógica de
voluntários/as, as quanticações relativas a cada uma das questões de resposta fechada.
Os dados obtidos nas questões de resposta aberta apresentam-se nas tabelas seguintes.
Questão Escala
123 4 5
1 - Os objetivos denidos para a ação foram atingidos? 005 33 42
2 - A metodologia global da ação foi adequada? 0 0 0 18 62
3 - A ação correspondeu às suas expectativas? 003 33 44
4 - A duração global da ação foi adequada? 00947 24
5 - O relacionamento entre os participantes favoreceu a formação? 003 42 35
6 - A organização da ação foi eciente? 00721 52
7 - Qual o nível de consecução no âmbito do desenvolvimento de competências
pessoais e sociais? 00927 44
8 - Qual o nível de consecução no âmbito do desenvolvimento de competências
sobre sexualidade? 03831 38
9 - Qual o nível de satisfação, quanto aos aspetos pedagógicos abordados? 00422 54
Tabela 1. Avaliação dos Curso de Formação Pedagógica de voluntários(as)
Nota da Escala: 1=Nada; 5=Totalmente
Relativamente à primeira questão aberta do questionário que procura perceber os
aspetos positivos da formação pedagógica, os dados apresentados na tabela 2. Aspetos
Positivos da Formação, são apresentados de acordo com as categorias denidas a
posteriori:
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 13 141
Aspetos Positivos da Formação
Categoria Subcategoria Exemplos extraídos das respostas aos questionários
Temáticas abordadas
Interesse e
pertinência
Inclui aspetos pertinentes;
Muito bons temas;
Informações e assuntos muito pertinentes;
Temáticas interessantes no desenvolvimento e
preparação do indivíduo;
Muito interessante. Esta formação demonstra a
capacidade de despertar o interesse relativamente a
estas temáticas;
Temas adequados;
Esclarecimentos cientícos, sociais e de
comportamentos.
Desenvolvimento
Os temas foram muito bem desenvolvidos;
Realização de atividades pedagógicas diferentes;
Criatividade;
Inovador;
Debate, conversas sobre os temas;
Formação - Clareza;
Recursos utilizados - Transmissão de conteúdos;
Formas interativas e interessantes de aprendizagem;
Boa organização.
Apresentação
Dinamização
Elevada interação entre os voluntários e as
professoras; Metodologias de apresentação dos
conteúdos;
Dinâmicas de grupo;
Clareza com as palavras;
Explicação da informação;
Dinâmicas interessantes;
Boas práticas - exemplicativas dos temas de
interesse;
Não haver tempos “mortos”;
Muitos jogos e dinamismo;
Número das dinâmicas;
Esclarecedor.
Clima relacional
Clima de total abertura;
Interação;
Coesão do grupo;
Boa comunicação;
Interação com o público-alvo;
Bom envolvimento dos formadores com os
participantes;
Boa disposição;
Novas amizades;
Conança;
Criar bons laços;
Relações interpessoais;
Simpatia e disponibilidade das professoras;
O “à vontade” das formadoras;
Boa relação formadoras-formandos;
Ambiente, conforto e abertura.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 13 142
Desenvolvimento pessoal
Concetual
Empowerment pessoal;
Permitiu alargar o meu conhecimento a nível da
abordagem acerca da sexualidade;
Conhecimentos novos para ensinar de forma
eciente;
Dinâmica pedagógica capacitante;
Deu-nos objetos de trabalho;
Melhor perceção dos conteúdos abordados;
Aumento do conhecimento em relação às IST;
Enriquecer os meus conhecimentos;
Mais aprendizagem;
Aprofundar conhecimentos sobre os métodos
contracetivos e conhecer novas instituições de
saúde;
Permitiu compreender quais os pontos fundamentais
a abordar com os jovens e com intervir nas escolas;
Desenvolvimento de competências;
Prevenir comportamentos de risco;
Desmisticação de ideias.
Relacional
Desenvolver os conceitos falados e a minha
expressão para com os outros;
Conhecer novas pessoas;
Capacidade de intervir e falar sobre os assuntos
abordados;
Ajudou-me bastante na interação com os outros;
Aumentar a nossa autoconança
Tabela 2. Aspetos Positivos da Formação Pedagógica
Face à décima primeira questão: Aspetos a serem melhorados na formação
destacam-se, pelos/as participantes, os seguintes dados:
As motivações e expetativas iniciais dos/as voluntários/as para integrarem o Projeto
Nacional de Educação pelos Pares são apresentadas na tabela 3. Questionário Inicial BUI,
e tal como foi referido anteriormente apenas se apresentam as categorias de análise às
duas questões (1 e 2), atendendo aos objetivos traçados inicialmente.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 13 143
Questionário Inicial BUI
Questão 1. Motivo (s) que o (a) levaram a aderir ao Projeto Nacional de Educação pelos Pares
Categoria Exemplos extraídos das respostas aos questionários
Espírito de entreajuda
Ajudar os jovens a ter acesso a informação sobre VIH e prevenção de outras
IST; Interesse em trabalhar com os adolescentes diversas problemáticas da
sociedade atual;
Optei por aderir ao projeto porque sempre gostei da ideia de fazer
voluntariado; Ainda para mais a minha área que é a Educação o projeto é
uma mais-valia para puder aprender e ensinar;
Participar em projetos de voluntariado;
Porque penso que o projeto é uma mais-valia nas escolas, tanto para
os alunos adquirirem conhecimentos, mas também para eles próprios
transmitirem o que aprenderam a outros alunos. Porque gosto bastante dos
temas que são abordados e gosto das interações durante as sessões;
Proximidade com os jovens;
Fazer parte de um projeto interessante e contribuir para a alteração de
comportamentos e mentalidades.
Aprendizagem pessoal
Após ter tido um ano de voluntariado no projeto achei interessante dar
continuação a este trabalho porque é algo que realmente me cativa;
Tenho muito interesse na área da sexualidade e acredito que a educação em
sexualidade é de grande importância para a formação pessoal;
Uma oportunidade de aprender mais sobre o tema e adquirir experiência,
além de poder ajudar a contribuir com um futuro com menos DST´S e
preconceito;
Interesse pelas temáticas abordadas;
Partilha de conhecimentos e experiências.
Realização pessoal
Obter enriquecimento pessoal e prossional;
Já faço voluntariado noutra área e sinto que é sem dúvida uma grande
mais-valia pra mim, tanto a nível pessoal como prossional juntar-me a este
projeto;
Crescimento pessoal e prossional;
Questão 2. Resultado (s) que espera atingir com o desenvolvimento do Programa Sexualidade e
Prevenção da SIDA
Categoria Exemplos extraídos das respostas aos questionários
Desenvolver
competências e
conhecimentos
Desenvolver as minhas capacidades enquanto futura animadora, adquirindo
experiência em contexto real;
Espero aprimorar meus conhecimentos sobre a sexualidade e a Sida, bem
como as minhas experiências na área do ensino, e que os estudantes
realmente construam conhecimentos sobre essa área;
Obter mais conhecimento na área de sexualidade e prevenção de DST’S e
mais experiência com turmas;
A nível pessoal, espero o desenvolvimento de capacidades ao nível de lidar
com adolescentes e poder de alguma forma contribuir para o seu crescimento
e melhor formação;
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 13 144
Transmitir
conhecimentos aos e
às alunos/as
Espero que os objetivos de cada sessão sejam conseguidos, que os jovens
percebam a importância e a abrangência da sexualidade ao longo da vida,
enquanto mais-valia para a prevenção da Sida;
Espero que nas turmas onde eu estiver presente, conseguir transmitir
algum conhecimento e que depois os alunos possam ir transmitindo o que
aprenderam durante a sua vida;
Espero poder participar numa boa educação aos jovens, podendo mudar algo
na sua vida ao diminuir comportamentos de risco;
Espero conseguir “chegar” aos alunos e alertá-los para a prevenção e
consciência, desmisticando mitos e ideias feitas que não correspondem à
realidade;
Valorização pessoal Como desta vez estou num centro educativo que é um contexto diferente,
sinto-me mais entusiasmada ao ponto de tirar mais proveito do programa.
Tabela 3. Questionário Inicial BUI – questões 1 e 2
Como forma de percecionar o alcance das expetativas iniciais manifestadas
pelos(as) voluntários(as) apresentam-se na tabela 4. Avaliação do PNEP – Questão 1.1 as
expetativas identicadas como tendo sido alcançadas.
Avaliação do PNEP - Questionário Final BUI
Das expetativas que tinha relativamente ao PNEP e ao Programa Sexualidade e Prevenção da SIDA
Questão 1.1 Indique quais as que foram alcançadas
Adquirir conhecimentos
Adquirir alguns conhecimentos teóricos e pedagógicos sobre a área, contactar com
jovens num âmbito de Educação – promoção de competências e conhecimentos,
sentir que fui útil;
Obtive informação técnica e aprendi a comunicar assuntos tabus com naturalidade
com os meus colegas;
Sendo este o 2º ano a participar no projeto, já tinha uma noção do que esperar
em relação ao mesmo. Todavia, posso dizer que, neste 2º ano de formações,
consegui ser surpreendido com uma turma desaante e muito diferente daquela
com que tinha trabalhado no ano anterior, pelo que considero ter aprendido novas
formas de lidar com jovens diferentes e de “chegar até eles”, transmitindo-lhes os
conhecimentos pretendidos;
Melhoria das minhas capacidades de comunicação, e entendimento da perspetiva e
conhecimentos dos mais novos acerca da sexualidade;
As expetativas em relação ao conteúdo abordado foram todas alcançadas, o que foi
uma grande mais-valia para rever certos conceitos;
Conhecer a rotina escolar em outro país; conhecer o que os alunos já sabiam dos
assuntos abordados e suas opiniões;
Aprendi mais sobre as doenças sexualmente transmissíveis;
Melhorar os meus conhecimentos sobre os temas abordados.
Adquirir
competências
relacionais
Desenvolvi as minhas capacidades de comunicação e de dinamização;
Consegui captar a atenção e o interesse da turma, transmitindo adequadamente os
temas abrangidos pelo nosso Projeto;
Transmissão de informações importantes e adequadas ao nível de ensino dos
alunos. Autonomia que nos deram para o conseguir;
As expetativas foram superadas e as minhas capacidades melhoradas;
Treinar a minha aptidão na sala de aula;
Melhorar a minha capacidade para lidar com eles.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 13 145
Adquirir experiência de
voluntariado
Experiência de voluntariado muito agradável com intervenção direta importante,
num grupo etário adequado - 9ºano;
A possibilidade de realizar voluntariado com as crianças/ adolescentes; Melhorar os
meus conhecimentos sobre os temas abordados e a minha capacidade para lidar
com eles.
Desenvolver trabalho
com os/as alunos/as
Conseguimos alcançar vários conceitos sobre sexualidade e sobre SIDA;
A oportunidade de realmente esclarecer dúvidas reais dos jovens e de abordar
temas importantes sem tabus;
A possibilidade de acompanhar o projeto até ao nal, desmisticar os mitos em que
os alunos acreditavam, capacidade de transmitir conhecimento aos mais jovens.
Embora se tenha vericado que o projeto era uma novidade para a turma e que
existiam alguns mitos, também foi muito interessante vericar a facilidade com que
a maioria dos alunos falava dos assuntos;
Transmissão de conhecimentos aos mais novos, procura de interação com as
camadas mais jovens de forma a consciencializá-los para os perigos que se
correm, demonstrar que é possível divertirmo-nos sem correr riscos
Divulgar todos os assuntos propostos e realizar todos os trabalhos de grupo com
sucesso. Conseguir tornar as aulas dinâmicas e captar o interesse dos alunos
foi algo bastante complicado devido à turma e ai seu comportamento, mas o
feedback foi positivo e conseguimos cumprir o objetivo. Os alunos, de forma
geral, empenharam-se mais do que o esperado, isto porque foi-nos logo dado
informações acerca da turma em questão e, portanto, as expetativas não estavam
muito altas. Os trabalhos foram muito bem concebidos e conseguiram-se trabalhos
realmente surpreendentes. Em suma, superou as expetativas;
Auxiliar os alunos no esclarecimento de dúvidas sobre a sexualidade e VIH/SIDA;
Trazer mais dinamismo, e contribuir para tal, nas aulas do projeto. Sentir que
realmente marquei a diferença.”
Acredito ter alcançado todas as expectativas, consegui experiência no ensino.
Tabela 4. Questionário Final BUI – questão 1.1
4 | DISCUSSÃO
Quando se trata de desenvolver um trabalho com voluntários/as é importante,
no âmbito do PNEP, conhecer esses/as jovens no que concerne à sua proveniência
académica, à sua faixa etária e às suas motivações e expetativas iniciais à entrada para o
referido projeto. O presente artigo pretendeu caracterizar os/as jovens voluntários/as que
colaboraram, ao longo do ano letivo 2015/16, na persecução do Programa Sexualidade
e Prevenção do VIH/SIDA no âmbito do Projeto Nacional de Educação pelos Pares da
FPCCSida, numa amostra de 80 voluntários/as, maioritariamente do sexo feminino e dos
cursos ligados ao setor da Saúde, mas também da Educação e Comunicação, com idades
muito próximas das idades dos/as alunos/as com os quais iriam trabalhar, garantindo
deste modo um dos requisitos da metodologia de Educação pelos Pares, dado que “Peer
education typically envolves the use of members of a given group to effect change among
other members of the same group” (UNAIDS, 1999).
No que diz respeito às motivações e expetativas iniciais à entrada para o PNEP os/as
intervenientes destacaram sobretudo o espírito de entreajuda ressalvando, especialmente,
a ideia de ajudar os/as mais novos/as a ter acesso a informação sobre o VIH e outras IST,
alterar comportamentos e mentalidades, para além de uma forma de participar em projetos
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 13 146
de voluntariado. Paralelamente, assinalaram questões de ordem pessoal, nomeadamente
a sua própria aprendizagem, pelo tipo de temáticas abordadas e pela oportunidade de
aprender mais e adquirir experiência, obtendo um enriquecimento pessoal e prossional,
como alguns/algumas proferiram.
Igualmente fundamental foi perceber que avaliação zeram da Formação Pedagógica
relativamente à realização da mesma, pois é essa formação que prepara os/as voluntários/as
para a intervenção nas escolas e outras entidades parceiras, enquanto Pares Educadores.
A análise dos dados obtidos pelo questionário de avaliação reforça que as metodologias
empregues, os temas e as dinâmicas utilizadas e as estratégias aplicadas, bem como a
atitude positiva e o clima relacional existente, caracterizado pela simpatia e disponibilidade
dos/as formadores/as contribuem para que este/as jovens percecionem o Programa e o
consigam implementar posteriormente. Consideramos, pois, que salvaguardando algumas
questões de pormenores (apontados como aspetos a serem melhorados na formação) os
aspetos organizacionais (duração, temas, relação pedagógica, comunicação, recursos,
dinâmicas e interação entre participantes) são para manter em próximas edições da
formação pedagógica.
No nal da intervenção destes/as jovens foi com enorme satisfação que percebemos
que para além da boa persecução do Programa, estes/as jovens adquiriram novo
conhecimentos “obtive informação técnica e aprendi a comunicar assuntos tabus com
naturalidade com os meus colegas”; melhoraram as suas capacidades e competências
pessoais “melhoria das minhas capacidades de comunicação, e entendimento da perspetiva
e conhecimentos dos mais novos acerca da sexualidade”; e ajudar os seus pares não só na
desmisticação de tabu, esclarecimento de ideias erróneas, mas num crescimento salutar
“Transmissão de conhecimentos aos mais novos, procura de interação com as camadas
mais jovens de forma a consciencializá-los para os perigos que se correm, demonstrar
que é possível divertirmo-nos sem correr riscos”, constitui-se de extrema importância para
estes e estas jovens. Em jeito de conclusão, as expetativas alcançadas, parafraseando
um(a) destes/as voluntários/as “foram o crescimento pessoal e prossional, a capacidade
de falar em público e a consciência crítica sobre as temáticas do programa. Sentir que
realmente marquei a diferença.”
Em suma, os resultados alcançados mostram que o Projeto Nacional de Educação
pelos Pares teve um impacto positivo na formação dos/as voluntários/as como pares
educadores tendo correspondido às suas expetativas de formação e constituindo-se como
primordial na concretização do Programa Sexualidade e Prevenção do VIH/SIDA, em meio
escolar.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 13 147
AGRADECIMENTOS
A FPCCSida agradece a todos/as os/as jovens voluntários/as universitários/as que
colaboraram na boa persecução do Projeto Nacional de Educação pelos Pares. Igualmente
agradecemos a todas as individualidades e entidades públicas e privadas que permitiram
que se concretizasse o recrutamento destes/as jovens, a realização das respetivas
formações: cientíca e pedagógica e a implementação do PNEP nas escolas e outras
instituições parceiras.
5 | CONTACTO PARA CORRESPÊNCIA
Filomena Frazão de Aguiar
Fundação Portuguesa “A Comunidade Contra a Sida” - FPCCSida
Praceta António Sardinha, nº9 1º, 1170-028 Lisboa
e-mail: fpccsida1992@gmail.com
REFERÊNCIAS
Direção Geral de Educação - DGE. 2014. Programa de Apoio à Promoção e Educação para a
Saúde. Disponível em http://www.dge.mec.pt/sites/default/les/Esaude/papes_doc.pdf
FPCCSIDA. 2007. Programa Sexualidade e Prevenção VIH/SIDA. (Texto não publicado).
FPCCSIDA. 2016. Relatório Anual de Atividades. (Texto não publicado).
World Health Organization. 1986. Ottawa Charter for Health Promotion. Geneva: World Health
Organization (WHO/HPR/HEP/95.1)
UNAIDS. 1999. PEER EDUCATION AND HIV/AIDS: Concepts, uses and challenges. UNAIDS BEST
PRACTICE COLLECTION. Switzerland. Disponível em http://www.unaids.org/sites/default/les/media_
asset/jc291-peereduc_en_0.pdf
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 14 148
Data de aceite: 20/08/2021
CAPÍTULO 14
POPULAÇÃO VULNERÁVEL: IDOSOS
Data de submissão: 04/06/2021
Alyssa Reis Daniel
Faculdades Pequeno Príncipe
Curitiba – Paraná
http://lattes.cnpq.br/1026164457006987
Bruna Silverio de Sousa
Faculdades Pequeno Príncipe
Curitiba – Paraná
http://lattes.cnpq.br/7789144557939716
Hugo Murilo de Carlos Vergnano
Faculdades Pequeno Príncipe
Curitiba – Paraná
http://lattes.cnpq.br/4442298268264245
Jamile Brey Vieira
Faculdades Pequeno Príncipe
Curitiba – Paraná
http://lattes.cnpq.br/9796038841018581
Julia Marchesi Zeferino
Faculdades Pequeno Príncipe
Curitiba – Paraná
http://lattes.cnpq.br/9335531221517351
Denise Ribas Jamus
Faculdades Pequeno Príncipe
Curitiba – Paraná
http://lattes.cnpq.br/6065866844790687
Silvia Regina Hey
Faculdades Pequeno Príncipe
Curitiba – Paraná
http://lattes.cnpq.br/5220928285090110
RESUMO: O processo de envelhecer é
caracterizado pelas mudanças que ocorrem com
o indivíduo. O idoso pode ser classicado como
população vulnerável, pois ca mais suscetível
não somente a doenças e modicações
siológicas, mas também está mais disposto a
desenvolver doenças psíquicas. Motivados a
compreender sobre essa temática, o presente
relato de experiência objetivou identicar os
fatores relacionados à população vulnerável:
idosos. Para isso foi realizada uma visita técnica a
uma instituição de idosas de longa permanência,
e pesquisa bibliográca acerca de assuntos
que envolvem o envelhecimento, focando na
seguinte questão norteadora: Como o psicólogo
atua no cuidado do idoso e na sua qualidade de
vida? Conclui-se que é importante que ocorra
um acompanhamento psicológico para se obter
um envelhecimento saudável, além de práticas
de exercícios, boa alimentação e realização de
exames periódicos. O presente relato também
teve como nalidade a realização de uma ação
solidária, portanto, após a visita, deu-se início
a uma arrecadação nanceira para a compra
de fraldas descartáveis para serem doadas à
instituição, processo que enriqueceu de maneira
signicativa a experiência e o contato com os
idosos.
PALAVRAS - CHAVE: Envelhecimento;
Qualidade de Vida; Vulnerabilidade; Idoso.
VULNERABLE POPULATION: ELDERLY
ABSTRACT: The aging process is characterized
by the changes that occur with each individual.
Elderly people can be classied as a vulnerable
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 14 149
population due to their susceptibility not only to diseases and physiological changes, but also
psychological disorders. Motivated by understanding the theme quoted before, this experience
report’s objective is to identify the factors related to the vulnerable population: the elderly. To
accomplish that, a technical visit was made to a long-term elderly institution along with a
bibliographic research on subjects that involve the aging process, focusing on the following
question: How does a psychologist act in the care of the elderly and their quality of life? In
conclusion, psychological monitoring is important in the process for a healthy aging in addition
to physical exercises, good nutrition, and periodic examinations. The present report also had
the purpose of a solidarity action, therefore, after the visit, a nancial collection was started
for the purchase of disposable diapers for the institution - a process that has signicantly
enriched the experience and contact with the elderly.
KEYWORDS: Aging; Quality of life; Vulnerability; Elderly.
INTRODUÇÃO
O processo de envelhecer é tido por muitos como algo negativo, relacionado a
perdas sociais, econômicas e de saúde. No entanto, é possível envelhecer de maneira
saudável, sendo esse processo individual, podendo ser positivo ou negativo e dessa forma
não necessidade de ser temido. Segundo Schneider e Iragaray (2008), para que o
processo de envelhecimento seja positivo ou negativo depende de alguns fatores, como a
história de vida da pessoa e da representação da velhice enraizada na sociedade em que
vive. (SCHNEIDER e IRAGARAY, 2008).
É comum que as sociedades tenham em sua cultura um preconceito com os idosos.
Isso acontece pois, segundo Berguer (1994), os Estados Unidos enfatizam o crescimento,
a força e o progresso com uma exagerada veneração aos jovens, além de que, para
muitos ao se aproximar de pessoas mais velhas se lembram da proximidade com a morte,
associando a velhice com doenças, trazendo um pensamento distorcido. (SCHNEIDER e
IRAGARAY, 2008).
Foi a partir do século XX, em 1962, que o termo terceira idade passou a ser usado,
quando houve uma introdução a política de integração social da velhice, para transformar
a imagem que a sociedade tem das pessoas nessa fase. Até então, a exclusão social com
aqueles na fase da velhice era frequente, tendo o asilo como a principal forma de exclusão.
Eram denominados idosos apenas aqueles com classe social alta ou cargos importantes na
política, os demais eram chamados de velhos ou outros termos para reforçar o seu status
social. (PEIXOTO apud RODRIGUES e SOARES, 2006).
O autor Dias (1998), conforme citado por Rodrigues e Soares (2006), traz que o
termo correto para se utilizar ao falar dessa fase da vida seria “estar na terceira idade”,
trazendo assim uma nova perspectiva com pontos positivos, fazendo com que o idoso se
torne o único responsável por seu estilo de vida no processo de envelhecimento, além de
trazer à aceitação as próprias limitações nos aspectos físicos e biológicos, mas também
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 14 150
a adaptações, buscando a autorrealização e desenvolvimento. Ainda assim uma forte
inuência da mídia, que oferece diferentes tipos de meios para mascarar o envelhecimento,
como clínicas, academias, dietas, medicamentos, cosméticos e cirurgias. (RODRIGUES e
SOARES, 2006).
Felizmente, o envelhecimento humano é cada vez mais entendido como um
processo inuenciado por diversos fatores como, gênero, classe social, cultura, padrões de
saúde individual e coletiva da sociedade, entre outros. Existem muitas formas de identicar
a velhice, a primeira delas seria pela idade cronológica, identicada como a passagem do
tempo decorrido em dias, meses e anos desde o nascimento, podendo ser compreendida
como dimensões objetivas e subjetivas, visto que o desenvolvimento é relativo e muitas
vezes não acompanha uma idade em especíco. (SCHNEIDER e IRAGARAY, 2008).
O segundo é o fator biológico que é denido pelas modicações corporais e mentais
que ocorrem no processo de desenvolvimento, que se inicia logo antes do nascimento.
Dentro das mudanças biológicas incluem-se a diminuição da estatura devido à redução de
massa óssea e alterações degenerativas da coluna vertebral, a pele ca mais na e friável,
menos elástica e com menos oleosidade, a visão declina podendo apresentar diculdades
de enxergar objetos de muito perto ou muito longe, a audição diminui ao longo dos anos,
o peso e volume do encéfalo diminuem por conta da perda de neurônios, que apesar
desta redução as funções permanecem preservadas até o nal da vida. (SCHNEIDER e
IRAGARAY, 2008).
O terceiro conceito é a idade social, denida pela obtenção de status social e
preenchimento dos papéis sociais esperados para sua idade e sua cultura, um indivíduo
pode ser mais velho ou mais jovem dependendo de como se comporta de acordo com a
classicação das atividades realizadas na sociedade, sendo entendido com a idade de
mudanças, onde o indivíduo terá que se adequar a novas atividades dispostas a sua idade,
socialmente podendo entender que a pessoa se torna idosa quando deixa o mercado
de trabalho, quando muitas vezes a sociedade impõe títulos aos aposentados como
“improdutivos” e “inativos”. (SCHNEIDER e IRAGARAY, 2008).
O quarto conceito e último é a idade psicológica, denida como as habilidades
psicológicas do indivíduo para lidar com o meio, ou seja, lidar com os fatores cronológico,
biológico e social, alguns indivíduos possuem características psicológicas sendo elas,
aprendizagem, memória, inteligência, controle emocional, entre outros, com graus maiores
que os outros, sendo considerados “jovens psicologicamente”, quando for caracterizado
com um grau inferior a outros é considerado “velho psicologicamente”. (SCHNEIDER e
IRAGARAY, 2008).
Então, começa a ser considerado velho psicologicamente quando são apresentados
lapsos de memória, diculdades no aprendizado e falhas na atenção, orientação e
concentração ao se comparar com seus desempenhos anteriores, no entanto essas
perdas podem ser compensadas por ganhos em sabedoria, conhecimento e experiência. A
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 14 151
maioria dos declínios de funcionamentos cognitivos ocorre por desuso e a falta de prática,
doenças como a depressão, fatores comportamentais como o consumo de álcool, fatores
psicológicos como a falta de motivação e fatores sociais como o isolamento. (SCHNEIDER
e IRAGARAY, 2008).
Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS) é considerado idoso o habitante
de país em desenvolvimento com 60 anos ou mais e o habitante de país desenvolvido com
ou acima de 65 anos. No território brasileiro o número de idosos ultrapassou 14 milhões
em 2002, e estima-se que alcançará 32 milhões em 2020. Tendo como base dados mais
atuais, de acordo com o IBGE (2016), entre 2012 e 2016, a população idosa cresceu 16,0%,
chegando a 29,6 milhões de pessoas.
No Brasil, a Constituição (1988), a Política Nacional do Idoso (1994) e o Estatuto do
Idoso (2003), consideram que o suporte aos idosos seja responsabilidade da família, do
Estado e da sociedade. Tais medidas têm como objetivo proteger, subsidiar a participação
ativa na sociedade, garantir a dignidade, bem-estar e direito à vida. Como se observa, no
artigo 3º, do Estatuto do Idoso, Lei nº10. 741/2003:
É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público
assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho,
à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e
comunitária. (BRASIL, 2003, Art. 3)
Fazendo-se valer do aparato e signicância da existência de leis que atribuam aos
idosos à garantia de sua integridade humana, é necessário salientar que o respeito concreto,
a ação em si, se dá pela atitude humana, não basta apenas conhecer as legislações, mas
reetir sobre o seu papel na cidadania e por consciência própria e consequência exercê-
la no dia a dia. No que diz respeito à cultura, o artigo 20, do Estatuto do Idoso, Lei nº10.
741/2003 “O idoso tem direito à educação, cultura, esporte, lazer, diversões, espetáculos,
produtos e serviços que respeitem sua peculiar condição de idade”.
De maneira que ao colocar o assunto ‘’envelhecimento’’ em pauta por meio de
conteúdos cabíveis a tais transformações, o idoso adquira meios de se expressar, adquirir
conhecimentos e até mesmo garantir benefícios para própria saúde, especicamente a
mental, já que com a chegada da terceira idade, segundo Vieira (2004, p.210) “o idoso pode
inserir-se num processo de despersonalização”. Nessa perspectiva, pode-se dizer então,
que a cultura seria o meio através do qual o homem poderia estar sempre se reinventando
e interagindo com os demais. Desse modo, com os idosos inseridos nos processos da
sociedade ativa, não chegariam à idade avançada de mãos vazias e sem razão de existir,
seriam, pois, dotados ainda de objetivos e possibilidades. (VIEIRA, 2004).
Ainda é recente o interesse de prossionais da psicologia pelos estudos sobre
a velhice. Somente a partir da década de 1950, devido ao signicativo crescimento na
população idosa é que a psicologia começou a dar atenção ao envelhecimento. (ARAÚJO
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 14 152
E CARVALHO, 2005).
Araújo e Carvalho (2005) trazem que durante muitos anos essa fase da vida (a
velhice) foi estudada apenas no âmbito da psicologia do desenvolvimento, e era considerada
menos relevante que o estudo da infância.
Hoje sabe-se que o estudo da psicologia do envelhecimento é de suma importância
visto que, segundo Neri (2004, p.72):
A psicologia do envelhecimento focaliza as mudanças nos desempenhos
cognitivos, afetivos e sociais, bem como as alterações em motivações,
interesses, atitudes e valores que são característicos dos anos mais avançados
da vida adulta e dos anos da velhice. Enfoca as diferenças intra-individuais
e interindividuais que caracterizam os diferentes processos psicológicos na
velhice, levando em conta os desempenhos de diferentes grupos de idade
e sexo e de grupos portadores de diferentes bagagens educacionais e
socioculturais. (NERI, 2004, P.72)
O prossional deverá acompanhar o paciente, investigando como ele se sente
com relação ao envelhecimento e se há algum processo terapêutico a ser feito a respeito
de assuntos relacionados a infância, adolescência e/ou vida adulta que possa estar o
impedindo de ter um envelhecimento saudável. Além disso, o psicólogo poderá atuar no
diagnóstico de possíveis doenças mentais no idoso, como depressão, demência, entre
outros. (RIBEIRO, 2015).
Neri (2005) traz um resumo da microteoria de Margret Baltes e colaboradores a
respeito de dependência dos idosos, ela traz que ao longo do desenvolvimento, devido ao
fato de ter diversas variáveis, a dinâmica da dependência-autonomia é alterada conforme o
passar do tempo; dentre outras questões Baltes apud Neri (2005, p. 33) traz que:
Embora se congurem condições de declínio e vulnerabilidade associadas
ao envelhecimento, esse processo preserva reservas para o desenvolvimento
que podem ser acionadas em situações de cuidado, que deve ter como base
a valorização das competências e das reservas de capacidade dos idosos.
(BALTES apud NERI, 2005, p.33)
Visto que a dependência comportamental dos idosos pode estar ligada
negativamente ao bem-estar e autonomia dos idosos. (NERI, 2005). Para a prevenção
de doenças psicológicas, e questões que atrapalhem o bem-estar do idoso o psicólogo
poderá atuar juntamente a outros prossionais, com estratégias de desenvolvimento de
habilidades pessoais em uma tentativa de inserir o idoso na sociedade sem ser visto como
um empecilho e fazendo com que ele aceite de uma melhor forma sua condição, sem que
isso afete sua qualidade de vida no processo de envelhecimento. (RIBEIRO, 2015).
MÉTODO
O método utilizado para a realização deste trabalho é o relato de experiência, o
qual, segundo Santos (2006) descreve de maneira precisa e sintetizada uma experiência
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 14 153
para que seus resultados sejam publicados, e possuem o mesmo formato de relatórios.
Elaborado no contexto da disciplina Projeto Solidariedade, ministrada no quinto período do
curso de graduação em Psicologia da Faculdades Pequeno Príncipe, que tem como objetivo
principal a visita a uma instituição de longa permanência de Curitiba para observação e
posteriormente para realização de uma ação solidária, juntamente com uma pesquisa para
embasar teoricamente esse relato a respeito da vulnerabilidade da população idosa.
As observações foram realizadas em uma visita à instituição, na qual os cinco
integrantes do presente trabalho participaram. Essa visita foi guiada por uma psicóloga
local a qual apresentou o ambiente, os moradores e descreveu o funcionamento do asilo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No dia 07 de maio de 2019 foi realizada uma visita técnica a uma instituição de longa
permanência de idosos, a qual abriga apenas mulheres, principalmente aquelas que não
possuem família ou por algum motivo não possui vínculo ou condições de serem cuidadas
pelas famílias. O horário de funcionamento da recepção desse local para aqueles que
querem realizar visitas, doações e outros serviços é todos os dias das 9h às 11h, e das
14h às 17h.
A visita técnica foi feita pelos alunos de psicologia, autores do presente trabalho,
realizado para a disciplina de Projeto solidariedade. O objetivo principal era conhecer a
instituição e na sequência aplicar uma atividade junto às moradoras. Porém, foi orientado
aos alunos, que essa ação não seria possível de ser realizada, devido ao grande número
de idosas e devido ao fato de elas possuírem uma rotina previamente estabelecida a
qual dicilmente é modicada, pois demanda uma relocação de horários, uma alteração no
funcionamento daquele local e da rotina das pessoas que ali trabalham.
O local, que é mantido pela Ação Social do Paraná, é uma instituição de longa
permanência sem ns lucrativos, sendo uma referência nacional no atendimento na
promoção da qualidade de vida e no resgate à dignidade da pessoa idosa. Fundado no
ano de 1926, o local tem capacidade para 160 moradoras, atendendo (como falado
anteriormente) exclusivamente mulheres. Durante o dia, a instituição atende idosos de
ambos os sexos no centro dia, que funciona de segunda a sexta, das 7h30 às 17h30
dirigido para idosos que convivem com a família. Este programa oferece atendimento diário
à pessoa idosa, estimulando o convívio social, o vínculo familiar e o bem-estar psicofísico
do participante.
Os alunos foram recebidos por uma assistente social da instituição, que logo de início
nos explicou que não seria possível utilizar informações a respeito do funcionamento e dos
trabalhos exercidos na instituição, bem como informações sobre as idosas por motivos
legais, por conta disso as informações coletadas no interior da mesma serão mais sucintas.
A instituição é ampla, os corredores possuem apoio para as idosas se locomoverem
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 14 154
com mais segurança, é um local limpo, organizado, com uma pintura que traz um aconchego,
possui elementos decorativos como quadros e outros objetos das próprias moradoras.
Conforme a Cartilha de Ambiência feita pelo Ministério de Saúde, a ambiência harmônica
e equilibrada tem uma grande importância na contribuição dos processos de produção de
saúde, proporcionando um ambiente acolhedor e humano.
O local é dividido em três setores, os quais são chamados de “casas”, a primeira
que visitamos são idosas em suas maiorias lúcidas e com boas condições de locomoção,
visitamos os corredores e uma sala de televisão, onde algumas delas estavam com
cobertores em poltronas aparentemente confortáveis. No dia da visita os armários dos
quartos estavam sendo trocados por novos para que elas tenham seus pertences guardados
de forma mais individualizada e privativa.
Ao entrar na segunda casa, foi avisado que não seria possível conhecer a terceira
e última casa, onde vivem as idosas com transtornos mais graves, com a justicativa de
que a presença dos alunos poderia causar desconforto às moradoras ou até mesmo gerar
alguma situação desconfortável que prejudicasse a harmonia do ambiente.
Ao chegar à outra sala de convivência, onde as idosas da casa dois estavam
reunidas assistindo televisão, em um determinado canto da sala as cuidadoras pareciam
alegres, e dançavam com uma das idosas. Nessa casa estava havendo a troca de piso
em alguns cômodos, pois o que havia estava danicado podendo assim prejudicar o
deslocamento das idosas.
Quando a equipe estava prestes a sair do local, a assistente relatou que a maioria
das idosas não recebe visitas, e que as que recebem, é devido a obrigatoriedade judicial.
Também a respeito das visitas, ela nos disse que há um projeto em que qualquer pessoa
pode se voluntariar e “adotar” uma idosa e se pronticar em ir visitá-la semanalmente,
realizar doações de produtos de higiene pessoal, roupas, entre outros itens.
Indagou-se sobre as atividades oferecidas dentro da instituição, para que as idosas
tenham um momento de lazer e descontração, sendo informado que as idosas podem
participar de ocinas de musicoterapia, artes, costura, entre outras que sejam da vontade
delas. Segundo Antunes e Pereira (2014), às atividades de trabalhos manuais e lúdicas
contribuem para promover um envelhecimento mais ativo, pois potencializa a manutenção
motora, estimula a criatividade e, além disso, favorece as relações interpessoais.
(ANTUNES e PEREIRA, 2014).
Após essa visita, a equipe se reuniu para decidir qual seria a ação solidária a ser
realizada com as idosas. Devido ao fato de haver alguns impedimentos para realizarmos
uma ação direta com as moradoras, decidiu-se realizar uma doação, a assistente social
informou que muitas idosas usam fraldas geriátricas e precisam de um cuidado maior.
Então cou denida a realização de arrecadação nanceira realizada na própria faculdade
pelos integrantes do grupo entre os acadêmicos de Psicologia, para a compra de fraldas.
Durante uma semana o dinheiro foi arrecadado e cada aluno doava o quanto queria/podia.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 14 155
Com o dinheiro arrecadado foi possível comprar um pacote com 50 fraldas e 4 pacotes de
lenços umedecidos para auxiliar na higiene dessas idosas na hora da troca de fraldas.
Na segunda visita realizou-se a entrega das fraldas, para isso não foi preciso marcar
horário, a doação apenas foi deixada na recepção, com uma funcionária responsável por
receber as doações e encaminhá-las a quem for necessário.
CONCLUSÃO
É importante ressaltar que os estudos e materiais disponíveis a respeito do
processo do envelhecer têm aumentado nos últimos anos, o que fortalece as medidas de
saúde pública voltadas aos idosos e aumenta a quantidade de estudiosos com interesse
no assunto. A partir de uma revisão da literatura e da observação em uma instituição de
longa permanência, pôde-se observar a importância do acompanhamento psicológico
para se obter um envelhecimento mais saudável, além de cuidados de saúde, práticas de
exercícios, boa alimentação e realização de exames periódicos.
Um ponto a se destacar é a necessidade de mudança da cultura de supervalorização
dos jovens, e consequentemente a exclusão dos idosos das práticas sociais, visto que para
uma melhor qualidade de vida é importante estar inserido na sociedade. A chegada da
aposentadoria e a limitação de algumas atividades muitas vezes faz com que a população
idosa se sinta excluída, sendo importante ressaltar que o ser humano está em constante
evolução e que devemos desenvolver papéis diferentes na sociedade no decorrer da
vida, o que não signica abstrair-se da participação dos atos sociais. Dessa forma, toda
estratégia de reinserção dos idosos, como grupos terapêuticos ou de exercícios e demais
atividades são de grande agrado e importância para a saúde da melhor idade, diminuindo
o risco de doenças e transtornos psicológicos, sendo necessário também uma participação
ativa da família.
REFERÊNCIAS
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idade. Cultura e Participação: Animação Sociocultural em Contextos Iberoamericanos.
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ARAÚJO, Ludgleydson Fernandes de; CARVALHO, Virgínia Ângela M. de Lucena e. Aspectos
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A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 15 157
Data de aceite: 20/08/2021
CAPÍTULO 15
O PSICODIAGNÓSTICO E SUAS CONTRIBUIÇÕES
DIANTE DA QUEIXA DE TRANSTORNO DE
APRENDIZAGEM
Ana Raquel Gomes Ferreira
http://lattes.cnpq.br/4760389341688881
Lúcia Fernanda Costa Castro
http://lattes.cnpq.br/7529329784455950
Mara Eduarda Sousa de Alencar
http://lattes.cnpq.br/3177243113704355
RESUMO: O transtorno de aprendizagem
(DSM-V), é compreendido como um transtorno
decorrente de fatores genéticos, ambientais e
epigenéticos o que ocasiona intercorrências
no funcionamento do cérebro o incapacitando
de processar ou perceber as informações,
tanto verbais como não-verbais. Nos casos
de transtorno de aprendizagem é preciso levar
em conta que a aprendizagem envolve muitas
variáveis e aspectos, como questões sociais,
biológicas, cognitivas, entre outras. O primeiro
viés a se levar em conta no que tange a
Diculdade de Aprendizagem é a importância da
multidisciplinaridade integrada, ou seja, quando
nos referimos à Diculdade de Aprendizagem,
estamos falando sobre um ser que possui uma
maneira diferente de aprender, se trata de um
obstáculo, uma barreira, um sintoma, que pode
ser de origem tanto cultural quanto cognitiva
ou até mesmo emocional. Nesse contexto, é
essencial que o diagnóstico seja feito o quanto
antes, uma vez que consequências a longo
prazo. Entretanto, diagnosticar alguém é algo
secundário, caso se pense que, ao identicar
as forças e as fraquezas do avaliando, estamos
tentando entender o que se passa com ele
nesse momento de sua vida e de quais recursos
se dispõe para que seja possível formular
recomendações terapêuticas adequadas,
mesmo quando é detectada a presença de
algum transtorno mental, o objetivo maior do
psicodiagnóstico é encaminhar o cliente para o
tratamento mais adequado.
PALAVRAS - CHAVE: transtorno de
aprendizagem, psicodiagnóstico, aprendizagem,
avaliação psicológica.
ABSTRACT: Learning disorder (DSM-V) is
understood as a disorder resulting from genetic,
environmental and epigenetic factors, which
causes complications in the functioning of
the brain, making it incapable of processing
or perceiving information, both verbal and
non-verbal. In cases of learning disorder, it is
necessary to take into account that learning
involves many variables and aspects, such
as social, biological, cognitive issues, among
others. The rst bias to take into account when it
comes to Learning Difculty is the importance of
integrated multidisciplinary, that is, when we refer
to Learning Difculty, we are talking about a being
who has a different way of learning, it is a an
obstacle, a barrier, a symptom, which can be of
cultural, cognitive or even emotional origin. In this
context, it is essential that the diagnosis be made
as soon as possible, since there are long-term
consequences. However, diagnosing someone
is secondary, if you think that, by identifying the
strengths and weaknesses of the person being
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 15 158
evaluated, we are trying to understand what is happening to him at this point in his life and
what resources are available so that it is possible to formulate therapeutic recommendations.
appropriate, even when the presence of a mental disorder is detected, the main objective of
psychodiagnosis is to refer the client to the most appropriate treatment.
KEYWORDS: learning disorder, psychodiagnosis, learning, psychological assessment.
1 | INTRODUÇÃO
Os transtornos de aprendizagem são mais comuns do que as pessoas imaginam.
Com o acesso à informação ca muito mais fácil esclarecer alguns pontos fundamentais,
visto que os transtornos de aprendizagem podem ser considerados como um distúrbio que
está interligado a alguns décits que impactam na capacidade pedagógica da criança.
No entanto, devemos deixar bem claro que não se pode confundir transtornos
com diculdades de aprendizagem. Ambos são distintos e, como tal, adotam técnicas
diferentes para a busca de soluções aos casos apresentados. Enquanto os transtornos
de aprendizagem são causados por fatores genéticos, ambientais e epigenéticos, o que
ocasiona intercorrências no funcionamento do cérebro o incapacitando de processar ou
perceber as informações, tanto verbais como não-verbais (DSM-V); as diculdades de
aprendizagem têm origem em estímulos externos.
E com certa frequência os pais apresentam queixas dos lhos relacionadas a
problemas na escola, e comumente o adulto que traz o rebento normalmente menciona o
termo “problemas de aprendizagem”, e até chegam com um diagnóstico pronto. Por isso,
faz-se necessário esclarecer no que consiste de fato os transtornos e as diculdades de
aprendizagem e as intercorrências que podem surgir nesse processo. Nesse contexto,
pode-se compreender que há vários fatores de risco para as diculdades de aprendizagem
do indivíduo.
Por essa razão, é de extrema importância que o diagnóstico seja efetuado o mais
breve possível, pois as consequências podem reverberar no processo de aprendizagem do
sujeito ao longo de sua vida. Entretanto, é preciso considerar que diagnosticar alguém é
algo secundário, caso se pense que ao identicar as forças e as fraquezas da avaliando,
estamos tentando entender o que se passa com ele nesse momento de sua vida e de quais
recursos dispõe para que seja possível formular recomendações terapêuticas adequadas.
Pensando nesse pressuposto, este trabalho propõe-se a descrever, com base na
literatura cientica atual, achados consideráveis que descreva a relevância da avaliação
psicológica em indivíduos com algum tipo de diculdade aparente na aprendizagem.
2 | QUEIXA DE TRANSTORNO DE APRENDIZAGEM
A aprendizagem, em geral, é a capacidade de receber uma nova informação mediante
uma estrutura que o cérebro já possua, no processo de interação e adaptação com o meio.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 15 159
Como um bolo em diferentes camadas, o processo de aprendizagem também é composto
de várias partes, dentre elas: a memória, a atenção, a velocidade de processamento, o
sequenciamento e a motivação.
É importante destacar inicialmente que, existe aprendizagem mediante os
processos que nos levam a manter as informações externas no cérebro. De acordo com o
Instituto ABDC, o Transtorno Especíco de Aprendizagem “é um termo guarda-chuva que
abrange diferentes condições neurológicas que afetam a aprendizagem e o processamento
de informações”.
Se faz necessário estabelecer ainda a diferenciação entre Diculdade de
aprendizagem e Transtorno Especíco de Aprendizagem. Alguns autores relatam que o
período de adaptação da criança em um ambiente escolar, com horários e regras pré-
determinados podem contribuir para algumas diculdades de inserção e compreensão da
função social que exerce em seu desenvolvimento, corroborando para o aparecimento da
Diculdade de Aprendizagem.
o Transtorno/Distúrbio de Aprendizagem é uma condição neurobiológica que
necessita de uma equipe multidisciplinar para o fechamento do diagnóstico. O quadro
requer uma atenção maior pois as diculdades apresentadas pelas crianças vão além do
plano social e cultural (APA, 2013).
Em suma, no primeiro, é uma condição passageira inuenciado por diversos fatores
externos que podem causar diculdades, por exemplo, demandas familiares, alimentação e
o ambiente. Já o segundo é uma condição neurobiológica interna que afeta o processamento
de informações de forma permanente.
Além disso, ele se caracteriza como um transtorno do neurodesenvolvimento, de
origem biológica, que inuencia na capacidade do cérebro de perceber e processar com
eciências as informações verbais e não verbais. Segundo o DSM V (2013) é um transtorno
com prevalência de 5% a 15% nas crianças em idade escolar, apresentando desempenho
abaixo da média esperada para a idade.
Como relatado por CUNHA e CAPELLANI (2011), a respeito:
“A criança com transtornos na aprendizagem apresenta como manifestação
mais evidente o baixo desempenho escolar, sendo que essas diculdades
podem ser transitórias (diculdade de aprendizagem) ou permanentes
(distúrbio de aprendizagem ou dislexia) e ocorrer em quaisquer momentos
no processo de ensino-aprendizagem, correspondendo a décits funcionais
superiores, como alterações cognitivas, de linguagem, raciocínio lógico-
matemático, percepção, atenção e afetividade1.”
Nesse sentido, os quadros que compõem esse transtorno de acordo com o Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, DSM-V (APA, 2013) são: Dislexia,
Discalculia, Disgraa, Transtorno do Décit de Atenção e Hiperatividade TDAH e
Transtorno Opositor Desaador – TOD.
No que se refere ao papel do psicólogo realizando o psicodiagnóstico na queixa
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 15 160
do transtorno de aprendizagem, é interessante ressaltar antes as grandes quantidades
de queixam que englobam o processo de escolarização, a exemplo do baixo rendimento
escolar, a lentidão, as diculdades de assimilação de conceitos, troca de letras na leitura,
problemas comportamentais etc.
De acordo com Augras (1986), o psicodiagnóstico é um processo de reconhecimento
e compreensão do cliente, ele salienta ainda que quando o psicólogo realiza as devolutivas
dos casos é necessário avaliar também as vivências que esse indivíduo possui, considerando
de forma geral os diferentes fatores históricos, temporais e espaciais que o envolvem. Em
suma, papel do psicólogo na intervenção com o psicodiagnóstico é estimular os aspectos
saudáveis já presentes nas experiências das crianças ou até mesmo de um adulto e não
buscar classicar ou rotular.
Vários conhecimentos são essenciais durante a investigação por parte do
prossional, desde noções de psicologia do desenvolvimento, conhecimento de psicologia
escolar e teorias sobre dinâmica familiar de forma que esteja capacidade para a avaliação.
Dessa forma, é notório a importância de aprofundar os estudos e investigações com as
avaliações realizadas em psicodiagnóstico, pois uma das alternativas na investigação da
queixa de Transtorno de Aprendizagem é o uso do processo de psicodiagnóstico.
3 | CONTRIBUIÇÕES DO PSICODIAGNÓSTICO FRENTE A QUEIXA DE
TRANSTORNO DE APRENDIZAGEM
Em um processo investigativo e/ou interventivo de uma queixa se faz necessário
sempre buscarmos todas as alternativas viáveis para chegarmos a um possível diagnóstico
mais preciso.
Na psicologia existe inúmeras formas de fazer uma avaliação psicológica clínica
com intuito de traçar hipóteses diagnosticas, mas vale ressaltar que nem todas elas se
assemelham entre elas. Uma das grandes diferenças, são as estruturações do processo e
se o mesmo se utiliza de testes psicológicos como mais uma ferramenta de investigação
ou não.
Para os processos avaliativos com propósito clínico que utiliza testes ou outras
estratégias para melhor avaliar o sujeito de forma sistemática, cientica e orientada para a
resolução de problemas, os compreendemos como psicodiagnóstico (CUNHA,2000).
Por ser um procedimento cientíco de investigação e intervenção faz-se necessário
seguir alguns passos para que o procedimento possa ser realizado de forma ecaz e
que traga benefícios concretos para o sujeito , um desses passos é a determinação da
queixa, o prossional precisa compreender o que levou o indivíduo a buscar o processo de
psicodiagnóstico, denir o plano de avaliação a partir da queixa a ser investigada, coleta
de dados dentre elas a realização da entrevista inicial, que é com o intuito de investigar o
estado mental do paciente e seu histórico frente aquela queixa apresentada inicialmente,
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 15 161
se o mesmo já passou por avaliações com outros prossionais , coletar e corrigir os dados
e dar a devolutiva (HUZT et al., 2016).
Porém, vale ressaltar que todo esse processo precisa sempre ser focal, principalmente
por se tratar de um processo breve, portanto a partir do momento que o paciente chega ao
prossional para a realização do psicodiagnóstico, o mesmo precisa compreender o que
a queixa apresentada inicialmente irá indicar. Nos casos de transtorno de aprendizagem,
o prossional da psicológica se torna indispensável, principalmente para conduzir os
envolvidos no processo a um conhecimento maior acerca da demanda e diante do que
for sendo descoberto ao longo do processo investigativo iniciar possíveis intervenções ou
realizar recomendações que facilidade o desenvolvimento do sujeito mesmo perante as
suas possíveis diculdades.
Em um processo de psicodiagnóstico em que a demanda a ser investigada é o
transtorno de aprendizagem o prossional também precisa atentar a quais atividade e
contexto este sujeito está inserido comumente, para que possamos compreender que
áreas os possíveis prejuízos gerados por um possível transtorno podem estar ocorrendo.
Um sujeito, seja qual for a sua fase do desenvolvimento, quando compreende o que de fato
são as suas diculdades e quais ações podem ser tomadas a partir disso, ele passa a ser
menos vulnerável a suas sintomatologias e passa a buscar ressignicar e cresce o desejo
por trabalhar suas diculdades no seu processo de ensino e aprendizagem.
Diante disso é de extrema importância que o prossional envolvido no processo
investigativo e interventivo preze por uma boa relação terapêutica com seu paciente, pois um
bom vinculo terapêutico irá auxiliar na cooperação do paciente durante o processo avaliativo
e na disposição em buscar tratamento após a avaliação (HUZT et al., 2016). Tornando mais
aberto aos demais processo que ele poderá vivenciar, o que além de contribuirá no seu
engajamento tornará mais ativo ao longo do processo o fazendo compreender que muitas
das sintomatologias era decorrente de um transtorno e não simplesmente uma falta de
ímpeto para prosseguir nas suas atividades sejam elas escolares, de trabalho ou diárias.
O psicodiagnóstico não é simplesmente uma avaliação feita por prossionais
da psicologia com intuito de traçar hipóteses diagnosticas, mas pode ser um meio
transformador na vida do sujeito que muitas vezes não compreendem o motivo de possuir
certas diculdades no seu processamento de informações ou realização de tarefas que
demandem demais.
4 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo discutiu relevantes questões referentes ao processo de psicodiagnóstico
frente a queixa de depressão. Foi realizado uma revisão teórica da relevância e as
contribuições que o processo de psicodiagnóstico pode trazer no processo de investigativo
de uma queixa apresentada ao prossional da psicologia, ressaltando os benefícios que
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 15 162
esse procedimento cientíco pode trazer para a descoberta precisa do diagnóstico e também
na intervenção clínica que será feita com o sujeito após a nalização do procedimento.
Vale ressaltar que este procedimento cientico de investigação e intervenção
clínica, possui um tempo limitado, que busca empregar técnicas e /ou testes com o intuito
de avaliar uma ou mais características psicológicas, visando um diagnostico descritivo e/
ou dinâmico, gerando uma ou mais indicações terapêuticas e encaminhamentos o que
resultará em um tratamento mais efetivo para o sujeito em sofrimento que chega até nos
(HUZT et al., 2016).
As práticas atuais em intervenções voltadas para a diculdade de aprendizagem
possuem uma maior ecácia quando entendemos que cada indivíduo possui uma forma
especíca de aprender e quando a família é incorporada nesse processo, as chances de se
obter um tratamento efetivo será maior. Por m, o processo de psicodiagnóstico se mostra
atualmente com um dos processos mais ecazes e relevantes no desenvolvimento do
diagnostico diferencial do sujeito, dado ao mesmo a possiblidade de compreender melhor
o transtorno de aprendizagem e como ele pode lidar com suas limitações e até mesmo
reconhecer suas potencialidades o auxiliando a ir além da queixa, mas ter evoluções
concretas frente a demanda apresentada inicialmente no início do psicodiagnóstico
viabilizando o seu desenvolvimento e desempenho nas mais diversas áreas em que esteja
inserido.
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Psicologia da Universidade de São Paulo. Orientação à queixa escolar. São Paulo. 2016. Disponível
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A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 16 164
Data de aceite: 20/08/2021
CAPÍTULO 16
PERCEPÇÃO DA DOENÇA E DIABETES TIPO 1:
REVISÃO SISTEMÁTICA
Data de submissão: 13/08/2021
Gracielie da Silva Campos
Universidade do Vale do Rio dos Sinos São
Leopoldo/UNISINOS - São Leopoldo – RS
https://orcid.org/0000-0002-4933-5640
Luana Thums
Universidade do Vale do Rio dos Sinos São
Leopoldo/UNISINOS - São Leopoldo – RS
https://orcid.org/0000-0001-9553-0458
Elisa Kern de Castro
Universidade Lusíada de Lisboa, Portugal.
Lisboa - Portugal
https://orcid.org/0000-0002-1290-7561
Tonantzin Ribeiro Gonçalves
Universidade do Vale do Rio dos Sinos São
Leopoldo/UNISINOS - São Leopoldo – RS
https://orcid.org/0000-0003-0249-3358
RESUMO: O artigo trata-se de uma revisão
sistemática da literatura com o objetivo de
investigar a percepção da doença em pacientes
com diabetes mellitus tipo 1 (DM1) a partir do
Modelo Teórico do Senso Comum. As buscas dos
artigos compreenderam o período de dez anos
(janeiro/2008 a abril/2019) nas bases de dados
PsycInfo, PubMed e Medline. Os descritores
foram: type 1 diabetes AND illness perception OR
illness representation OR illness beliefs. Nove
artigos foram incluídos na revisão sistemática.
Os resultados mostraram que percepção de
consequências negativas estiveram associadas
a maiores problemas relacionados ao DM1 e
depressão. Representação emocional negativa
esteve associada à autocrítica, ansiedade,
desregulação emocional e raiva. Maior
percepção de controle pessoal mostrou-se
associado a melhor controle metabólico, adesão
ao tratamento e menores níveis de distress.
Conclui-se que a percepção sobre o DM1 tem
relação com o estado emocional do paciente e
seu comportamento em saúde.
PALAVRAS - CHAVE: Diabetes Mellitus;
Percepção da Doença; Crenças em Saúde;
Psicologia da Saúde.
ILLNESS PERCEPTION AND TYPE 1
DIABETES: SYSTEMATIC REVIEW
ABSTRACT: The article is a systematic
review of the literature and the purpose was
to investigate illness perceptions in patients
with type 1 diabetes mellitus from the Common
Sense Model. The article searches covered ten-
year period (January/2008 to April/2019) in the
PsychInfo, Pubmed and Medline databases.
Key-words used were: type 1 diabetes AND
illness perception OR illness representation OR
illness beliefs. Nine articles were included in the
systematic review. Results showed that negative
consequences perceptions were associated to
high DM1 problems and depression. Negative
emotional representations were associated to
self-criticism, anxiety, emotional dysregulation
and anger. Higher perception of personal control
was associated with better metabolic control,
treatment adhesion and lower levels of distress.
It is concluded that DM1 perception is related to
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 16 165
patient´s emotional states and health behavior.
KEYWORDS: Diabetes Mellitus; Illness Perception; Health Beliefs; Health Psychology.
1 | INTRODUÇÃO
As percepções ou crenças que as pessoas possuem sobre determinada doença
se referem à forma como os indivíduos constroem e organizam suas representações
cognitivas e emocionais sobre elas ou sobre possíveis ameaças à saúde (Leventhal et al.,
2012). Essas percepções são importantes de serem avaliadas porque estão relacionadas
ao comportamento e enfrentamento do indivíduo diante da situação de ameaça (Leventhal,
Nerenz & Steele, 1984). Diante disso, o Modelo teórico do Senso Comum (MSC) busca
compreender como as pessoas, a partir do senso comum, avaliam a sua doença e se
comportam diante dela (Phillips, Leventhal, & Leventhal, 2012). É um modelo teórico
amplamente utilizado nas pesquisas em psicologia da saúde e tem sido útil para compreender
as crenças e atitudes em uma variedade de doenças (Seabra, Peuker & Castro, 2015;
Kaptein et al., 2015; Altenhofen, Castro & Britz de Lima, 2016). O modelo avalia uma série
de dimensões que compõem essas crenças relacionadas à doença, a saber: 1) Identidade
(rótulo atribuído a doença e seu sintoma); 2) Causa (antecedentes, como a lesão, infecção,
questões genéticas); 3) Consequência (físicas, sociais e econômicas); 4) Duração (se a
ameaça é cíclica, aguda ou crônica); 5) Cura/controle pessoal e do tratamento (potencial de
cura e/ou controle da doença a partir de suas ações e a partir do tratamento); 6) Coerência
(apresentada como a compreensão individual da doença); 7) Representação Emocional
(se refere as emoções decorrentes do processo de adoecimento) (Leventhal, Diefenbach
& Leventhal, 1992).
As percepções sobre uma mesma doença podem diferir entre um paciente e outro
(Figueiras, Monteiro & Caeiro, 2012). Para tanto, mesmo quando os pacientes recebem
informações acerca da sua doença, eles podem continuar expressando suas crenças
pessoais distintas dos conhecimentos adquiridos (Petrie & Weinman, 2012). Diante disso,
a desmisticação de crenças individuais distorcidas sobre a doença pode se tornar um fator
potencial para o sucesso do tratamento (Coleta, 2010; Figueiras, Monteiro & Caeiro, 2012).
O Diabetes Mellitus Tipo 1 (DM1), foco deste artigo, é uma das doenças crônicas
mais comuns da infância e adolescência e é considerado uma doença crônica causada pela
alteração no sistema imunológico (American Diabetes Association, 2014). A siopatologia
do DM1 é a destruição autoimune de células β pancreáticas, acompanhada de deciência
da produção de insulina e é caracterizada por hiperglicemia crônica.
Os pacientes com DM1 sofrem transformações em suas vidas após o descobrimento
da doença, em especial porque ela é descoberta durante a infância, podendo gerar
diculdades para o seu desenvolvimento (Carona, et. al, 2013). Pacientes com DM1
enfrentam desaos, como por exemplo, controle glicêmico por meio da alimentação e doses
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 16 166
diárias corretas de insulina para evitar hipoglicemias, hiperglicemias e outras complicações
advindas da doença. A terapêutica da insulina causa sofrimento, medo e dor (Pennafort,
et. al., 2018). Sendo assim, as principais ações no tratamento do DM1 são sempre tratar
com insulina, planejamento alimentar e atividades físicas, para ajudar a controlar o nível de
glicose no sangue (Sociedade Brasileira de Diabetes, 2018). A falta do controle adequado
da doença pode gerar complicações crônicas como: visuais, cardíacas, circulatórias,
digestivas, renais, urinárias, dermatológicas, ortopédicas, entre outras (Associação
Nacional de Atenção ao Diabetes, 2018).
Diante do exposto, compreender como pacientes com DM1 percebem a sua doença
poderá auxiliar a compreender suas reações emocionais e condutas de autocuidado e
adesão ao tratamento. Assim, a presente revisão sistemática buscou analisar e discutir
artigos empíricos que investigaram a percepção da doença de pacientes com diabetes tipo
1.
2 | MÉTODO
A revisão sistemática foi conduzida conforme a metodologia Preferred Reporting
Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) (Moher, et. al., 2009).
Selecionaram-se os estudos que investigaram a percepção da doença com pessoas com
DM1.
As buscas foram realizadas no período entre 07 a 09 de maio de 2018 nas bases
de dados PsycInfo, PubMed e Medline, publicados entre janeiro de 2008 e maio de 2018
e revisada em 16 de abril de 2019, na qual foi realizada uma nova busca de artigos
entre o período de maio de 2018 e abril de 2019. As bases de dados foram selecionadas
considerando aquelas que são direcionadas às publicações de referência na área da
saúde. Os descritores utilizados foram: type 1 diabetes AND illness perception OR illness
representation OR illness beliefs.
Os critérios de inclusão dos artigos foram: a) ser artigo empírico e b) os participantes
eram pessoas com DM1. Os critérios de exclusão foram: a) estudo das crenças a partir de
perspectivas teóricas que não fossem o MSC; b) estudos para validação de instrumentos.
A análise inicial dos títulos e resumos do levantamento bibliográco foi realizada por
duas pesquisadoras independentes. Posteriormente, foram selecionados todos os estudos
que correspondiam aos critérios de busca. A partir disso, foi realizada a leitura minuciosa
dos textos na íntegra. O processo de busca e seleção dos artigos está referido conforme
a gura 1.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 16 167
FIGURA 1: Fluxograma de busca, seleção e distribuição dos artigos.
3 | RESULTADOS
Dentre os estudos revisados, cinco pesquisas (Cosma & Băban, 2017, Terrasson et
al., 2017, Fortenberry et al., 2014, Williams, Sharpe & Mullan, 2014; Nouwen et al., 2009)
foram realizadas com pacientes com DM1 que estavam na adolescência, e quatro estudos
(Rassart et al., 2014; George et al., 2008; Fisher et al., 2018; Wisting et al., 2019) foram
realizados com adultos. Quanto à sua origem, seis deles foram desenvolvidos no continente
europeu (Cosma & Băban, 2017; Terrasson et al., 2017; Rassart et al., 2014; Nouwen et al.,
2009; George et al., 2008; Wisting et al., 2019), dois estudos foram realizados na América
do Norte (Fontenberry et al., 2014; Fisher et al., 2018) e um estudo foi realizado na Oceania
(Williams, Sharpe & Mullan, 2014), ou seja, nenhum estudo foi realizado com esse grupo de
pacientes em países em desenvolvimento e, especicamente, no Brasil.
Os dados dos participantes foram coletados em hospitais (Cosma & Băban, 2017;
George et al., 2008; Terrasson et al., 2017; Nouwen et al., 2009), clínicas especializadas
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 16 168
(Fontenberry et al., 2014), registro de diabetes (Rassart et al., 2014), ambientes comunitários
e acadêmicos (Fisher et al., 2018) e em dois estudos os participantes foram recrutados
através de um centro de pesquisa do diabetes (Williams, Sharpe & Mullan, 2014; Wisting
et al., 2019). Um estudo (Terrasson et al., 2017) investigou, além das percepções dos
pacientes, as percepções de seus pais em relação à doença.
Grande parte dos estudos utilizou o delineamento transversal (Cosma & Băban,
2017; Terrasson et al., 2017; Nouwen et al., 2009; Rassart et al., 2014; Williams, Sharpe &
Mullan, 2014; Fisher et al., 2018; Wisting et al., 2019). Cosma & Băban (2017), investigaram
a percepção da doença relacionando-a com o coping e o controle metabólico; Terrasson et
al. (2017), avaliaram se a percepção da doença de adolescentes e a percepção da doença
dos pais dos adolescentes em relação ao diabetes tem inuência na qualidade de vida
destes adolescentes; Nouwen et al. (2009), analisaram a percepção da doença e os efeitos
da autoecácia relacionando-os com o distress e o autocuidado dietético; Rassart et al.
(2014), pesquisaram se a percepção da doença e o coping são mecanismos que interveem
na relação a adaptação da doença e os cinco fatores da personalidade; Williams, Sharpe
& Mullan (2014), investigaram se há uma relação entre a percepção da doença, fatores
relacionados ao desenvolvimento da adolescência e psicopatologias em adolescentes com
DM1; Fisher et al. (2018), avaliaram como a regulação emocional pode levar ao distress do
diabetes, com efeitos no manejo e nos resultados metabólicos em adultos com diabetes tipo
1, e ainda, Wisting et al. (2019), pesquisaram com foco na diferença de gênero (feminino e
masculino) o impacto entre a psicopatologia do transtorno alimentar, a percepção da doença,
as crenças sobre a insulina e as estratégias de enfrentamento no controle metabólico em
adultos com DM1. O único estudo com delineamento longitudinal (Fontenberry et al., 2014),
examinou como as percepções dos pacientes se desenvolveram e quais modicações
sofreram ao longo do tempo relacionando-as com a inteligência, responsabilidade e
resultados do diabetes. Além desses, um único estudo clínico randomizado (George et al.,
2008) analisou, a partir de uma intervenção psicoeducativa breve, a percepção da doença
para a autorregulação em pessoas com DM1, o estado geral da saúde, o conhecimento
sobre o diabetes, a autoecácia em cuidar do diabetes, a satisfação com o tratamento,
o medo da hipoglicemia, o distress psicológico, barreiras relacionadas com atividades e
alimentação.
Em relação aos instrumentos, a maior parte dos estudos utilizou o questionário de
percepção de doença revisado (Illness Perception Questionnaire IPQ-R) (Fisher et al.,
2018; Cosma & Băban, 2017; Terrasson et al., 2017; Rassart et al., 2014; Fortenberry et
al., 2014), também, foi utilizado o questionário de percepção de doença (Illness Perception
Questionnaire IPQ) (Williams, Sharpe & Mullan, 2014; Nouwen et al., 2009; George et
al., 2008) e ainda, um estudo utilizou o questionário breve de percepção da doença (Brief
version of the Illness Perceptions Questionnaire – BIPQ) (Wisting et al., 2019). Em todas
as investigações, foram empregados outros instrumentos de medidas além daquelas
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 16 169
relacionadas à percepção da doença. Entre eles, em seis estudos (Wisting et al., 2019;
Fisher et al., 2018; Williams, Sharpe & Mullan, 2014; Cosma & Băban, 2017; Fortenberry et
al., 2014; George et al., 2008) foi realizado o Exame de Sangue de Hemoglobina glicosilada
(HbA1c) para medir o controle de glicemia no tratamento do DM1. Dados sociodemográcos
e dados clínicos também foram utilizados em quatro estudos (Wisting et al., 2019; Fisher
et al., 2018; Nouwen et al., 2009; George et al., 2008) e, além desses, dezesseis outras
medidas especícas sobre diabetes foram empregadas em seis estudos investigados
(Wisting et al., 2019; Fisher et al., 2018; Terrasson et al., 2017; Rassart et al., 2014; Nouwen
et al., 2009; George et al., 2008; Fontenberry et al., 2014; Williams, Sharpe & Mullan, 2014).
Ainda, foram usadas medidas de personalidade (Rassart et al., 2014), funcionamento
cognitivo, qualidade de vida, inteligência e autocuidado (Fontenberry et al., 2014),
autoecácia alimentar e autocuidado (Nouwen et al., 2009), hipoglicemia e investigação da
saúde e resultados médicos (George et al., 2008), ansiedade, medo e depressão (Williams,
Sharpe & Mullan, 2014), coping cognitivo e comportamental (Cosma & Băban, 2017),
enfrentamento de eventos difíceis ou estressantes da vida e crenças sobre medicamentos
em geral (neste estudo foi pesquisado um medicamento especíco, a insulina) (Wisting
et al., 2019) e experiência emocional interna, não reatividade à experiência emocional
interna, processamento emocional e sintomas de depressão denido pelo DSM-V como
parte do transtorno depressivo maior (Fisher et al., 2018). Estes instrumentos/medidas de
avaliação utilizados nos estudos exploraram outros aspectos cognitivos e emocionais dos
participantes das pesquisas, que podem inuenciar e estar relacionados a percepção da
doença dos pacientes com DM1.
Abaixo, a Figura 2, os dados da revisão sistemática foram compilados e organizados
considerando: região geográca, objetivos, delineamento, amostra, instrumentos e
resultados gerais dos estudos selecionados.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 16 170
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 16 171
FIGURA 2: Lista de estudos incluídos
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 16 172
4 | DISCUSSÃO
Com relação às dimensões do MSC e sua relação com DM1, o único estudo que não
encontrou relações foi o de George et al. (2008). Os demais estudos revisados encontraram
associações especícas conforme as dimensões do MSC, que serão discutidas a seguir.
Quanto à dimensão coerência da doença, ou o quanto a pessoa acredita que
entende sobre ela, foi associada à inteligência, melhor adesão ao tratamento e controle
metabólico (HbA1c) e qualidade de vida durante a adolescência. Os adolescentes tinham
uma compreensão mais coerente da doença à medida que eram mais velhos (Fortenberry
et al., 2014). No estudo de Cosma & Băban (2017), a coerência foi relacionada com
afastamento social, descrito nesta pesquisa como um mecanismo de coping. Uma possível
explicação é que, embora os adolescentes acreditem, até certo ponto, no controle da
doença, eles também tentam se ajustar às normas de grupos sociais do seu grupo. No
estudo Wisting et al. (2019) a coerência apresentou uma correlação positiva com o controle
metabólico (HbA1c).
A dimensão consequências da doença esteve associada ao coping evitativo e de
resignação passiva em pacientes com DM1. Quanto maior a percepção de consequências
negativas, maiores os problemas relacionados ao DM1. Pacientes com baixa capacidade
de aceitação geralmente percebem mais consequências de sua doença em sua vida
diária e aceitam menos sua doença que pacientes que aceitam a DM1 (Rassart et al.,
2014). As consequências também foram associadas a pior autocuidado na dieta e um
maior distress. Para adolescentes com DM1, as consequências negativas da doença são
vistas como independentes das crenças de autoecácia para predizer o distress. Assim,
os adolescentes podem se sentir ecazes em seguir sua dieta, resultando em menos
sofrimento, mas, concomitantemente, podem sustentar a crença de que o DM1 têm
consequências negativas de maneira geral. É possível que os adolescentes ainda não
tenham feito a ligação entre sua própria vontade em administrar os aspectos do DM1 e
possíveis consequências (positivas e negativas) da sua condição (Nouwen et al., 2009).
Os adolescentes que perceberam que o DM1 têm sérias consequências apresentaram
também maior depressão. Dado que as consequências do DM1 estão centradas na perda
(por exemplo, perda de atividade, normalidade e futuro), isso pode explicar a ligação entre
depressão e consequências (Williams, Sharpe & Mullan, 2014). Perceber que a doença
tem consequências menos graves e ter menos consequências emocionais negativas foi
associado a um melhor controle metabólico (Hba1c) e qualidade de vida na adolescência.
A gravidade das consequências, ao longo do tempo se apresenta para o paciente com a
percepção de que a doença é incurável (Fortenberry et al., 2014). As consequências, no
estudo de Cosma & Băban (2017), também, foram associadas como mecanismos de coping
(regulação emocional e resolução de problemas). No estudo de Terrasson et al. (2017),
os pais perceberam consequências mais graves da doença do que os adolescentes. A
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 16 173
qualidade de vida dos adolescentes se correlacionou signicativamente com a percepção
das consequências. Adolescentes que pensavam que seus pais acreditam que o diabetes
teve maiores consequências em suas vidas tiveram pior qualidade de vida que outros
adolescentes.
Quanto à dimensão controle pessoal da doença, as mulheres apresentaram níveis
mais baixos em relação aos homens. As mulheres tiveram menos controle pessoal para
lidar com o DM1, usavam formas mais passivas de coping e apresentavam níveis mais altos
de problemas relacionados ao DM1 (Rassart et al., 2014). Maior controle pessoal durante
a adolescência foi associado a melhor adesão ao tratamento. Os adolescentes sentiam
um aumento no controle pessoal sobre a doença à medida que cavam mais velhos. Além
disso, neste estudo o controle pessoal esteve associado a maior capacidade intelectual e
maior responsabilidade pelo controle do DM1. Adolescentes com maior responsabilidade
pelo DM1 perceberam menos controle parental e com o tempo, também, consideraram
sua doença menos controlada pelos seus pais. Estar sob menos o controle dos pais foi
associada a melhor controle metabólico (Hba1c) na adolescência (Fortenberry et al., 2014).
No estudo de Fisher et al. (2018), somente foi incluída a subescala controle pessoal do
Questionário Revisado de Percepção de Doenças (IPQ-R). Os resultados mostraram que
níveis mais elevados de regulação emocional (ER) e controle pessoal foram associados
com menor distress relacionado ao diabetes (DD). No estudo Wisting et al. (2019), o
controle pessoal foi o preditor mais forte para homens e mulheres associado ao controle
metabólico (HbA1c).
A dimensão controle do tratamento mostrou-se associada ao tempo, ou seja, à medida
que os adolescentes cavam mais velhos desenvolviam um aumento no cuidado para ter
um maior controle do tratamento (Fortenberry et al., 2014). Além disso, a responsabilidade
relacionada ao DM1 foi associada ao controle da doença. O controle do tratamento foi
associado à melhor adesão ao tratamento e qualidade de vida, além de ser relacionado a
um contexto de maior capacidade intelectual, pois, através deste contexto uma maior
percepção da doença e uma reexão de quão grave é o DM1, o que consequentemente,
desenvolve a dimensão de controle do tratamento.
No estudo de Williams, Sharpe & Mullan (2014), no que se refere à identidade da
doença, maior sintomatologia foi associada a níveis mais altos de ansiedade. Quanto à
dimensão duração da doença, a percepção de sintomas mais permanentes (não cíclicos)
foi associada a uma melhor qualidade de vida, com o passar do tempo esta percepção que
se acentuou, ou seja, os adolescentes viam a doença com um aumento na sua cronicidade.
(Fortenberry et al., 2014). No estudo Cosma & Băban (2017) a percepção de duração
cíclica da doença foi associada com funcionamentos de mecanismo de coping (regulação
emocional e resolução de problemas).
Com relação à dimensão representação emocional durante a adolescência, ela foi
associada à melhor adesão ao tratamento e qualidade de vida (Fortenberry et al., 2014).
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 16 174
Enquanto as demais dimensões da percepção da doença dos adolescentes sobre o DM1
mudam ao longo do tempo, as representações emocionais permaneceram estáveis em
geral (Fortenberry et al., 2014). Outro estudo mostrou que a representação emocional foi
associada tanto à autocrítica quanto ao nervosismo, além de estar relacionada à regulação
emocional e a raiva (Cosma & Băban, 2017). No estudo de Terrasson et al. (2017), as
representações emocionais percebidas pelos adolescentes foram menos negativas
do que as percepções das representações emocionais de seus pais. Além disso, a
qualidade de vida se correlacionou signicativamente com as representações emocionais.
Adolescentes que achavam que seu diabetes tinha um impacto emocional negativo para
seus pais apresentaram pior qualidade de vida. No estudo Wisting et al. (2019), a pergunta
preocupação da dimensão representação emocional foi signicativamente associado ao
controle metabólico em mulheres (HbA1c).
Com relação às limitações dos estudos analisados, o tamanho da amostra foi citado
em vários estudos (Nouwen et al. 2009; Williams, Sharpe & Mullan, 2014; Cosma & Băban,
2017; Fontenberry et al., 2014; Rassart et al., 2014; Fisher et al., 2018; Wisting et al., 2019).
As amostras nestes estudos variaram de 62 participantes (Williams, Sharpe & Mullan, 2014)
até 368 participantes (Rassart et al., 2014). O delineamento transversal (Cosma & Baban,
2017; Nouwen et al., 2009; Rassart et al., 2014; Fisher et al., 2018; Wisting et al., 2019)
foi apontado como uma limitação, pois os resultados não puderam inferir causalidade.
No estudo de Terrasson et al. (2017), um aspecto limitador foram os resultados quanto
à avaliação das percepções parentais, pois a amostra foi composta em sua maioria por
mães. Os dados da HbA1c foram citados como limitações por não terem sido obtidos de
um único laboratório (Williams, Sharpe & Mullan, 2014). Outra limitação, de acordo com
Cosma & Băban (2017), foi realizar a pesquisa dentro de ambiente hospitalar, pois, isso
pode possibilitar respostas favoráveis aos médicos e cuidadores, mesmo os participantes
estando cientes que estes não teriam acesso às respostas dadas.
Por m, dois estudos apresentaram como limitações a amostra ter sido composta
em grande parte por adolescentes, sendo um fator relevante que futuras pesquisas
possam ser realizadas com adultos, pois, de acordo com Cosma & Băban (2017), é na
idade adulta que os padrões de adesão se perpetuam mais frequentemente. Do mesmo
modo, Fontenberry et al. (2014), apresentaram que pesquisas com participantes da idade
adulta podem nos ajudar a compreender melhor algumas associações, já que os resultados
sugerem mudanças ao longo do tempo da percepção da doença, como também no controle
pessoal e da responsabilidade, fatores associados a uma melhor adesão ao tratamento e
gestão do DM1.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 16 175
5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi possível evidenciar na presente revisão sistemática que a percepção que
o adolescente/adulto tem da DM1 está associada a resultados da doença, em especial
três dimensões: consequências, representação emocional e controle pessoal da doença.
Crenças de consequências negativas estiveram associadas a maiores problemas
relacionados ao DM1 e também a depressão. Quanto à representação emocional negativa,
conclui-se que ela esteve relacionada à autocrítica, nervosismo, pior regulação emocional
e raiva, enquanto representação emocional mais positiva se associa com adesão ao
tratamento e qualidade de vida. Já o controle pessoal mostrou-se forte preditor de controle
metabólico (HbA1c) e adesão ao tratamento, e esteve associado a menores índices de
distress do diabetes. As mulheres apresentaram níveis mais baixos de controle pessoal
que os homens.
Os dados encontrados nesta revisão apontam, portanto, para a necessidade de
avaliar as percepções sobre o DM1 de pacientes para que se possa compreender e
intervir para melhorar os resultados clínicos da doença e fomentar a qualidade de vida.
Os resultados também ampliam, ainda mais, o conhecimento a respeito dos vários fatores
envolvidos para um melhor controle metabólico e tratamento do diabetes tipo 1. Em futuras
pesquisas, é importante acompanhar como o adolescente e jovem adulto se desenvolve e
suas percepções mudam, como estudos longitudinais. A inexistência de estudos no Brasil
e na América Latina a respeito do tema também chama a atenção e mostra a necessidade
de conhecer o que pensam esses jovens sobre sua doença para entender as suas
particularidades nesse contexto especíco.
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A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 17 178
Data de aceite: 20/08/2021
CAPÍTULO 17
EFICÁCIA A LONGO PRAZO DA PSICOTERAPIA NA
DEPRESSÃO MAJOR: ESTUDO DE COMPARAÇÃO
ENTRE A TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL
E A TERAPIA FOCADA NAS EMOÇÕES
Paula Marinho Vieira
Centro de Psicologia da Universidade do Porto
& Instituto Universitário da Maia, Portugal
Porto, Portugal
https://orcid.org/0000-0001-9865-8174
João Manuel de Castro Faria Salgado
Centro de Psicologia da Universidade do Porto
& Instituto Universitário da Maia, Portugal
https://orcid.org/0000-0003-0822-9267
Robert Elliott
University of Strathclyde, Scotland
Glasgow, Scotland
https://orcid.org/0000-0002-3527-3397
Carla Alexandra Castro Cunha
Centro de Psicologia da Universidade do Porto
& Instituto Universitário da Maia, Portugal
https://orcid.org/0000-0001-7369-5075
Excertos deste manuscrito foi publicado. In Actas
do IX Congresso Ibero-americano de Psicologia/
Congresso da Ordem dos Psicólogos Portugueses,
Porto, 28 Setembro a 01 Outubro 2016. Lisboa: Ordem
dos Psicólogos Portugueses.
RESUMO: A depressão é a perturbação mental
mais prevalente, com uma taxa de recaída
muito elevada, contribuindo de tal forma para
o fardo global de doenças que se considera
atualmente a epidemia do século. A ecácia
dos tratamentos psicoterapêuticos no tratamento
da depressão está bem estabelecida, contudo
permanece em aberto, por escassez de estudos,
a sustentabilidade dos resultados a longo prazo,
nomeadamente 12 meses após o tratamento.
Atualmente, decorre um projeto de investigação
com o objetivo de avaliar a ecácia a longo-prazo
de dois tratamentos da depressão empiricamente
apoiados (terapia cognitivo-comportamental e
terapia focada nas emoções) Numa amostra de
64 participantes deprimidos, originalmente de
um ensaio clínico aleatorizado (ECA) realizado
previamente, nanciado pela FCT, procedemos a
novo recrutamento para analisar a manutenção
dos ganhos e recaídas aos 36 meses após a
nalização do tratamento (ECA), recorrendo-se
à avaliação da sintomatologia depressiva e geral
apresentada. Com base no trabalho desenvolvido
até à data, apresentamos os resultados
preliminares do estudo de follow-up a 36 meses.
Com base no trabalho desenvolvido até à data,
apresentamos os resultados preliminares do
estudo de follow-up a 36 meses.
PALAVRAS - CHAVE: depressão; follow-up;
recaída.
LONG-TERM EFFICACY OF
PSYCHOTHERAPY IN MAJOR
DEPRESSION: COMPARISON STUDY
BETWEEN COGNITIVE-BEHAVIORAL
THERAPY AND EMOTION-FOCUSED
THERAPY
ABSTRACT: Depression is the most prevalent
mental disorder with a very high relapse rate
contributing signicantly to the overall burden
of disease such that is currently considered
the epidemic of the century. The efcacy of
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 17 179
psychotherapy in the treatment of depression is well established, however, the sustainability
of long-term results, particularly 12 months after treatment, remains an open question due to
the lack of studies. A research project is currently being conducted to evaluate the long-term
efcacy of two empirically-supported treatments for depression (cognitive-behavioral therapy
and emotion-focused therapy) In a sample of 64 participants with depression, originally from
a previous randomized clinical trial nanced by FCT, we have proceeded to a new recruitment
in order to analyze the maintenance of gains and relapses 36 months after completing the
treatment (RCT), having assessed their depressive and general symptomatology posterior
to their treatment. Based on the work we have developed up until now, we will present the
preliminary results of the study after a 36 month follow-up.
KEYWORDS: depression; follow-up; relapse.
INTRODUÇÃO
A depressão é uma das doenças mentais mais comum e prevalente com grande
impacto global tanto no indivíduo como na sociedade. De acordo com a Organização
Mundial da Saúde (2020), mais de 264 milhões de pessoas em todo o mundo são afetadas
pela depressão. A ecácia da psicoterapia no tratamento da depressão é consensualmente
aceite pela comunidade cientíca. Todavia a taxa de recaída dos pacientes recuperados no
pós-tratamento permanece alta (50%) dois anos após a primeira ocorrência de um episódio
de depressão (Vittengl, Clark, & Jarrett, 2007), demonstrando baixa sustentabilidade dos
resultados a longo-prazo. Assim, importa perceber se as intervenções se diferenciam em
termos de resultados a médio e longo-prazo (A-Tjak, J.G.L., Morina, N., Topper, M. et al.,
2021), sobretudo acima do período de dois anos em razão da elevada taxa de recaída.
Os estudos meta-analíticos indicam ecácia da psicoterapia breve na depressão
quando comparada com tratamentos farmacológicos, waiting-list, e care-as-usual (Munder
et al., 2019; Cuijpers et. al., 2018), ainda que não clariquem se os ganhos se mantêm a longo-
prazo. Por outo lado, também ainda não é claro se diferentes modelos psicoterapêuticos
têm o mesmo poder na prevenção da recaída a longo-prazo, concretamente, a uma
distância temporal superior a um ano após o término do tratamento (Vieira & Cunha, 2019)
Permanecem questões por resolver: 1) suprir a escassez de ensaios clínicos
aleatorizados (RCTs) com comparações diretas dos resultados a longo-prazo de diferentes
modalidades terapêuticas, incluindo a TCC; 2) as inconsistências entre diferentes meta-
análises sugerem mais estudos de comparação para claricar os resultados a longo-prazo
de cada terapia.
A TCC, enquanto modalidade de psicoterapia mais estudada neste âmbito, é
paradigmática deste cenário. Esta terapia tem recebido um vasto apoio empírico, incluindo
demonstrações de maior ecácia na prevenção da recaída quando comparada com as
intervenções farmacológicas (DeRubeis et al., 2008; Hollon et al., 2005). No entanto,
quando sujeita a métodos de sistematização e comparação de resultados de estudos
disponíveis de diferentes modalidades psicoterapêuticas os resultados são inconsistentes.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 17 180
Com efeito, se na meta-análise de Tolin (2010) os resultados concluíram a favor da ecácia
da TCC nos follow-ups (FUPs, média de 6 meses em 24 estudos), Marcus et al. (2014),
também em estudo meta-analítico, não encontrou diferenças signicativas entre a TCC e
outras psicoterapias na manutenção dos ganhos a longo-prazo.
Wampold (2017), no seu manuscrito “In pursuit of truth: A critical examination of
meta-analyses of cognitive behavior therapy” alerta para o facto de estudos meta analíticos
com baixa preciosidade, nomeadamente, na classicação dos tratamentos, da inclusão
de estudos com viés de resultados, entre outras condições é o bastante para criar terreno
fértil e gerar a confusão generalizada na comunidade cientíca. Importa, por isso, realizar
mais estudos comparativos da ecácia a longo-prazo da TCC e de outras modalidades
terapêuticas, sendo que a recomendação recai na realização de ensaios clínicos
aleatorizados (RCTs) que comparem diretamente os resultados a longo-prazo de diferentes
modalidades terapêuticas.
Com o objetivo de responder a essa lacuna, este projeto visa avaliar a manutenção
dos resultados a longo-prazo de 64 participantes, 36 meses depois de terminada a
psicoterapia, extensão do estudo clínico aleatorizado (ECA) “Descentração e mudança em
psicoterapia”, (PTDC/PSI-PCL/103432/2008), comparação entre a TCC e a Terapia Focada
nas Emoções (TFE).
Elegemos a TFE por ter vindo a mostrar resultados encorajadores a longo-prazo
(ver Elliott et al., 2013; Hollon & Ponniah, 2010). Ellison e colegas (2009) compararam os
ganhos obtidos em TFE e Terapia Centrada no Cliente, com FUPs de 6 e 18 meses. As
diferenças signicativas encontradas no estudo foram a favor do grupo de TFE: a) menores
taxas de recaída, b) maior número de semanas assintomáticas e c) melhoria da autoestima.
Os dados preliminares aqui apresentados, tem como objetivo dar resposta, ainda que
parcialmente, aos resultados do efeito da TFE e TCC a longo-prazo, partindo de avaliações
de FUP recolhidas aos 36 meses, comparando-as com as obtidas no pós-tratamento e nos
FUPs de 3, 6 meses.
METODOLOGIA
Participantes
Os participantes-alvo são recrutados de modo a cobrir a totalidade da amostra
do projeto original “Descentração e mudança em psicoterapia”, com diagnóstico de
Perturbação depressiva major, de acordo com o DSM-IV. Os critérios de inclusão foram ter
depressão major, AGF> 50, sem medicação, idade igual ou superior a 18 anos, consentir
a gravação das sessões e sessões de follow-up. Critérios de exclusão: comorbilidade com
outras perturbações do Eixo I ou Eixo II, risco de suicídio, hiper-hipotiroidismo e violência
doméstica.
O protocolo de tratamento do ECA foi composto por 16 sessões de terapia num
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 17 181
de dois modelos terapêuticos aleatorizados (EFT e TCC) e recolha de FUPs ao m de
3, 6 meses pós-tratamento. Embora tenha sido pedido o consentimento inicial para tal, a
avaliação de 36 meses não fazia parte do projeto inicial.
O presente projeto incidirá na amostra total do projeto inicial (participantes n=64, 32
em TFE e 32 em TCC), quer tenham completado (completers) o tratamento, quer tenham
abandonado (dropouts), fazendo-se nova avaliação clínica ao 36 meses. Para o efeito o
projeto de investigação (doutoramento) foi submetido à Comissão de Ética do Centro de
Investigação, e pedido consentimento a todos os participantes do estudo. A nova recolha
de dados iniciou-se em agosto de 2014, altura em que o primeiro participante perfez 36
meses após o término das 16 sessões de terapia realizadas no projeto original e terminará
em abril de 2018. A avaliação de FUP de 36 meses será comparada com pós-tratamento
e FUPs a 3, 6 meses previamente recolhidos no ECA. À data foram recolhidos dados de
33 participantes.
INSTRUMENTOS
Protocolo de avaliação aos 36 meses. Módulo para os critérios de avaliação de
Perturbações de Humor da Entrevista Estruturada Clínica para DSM-IV - Transtornos do
Eixo I (SCID-I; First, Spitzer, Gibbon, & Williams, tradução portuguesa: Maia et al).
Sintomatologia depressiva. Beck Depression Inventory (BDI-II; Beck, Steer &
Brown, 1996; versão Portuguesa de Coelho et al., 2002). Questionário de autorrelato para
avaliação da sintomatologia depressiva.
Sintomatologia geral. Outcome Questionnaire – OQ-45-.2 (Lambert & Burlingame,
1996, versão portuguesa de Machado & Fassnacht, 2014), questionário de autorrelato
desenvolvido para monitorizar as mudanças ocorridas durante a psicoterapia.
PROCEDIMENTOS
Recolha de dados. Este estudo compara os dados do pós-tratamento com os FUPs
3, 6 meses do projeto inicial com uma reavaliação aos 36 meses. Todos os participantes
serão contatados via telefone e convidados a participar no estudo, informando-se dos
objetivos do estudo e instrumentos a preencher. À data foram recolhidos dados de 33
participantes.
Análise de dados. Serão realizadas várias análises para dar resposta às questões
de investigação (Ellison et al. 2009): Análise multivariada (ANOVA medidas repetidas), por
grupo tratamento, fator intra-sujeito e inter-sujeito por FUPs nas medidas de autorrelato;
Análise de Sobrevivência por condição de tratamento (tempo médio de sobrevivência para
a ocorrência de recaída por condição tratamento; TCC e TFE).
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 17 182
RESULTADOS
Dos 64 participantes, 54 (81,85) são do sexo feminino e 10 (15,2%) do sexo
masculino com idades compreendidas entre os 22 e 60 anos (M=39,75 e DP=10,35). Quanto
ao estado para recrutamento no estudo de follow-up, 19 (28,8%) ainda não perzeram os
36 meses após o termino do protocolo de tratamento (ECA, 16 sessões de psicoterapia),
7 (10,6%) recusaram participar no estudo, 7 (10,6%) estão incontatáveis (email, telefone
desatualizados) e 31 (47%) aceitaram a participação no estudo.
Os restantes resultados incidem sobre os participantes que aceitaram (recrutados)
entrar no estudo de follow-up 31 (47%).
Análise de tempo de sobrevivência até à recaída
Foi conduzida a análise de sobrevivência (survival analyses, Kaplan-Meier) para
analisar o tempo médio, em meses relacionado com o evento de interesse (relapse) para
a variável grupo tratamento, desde o pós-tratamento e ao longo dos follow-ups (3,6 e 36
meses). Nesta análise foram incluídos todos os participantes que terminaram o protocolo
de tratamento (completers) e que foram obtidos dados de follow-up completos (BDI-II) uma
vez que só esses nos possibilitam manter o pressuposto de não violação da suposição de
independência.
Numa primeira leitura dos resultados podemos vericar o número de eventos em
cada condição de tratamento, correspondendo a seis para a TCC e um evento para TFE. O
tempo médio de sobrevivência até à primeira recaída para condição tratamento situam-se
para a TCC em M = 32,4 e TFE M=33, 5 meses. No que concerne à distribuição da função
sobrevivência (Figura 1) verica-se que a TFE apresenta uma curva posicionada acima da
curva TCC, por conseguinte menos eventos, espelhando ser um tratamento mais ecaz
na manutenção dos resultados a longo-prazo. Todavia numa análise mais parcimoniosa,
através do teste log-rank, quando se analisam as distribuições da sobrevivência entre os
tratamentos não se encontra diferenças signicativas, χ2 (1,N = 29) = 3,62, p =.057 entre a
TCC e TFE.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 17 183
Figura 1 Tempo médio de sobrevivência em meses para a primeira recaída dos participantes ao longo
do follow-up para condição tratamento (TCC e TFE).
Análise comparativas do resultado dos indicies das medidas de autorrelato
Para comparar os resultados dos tratamentos ao longo dos follow-ups foi conduzida
análise multivariada, medidas repetidas para cada uma das medidas de resultado (BDI-II
e OQ-45) por condição tempo (pós-tratamento, follow-up a 3, 6 e 36 meses) e condição
tratamento (TCC e TFE). Não foram encontrados resultados estatisticamente signicativos
ao longo do tempo em nenhuma das medidas de resultado, quer por tempo como condição
tratamento. A interação entre tempo (pós-tratamento, 3, 6 e 36 meses de follow-up)
condição tratamento (TCC e TFE) para a medida de sintomatologia depressiva (BDI-II),
não mostrou diferenças signicativas Wilks Lambda = .98, F (3, 17) = 2.57, p = .86, partial
eta squared = .104. e para a medida de sintomatologia geral (OQ-45), Wilks Lambda =
72, F ( 3, 15) = 1,95, p = 16. Não se vericaram alterações signicativas quer na medida
de sintomatologia depressiva Wilks Lambda = 84, F (3, 17) = 1,05, p = . 396, como na
de sintomatologia geral Wilks Lambda = 70, F (3, 15) = 2,17, p = .134. A comparação da
intervenção dos tratamentos nos resultados a longo-prazo (TCC e TFE) não mostraram
diferenças signicativas, F (1, 19) = .119, p = .73, o que leva a concluir que ambos os
modelos terapêuticos obtém ecácia na manutenção dos resultados a longo-prazo. As
diferenças (Figura 2 e 3) nas médias das medidas de resultado (BDI_II e OQ-45) ao longo
do tempo, apesar de marginais, apresentam um curso similar ao longo do tempo tendo em
conta o modelo terapêutico.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 17 184
Figura 2 Comparação do grupo tratamento (TCC e TFE) por totais da escala de sintomatologia
depressiva no pós-tratamento e follow-ups.
Figura 3 Médias dos totais da escala de sintomatologia geral e monitorização das mudanças ocorridas
no pós-tratamento e follow-ups.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 17 185
DISCUSSÃO
Os estudos sobre a sustentabilidade dos resultados a longo-prazo da depressão
são escassos, no que concerne à comparação de modalidades psicoterapêuticas com
avaliações acima dos 12 meses. Este projeto de doutoramento, concretamente os
resultados dos estudos em curso, visa contribuir para a claricação dos resultados dos
tratamentos (TCC e TFE) em termos de ecácia e manutenção dos ganhos a longo-prazo,
bem como, quais aportam resultados mais estáveis.
Neste estudo, ainda que os resultados apresentados sejam preliminares, dado o
número da amostra recolhida até ao momento, não deixa de ser interessante observar
que apesar de não existirem diferenças signicativas na estabilidade dos resultados a 36
meses de follow-up se puderam observar diferenças quanto aos tratamentos. A análise de
sobrevida é um exemplo claro de diferenças marginais com uma aproximação considerável
à signicância estatística apontando para a possível ecácia da TFE quando comparada
com a TCC na manutenção dos resultados a longo-prazo. De facto foi possível observar
que para a TCC o número de recaídas foi substancialmente mais elevada (seis) quando
comparado com a TFE (um). Ainda que os dados sejam preliminares parecem ir de encontro
a outros estudos que evidenciam superioridade clínica (Elliott, et al, 2013).
Exploramos, ainda a manutenção da ecácia do tratamento avaliada no pós-
tratamento e follow-ups (3, 6 e 36 meses) através da análise de medidas repetidas. Não
se detetaram diferenças signicativas em todas as condições de investigação, tempo,
tratamento, interação tempo tratamento. Todavia uma vez mais, quando analisamos as
guras das médias ao longo do tempo, pontuações das medidas, estas comportam-se de
forma distinta, ao longo do tempo e de acordo com o tratamento. É possível vericar que as
pontuações das escalas (BDI-II e OQ-45) no grupo tratamento TCC apresenta médias mais
baixas no pós-tratamento subindo diagonalmente ao longo do tempo de follow-ups. No
grupo TFE, as pontuações comportam-se em ziguezague, estando logo no pós-tratamento
mais elevadas e mantendo a elevação para médias mais altas até ao período de follow-up
de três meses. A partir daí decresce até ao período de seis meses de follow-up e volta a
apresentar o comportamento inicial até aos 36 meses. Estes resultados podem sugerir que
os clientes tratados com TFE poderão ter uma maior oscilação em termos de sintomatologia,
mas por outro lado, também poderão sugerir que os mesmos clientes interiorizaram
técnicas psicoterapêuticas que lhes permitem reorganizar-se emocionalmente quando se
deparam/sentem uma diminuição do bem-estar e por conseguinte apresentar melhoria.
Estes dados são importantes na medida em que é possível detetar padrões diferenciadores
dos tratamentos, conhecer e aprofundar os movimentos/oscilações (Comer & Kendall,
2013) em termos de sintomatologia depressiva e geral que os clientes com depressão
possam enfrentar.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 17 186
Como havia sido referido, o estudo que aqui apresentamos (dados preliminares), é
parte integrante de um projeto de doutoramento, com uma metodologia inovadora pela sua
conceção metodológica pluralista, avaliando a ecácia da psicoterapia para a depressão
a longo-prazo através de meta-análise, comparação das modalidades terapêuticas EFT e
TCC a 36 meses bem como, o estudo da mudança terapêutica pela perspetiva do cliente
contribuindo para conhecimento da investigação de resultado.
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A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 18 188
Data de aceite: 20/08/2021
CAPÍTULO 18
DANDO MAIS TEMPO AO TEMPO NAS ESCOLAS
Data de submissão: 04/06/2021
Zena Eisenberg
Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, Departamento de Educação
Rio de Janeiro, RJ
https://orcid.org/0000-0002-6480-8645
Carlos Alberto Quadros Coimbra
Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST/
MCT), Coordenação de Educação
Rio de Janeiro, RJ
http://lattes.cnpq.br/0438717062962991
Sibele Cazelli
Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST/
MCT), Coordenação de Educação
Rio de Janeiro, RJ
http://lattes.cnpq.br/2306141621040404
Jéssica Castro Nogueira
Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, Departamento de Educação / SME/RJ
Rio de Janeiro, RJ
https://orcid.org/0000-0002-0093-1150
RESUMO: Apresentamos aqui os resultados de
dois estudos realizados no estado do Rio de
Janeiro – um em Vassouras e outro na capital.
Ambos estudos investigam o desenvolvimento
de conceitos temporais entre crianças do ao
5º ano do Ensino Fundamental. Um instrumento
foi elaborado para testar o conhecimento das
crianças em conceitos temporais e aplicado,
no Estudo 1, antes e depois de um curso de
formação para as professoras participantes; e,
no Estudo 2, apenas uma vez, buscando aferir
um possível descompasso entre o conhecimento
temporal e os conceitos trabalhados nos materiais
didáticos adotados pelas escolas. Os resultados
apontam para um desconhecimento de conceitos
temporais que fazem parte do cotidiano das
crianças e que são trabalhados com elas desde
a educação infantil. O descompasso entre o que
as crianças sabem e o que se espera que elas
saibam, como reetido pelos materiais didáticos,
foi conrmado na pesquisa. As conclusões
apontam para a necessidade de haver uma
formação especíca nos cursos de Pedagogia
sobre o desenvolvimento de conceitos temporais
na infância, de modo a garantir um trabalho
pedagógico consciente em sala de aula e dirimir o
tanto a falta de conhecimento das crianças, como
o descompasso entre expectativa e realidade.
PALAVRAS - CHAVE: conceitos temporais;
livros didáticos; formação de professores
GIVING MORE TIME TO TIME IN
SCHOOLS
ABSTRACT: In this paper, we present the
results of two studies carried out in the state of
Rio de Janeiro – one in Vassouras and the other
in the state’s capital. Both studies investigate
the development of temporal concepts among
children from 2nd to 5th grade of elementary
school. An instrument was designed to test
children’s knowledge of temporal concepts and
applied, in Study 1, before and after a training
course for participating teachers; and, in Study
2, only once, seeking to assess a possible
mismatch between temporal knowledge and the
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 18 189
concepts worked on in the teaching materials adopted by schools. The results point to a lack
of knowledge of temporal concepts that are part of children’s daily lives and that are worked
with them since early childhood education. The mismatch between what children know and
what they are expected to know, as reected by the teaching materials, was conrmed in the
research. The conclusions point to the need for specic focus in teacher training courses on the
development of temporal concepts in childhood, in order to ensure a conscious pedagogical
work in the classroom and to resolve both the lack of knowledge of children and the mismatch
between expectation and reality.
KEYWORDS: temporal concepts; textbooks, teacher traning
1 | INTRODUÇÃO
A noção de tempo na nossa sociedade norteia todas as nossas atividades passadas,
presentes e futuras. Orienta nossa memória e nosso planejamento. Orienta nossas
atividades produtivas e nosso deslocamento no espaço e assim por diante. Desta forma,
a criança deve perceber cedo sua importância e se interessar por seu funcionamento. Por
este motivo, a questão do tempo vem sendo estudada em diferentes áreas do conhecimento
sob ângulos especícos. Concentramo-nos em discutir pesquisas nas áreas da Psicologia
e da História.
Na Psicologia, o tema tem sido estudado com focos diversos: perceptivo e experiencial
(PIAGET, 1946; FRIEDMAN, 2000; ROAZZI & CASTRO FILHO, 2001; TILLMAN ET AL,
2017), no desenvolvimento e aquisição de conceitos e da linguagem temporal (EISENBERG,
2010; AKSU-KOÇ & VON STUTTERHEIM, 1994; ERBAUGH, 1992; HARNER, 1975;
MCCORMACK; HOERL, 2017; NELSON, 1996) e nas metáforas temporais (LAKOFF &
JOHNSON, 1980). Cabe notar que as contribuições das pesquisas na Psicologia vêm
dialogar diretamente com a Educação, na medida em que o desenvolvimento da criança
na escola depende de sua compreensão de conceitos temporais como: sequência (de
atividades a serem realizadas no dia), dias da semana (para se orientar no tempo, na
agenda escolar e diferenciar dia de escola do m de semana), meses do ano (para entender
as datas que a escola privilegia: os aniversários, férias, etc.), o relógio e seu funcionamento
(para compreender quando as atividades acontecem e se planejar), para citar alguns, e que
a escola é o lugar onde vários dos conceitos temporais são trabalhados.
A criança necessita também de noções temporais para compreender e se envolver
no estudo da História - seja ela pessoal, familiar, de grandes eventos, de sua cidade ou
país, além de outros. O estudo da História demanda que a criança entenda a lógica de
uma linha do tempo, da cronologia, da relatividade de realidades diacrônicas e sincrônicas
assim como dos valores de diferentes épocas; para tanto, a criança precisa se ancorar nos
conceitos básicos de tempo.
Assim como na Psicologia, os estudos sobre tempo que são realizados na História
são diversicados. Destacam-se aqueles que focam o conhecimento de conceitos temporais
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 18 190
relacionados a referências históricas (ARAÚJO, 1998), debatem da diculdade do ensino
de história a partir das diculdades na apreensão de noções temporais (MIRANDA; LUCA,
2004; NADAI; BITTENCOURT, 1992/1988; SANTOS; CAINELLI, 2017), ou analisando a
importância do conhecimento matemático e da linguagem para a compreensão do tempo
cronológico (SAFRAN; ṢIMSEK, 2006). Fines (2011) sugere que, para aprender tempos
diferentes do presente, a criança precisa de uma mediação que enfatize e contextualize
justamente isso: o então é diferente do agora de várias formas e entender história é, em
parte, entender esta distinção. Assim, para o autor, um primeiro passo para a criança é ela
entender o conceito de diferença e suas possibilidades.
Na área da Educação, pesquisas são escassas, para não dizer inexistentes.
Encontramos em Barbosa (2006) indicadores de um descompasso entre a compreensão
da criança e o que se espera que saiba. Ela apresenta evidência de que a compreensão
de tempo de crianças no Ensino Fundamental não corresponde às expectativas implícitas
ao conteúdo de História que é trabalhado com elas. A possibilidade desse descompasso
foi motivação para nossa pesquisa, buscando entender exatamente o que as crianças do
Ensino Fundamental sabem sobre o tempo e como a escola pode melhor planejar esta
aprendizagem.
Nossa fundamentação teórica encontra-se nos escritos de Piaget (1946),
Vigotski (1009/0934) e Nelson (1996) acerca do desenvolvimento da noção temporal e,
principalmente, da distinção entre conceitos temporais cotidianos e cientícos e a trajetória
de desenvolvimento de cada um desses. Os conceitos cotidianos, de acordo com Vigotski,
são aqueles que aprendemos no dia-a-dia de forma espontânea, implícita e informal.
os cientícos, precisam de um ensino explícito e formal. No caso dos conceitos temporais,
e com base em Nelson, elencamos como cotidianos alguns exemplos: ordem de eventos,
relação espaço-tempo, ou duração. Exemplos de conceitos temporais cientícos são:
calendário, hora, dias da semana.
Este artigo traz resultados de duas pesquisas realizadas no Estado do Rio de
Janeiro. A primeira se deu em duas escolas municipais de Vassouras e a segunda em doze
escolas do município do Rio de Janeiro. Os resultados trazem também uma análise dos
materiais didáticos adotados nas escolas da segunda pesquisa.
O tempo nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)
Para entendermos melhor a presença de conceitos temporais no currículo das
escolas brasileiras, referimo-nos aos Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1997).
Os Objetivos Gerais da História para o Ensino Fundamental falam da “localização dos
acontecimentos em uma multiplicidade de tempos” e da necessidade do reconhecimento
“das mudanças e permanências” de suas e de outras comunidades, “próximas ou distantes
no espaço e no tempo”.
A seção “O Tempo no Estudo da História” começa com o reconhecimento de que
“o tempo é um dos conceitos mais complexos de entendimento” e indica que o professor
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 18 191
dos anos iniciais não deve se preocupar com ensinar “uma conceituação ou outra”, mas
trabalhar atividades didáticas que envolvam diferentes perspectivas de tempo. Consta a
recomendação de que o Tempo Cronológico deve ser enfatizado nos primeiros anos por
meio do estímulo ao domínio do calendário pelas crianças.
Na seção de “Recursos Didáticos” nos PCN de História as sugestões de Atividades
incluem atividades sobre o Tempo Cronológico: “criação de rotinas diárias e semanais”,
“organização de quadros de horários e agendas”, “observação e registro de fenômenos
naturais como dia e noite, fases da Lua, posição do Sol”, “criação de calendários”, “criação
de relógios de Sol, de água e ampulhetas”, e “comparação de diferentes calendários”.
Para o Tempo como Duração duas atividades são propostas, “comparar acontecimento do
presente com os de outra época” e “identicar e estudar acontecimentos de curta, média e
longa duração”.
nos PCN de Matemática, o Tempo gura como uma das grandezas a serem
medidas. apenas a menção nos Objetivos Gerais para os primeiros anos do
Ensino Fundamental. Na parte de Grandezas e Medidas dos Conteúdos Conceituais e
Procedimentais estão mencionadas as recomendações de identicar e relacionar as
unidades de tempo, dia, semana, mês, semestre e ano, bem como iniciar a leitura das
horas, comparado relógios digitais e de ponteiros.
De modo geral, os PCN demonstram a importância do conceito de Tempo para
as crianças cursando os anos iniciais do Ensino Fundamental. Chamou nossa atenção
vericar a pouca ênfase que o currículo de Língua Portuguesa parece dar às questões da
temporalidade, principalmente levando-se em conta que é por meio da linguagem que a
criança passa a incorporar os conceitos temporais, como Nelson (1996) defende.
Neste artigo, traremos resultados de um estudo, realizado no município de
Vassouras com 2 escolas municipais de Ensino Fundamental I. Em seguida, reportamos
os resultados de um estudo mais robusto, com 12 escolas do município do Rio de Janeiro.
2 | ESTUDO 11 - MUNICÍPIO DE VASSOURAS/RJ
Metodologia
Este primeiro estudo consistiu em uma pesquisa-intervenção2. Inicialmente,
adquirimos autorização junto à Secretaria Municipal de Educação do município de
Vassouras e das professoras e famílias participantes. Participaram da pesquisa duas
escolas municipais, que chamaremos de A e B. A Escola A possuía um total de 71 alunos
e a Escola B um total de 89 alunos, somando 160 crianças, das quais 154 participaram.
Além dos alunos, nove professoras participaram da pesquisa: cinco da Escola A e
1 Pesquisa realizada com apoio da Faperj, Edital Apoio à Melhoria do Ensino em Escolas Públicas sediadas no Estado
do Rio de Janeiro.
2 O projeto de pesquisa obedeceu aos procedimentos éticos estabelecidos pelas Resoluções 196/96, 466/12 e 510/16 com relação à
pesquisa com seres humanos – adultos e crianças.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 18 192
quatro da Escola B. O nanciamento previa a concessão de duas bolsas para professoras
das escolas participantes. Assim, zemos um processo de seleção para escolha de uma
professora em cada escola para participar da equipe técnica da pesquisa. A professora
selecionada na Escola A atuava no 1º ano e a professora da Escola B atuava no 2º ano do
Ensino Fundamental.
As escolas eram rurais e atendiam a crianças do primeiro segmento do Ensino
Fundamental, sendo que a Escola A atendia também na Educação Infantil. Havia uma
turma para cada ano do Ensino Fundamental nas escolas, com exceção do ano na
Escola B, que tinha uma turma pela manhã e outra à tarde. A Tabela 1 mostra a distribuição
de alunos e professoras em cada ano e escola.
Escola Ano No de alunos
A
2º- Professora 1 14
3º- Professora 2 12
4º - Professora 3 19
5º- Professoras 4 e 5 (períodos diferentes
da pesquisa) 21
Total 66
B
2º- Professora 6 17
3º- Professora 7 21
4º- Professora 8 17
4º- Professora 9 13
5º- Professora 9 20
Total 88
Total Geral 154
Tabela 1: Distribuição de alunos e de professoras por escola
Fonte: Autores.
Instrumento de conhecimento de conceitos temporais
Para este estudo, elaboramos um instrumento para aferir o conhecimento de
crianças sobre determinados conceitos temporais, como sequência, linha do tempo, horas
ou estimativa de duração. O instrumento foi usado em duas escolas em todas as turmas de
2º ao 5º ano em dois momentos: antes e depois da intervenção realizada.
O instrumento usado continha 21 questões subdivididas em 74 itens dicotômicos
certo ou errado. As 21 questões do instrumento buscavam aferir o conhecimento das
crianças sobre conceitos de tempo como: funcionamento e organização do calendário,
funcionamento e lógica do relógio, identicação da passagem do tempo, compreensão das
diferentes estações do ano, compreensão das diferenças de fuso, saber os dias da semana
e estimar tempo.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 18 193
Todas as crianças de todos os anos receberam instrumentos idênticos, organizados
dos itens mais fáceis para os mais difíceis. Para efetivar-se esta organização, as questões
foram pré-testadas em uma terceira escola do mesmo município, com os mesmos anos
escolares.
Intervenção: curso de formação das professoras3
Entre os dois momentos de aplicação do instrumento, realizamos uma intervenção,
que consistiu em um curso de formação para as professoras participantes. O curso
teve duração de uma semana manhã e tarde e abordou o trabalho com conceitos
temporais nas áreas de história, matemática e ciências, além de incluir uma palestra sobre
o desenvolvimento de conceitos temporais, na perspectiva da psicologia. O objetivo do
curso foi favorecer um processo de conscientização da presença dos conceitos temporais
nas diferentes áreas de estudo, no desenvolvimento da criança, e ajudar as participantes a
elaborarem práticas pedagógicas com conceitos temporais.
Os conceitos foram trabalhados por área de conhecimento: Psicologia - linguagem
temporal, noção de passado, presente e futuro, compreensão de calendário e relógio -;
História - noções de tempo histórico, passagem do tempo, formas de trabalhar distância e
proximidade de eventos -; Ciências - os movimentos de rotação e de translação da Terra,
as estações do ano, o dia e a noite, fuso horário, o ciclo da vida -; e, por m, Matemática - a
anidade entre a forma como medimos e organizamos o tempo e a matemática, ou como o
conhecimento matemático dialoga com o conhecimento de tempo.
Análise dos dados do Estudo 1
As 21 questões do instrumento foram categorizadas em conceitos temporais
cotidianos ou cientícos. Os conceitos usados foram: objetos de medir, hora, semana, mês,
astronomia, espaço-tempo, ordem, idade e duração.
Os dados obtidos com a aplicação dos instrumentos nas duas escolas, nos quatro
anos das séries iniciais do ensino fundamental e nos dois momentos foram analisados por
meio de análises de variância não paramétrica utilizando o teste de Wilcoxon, implementado
no comando wilcox.test do programa R de análise estatística. O teste foi sempre aplicado
ao escore total (número de acertos) dos alunos nos subgrupos de itens. Ao todo, criamos
12 escores para cada aluno: o escore total de todos os itens, os dois escores da dimensão
teórica e os nove escores da dimensão prática. O teste de Wilcoxon afere a diferença entre
os valores das medianas e foi escolhido no lugar do teste-t paramétrico devido ao pequeno
número de alunos nas amostras e às evidências de não normalidade.
No teste das diferenças entre os anos de ensino, os dois momentos mostraram
comportamentos diferentes. No primeiro momento, todas as diferenças se mostraram
signicativas, exceto a diferença entre o e o ano. A sequência de medianas,
3 Como eram todas mulheres, o coletivo usado será feminino.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 18 194
expressas em proporção de acertos, foi de 0,26; 0,59; 0,68 e 0,70 para os anos do 2º ao
5º, respectivamente.
As diferenças entre o ano e os demais, bem como a diferença entre o 3º e o 5º
ano foram signicativas com p< 0,001 (W= 80,5; p<0,001 entre 2º e 3º anos). A diferença
entre o e o ano foi signicativa com p<0,01 (W= 351; p<0,01 entre anos 3 e 4). A
diferença entre o e o ano não se mostrou tão signicativa (W= 487,5; p>0,1). Isso
indica que o instrumento pode ter encontrado um teto ou limite cognitivo representado pelo
desempenho semelhante dos dois últimos anos. Ou, ainda, que o instrumento não detectou
a diferença entre o e o ano, ou que essa diferença não existe no que diz respeito a
esse conteúdo.
No segundo momento, a sequência de medianas foi de 0,55; 0,63; 0,72 e 0,76, do
ao ano, respectivamente. Nenhuma das diferenças entre momentos consecutivos
se mostrou signicativa. Somente as diferenças entre e 4º, e e e foram
signicativas (p< 0,001). Isso aponta para um possível ganho cognitivo ocorrido com a
intervenção entre momentos.
No cálculo do escore total (proporção de acertos) das crianças, observa-se um
crescimento entre momentos em todas as medianas, com destaque para o 2º ano onde a
proporção de acerto passou de 0,26 para 0,55 (W= 115,5; p< 0,001). Nos anos seguintes,
o 3º e o 4º anos mostraram um menor aumento nos acertos, de 59% para 63% e de 68%
para 72%, respectivamente, com a signicância entre as diferenças mais baixa (p< 0,01).
No 5º ano, a diferença entre as proporções de acertos voltou a aumentar, com um salto de
0,70 para 0,78 (W= 52,5; p< 0,01). Isso mostra que as ações pedagógicas desenvolvidas
entre os momentos parecem ter tido efeito nesse caso e que o maior ganho cognitivo entre
os momentos foi vericado nos alunos do 2º ano.
Quando comparamos o desempenho das crianças entre os dois momentos
nos conceitos temporais cotidianos, vimos diferenças signicativas em todos os anos
pesquisados. Com relação aos conceitos temporais cientícos, observamos diferenças
signicativas somente no 2º ano (W= 2, p< 0,001), o que aponta para um impacto localizado
da intervenção. Explicamos esse fenômeno quando percebemos que a professora deste ano
era também a mais envolvida com a pesquisa, participando da formação com entusiasmo
e elaborando inúmeras atividades para seus alunos.
3 | ESTUDO 24 – RIO DE JANEIRO
Metodologia
O segundo estudo foi realizado em escolas públicas do município do Rio de Janeiro,
selecionadas de modo a ter todas as regiões administrativas5 contempladas. As escolas
4 Pesquisa realizada por meio do Edital Jovem Cientista do Nosso Estado 2012-2014, Faperj.
5 O município do Rio de Janeiro está dividido em 11 coordenadorias regionais (CRE) e 10 delas estão contempladas
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 18 195
foram selecionadas a partir de uma amostra probabilística adquirida de outra pesquisa
(Geres, 2008). Um total de 12 escolas participou da pesquisa, somando 722 alunos do 2º
ao 5º ano do ensino fundamental, com IDEB diferentes.
As crianças que participaram da pesquisa tinham idades entre 7 e 12 anos. Outras
duas crianças foram excluídas em algumas das análises por terem idades díspares das
demais (6 e 13 anos), cando então um total de 720 crianças.
Após autorizado pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, as
escolas participantes foram selecionadas e uma primeira visita foi realizada pela primeira
autora para apresentar o estudo para os diretores das escolas e entregar os termos de
consentimento a serem distribuídos para as famílias. A segunda visita consistiu na aplicação
do instrumento em sala.
Instrumento temporal
Um novo instrumento temporal foi elaborado, aproveitando itens do anterior e
adicionando outros. O instrumento nal cou com 22 itens/questões, todas de múltipla
escolha (com exceção de uma em que a criança devia desenhar um relógio analógico), e
organizadas em ordem crescente de diculdade. O mesmo instrumento foi administrado
para todas as crianças. Ele foi lido em voz alta apenas para as crianças de 2º e 3º anos,
por muitas delas ainda não estarem totalmente alfabetizadas. As crianças preencheram o
instrumento em horário regular de aula, e sua aplicação durou entre 20 e 60 minutos.
Análise dos dados
Das 720 crianças analisadas, 377 eram meninas e 343 meninos. A média de idade
das crianças que participaram da pesquisa por ano está ilustrada na tabela a seguir.
Ano escolar Número de crianças Média de Idade
155 7,5 (Dp= 0,64)
159 8,6 (Dp= 0,78)
204 9,5 (Dp= 0,65)
202 10,6 (Dp= 0,69)
Tabela 2. Média de idade por ano
Desempenho no instrumento
Não encontramos diferença de desempenho entre meninas e meninos. No entanto,
vimos uma correlação positiva entre número de acertos e idade (R2= .44, p< .001). Também
encontramos correlação entre desempenho e ano escolar (R2= .59, p< .001), ou seja,
quanto mais avançado o ano, mais acertos no instrumento. A Tabela 3 mostra o aumento
na média de desempenho por ano.
no estudo.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 18 196
Ano Escolar Número de crianças Média de acertos (total= 22 itens)
2155 7,95 (Dp=2,89)
3159 10,48 (Dp= 3,34)
4204 11,91 (Dp= 2,96)
5202 13,88 (Dp= 2,35)
Tabela 3. Média de acertos por ano
Testes-t mostraram uma diferença signicativa no desempenho das crianças entre
o 2º e 3º ano (F= 4,18, p= 0,04) e entre o 4º e 5º ano (F= 11,29, p= 0,001). Entretanto, a
diferença entre o 3º e 4º ano foi marginal (F= 3,38, p= 0,07).
Elaboração de duas escalas conceituais
O próximo passo da pesquisa foi elaborar duas escalas de conceitos temporais.
Para isso, utilizamos a Teoria da Resposta ao Item (TRI) não paramétrica de Mokken com
o programa MSP, Mokken Scale for Polytomous Items. Para a primeira, as questões do
instrumento foram divididas em seis sub-escalas conceituais: IDADE, DURAÇÃO, ESPAÇO-
TEMPO, LINHA DO TEMPO, CALENDÁRIO e RELÓGIO. Explicamos cada uma a seguir.
IDADE continha duas questões do instrumento que aferiam a capacidade da
criança em diferenciar tamanho de pessoas de sua idade.
DURAÇÃO – também com duas questões, ambas pedindo para a criança estimar o
que é possível realizar em diferentes espaços de tempo.
ESPAÇO-TEMPO – esta escala é formada de três questões. Uma indagando sobre
o conhecimento de antes e depois e duas relacionando onde e quando. Eram 4 questões,
mas uma delas teve baixa escalonabilidade e, por isso, foi retirada da escala (H= 0,07).
LINHA DO TEMPO continha duas questões onde linhas temporais estavam
desenhadas e a criança tinha que mostrar conhecimento de sua estrutura e funcionamento.
CALENDÁRIO – dois itens compunham esta escala. Um fácil, perguntando quantos
meses o ano tem e outra mais difícil, exigindo raciocínio lógico-matemático em relação aos
meses do ano.
RELÓGIO – escala com três questões: leitura das horas em um relógio analógico,
escrever as horas em um relógio digital e em um relógio analógico. Aqui também tivemos
que eliminar um item de baixa escalonabilidade (H= 0,02).
Encontramos correlação positiva entre todas as escalas e as seguintes variáveis:
idade da criança, ano escolar e IDEB das escolas. Elas também tiveram uma correlação
positiva entre si, ou seja, quanto maior o desempenho das crianças em uma escala, maior
também era seu desempenho nas outras.
Vimos que, no instrumento, a taxa de acerto variou de conceito para conceito e
de ano escolar para ano escolar. A Tabela 7 apresenta as porcentagens de acerto nas
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 18 197
questões do instrumento por conceito e ano.
Conceito/ano # da questão Média
ROTINA Q1 48% 76% 80% 96% 75%
HORA Q2 (digital)
Q5 (analógico) 53%
47% 80%
62% 82%
49% 90%
63% 76%
55%
IDADE Q3
Q4 52%
62% 65%
76% 81%
88% 87%
92% 71%
80%
ORDEM Q6
Q10 55%
23% 72%
63% 82%
85% 91%
93% 75%
66%
DURAÇÃO Q7
Q17 66%
40% 78%
43% 83%
47% 89%
66% 79%
49%
SEMANA Q8 51% 72% 88% 94% 76%
CALENDÁRIO Q11
Q14 42%
28% 70%
33% 73%
40% 90%
55% 69%
39%
PASSAGEM DO
TEMPO Q12 53% 63% 85% 93% 74%
ESPAÇO-TEMPO Q18
Q19 68%
37% 81%
47% 84%
68% 94%
88% 82%
60%
LINHA DO TEMPO Q21
Q22 13%
24% 21%
26% 28%
45% 42%
64% 26%
40%
Média 44% 58% 70% 81%
Tabela 7. Porcentagem de acertos em cada conceito do instrumento por ano escolar.
Como exposto na tabela, uma progressão na média de desempenho nos
conceitos, com exceção da questão do relógio analógico citada acima, Q5, que contrasta
inclusive com a questão sobre o relógio digital, Q2.
Outra forma que elegemos olhar os dados foi separando as questões em conceitos
temporais do tipo cientíco e do tipo cotidiano, em acordo com as denições trazidas por
Vigotski (2009/1934) e adaptadas por Nelson (1996). A escala de conceitos cientícos cou
com oito questões e a de conceitos cotidianos, com dez questões.
Apesar do desempenho das crianças ter sido superior quando o conceito temporal
era do tipo cotidiano (M=7,39), do que quando era do tipo cientíco (M= 4,15), teste-t, p<
0,001, aqui também houve uma progressão no desempenho das crianças por ano, como
mostra a Tabela 4.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 18 198
Tipo de conceito / ano escolar N Média Desvio Padrão
Cotidiano
2155 5,37 2,186
3 159 6,84 2,101
4 204 7,85 1,816
5202 8,90 1,346
Média 720 7,39 2,255
Cientíco 2155 2,81 1,504
3 159 3,86 1,789
4 204 4,27 1,732
5202 5,30 1,529
Média 720 4,15 1,863
Tabela 4. Desempenho por tipo de conceito e ano escolar.
Como mostra a tabela, o desempenho das crianças nas questões que envolvem
conceitos cotidianos é superior ao seu desempenho em conceitos cientícos. O Gráco
1 ilustra como, apesar dos dois tipos de conceitos mostrarem desempenho crescente nos
anos escolares, os cientícos estão sempre abaixo dos cotidianos.
Gráco 1. Aprendizagem de conceitos cotidianos e cientícos
Desempenho em conceitos temporais específicos
Quando olhamos alguns dos itens separadamente, percebemos a defasagem entre
o que se espera das crianças e o que elas mostram saber no instrumento. Por exemplo,
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 18 199
uma das questões pedia que as crianças desenhassem 10h em um relógio analógico. O
resultado mostrou que nem no 5º ano todas as crianças conseguiram fazer esse desenho
de forma correta. A Tabela 5 ilustra a progressão do desempenho na questão por ano
escolar.
N HORA no relógio analógico
2º ano 47% (73/155)
3º ano 62% (99/159)
4º ano 49% (99/204)
5º ano 63% (127/202)
Média 55%
Tabela 5. Porcentagem de acerto no desenho do relógio por ano.
Em contraste, o relógio digital é mais familiar e mais fácil para as crianças. Sua
lógica é mais simples e não requer conhecimento de frações, como o relógio analógico
exige, por exemplo. Coerente com esse raciocínio, para a questão com relógio digital, o
desempenho das crianças entre 2º e 5º anos foi de 52% a 90%.
Outros itens analisados incluíram o conhecimento de rotina, dos dias da semana,
dos meses do ano e da relação espaço-tempo. Discutimos cada um deles a seguir.
Com relação à rotina, a progressão é clara. Enquanto no 2º ano 48% das crianças
acertaram a questão, no ano este número aumenta para 96%. Já os dias da semana,
conceito básico, trabalhado com crianças desde a Educação Infantil e é aprendido entre
as idades de 3 e 5 anos, apresentaram-se como conceitos difíceis para as crianças: elas
tiveram apenas 49% de acerto no 2º ano e 28% no 3º ano.
4 | LIVROS DIDÁTICOS ADOTADOS PELAS ESCOLAS6
O Estudo 2 incluiu uma análise dos livros didáticos adotados pelas escolas. Para
esta etapa, inicialmente, zemos um levantamento junto às escolas participantes do estudo
de quais livros didáticos adotaram no ano de realização do teste temporal. Em seguida,
entramos em contato com as editoras dos livros para pedir um exemplar para análise.
Como algumas editoras não tinham ou não publicavam o livro, foi necessário adquiri-
lo por meio de compra online ou em sebos. Como as escolas participantes não usavam
livros didáticos no 2º e anos, para esses anos analisamos os cadernos pedagógicos
elaborados pela SME/RJ. O Anexo 1 mostra quais livros foram incluídos nas análises.
Os dados foram analisados de acordo com a área dos livros – História ou Matemática
– e de acordo com o ano escolar. A tabela 10 mostra a frequência de atividades encontradas
nos materiais e o máximo de acertos nos itens do teste, por ano escolar. As tabelas 11 e
6 Pesquisa realizada com apoio da Faperj, edital Jovem Cientista do Nosso Estado – 2015-2017.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 18 200
12 mostram a frequência de atividades encontradas nos materiais e o máximo de acertos
nos itens do teste, por área de conhecimento – História e Matemática. Como os cadernos
pedagógicos não são divididos por área de conhecimento, eles foram analisados apenas
por ano escolar.
2º ano (caderno
pedagógico) Acertos 3º ano (caderno
pedagógico) Acertos
ROTINA 0 48% 176%
HORA analógica 5 47% 7 62%
HORA digital 1 53% 180%
IDADE 0 62% 276%
ORDEM 0 55% 3 72%
DURAÇÃO 0 66% 078%
SEMANA 1 51% 972%
CALENDÁRIO 8 42% 11 70%
PASSAGEM DO
TEMPO 053% 063%
ESPAÇO-TEMPO 0 68% 081%
LINHA DO TEMPO 224% 226%
Tabela 10. Frequência de atividades nos cadernos pedagógicos e acertos no instrumento por ano.7
Os materiais foram analisados com base nos conceitos aferidos pelo instrumento
da pesquisa. A codicação foi realizada no grupo de pesquisa, por quatro estudantes de
graduação. A concordância entre as codicadoras variou entre 91% e 100%. Após identicar
os conceitos nos materiais, realizamos uma comparação com os resultados do instrumento
temporal.
Observando os conceitos mais fáceis (com maior porcentagem de acerto) e os
mais difíceis (com menor porcentagem de acerto) por ano escolar, podemos associar os
mais fáceis aos conceitos cotidianos discutidos acima e, os mais difíceis, aos conceitos
cientícos (com exceção de hora digital, que é cientíco). Esses resultados conrmam
o padrão encontrado na Tabela 5. Os conceitos cotidianos não somente são aprendidos
mais cedo, como também são mais fáceis de compreender, pois não dependem de uma
aprendizagem explícita. Outro achado importante é que linha do tempo e calendário se
mostram como os conceitos mais difíceis do 3º ao 5º ano.
A Tabela 10 mostra que os cadernos pedagógicos do ano trabalham poucos
conceitos temporais. De um modo geral, nos cadernos de ano, as questões temporais
estão mais presentes, representadas por hora, semana e calendário. O desempenho das
crianças acompanha esta maior ênfase: um aumento signicativo na porcentagem de
7 Esta tabela inclui os conceitos encontrados nos livros de Ciências.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 18 201
crianças acertando os itens destes conceitos.
Prevalece o trabalho com hora e calendário e vemos que o desempenho das
crianças nestes dois conceitos mostra que aproximadamente metade das crianças acertou.
Além disso, tanto no 2º como no 3º ano, o trabalho com hora privilegia o relógio analógico,
que, como dissemos, é bastante difícil e, não coincidentemente, é onde as crianças
menos acertam no teste. Por m, cabe notar que o desempenho das crianças neste item
mostra ser diferente de seu desempenho em todos os outros conceitos, a saber, não
uma progressão linear por ano escolar no conhecimento do conceito hora.
Os dados mostram que no 3º ano, entra uma preocupação com trabalhar o conceito
de semana. Em estudo anterior (Eisenberg, 2016), vimos que na Educação Infantil
existe um trabalho com os dias da semana, e que as crianças já se preocupam com este
conceito. No entanto, o caderno do 2º ano não reete essa preocupação e o desempenho
das crianças é de metade de acertos. Somente no ano a proporção de crianças que
acerta sobe para 72% e somente chega a quase 100% no ano. Cabe questionar aqui
como essas crianças navegam na sua rotina se não entendem os dias da semana?
A seguir, analisamos os livros didáticos de história e matemática adotados nos 4º e
5º anos e comparamos ao desempenho das crianças no instrumento. As tabelas 11 e 12
resumem esses dados.
Livros de história Acertos Acertos Soma
PASSAGEM DO TEMPO 50 85% 63 93% 11 3
LINHA DO TEMPO 44 45% 6 64% 50
ORDEM 6 85% 293% 8
DURAÇÃO 4 83% 189% 5
ESPAÇO-TEMPO 3 94% 194% 4
HORA 2 49% 063% 2
CALENDÁRIO 2 73% 090% 2
ROTINA 0 80% 096% 0
IDADE 0 88% 092% 0
SEMANA 0 88% 094% 0
Tabela 11. Frequência de atividades nos livros de História e acertos no teste.
Os livros de História trazem uma quantidade expressiva de atividades que envolvem
os conceitos de passagem do tempo e linha do tempo. Estas atividades estão representadas
por fotos de diferentes épocas, no primeiro caso, e por ordenação de eventos no tempo,
no caso do segundo conceito. Os demais conceitos parecem já ter sido apropriados pelos
alunos, com exceção do conceito hora, que continua sendo difícil e que o livro de História
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 18 202
não inclui entre suas atividades. Não surpreende ver que os livros de História não trazem
os conceitos de rotina, idade e semana, já que são trabalhados desde a educação infantil,
e que no ano já deveriam saber usar com prociência. Os resultados corroboram esta
hipótese. O mesmo se aplica para os conceitos de espaço-tempo, de calendário, ordem e
duração.
Olhando a Tabela 12, e lembrando que o fraco desempenho em hora pode ser
atribuído a problemas de compreensão da hora analógica, e não da digital, vemos que
o livro de Matemática do ano dedica um total de 70 atividades para este conceito. No
entanto, no 5º ano, esse número cai para apenas 7 atividades. Em contraste, a proporção
de alunos que acertam desenhar a hora no relógio não passa de 49% no 4º ano e de 63%
no 5º ano (porcentagens similares ao desempenho das crianças de 2º e 3º anos).
Matemática
Acertos Acertos Soma
HORA analógica 49% 763% 77
HORA digital 70 82% 90%
CALENDÁRIO 53 73% 16 90% 69
SEMANA 23 88% 6 94% 29
ROTINA 5 80% 296% 7
DURAÇÃO 5 83% 189% 6
LINHA DO TEMPO 4 45% 064% 4
ORDEM 0 85% 193% 1
IDADE 0 88% 092% 0
PASSAGEM DO TEMPO 085% 093% 0
ESPAÇO-TEMPO 0 94% 094% 0
Tabela 12. Frequência de atividades nos livros de Matemática e acertos no teste.
Os livros de matemática enfatizam o trabalho com calendário e semana, além de
hora. Aqui também vemos uma queda expressiva no número de atividades com esses
conceitos do 4º para o ano. Porém, diferente de hora, esses conceitos parecem estar
bem consolidados dentre a maioria das crianças desta faixa etária. Esse contraste marca
a necessidade dos livros didáticos se ocuparem mais com conceitos mais difíceis para as
crianças, como é o caso do relógio analógico, e menos com conceitos já internalizados
por elas. rotina e duração são conceitos que já são trabalhados desde a Educação Infantil,
então se espera um bom desempenho por parte das crianças e não se faz necessário tratar
desses conceitos nos livros didáticos de 4º e 5º anos. Observe-se que no 2º ano, 48% das
crianças acertaram a questão de rotina e, já no ano esta proporção sobe para 76%. O
mesmo acontece com duração, que vai de 66% no 2º ano para 78% no 3º.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 18 203
5 | CONCLUSÕES
Os resultados da pesquisa são discutidos à luz das ideias de Vigotski (2000) a
respeito da relação dialética entre a linguagem e o pensamento, o uso da linguagem antes
da compreensão do conceito e a relação dialética entre conceitos cotidianos e cientícos.
O achado de que os conceitos cientícos são adquirido posteriormente aos
cotidianos corrobora a ideia de que, por serem aprendidos no dia-a-dia desde que a criança
vem ao mundo, os conceitos cotidianos são mais acessíveis para as crianças e, portanto,
aprendidos antes dos cientícos.
Sendo a questão temporal complexa, abstrata e de aprendizado lento, que envolve
tanto conceitos mais simples que podem ser aprendidos no cotidiano - a rotina e a sequência
dos eventos -, como conceitos mais complexos, que envolvem outras aprendizagens
igualmente complexas, como a noção de espaço e noções de matemática (adição,
subtração, divisão e fração), apresenta-se aí o desao para a criança e, mais importante,
para o professor, que tem papel de mediador entre o conhecimento, a linguagem que o
organiza e seu aluno.
Chamou atenção na pesquisa que o descompasso entre o que as crianças sabem (ou
estão aprendendo) e o que os livros didáticos e cadernos pedagógicos trabalham de fato se
conrma com a maior parte dos conceitos. O que mais chama a atenção é hora analógica.
Nossa hipótese é de que a diculdade do conceito é subestimada, tratada como um
problema de matemática e dado como assunto liquidado no 5º ano. Surpreendentemente,
o desempenho das crianças no instrumento apresentou outro cenário: não uma
progressão linear neste conhecimento e, ainda no ano, 37% das crianças não sabem
responder a questões a respeito deste conceito. Cabe notar aqui também que a maior parte
das atividades com hora nos cadernos pedagógicos é com desenhos de relógios onde
elas precisam ler as horas ou desenhá-las; atividade muito semelhante àquela testada no
instrumento temporal e que apenas 63% das crianças de 5º ano souberam resolver.
É necessário levar em conta que o trabalho com relógios aparece nos cadernos
pedagógicos da prefeitura da cidade para os 2º e 3º anos, primordialmente, mas também
nos livros didáticos de 4º ano e, menos frequentemente, nos de 5º ano.
O descompasso também é visto com conceitos mais difíceis para as crianças, como
linha do tempo e calendário.
1. ORDEM - entre cadernos e livros, traz apenas 18 atividades sendo que nenhuma
nos materiais de ano. O desempenho delas melhora paulatinamente até o 5º ano e,
portanto, tardiamente. Elas se beneciariam de ter mais atividades que trabalhasse esse
conceito.
2. CALENDÁRIO – mostra uma progressão na quantidade de atividades do 2º ano
(8), ao 3º (11) e 4º (66) anos. No entanto, no 5º ano vimos uma queda drástica – descendo
para 16 atividades no total. Mais um conceito cujo desempenho é baixo, levando-se em
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 18 204
conta que ele é trabalhado desde a Educação Infantil (Janela-calendário, por exemplo).
Em estudo anterior (Eisenberg, 2015) argumentamos que, como os cursos de formação de
professores não trabalham a questão do tempo, os professores estão despreparados para
entender seu desenvolvimento na criança e a melhor forma de mediá-lo.
3. LINHA DO TEMPO o conceito mais difícil do teste e, por isso, colocado em
último lugar. Ele praticamente não aparece nos cadernos pedagógicos, aparece de forma
expressiva nos livros de 4º ano (48 atividades) e depois também cai no ano para 14
atividades. O pico de atividades nos livros de ano e a queda nos de ano sugere a
expectativa de que as crianças já tenham internalizado este conceito. No entanto, os dados
não corroboram esta hipótese, já que a pontuação máxima não passa de 64% (5º ano).
Argumentamos aqui que os cursos de formação de professores não os preparam
para esta tarefa de mediação desses conceitos. Em trabalho anterior, Eisenberg (2016),
mostramos que as crenças que os educadores têm a respeito do conhecimento de tempo
de suas crianças é intuitivo e pouco formal. A consequência disso é um trabalho intuitivo e
pouco pedagógico.
Nossa pesquisa tem por intuito mostrar a importância da mediação intencional,
pedagógica para se obter uma efetiva aprendizagem de conceitos temporais. Os livros
didáticos, como vimos, apresentam atividades de forma a criar a ilusão de que as crianças
já dominam certos conceitos dos quais parecem estar longe de se apropriar.
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TILLMAN, K. A.; MONIER, F., Zhang, M., Redshaw, J.; McCormack, T. Time in the mind of a child:
Perspectives on the development of temporal cognition. Cognitive Science, 2017, p. 35-36.
VYGOTSKY, L.S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2ª ed.,
2009/1934.
ANEXO 1: LISTA DOS LIVROS ANALISADOS
Livro 2° ano de História: Projeto Buriti - História - Organizadora Editora Moderna;
obra coletiva concebida, desenvolvida e produzida pela Editora Moderna; Editor
Responsável Cesar da Costa Junior; 1ª.ed.- São Paulo: Moderna, 2007.
Livro 2° ano de Matemática: Projeto Buriti - Matemática - Organizadora Editora
Moderna; obra coletiva concebida, desenvolvida e produzida pela Editora Moderna;
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 18 206
Editoras Responsáveis Maria Virgília Gastaldi, Mara Regina Garcia Gay.- 1ª. ed.- São
Paulo: Moderna, 2007.
Livro 3° ano de História: Projeto Buriti - História - Organizadora Editora
Moderna; obra coletiva concebida, desenvolvida e produzida pela Editora Moderna; Editor
Responsável Cesar da Costa Junior; 1ª.ed.- São Paulo: Moderna, 2007.
Livro 3° ano de Matemática: Projeto Buriti - Matemática - Organizadora Editora
Moderna; obra coletiva concebida, desenvolvida e produzida pela Editora Moderna; Editora
Responsável Mara Regina Garcia Gay.- 1ª. ed.- São Paulo: Moderna, 2007
Livro 4° ano de Matemática: Projeto Buriti -Matemática - Organizadora Editora
Moderna; obra coletiva concebida, desenvolvida e produzida pela Editora Moderna; Editora
Responsável Mara Regina Garcia Gay.- 1ª. ed.- São Paulo: Moderna, 2007
Livro 5° ano de Matemática: Projeto Buriti -Matemática - Organizadora Editora
Moderna; obra coletiva concebida, desenvolvida e produzida pela Editora Moderna; Editora
Responsável Mara Regina Garcia Gay.- 1ª. ed.- São Paulo: Moderna, 2007
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 19 207
Data de aceite: 20/08/2021
CAPÍTULO 19
MECANISMOS DE COMPENSAÇÃO ADOTADOS
POR UMA NONAGENÁRIA IMPOSSIBILITADA DE
ANDAR: UM ESTUDO DE CASO
Rosaine da Silva Santos Sousa
Mestre em Temas de Psicologia do
Desenvolvimento, pela Faculdade de Psicologia
e Ciências da Educação da Universidade de
Coimbra - UC (2017).
http://lattes.cnpq.br/8409524148385988
RESUMO: A pesquisa que aqui se apresenta
seguiu a seguinte estrutura: revisão da literatura,
numa perspectiva histórica, acerca do processo
de envelhecimento e apresentação dos achados
acerca dos mecanismos de compensação,
adotados por uma nonagenária impossibilitada
de andar. O estudo de caso teve a participação de
um indivíduo do gênero feminino, que sobreviveu
à Segunda Guerra Mundial, com a idade de
91 anos. Para uma abordagem compreensiva
dos fatos, as principais ferramentas utilizadas
foram: a técnica de análise de história oral e
a observação participante. As observações
ocorreram ao longo de três meses, durante
três dias por semana. Os resultados mostraram
que, apesar ter enfrentado graves problemas
em sua mobilidade, a idosa explorou o máximo
das oportunidades, selecionou as tarefas com
potencial de continuidade, otimizou e compensou
as perdas através do gerenciamento e retirada
de satisfação destas tarefas.
PALAVRAS - CHAVE: Envelhecimento;
Mecanismos de Compensação
COMPENSATION MECHANISMS
ADOPTED BY A NINETEEN-YEAR-OLD
WOMAN UNABLE TO WALK: A CASE
STUDY
ABSTRACT: The research presented here was
developed in the following structure: a literature
review, in a historical perspective, about the
aging process, and presentation of ndings
about the compensation mechanisms adopted
by a nonagenarian unable to walk. The case
study had the participation of a 91-year-old,
World War II survivor female individual. For
a comprehensive approach to the facts, the
main tools used were: The analysis technique
of oral history and participant observation. The
observations were developed for three months,
for three days per week. The results showed
that despite having faced serious problems in
their mobility, the elderly participant explored the
most of the opportunities, selected tasks with
continuity potential, optimized and compensated
the losses through the management and removal
of fulllment of these tasks.
KEYWORDS: Aging, Compensation Mechanisms
INTRODUÇÃO
Na concepção da antropologia, o
processo de envelhecimento, as categorias
sociais criadas pelos mais jovens em relação a
velhice e suas diversas representações estão
ligadas ao momento histórico, social e cultural,
que podem adquirir diferentes modulações
(LINS DE BARROS, 2006). Numa perspectiva
histórica, a velhice se vincula a processos de
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 19 208
inatividade laboral, social, cultural, incapacidade, dependência, etc. (DUARTE, 1999, p.
36).
Ao depararmo-nos com a losoa, encontramos Immanuel Kant nas “observações
sobre o sentimento do belo e do sublime” relacionando a idade avançada com o sublime e
a juventude com o belo. Já Céfalo, em diálogo com Sócrates, descrito na obra “A República
de Platão”, estabelece, naquele período histórico, um elo entre velhice e sabedoria, ao
mencionar que a ciência da pessoa de mais idade em relação ao caminho que já percorreu
pode ser valiosa, pois, a faz conhecê-lo melhor do que aquele que possivelmente ainda o
irá trilhar (PLATÃO, 2014).
Por alusão ao que é pontuado, de maneira recorrente, por autores da psicologia do
desenvolvimento, pode-se referenciar Kant, que defendeu, em sua conversação sobre a
bondade, a tese de “[...] que o movimento da alma não se baseia num fundamento universal”
(2005, p. 46). Exemplo, que tem orientação símile e vem corroborar esta compreensão,
são os estudos antropológicos que perspectivam que a velhice não é um construto que
uniformiza os comportamentos dos indivíduos (LINS DE BARROS, 2006).
Em tempos remotos, os limites etários tinham sido xados pelos egípcios nos cem
anos de idade, sendo que a duração média de vida não ultrapassava um quarto de século
(DESTREM, 1979, p. 13). Na idade média existia um interesse em encontrar métodos
para atingir a longevidade innda (imortalidade) da vida, que se prolongou pelos séculos
XVI, XVII e XVIII e nalmente a partir do século XIX o foco passou a estar mais centrado
em tornar essa longa duração de vida mais saudável – perspectiva não antagônica a da
Organização Mundial de Saúde, que indica: “o importante não é dar anos à vida, mas sim
vida aos anos” (DUARTE, 1999, p. 37).
No âmbito acadêmico, por longos períodos, as investigações negligenciaram o
estudo sobre o envelhecimento a partir de uma idade mais avançada – o envelhecimento é
um processo que ocorre desde o nascimento do indivíduo até a sua morte, o que nos leva a
inferir que ora por uma via, ora por outra, sempre existiram estudos relacionados ao tema.
No entanto, com o desenvolvimento social, cultural e com o prolongamento geracional
mundial, também houve um maior interesse oriundo dos investigadores das mais diversas
áreas, como da psicologia, medicina, antropologia, sociologia, gerontologia, em estudar
essa população. Segundo Debert, com o processo de modernização das sociedades,
as alterações históricas culminaram em diferenciar o indivíduo de acordo com etapas
desenvolvimentais e no próprio conhecimento sobre a evolução da vida como um fator
digno de relevância (1999, apud SILVA, 2008, p. 157).
O aumento da expectativa de vida e do conhecimento acerca do envelhecer, centrou
a busca dos estudos cientícos em encontrar métodos/caminhos que ajudem o indivíduo a
permanecer independente e com a sua vida quotidiana ativa. As reexões acerca do tema
fomentam os debates atuais sobre o envelhecimento saudável: exitoso, bem sucedido e
ativo, sendo o envelhecimento saudável um conceito multifacetado, que inclui componentes
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 19 209
físicas, sociais, emocionais e cognitivas (ALDWIN, 1994; BALTES, BALTES, 1990; BALTES,
SMITH, 1995; LEVENSON, et al, 2001; MAUAD, 1999; NERI, 1997; ROWE, KAHN, 1998,
apud CUPERTINO, et al, 2007, p. 82).
Num estudo que investigou a perspectiva dos idosos em relação a denição de
envelhecer ativamente, foram englobadas 20 categorias com elementos do envelhecimento
saudável:
Saúde física Alimentação e
exercícios Espiritualidade Ter espírito jovem Integridade
Saúde social Evitar fatores de
risco Atividade
operacional Ter novas
habilidades Manter o controle
Saúde emocional Atividades gerais Estrutura familiar Não guardar
mágoas
Atividades
especícas para a
terceira idade
Saúde cognitiva Aceitação dessa
fase Viver plenamente Aprender Envelhecimento
patológico
Tabela 1. Componentes do estudo.
FONTE: CUPERTINO, et al, 2007, p. 82.
Contrariando a visão histórica, os resultados indicaram a não consideração do
envelhecimento como um período patológico, perspectiva esta que valida os estudos que
defendem o envelhecimento saudável atrelado à saúde física, cognitiva, emocional e social
(CUPERTINO, et al, 2007, p. 82-83).
O envelhecimento saudável é uma das três possíveis trajetórias de desenvolvimento
humano que são narradas por Rowe e Kahn: normal, patológica e, como mencionado,
saudável. Estes autores apresentam o envelhecimento saudável como aquele que tem
diminuto risco de doenças e incapacidades causadas por estas; funcionamento físico e
mental em estados de excelência; e vida ativa (1998, apud CUPERTINO, et al, 2007, p.
82). Segundo Lamb, a incapacidade, está ligada a prejuízos no plano social individual e
na execução das atividades quotidianas e dos papeis que são ditados pela esfera social e
cultural na qual a pessoa está inserida (1996, apud RABELO, NERI, 2005, p. 403).
Paul Baltes e Margret Baltes propuseram o modelo de seleção, otimização
e compensação (SOC), cujo principal pilar se fundamenta na suposição de que o
envelhecimento exitoso é mediado pelo esforço seletivo, que pode ser aplicado a campos
onde possibilidade de continuidade no desenvolvimento. A partir desse esforço
ocorrerá a otimização da funcionalidade, havendo, deste modo, compensação das perdas
inerentes ou não ao envelhecimento (1990, apud NERI, 2007, p. 415). Esse mecanismo de
compensação relaciona-se a processos psicológicos ou empenhos comportamentais que
visam otimizar a funcionalidade (1996, apud RABELO, NERI, 2005, p. 408).
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 19 210
De acordo com Duarte e Pavarini, a qualidade de vida na idade avançada tem sido,
quase que na generalidade, relacionada a dois domínios: dependência e autonomia (1997,
apud SOUSA, et al, 2003, p. 365-366). Entre os três tipos de dependência descritas por
Baltes e Silvenberg, encontramos a dependência física, que se refere à incapacidade
operacional do indivíduo em executar as atividades da vida diária (1995, apud SOUSA, et
al, 2003, p. 366). Rabelo e Neri (2005, p. 404) pontuam que quando o funcionamento físico,
sensorial e cognitivo do indivíduo sofre algum déce, o desempenho diário e a avaliação
subjetiva que este faz de sua vida, também podem ser afetados. A perspectiva do sujeito
idoso, em relação a condição vivenciada, pode inuenciar positivamente ou negativamente
sua forma de estar e agir diante da realidade.
Uma variável que tem sido estudada extensivamente é a de bem-estar psicológico.
Ryff está entre os autores com linhas de pesquisas nesse campo, o seu modelo de bem-
estar psicológico inclui a autoaceitação, relações positivas com os outros — e.g., relações
calorosas, empáticas, afetuosas, satisfatórias, dar e receber nas relações humanas —,
autonomia, domínio sobre o ambiente, propósito na vida e crescimento pessoal. Para este
autor, intrínseco ao processo de autonomia está a autodeterminação e independência e
isso não exclui a possibilidade de apoio operacional para o indivíduo fazer suas escolhas
e executar suas atividades quotidianas; abarca a livre decisão sobre como agir e pensar
relativamente ao que é melhor para si. Para este autor, o domínio sobre o ambiente se
trata da capacidade de adequar o contexto aos seus valores e necessidades, minimizar as
barreiras para a própria adaptação e a do ambiente (1989, apud RESENDE, NERI, 2009,
p. 768).
Relativamente a essa adaptação, o sujeito pode otimizar os ganhos ao buscar,
selecionar e ajustar seus objetivos e metas em resposta às mudanças que favorecem as
oportunidades ao longo do seu ciclo vital (HECKHAUSEN, WROSCH, 2010, p.47). Deste
modo, infere-se que para a máxima realização de seu potencial, o indivíduo deve decidir
quanto aos domínios de vida que deve incidir ou abstrair-se, compensando e confrontando
os limites e desaos que encontra ao longo do seu curso da vida, para que assim tenha um
desenvolvimento adaptativo/bem sucedido.
Com base na revisão executada inferimos que aceitar ou compensar as perdas,
relacionadas ao envelhecimento, pode ser uma decisão do indivíduo. Deste modo, o
fulcro deste estudo empírico esteve centrado em identicar um caso especíco de uma
nonagenária incapacitada de executar, sem a ajuda de outros atores, suas atividades
diárias, e se propor a responder a seguinte colocação: é possível um indivíduo idoso, em
uma condição crônica de imobilidade, encontrar estratégias de compensação para manter
a sua vida o mais “ativa”/autônoma possível?
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 19 211
METODOLOGIA
Segundo Goode e Hatt (1972, p. 422), um dos principais objetivos do estudo de
caso é preservar o caráter unitário do objeto investigado. Este método está enraizado na
pesquisa etnográca tradicional, sendo seu foco fundamental compreender as múltiplas
perspectivas de um fenômeno e a forma como as mesmas interagem entre si. Em relação
a observação cientíca, o que a torna distinta da observação quotidiana, é sua natureza
intencional e sistemática, que pressupõe documentação rigorosa, atenção selecionada aos
aspectos centrais do estudo.
Devido ao interesse em pesquisar em profundidade os processos e as relações
desse caso especíco, o trabalho que aqui se apresenta foi de natureza qualitativa.
Participou desta pesquisa um indivíduo do sexo feminino, com a idade de 91 anos
(apresentada como “MM”, para preservação de sigilo), impossibilitada de locomover-se.
As informações foram recolhidas, na cidade do Porto, Portugal, ao longo de três meses de
observações, durante três dias por semana.
Utilizou-se um gravador digital para fazer o registro da entrevista de história oral,
através de um roteiro composto por questões relacionadas à biograa da participante. Um
outro recurso utilizado foi o da observação participante, sendo esta naturalística, tendo
como objetivo respeitar a ocorrência espontânea dos fenômenos e responder de forma não
invasiva a questão inicialmente colocada.
Para a análise e tratamento dos dados da entrevista foi utilizada a técnica de análise
de história oral. Segundo Meihy (2006, p. 197), é pertinente fazer uso da história oral
quando os meios convencionais não são capazes de tirar o véu do subliminar, quando os
documentos formalizados não revelam detalhes que são relevantes.
RESULTADOS
O discurso foi transcrito de acordo com os temas abordados, a saber:
Síntese biográca
Descrição das causas da imobilidade
Descrição de um dia característico
Domínio sobre o ambiente
Relações positivas: preservação plano familiar e social
Relações positivas: contexto proximal
Mecanismos de compensação
Tabela 2. Temas abordados no estudo.
Fonte: Elaborada pela autora.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 19 212
SÍNTESE BIOGRÁFICA DO CASO A SER RELATADO
MM era uma alemã de 91 anos que imigrou para Portugal em 1946 após se casar,
depois do término da Segunda Guerra Mundial, sendo, à vista disso, uma sobrevivente
desse período conturbado; teve três lhos — dois do gênero feminino e um do gênero
masculino —, seis netos e sete bisnetos. Vinte anos antes do presente estudo a participante
já era viúva.
Relativamente ao histórico de atividade física, a participante relatou que nunca
gostou de praticar exercícios, mas que tinha uma vida ativa: passeava com algumas
amigas, fazia parte de um grupo composto por alemãs que se encontravam mensalmente
para jogar cartas, viajava frequentemente, para a Alemanha e outros países, com uma
grande amiga de infância, convivia com os lhos e com os netos, cultivava plantas e ores
em seu apartamento.
DESCRIÇÃO DAS CAUSAS DA IMOBILIDADE
A participante relatou que em 2010 sofreu um grave acidente quando estava a
passeio na Alemanha, sendo necessário passar por uma cirurgia no fêmur. Posteriormente
conseguiu continuar sua vida normalmente.
Em 2011 sofreu outro acidente e fraturou novamente o fêmur, após outra cirurgia
conseguiu, com alguma diculdade, voltar a andar. Em 2013 sofreu um Acidente Vascular
Cerebral (AVC), que não recordava, mas que segundo lhe relataram, não conseguia comer,
falar, se mexer. Após alguns meses conseguiu se recuperar e voltar a dar alguns passos
até a casa de banho, com a ajuda de prossionais (ligadas ou não à enfermagem) que
tinham sido contratadas para a assistir em sua residência.
No ano de 2014 sofreu um novo AVC, enfrentou as mesmas condições de saúde,
outra vez vez recuperou a consciência, mas não conseguiu voltar a locomover-se. Passou
a realizar apenas pequenos movimentos em cima da cama, se alimentar com as próprias
mãos, ligar a televisão, etc.
Desde a primeira diculdade que enfrentou em sua mobilidade, até a data das
observações, MM já necessitava de ser auxiliada pelas prossionais em sua casa, ou seja,
havia três anos que precisava de assistência, sendo que no início de todos os eventos uma
de suas lhas passou a tomar todas as decisões relativas as formalidades da casa.
DESCRIÇÃO DE UM DIA CARACTERÍSTICO DA PARTICIPANTE
MM dispunha de 6 prossionais que revezam o turno de trabalho para a acompanhar
24 horas por dia. Acordar cedo era um acontecimento natural e que foi mantido: quem vinha
pela manhã trazia o pão, MM costumava tomava o pequeno almoço não muito tarde, lia a
revista alemã com os programas semanais de televisão, assistia os noticiários de algum
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 19 213
canal alemão e a seguir acabava adormecendo com um dos programas que escolhia.
Na parte da tarde a participante conversava e lanchava com a pessoa que estivesse
no turno de trabalho. Ao m do dia, após ocorrer a troca de horário, a pessoa fazia-lhe o
lanche da noite, conversavam, a seguir MM tomava os remédios para dormir.
DOMÍNIO SOBRE O AMBIENTE
MM deu seguimento a uma parte das atividades que fazia antes de estar em um
estado crônico de imobilidade. Foi observado que ela tomava suas próprias decisões,
resolvia o horário e o que iria almoçar, lanchar, quando lhe deviam fazer a toalete. Assistia
os noticiários com satisfação, demonstrava grande familiaridade em assistir programas de
esporte apenas por interesse pessoal e também para posteriormente comentar com seus
lhos.
A senhora aqui reportada gostava de participar das trocas de turnos e organização
das escalas de trabalho das prossionais que a acompanhavam, sempre ao m do dia,
quando uma dessas se despedia, ela a interrogava sobre quem viria a seguir ou no dia a
seguir.
RELAÇÕES POSITIVAS: PRESERVAÇÃO NO PLANO FAMILIAR E SOCIAL
Os dois lhos (residentes em Portugal) a visitavam todos os dias e esta conversava
frequentemente, via chamadas telefônicas, com a lha que vivia na Alemanha. Alguns
netos, genros, noras e amigos também faziam visitas semanais.
MM logo pela manhã pedia que a penteassem, passassem um hidratante em seu
rosto e a ajudassem a vestir uma blusa formal para que pudesse manter-se bem apresentável
para si e para suas visitas. Também tinha em sua agenda os contatos telefônicos das
amigas antigas, às quais ligava pelo menos uma vez por semana.
RELAÇÕES POSITIVAS: CONTEXTO PROXIMAL
Notamos uma relação de maior afetuosidade entre MM e uma das prossionais que
a acompanhava, assim, quando era o dia ou turno de trabalho dessa, MM demonstrava
uma satisfação maior. As duas conversavam sobre a infância, família composta pelos
genitores e um irmão — e a respeito das experiências de MM durante a Segunda Guerra
Mundial. Partilhavam situações ocorridas quando estavam distantes uma da outra, além de
futuros acontecimentos.
Uma outra relação calorosa e afetuosa ocorria com uma senhora chamada ZZ (sigla
para preservação de sigilo), que a auxiliava, havia 20 anos, na manutenção da organização
da casa. ZZ tinha se transformado em alguém importante para toda a família. Neste caso,
era vista como uma amiga muito querida que a visitava duas vezes por semana (terças e
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 19 214
sextas), desempenhava suas atribuições, cuidava das plantas e ores, comprava todas
as terças-feira a revista alemã semanal e, nos dois dias em que trabalhava, levava o pão
que era comercializado próximo de sua casa e que MM relatava ser o “mais agradável de
todos”1.
MECANISMOS DE COMPENSAÇÃO
MM passou por períodos muito conturbados, como descrito anteriormente. Depois
do óbito do marido a idosa viveu sozinha vinte anos, após os fatos relatados, perdeu sua
autonomia, se viu obrigada a dividir a casa com outras pessoas (prossionais que já foram
mencionadas) e passou a necessitar de assistência contínua para executar suas atividades
diárias. Contudo, mesmo frente às adversidades, a participante selecionou os campos
possíveis de dar continuidade em sua autonomia, buscou otimizar sua funcionalidade e
compensar as perdas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao observar o histórico da idosa, percebemos que esta vivenciou períodos que seria
exigido de qualquer ser humano extrema resiliência para ultrapassa-los. Entre inúmeras
atrocidades inimagináveis durante a Segunda Guerra Mundial, MM ainda na adolescência
passou por continência alimentar, viu amigos, parentes muito próximos e pessoas em geral
morrerem. Podemos pontuar que seria menos complexo implementar mecanismos de
compensação em condições mais susceptíveis de serem geridas, ou seja, em condições de
saúde/mobilidade adversas, mas sem um curso crônico e sem um histórico tão impactante
quanto o vivenciado em período bélico. Diante de toda adversidade enfrentada MM poderia
resignar-se e apenas lamentar as perdas, mas os achados do estudo indicaram resultados
diferentes.
Enquanto idosa, ao constatar um declínio em suas faculdades individuais, explorou
o máximo das oportunidades, optou por não abster-se da vida. Buscou implementar
mecanismos de seleção, otimização e compensação, para manter sua autonomia e
compensar as perdas, através da satisfação nas atividades diárias e nas relações
interpessoais. Apesar de o seu funcionamento físico ter sofrido um grave déce, a avaliação
que a idosa fez da sua situação não congurou-se em contraproducente a esta pesquisa:
a condição vivenciada não inuenciou negativamente sua forma de estar e interagir com
o meio.
A participante mostrou uma autodeterminação em manter-se independente, mesmo
necessitando de apoio operacional. Conseguiu adaptar a si e ao ambiente, selecionou as
tarefas com potencial de continuidade, explorou o máximo das oportunidades, otimizou e
1 A lha dizia: “tudo que a ZZ faz ou traz, para ela é extraordinário”.
Parecia que a grande amizade existente entre ambas aperfeiçoava tudo.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 19 215
compensou as perdas através do gerenciamento e retirada de satisfação de suas tarefas
e interações.
Destarte, partindo das representações previamente explicitadas, a respeito do
tema debatido, consideramos que a idade cronológica, a presença ou a ausência de
limitações, não devem ser classicadas como fatores substanciais para determinar ações
e acontecimentos relacionados com a idade avançada. Entendemos que essas dimensões
apenas fornecem referencias de alguns eventos holísticos que podem ocorrer na espécie
humana, mas que têm o potencial de serem alterados de acordo com a avaliação subjetiva
que o sujeito faz de sua condição. Deste modo, essa avaliação pode inuenciar o curso dos
acontecimentos a partir da manifestação de limitações em seu funcionamento físico ou em
outras esferas de sua vida.
REFERÊNCIAS
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A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 19 216
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A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 20 217
Data de aceite: 20/08/2021
CAPÍTULO 20
CRENÇAS INFANTIS DE CONCEÇÃO E
NASCIMENTO E FATORES ASSOCIADOS
Data de submissão 04/06/2021
Filomena de São José Bolota Velho
Instituto Politécnico da Guarda, Portugal
Centro de Estudos em Educação e Inovação
(CI&DEI)
Unidade de Investigação para o
Desenvolvimento do Interior (UDI)
https://orcid.org/0000-0001-6774-7190
Elisabete Batoco Constante de Brito
Instituto Politécnico da Guarda, Portugal
Centro de Estudos em Educação e Inovação
(CI&DEI)
Unidade de Investigação para o
Desenvolvimento do Interior (UDI)
https://orcid.org/0000-0001-9568-6532
RESUMO: Pretendemos conhecer o processo
evolutivo e as caraterísticas especícas das
crenças infantis (3 a 10 anos) acerca da conceção,
nascimento e fatores associados. É um estudo
correlacional quase experimental. A nossa
amostra é incidental, constituída por 566 crianças
portuguesas. Neste estudo comprovámos
a existência de processos evolutivos ou de
diferenciação nas crenças infantis acerca
da conceção e do nascimento, associados
à idade, ao nível socioeconómico e ao nível
de desenvolvimento cognitivo. Salientamos a
importância das características da personalidade
infantil na construção do conhecimento afetivo e
sexual, fator chave e explicativo das diferenças
observadas. Sublinhamos a matriz de fatores
biológicos, sociais, cognitivos, motivacionais e
educacionais em que se alicerça a construção do
conhecimento afetivo sexual da criança.
PALAVRAS - CHAVE: Crenças infantis.
Conceção. Nascimento. Processos
evolutivos. Variáveis sócio demográcas e de
desenvolvimento.
CHILDREN’S BELIEFS ON CONCEPTION
AND BIRTH AND RELATED FACTORS
ABSTRACT: This research aims to know the
evolutionary process and specic characteristics
of children’s beliefs (3 to 10 years) about
conception and birth and related factors. It is a
correlational study, almost experimental. Our
sample is incidental, with 566 Portuguese children.
We have proved the existence of evolutionary
or differential processes in children’s beliefs
about pregnancy and intrauterine development,
related to age, socioeconomic level and cognitive
development. We highlight the importance of the
characteristics of the child’s personality in the
construction of affective and sexual knowledge,
which is a key factor that explains the differences
observed. Biologic, social, cognitive, motivational
and educational factors are the basis of the
affective and sexual understanding of a child.
KEYWORDS: Children’s beliefs. Conception.
Birth. Evolutionary Process. Sociodemographic
and development variables.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 20 218
1 | INTRODUÇÃO
A docência no ensino superior, durante cerca de vinte anos, aos cursos de formação
de Educadores de Infância, com as suas realidades e práticas pedagógicas, permite-
nos aperceber da importância da infância como período estruturante na formação da
personalidade. A supervisão de estágios permite-nos contactar de perto com a curiosidade
das crianças da pré-escola que, na sua ânsia de conhecerem o mundo que as rodeia,
perguntam sobre o que desconhecem. É vulgar na pré-escola, reproduzirem cenas de
casamentos, nascimentos e batizados, bem como cenas familiares em que repetem diálogos
e condutas que observam nos pais e nos adultos. Interessa-nos conhecer o mecanismo de
aquisição e evolução das crenças afetivo sexuais infantis (dos 3 aos 10 anos) acerca da
conceção e do nascimento, bem como os fatores associados. O alargamento de idades até
aos 10 anos surgiu da necessidade de analisar a evolução das crenças referidas, já que na
pré-escola a idade das crianças Portuguesas é dos 3 aos 5-6 anos, ocorrendo mudanças
conceptuais importantes entre os 4 e os 10 anos (Carey, 1985).
A motivação para esta investigação surgiu, ao termos constatado, nas pesquisas
bibliográcas acerca desta temática, que alguns dos estudos existentes eram muito antigos
(Conn, 1947; Nagy, 1953; Kreitler e kreitler, 1966; Moore e kendall, 1971; Bernstein e
Cowan, 1975; Bernstein, 1994; Cohen e Parker, 1977; Goldman e Goldman, 1982, 1988;
Gordon et al., 1990; Jagstaidt, 1984; Barragan, 1988; Volbert, 1996; Brilleslijper-Kater e
Baartman, 2000; Pereira 2004; Zoldosova e Prokop, 2007). Face às alterações educativas
familiares, com maior abertura na educação de pais e lhos, bem como ao papel da pré-
escola, sentimos curiosidade em saber se as crianças mantinham as crenças referidas em
tais estudos, ou se tinham evoluído.
Este artigo está estruturado em duas partes. Na primeira enquadramos teoricamente
a nossa temática, abordando as teorias sexuais formuladas pelas crianças, nos âmbitos
considerados. Após a descrição dos objetivos da nossa investigação, apresentamos o
nosso estudo empírico sobre as crenças consideradas (conceção e nascimento) e fatores
associados. Para tal, analisamos a sua associação com aspetos sociodemográcos
(idade, sexo, estrutura familiar) e de desenvolvimento. Alguns dos estudos existentes
acerca desta temática (Kreitler e Kreitler, 1966, Barragan, 1988; Bernstein e Cowan, 1975;
Goldman e Goldman, 1982), estabelecem uma relação estreita entre o desenvolvimento
do conhecimento sexual infantil e o desenvolvimento cognitivo, considerando que os dois
processos estão interligados. Visando poder comparar resultados, incluímos no nosso
estudo uma variável de desenvolvimento cognitivo, que medimos em termos piagetianos.
Fazemos a abordagem de aspetos metodológicos relativos à caracterização da amostra,
ao procedimento, à denição e operacionalização das variáveis e à análise estatística
realizada. Segue-se a apresentação de resultados, seguida da sistematização e discussão
dos mesmos, após o que estabeleceremos algumas conclusões.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 20 219
2 | CONCETUALIZAÇÃO TEÓRICA
Foram realizados alguns estudos relativos ao conhecimento infantil, acerca
da conceção e nascimento (Conn, 1947; Nagy, 1953; Kreitler e Kreitler, 1966; Moore e
Kendall, 1971; Bernstein e Cowan, 1975; Bernstein, 1994; Cohen e Parker, 1977; Goldman
e Goldman, 1982, 1988; Gordon et al., 1990; Jagstaidt, 1984 ; Barragan, 1988; Volbert,
1996; Brilleslijper-Kater e Baartman, 2000; Pereira 2004; Zoldosova e Prokop, 2007).
Genericamente, comprovam que as crianças mais novas têm conhecimentos incompletos
e inadequados e as mais velhas conhecimentos mais completos e exatos (Gordon et al.,
1990). Na opinião de Volbert (1996), as crianças com idades compreendidas entre os 4
e os 7 anos têm um conhecimento muito pequeno acerca do nascimento e algumas não
apresentam conhecimento acerca da conceção.
Especicamente, o estudo de Conn (1947), com 100 crianças dos 4 aos 11 anos,
concluiu que era inconcebível para as crianças de idade pré-escolar (até aos 6 anos), que
o bebé pudesse estar dentro da mãe, sendo o processo do nascimento, desconhecido para
elas.
Nagy (1953) comprovou, através de entrevistas, que o conhecimento infantil acerca
do processo de reprodução aumenta rapidamente entre os 4 e os 10 anos, referindo 4
níveis nas suas teorias: no nível 1 não nascimento, como não inicio de vida; no
nível 2 a vida começa mas sem interferência sequer da mãe; no nível 3 existe nascimento
apenas através da mãe e no nível 4, o nascimento implica também o pai. Os níveis 1 e 2
foram encontrados apenas antes dos 8 anos e o nível 4 apareceu somente depois dos 8
anos, tendo predominado nas crianças do seu estudo, o nível 3.
Nos estudos de Bruckner (1968) e Bosinki (1983), citados por Volbert (1996), muitas
das crianças entre os 4 e os 11 anos (60%) referiam a “história” da cegonha como origem
dos bebés.
Kreitler e Kreitler (1966) comprovaram, nos seus estudos, acerca da origem dos
bebés, que a teoria mais comum em crianças entre os 4 e 5 ½ anos de idade é a de que
o bebé é criado no corpo da mãe através da comida que ingere. Especicamente refere 3
níveis nos seus estudos: no nível 1, o bebé sempre existiu na barriga da mãe, no nível 2,
o bebé é criado na barriga da mãe através da comida que ela ingere e no nível 3, o bebé
é engolido pela mãe. Estes 3 níveis correspondem aos mencionados por Nagy, nos seus
níveis 1 e 2.
O estudo de Cohen e Parker (1977), à semelhança do de Moore e Kendall (1971)
mostrou que as crianças pequenas, entre os 3 e os 6 anos, ou não tinham explicações
quando eram inquiridas acerca da origem dos bebés, ou acreditavam que os bebés
estiveram sempre no interior da mãe.
Bernstein e Cowan (1975) e Goldman e Goldman (1982) continuaram os trabalhos
de Nagy (1953) e Kreitler e Kreitler (1966), tendo comprovado que na compreensão da
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 20 220
origem dos bebés existe uma progressão desenvolvimental onde as crianças constroem
ativamente as sua noções, sendo relevantes neste processo, os conceitos de causalidade
e identidade física e social, apontando no sentido de um desenvolvimento interativo.
Goldman e Goldman (1982) categorizaram as respostas das crianças em 6
níveis: geógrafas (nível 1, em que a única explicação é que o bebé está dentro da mãe),
manufaturadoras (nível 2, no qual o bebé é feito fora e posto dentro da mãe através de
meios não sexuais), agriculturalistas (nível 3, em que a analogia da semente no solo é
tomada literalmente), repórteres (nível 4, no qual conhecem os factos, mas não sabem
explica-los), miniaturistas (nível 5, em que acreditam que o bebé é plenamente formado
em miniatura no óvulo ou no esperma) e realistas (nível 6, no qual têm um conhecimento
teórico razoável de fertilização e da fusão).
Carey (1985) explica a evolução das crenças infantis acerca de reprodução através
de mudanças conceptuais, que ocorrem entre os 4 e os 10 anos, considerando a aquisição
de conhecimento como um processo de reestruturação de teorias intuitivas (utilizando
exemplos de biologia intuitiva).
Giordan e de Vecchi (1999) armam que as crianças desde pequenas sabem que
o bebé cresce na barriga da mãe. Com muita frequência é o pai que dá o bebé e o põe no
corpo da mãe sob a forma de semente. Também frequentemente este “elemento” entra no
dizer das crianças pelo umbigo, pelo ânus, pela boca ou até pela orelha. A conceção de que
o bebé é o produto de fecundação e desenvolvimento encontra-se já em 80% das crianças
de 10 anos, escondendo, no entanto, conceções falsas sobre os seus mecanismos, sendo
possível que existam palavras como espermatozoide que não tenham signicado biológico.
Acerca das teorias da fecundação, encontramos também nos trabalhos de Barragan
(1998), uma sequência evolutiva, acompanhada e explicada em termos de desenvolvimento
cognitivo piagetiano. O seu processo é similar ao proposto por Bernstein e Cowan (1975)
e Goldman e Goldman (1982). Assim, considera que o primeiro nível é de explicações pré
causais, relativas à preexistência dos bebés, combinando aleatoriamente várias partes do
corpo e outras relativas á falácia digestiva. Esta fase é caracterizada pela importância que
as crianças dão à vontade e desejo dos pais que, tal como Deus podem aparecer como
criadores. No segundo nível existe a incorporação progressiva de algumas variáveis de
carácter físico, social e cultural, características do período pré operatório (entre os 4 e os
7 anos). Nesta fase, as crianças valorizam muito o médico e o hospital como causas de
origem. Progressivamente, as crianças (até ao nal do período pré operacional) centram-se
cada vez mais no aumento da barriga e em formas mais elaboradas de falácia digestiva,
aparecendo também como explicação causal espontânea neste período a “teoria do beijo”
que atribui a origem dos bebés ao beijo dados entre os pais. O terceiro nível é uma fase de
explicações pré cientícas. A partir dos 7-8 anos, as teorias infantis acerca da origem dos
bebés integram mais variáveis explicativas que nos níveis anteriores, mas desconhecem
ainda o verdadeiro processo bio siológico da fecundação. No quarto nível, as crianças
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 20 221
integram nas suas explicações, de forma coerente, as variáveis físicas, sociais, culturais
e biológicas que intervêm na fecundação, sendo capazes de explicações verbais acerca
da fecundação, referindo mesmo a fusão do espermatozoide e do óvulo, mas ainda não o
percebem na totalidade.
Jagstaidt (1984), no seu estudo, com 160 crianças de 4 a 11 anos, tentou conciliar a
teoria de Freud com a teoria de Piaget, considerando que as teorias sexuais infantis acerca
da fecundação e nascimento apresentam uma estrutura sequencial de desenvolvimento,
existindo duas grandes categorias: as teorias sexuais pré lógicas (que se subdividem em
dois estádios, sendo o primeiro de pré existência e o segundo de articialismo mitológico)
e as lógicas ou inteligentes (que se subdividem nos estádios de articialismo técnico
e articialismo imanente). As crianças interpretam o nascimento e a fecundação por
assimilação às suas próprias ações (4 anos), às suas próprias funções (5-6 anos), ao real
manipulável (7-8 anos) e ao real observável (9-10-11 anos).
Gordon et al., (1990) realizaram um estudo com 130 crianças entre os 2 e os 7 anos,
tendo comprovado que as crianças não demonstraram conhecimento, relativamente às
temáticas em causa, até pelo menos aos 6 anos.
Volbert (1996), entrevistou 147 crianças de idade pré-escolar, sobre o conhecimento
do nascimento e procriação utilizando desenhos. Genericamente obteve resultados
similares aos obtidos por Gordon et al. (1990) e correspondentes às descritas nas últimas
3 décadas não podendo portanto concluir que tenham ocorrido mudanças substanciais
neste campo de aquisição de conhecimento sexual entre crianças de idade pré-escolar.
Segundo o autor, a crença mais frequente nas crianças do seu estudo é a de que o ovo
esteve sempre na barriga da mãe e de repente começou a crescer, por exemplo depois
de a mãe ter ingerido muita comida na sua alimentação (realçamos a semelhança com a
crença predominante no estudo de Kreitler e Kreitler, 1966). Concluiu que um total de 90%
de todas as crianças não tinha conhecimento relevante nesta área. O autor refere que os
resultados do seu estudo estão de acordo com a teoria de Carey (1985), sublinhando que
as crianças explicam a origem dos bebés, não de um ponto de vista biológico mas em
termos de objetivos e comportamentos sociais dos pais.
O estudo de Brilleslijper-Kater e Baartman (2000) analisou o conhecimento sexual
de 63 crianças holandesas entre os 2 e os 6 anos. A conclusão deste estudo comprova que
as crianças pequenas têm um conhecimento sexual muito pequeno, conforme os resultados
de Gordon et al., (1990) e Volbert (1996). O conhecimento relativo a aspetos de gravidez,
nascimento, reprodução e comportamento sexual adulto é muito limitado, diminuindo na
ordem indicada. Os autores consideram que os resultados do seu estudo estão de acordo
com outras investigações teóricas, acerca do desenvolvimento do pensamento sexual
das crianças, podendo situar-se a categorização desenvolvimental da compreensão das
crianças acerca da reprodução, na linha de Goldman e Goldman (1982). As crianças
disseram geralmente, que a mãe tinha de esperar até a barriga começar a car gorda, tinha
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 20 222
de comer, tomar uma bebida especial, engolir uma semente ou um ovo. O conhecimento
do relacionamento sexual da reprodução, como uma necessidade para a conceção é
desconhecido para a maioria das crianças que responderam a esta questão (84%).
Pereira, em 2004, realizou um estudo em Portugal acerca das “Conceções e
Obstáculos de Aprendizagem no Estudo da Reprodução Humana em Crianças do
CEB”. Participaram na sua investigação 163 crianças dos 5 aos 11 anos, de meio rural. Os
resultados do seu estudo permitiram identicar as conceções das crianças participantes,
sobre reprodução humana em dois períodos: antes da aprendizagem formal (1º e
anos de escolaridade: 5 a 8 anos) e depois da aprendizagem formal (3º e anos de
escolaridade: 8 a 11 anos), na qual ocorreu mudança conceptual (em Portugal o ensino
formal da reprodução humana, decorre n 3º ano de escolaridade ). No seu estudo, não
se registaram diferenças apreciáveis relativamente ao sexo. Dos 5 aos 8 anos, antes das
aprendizagens formais tornaram-se evidentes conceções redutoras em todos os tópicos
estudados, tanto nas representações icónicas como nas expressões verbais. Quanto à
origem dos bebés, até aos 8 anos (antes do ensino formal), as conceções de carácter
afetivo, predominaram como explicação, admitindo que o bebé surge da intervenção divina
e aceitando o papel ativo e exclusivo da mãe em termos da sua própria vontade. Surgiram
ainda nesta fase, embora em menor grau, conceções de carácter biológico, das quais se
destacou a referência à necessidade de ingestão de alimentos em grandes quantidades
por parte da mãe para que a barriga aumentasse de volume com o bebé no seu interior.
Após o ensino formal as suas conceções acerca da origem dos bebés passaram
de afetivas a biológicas, focando a origem humana, começando a ter ideias concretas
acerca da relação sexual dando sentido à relação entre homem e mulher e começando
a compreender a sua função no fornecimento de espermatozoides e óvulos (recorrendo
frequentemente, na sua terminologia, à semente masculina e feminina). Esta transição foi
progressiva.
Zoldosova e Prokop (2007) analisaram as conceções infantis acerca do
desenvolvimento pré natal em 20 crianças (eslovacas) que frequentavam a escola primária,
dos 6 aos 10 anos. Os autores reavaliaram os estudos anteriores (Nagy, 1953; Kreitler e
Kreitler, 1966; Bernstein e Cowan, 1975) Barragan (1998) e comprovaram que, para os
tópicos analisados, o progresso no desenvolvimento cognitivo era evidente, principalmente
no que respeitava ao desenvolvimento de conceito de causalidade (não só num mundo
material, mas também na sua esfera social). Os autores referem a conrmação dos
resultados obtidos por Bernstein, 1975 e particularmente por Nagy, 1953).
Vericou-se, neste estudo, que mesmo que a escola ofereça também algumas
informações básicas sobre o desenvolvimento pré-natal do bebé as crianças resistem
às informações. O desenvolvimento das competências cognitivas desempenha um papel
principal na reconstrução dos pré conceitos, sendo no entanto especialmente importante,
nesse processo, a utilização que as crianças fazem das informações e a importância das
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 20 223
suas próprias experiências (a mesma experiência é aceite de forma diferente, dependendo
da idade).
De acordo com investigações realizadas anteriormente, os autores aceitam a
perspetiva de que ocorre desenvolvimento dos pré conceitos das crianças, dependendo
tanto da qualidade, como da quantidade das fontes de informação que as crianças mantêm
à sua disposição. A personalidade infantil desempenha um papel muito importante e
signicativo (curiosidade, extroversão versus introversão, auto consciência, etc.) neste
processo. As ideias infantis sobre os tópicos analisados variam, mas não apenas com a
idade, sendo o grande papel desempenhado pelas características individuais e pelo acesso
diferente a várias fontes de informação.
3 | PROBLEMAS E OBJETIVOS DA INVESTIGAÇÃO
Os problemas da nossa investigação foram: i) Qual é o processo de aquisição
das crenças infantis acerca da conceção e nascimento e quais os fatores que lhe estão
associados? e ii) Há relações entre o processo evolutivo e características de cada estádio
das mesmas crenças e as variáveis sócio demográcas e de desenvolvimento?
Estabelecemos, assim, como objetivos desta investigação: conhecer o tipo de
crenças infantis acerca da conceção e do nascimento; conhecer o processo de aquisição
das crenças infantis acerca da conceção e do nascimento; analisar as relações existentes
entre o processo evolutivo e características de cada estádio das mesmas crenças e as
variáveis sociodemográcas e de desenvolvimento.
4 | METODOLOGIA
4.1 Desenho Metodológico
Centrando-se a nossa investigação no conhecimento das crenças afetivo sexuais
infantis nos domínios considerados e pretendendo conhecer a sua relação com diversos
fatores, utilizámos uma metodologia qualitativa e quantitativa. A entrevista foi o principal
método de recolha de dados para o conhecimento das crenças referidas, tendo procedido
posteriormente à sua análise estatística visando perceber a relação e associação entre as
mesmas e os diversos fatores considerados. A nossa investigação é um estudo correlacional
quase experimental pois visa estabelecer relações entre diversas variáveis a partir de uma
amostra de conveniência (Witter 2005). Os desenhos quase experimentais caracterizam-
se por serem planos com controlo das variáveis independentes, mas em que os grupos
não foram criados com base numa distribuição aleatória (Sprinthall e Sprinthall, 1990).
Neste tipo de estudos, o investigador manipula os dados recolhidos de modo a compor
grupos de acordo com variáveis especícas. Em relação ao tempo, trata-se de um estudo
transversal por idades (Baltes et al., 1981, citado por Lopez, 1984), pois os dados sobre os
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 20 224
participantes são recolhidos num momento único e comparados. No tratamento estatístico
dos dados, realizámos análise de frequências, de percentagens e testes de Qui-Quadrado
(Qui-Square). Para testar as relações de diferença ou associação existentes entre as
variáveis do nosso estudo (nominais e ordinais) utilizámos testes de Qui-Quadrado (Qui-
Quadrado de Pearson). Quando existiam mais de um quinto de células com frequência
esperada inferior a 5 (cujo valor máximo só pode ser de 20) aplicámos a simulação de
Monte Carlo, que tem por base a geração aleatória de amostras quando existem classes
com reduzida dimensão. Para o tratamento de dados, o programa estatístico utilizado foi o
“Statistical Pachage for the social Sciences” (SPSS).
4.2 Amostra
A nossa amostra é de tipo incidental, por ser formada por sujeitos que são facilmente
acessíveis e estão presentes num local determinado, num momento preciso, sendo
incluídos no estudo à medida que se apresentam, até a amostra atingir o tamanho desejado
(Fortin, 2003). É constituída por dois grupos amostrais: i) 566 crianças dos 3 aos 9 anos,
do ensino pré-escolar e do 1º ciclo do ensino básico da rede pública, no distrito da Guarda,
as quais foram selecionadas em função de critérios de classicação pré-estabelecidos
de idade, sexo e nível socioeconómico; ii) os seus respetivos pais (566). A idade das
crianças apresenta uma distribuição uniforme pelas várias idades em análise, dos 3 aos 9
anos. A distribuição das crianças por sexos é uniforme já que o sexo masculino (N=284;
50.2%) e o sexo feminino (N=282; 49.8%) se apresentam equilibrados. Em relação ao
nível socioeconómico, o nível baixo apresenta um peso que é o dobro (N=275; 48.6%)
dos níveis médio (N=145; 25.6%) e alto (N=146; 25.8%). Na amostra, a estrutura familiar
convencional, constituída por pais casados ou em união de facto predomina claramente
(N=485; 85.7%), em relação à estrutura não convencional, constituída por pais divorciados,
separados, solteiros ou viúvos (N=81; 14.3%).
4.3 Variáveis
De forma sumária, apresentam-se em dois grupos gerais: independentes (sócio
demográcas e de desenvolvimento,) e dependentes (crenças afetivo sexuais infantis nos
domínios considerados). Denimos como variáveis sociodemográcas: idade, sexo, nível
socioeconómico, e estrutura familiar. Relativamente à idade, sexo, meio de residência,
prossão, grau académico e estrutura familiar, formulámos, nos questionários que
distribuímos aos pais, perguntas abertas em que os pais participantes escreviam, num
espaço deixado em branco, a informação pedida.
A variável idade é medida em escala racional e tem 7 classes: 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9
anos. A variável sexo é nominal dicotómica com duas categorias: masculino ou feminino.
A variável nível socioeconómico é ordinal, com 3 categorias: nível alto, médio e baixo.
A variável estrutura familiar é uma variável categorial com duas categorias: família
convencional tradicional (casados e/ou união de facto) e família monoparental (solteiros,
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 20 225
separados, divorciados e viúvos). A variável nível de desenvolvimento cognitivo é
categorial, medida em três categorias: não conservador, intermédio e conservador. Para
a operacionalizar administrámos as provas clássicas de conservação de quantidades
contínuas e descontínuas de Piaget (Piaget, 1967, 1978, 1981; Piaget e Inhelder, 1969;
Sprinthall e Sprinthall, 1990) a todas as crianças entrevistadas. Do registo de cada prova
resultou a atribuição do nível de conservação cognitiva da criança em: 1. Não conservador
(a mudança de forma plasticina ou água implica desigualdade); 2. Intermédio (às vezes
admite igualdade e outras não) e 3. Conservador (admite a igualdade com argumentos
lógicos em todas situações.
Denimos como variáveis dependentes as crenças afetivo sexuais infantis de
fecundação e nascimento. Todas as crenças são variáveis categoriais, medidas nas
categorias abaixo indicadas. Foram operacionalizadas através de entrevista semiestruturada
de Goldman (1982) e Barragan (1988).
Para a categorização das respostas, baseámo-nos, genericamente, na que é
proposta pelos autores citados, fazendo adaptações pontuais, relativas à especicidade
da faixa etária da nossa amostra ou a aspetos particulares a conhecer, de acordo com os
objetivos da nossa investigação.
Para todas as categorias consideradas tivemos em consideração o nível de
conhecimento manifestado, o grau de elaboração e de coerência das respostas dadas,
bem como a articulação dos diversos fatores de explicação. Descrevemos, de seguida,
a categorização efetuada ilustrando com crenças das crianças, algumas das categorias
consideradas.
a) Conceção (Questão Prévia). As três categorias consideradas resultam das
conceções das crianças acerca do local onde estavam antes de nascerem: 1.não sabe ou
não responde; 2. refere qualquer lugar, sem ser a barriga da mãe; 3. na barriga da mãe.
b) Crenças de Conceção. Considerámos sete categorias de resposta, relativas
às respostas das crianças acerca da origem dos bebés: 1. Não sabe ou não responde;
2. Preexistência; 3. Explicações causais; 4. Explicações pré biológicas de nível um; 5.
Explicações pré biológicas de nível dois; 6. Explicações biológicas de nível um; 7.
Explicações biológicas de nível dois.
Categorizámos as respostas no nível preexistência quando a criança explicava
a sua origem, em termos de causalidade mágica ou divina, dizendo simplesmente que
sempre esteve na barriga da mãe: “O Jesus é que me pôs na barriga da mãe” (4 anos,
rapariga); “eu estava sempre com a mãe…na barriga dela(3 anos, rapaz).
Considerámos como explicações causais a falácia digestiva; a teoria do beijo; a
teoria do casamento e a teoria da semente (metáfora agrícola). “Para ter lhos é preciso
casar; os pais estão na missa, o padre diz: “aceita casar?”; metem o anel, dão um
beijinho e agora a mulher já pode ter um lho; têm que dormir juntos e a mãe tem que
começar a comer muito” (7 anos, rapariga) / “Os pais casam-se; quando vêm da festa
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 20 226
já dormem juntos e dão muitos beijos na boca; o pai dá uma semente num beijo na
boca muito grande à mãe e o lho faz-se da semente que vai para a barriga da mãe;
mas o beijo da semente demora muito…muito....tempo” (7 anos, rapariga).
Categorizámos as respostas no nível 1 de explicações pré biológicas quando a
criança, ainda que sem o fazer de forma explícita, aludia a fazer amor ou fazer sexo, sem
explicitá-lo, ao contacto intergenital, às sementes, sem no entanto explicar a penetração
nem a fecundação. “Os pais têm que fazer sexo; dão beijinhos, miminhos, abraços,
carinhos, cam nus e juntinhos uma noite inteira na cama com lençóis, bikini… tudo
espalhado…pelo quarto… e depois o pai dá a semente à mãe” (6 anos, rapariga).
Considerámos como explicações pré biológicas de nível 2 as respostas em que a
criança aludia à penetração, mas não explicava a fertilização (não mencionava a existência
de óvulos nem de espermatozoides). “Os pais zeram amor e a mãe cou grávida; o
pai ena o pénis na pipi da mãe e ca lá um bocadinho para envolver o bebé; depois
ca lá um bocadinho …para envolver o bebé… depois tira e já lá ca o bebé” (8 anos,
rapariga).
Categorizámos como explicações biológicas de nível 1 as respostas com referência
à fertilização como processo de adição espermatozoide e óvulo, mas sem fusão. São
os pais que fazem sexo quando vão para a cama despidos; do pénis do pai saem
milhares de espermatozoides, mas só um é que vai para a barriga da mãe pela vagina
à procura do óvulo para fazer o lho” (8 anos, rapariga).
Considerámos explicações biológicas de nível 2 as explicações em que a criança
mencionou coito e fertilização. “São os pais que fazem sexo; o pai tem células que se
chamam espermatozoides, são muitos e saem do pénis… e há um que tenta chegar
primeiro á barriga da mãe para se desenvolver, o que chegar lá primeiro, encontra a
célula da mãe que é o óvulo juntam-se para formar o bebé” (9 anos, rapariga).
Crenças de Nascimento. As cinco categorias consideradas correspondem às
explicações dadas acerca do nascimento: 1. Não sabe ou não responde; 2. Menciona
um canal (qualquer) de nascimento; 3. Menciona nascimento por cesariana; 4. Menciona
nascimento por parto e/ou cesariana; 5. Explica nascimento por parto e/ou cesariana.
A categorização de nível 2 corresponde às respostas em que a criança menciona
qualquer abertura (ânus, umbigo) como canal de nascimento “Os bebés nascem pelo
bigo da mãe” (3 anos, rapaz) / “Eu nasci por um buraquinho do bigo da mãe e minha
mana também” (4 anos, rapariga).
No nível 3 considerámos as respostas em que a criança não menciona já qualquer
abertura como no nível anterior mas se centra na abertura da barriga: “É o médico que
abre a barriga da mãe com uma tesoura e uma faca e muitas linhas” (3 anos, rapariga)
/ “Os pais quando o bebé já quer nascer têm que ir outra vez ao hospital e o doutor
abre a barriga da mãe, tira o lho e dá-o à mãe e ao pai” (3 anos, rapaz).
No nível 4 situam-se as respostas em que a criança menciona o nascimento por
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 20 227
parto ou cesariana, sem explicação ou com explicação elementar: Os bebés nascem
pela barriga da mãe; o doutor tem que abrir a barriga da mãe, tirar o lho e voltar a
cosê-la, mas eu acho que eles também podem nascer pelo pipi porque outro dia vi
na telenovela um bebé nascer e ninguém abriu a barriga da mãe ” (6 anos, rapariga).
No nível 5 considerámos as respostas em que a criança é capaz de explicar de forma
articulada e coerente o nascimento por parto e ou cesariana: “Eu nasci pelo buraco da
vagina porque o buraco alarga para os bebés passarem; quando os bebés são muito
grandes ou cam mais tempo do que devem na barriga das mães, já têm que sair pela
barriga; o médico abre a barriga, tira os bebés e volta a coser” (7 anos, rapaz).
4.4 Instrumentos
A medida desempenha um papel fundamental na investigação. Ela é determinada
pela questão de investigação e pelas denições conceptuais e operacionais dos
conceitos em estudo inuenciando diretamente os resultados da mesma (Fortin, 2003).
Nesta investigação, foram utilizados os seguintes instrumentos: Questionário para Pais,
devidamente organizado para responder aos objetivos iniciais; Entrevista Semiestruturada
às crianças, na qual foi utilizado um guião com as grandes linhas dos temas a abordar
sem indicar a ordem ou a maneira de colocar as questões. Contudo, utilizámos um
método similar ao denominado método clínico de Piaget, formulando as perguntas correta
e cuidadosamente na mesma linguagem dos sujeitos (Piaget, 1982) com as devidas
adaptações necessárias a cada sujeito ao longo da mesma. Assim, para conhecermos
as crenças referentes a casamento, fecundação, gravidez e nascimento das crianças
entrevistadas e o processo evolutivo das mesmas, elaborámos um guião de entrevista
clínica semiestruturada adaptado às crianças desta idade (Goldman, 1982; Barragan,
1988).
Este método permite confrontar, em momentos distintos da entrevista, a veracidade
ou não das respostas dos sujeitos no sentido de poder determinar se as suas respostas são
espontâneas/autónomas ou se pelo contrário são sugeridas pelo meio ambiente ou pelo
investigador. A entrevista abrangeu as crenças afetivo sexuais infantis consideradas nos
domínios de fecundação e nascimento. Fecundação (questão prévia): Onde estavas antes
de nascer? Onde estão os bebés antes de nascerem? As questões seguintes eram
feitas apenas se a criança respondesse que estava na barriga da mãe. Como apareceste
na barriga da mãe? Como se fazem os bebés? Nascimento: Como é que os bebés
nascem? Como é que aparecem fora da barriga das mães? Todas as entrevistas
começaram com as provas clássicas de conservação de Piaget.
4.5 Procedimento
Começámos por pedir, formalmente, aos Agrupamentos de Escolas da Área
Educativa da Guarda, autorização ocial para a realização do estudo que pretendíamos
fazer, com crianças dos 3 aos 9 anos, nas Pré-escolas e Escolas do Ciclo do Ensino
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 20 228
Básico cidade e das zonas rurais onde pretendíamos levar a cabo o nosso estudo.
Distribuímos 1000 questionários a pais de crianças entre 3 a 9 anos que
frequentavam as pré-escolas e escolas pretendidas pelas suas características e localização.
A acompanhar o questionário enviámos uma carta aos pais com a explicação dos objetivos
do nosso estudo e um pedido de autorização para a entrevista do lho, que nos deveria ser
entregue, depois de assinado, em caso de concordância com a mesma, juntamente com o
questionário preenchido.
Obtivemos 600 questionários preenchidos pelos pais, com autorização para
fazermos a entrevista aos lhos. Os questionários referidos foram alvos de pré-teste,
realizados com alguns grupos de pais, a m de nos certicarmos de que o seu conteúdo
era compreendido. Numerámos os questionários dos pais e atribuímos o mesmo número
à criança a entrevistar. A realização das mesmas decorreu em período letivo, em espaços
próprios, dotados de privacidade, cedidos por cada escola ou pré-escola.
5 | APRESENTAÇÃO DE RESULTADOS
Apresentamos, a título de síntese, um quadro geral (tabela 1) dos resultados obtidos
e descritos para as relações signicativas obtidas entre todas as crenças analisadas e as
variáveis consideradas.
Tabela 1: Sistematização de resultados. Assinalado com x as relações signicativas comprovadas.
Fonte Própria
5.6 Caraterização Geral das Categorias de Respostas Obtidas
Todas as crianças entrevistadas, responderam à questão prévia de conceção,
armando terem estado na barriga da mãe.
Para explicar a conceção, a categoria de resposta mais referida, foi a de “explicações
causais” (30%), seguida da categoria de explicações relativas à “pré existência dos bebés”
(21,6%) e das “respostas pré biológicas de nível 1” (20,5%). Seguiram-se as “explicações
biológicas de nível 2” (8,7%). As respostas categorizadas como “explicações pré-biológicas
de nível 2” e as respostas “biológicas de nível 1” surgiram ambas em 6,4% das crianças. A
percentagem de crianças na categoria de não sabe ou não responde foi de 6,5%.
Em relação às respostas obtidas para a questão relativa ao nascimento, a categoria
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 20 229
de resposta mais frequente, foi a de “menciona nascimento por cesariana” (59,7%), seguida
da categoria “menciona parto e/ou cesariana” (33%). Com menor frequência surgiu a
categoria “menciona um canal de nascimento” (3,7%). Segue-se a frequência registada
para as crianças que não sabem ou não respondem (2,8%) e com a frequência mais baixa
surge a categoria de respostas “explica o nascimento por parto ou cesariana (0,7%).
5.7 Processos evolutivos e de diferenciação das crenças infantis e fatores
associados
Através da análise de frequências e percentagens das várias categorias de respostas,
e da análise estatística realizada, comprovámos a existência de percursos evolutivos ou
de diferenciação nas várias crenças analisadas, sob a associação com diversos fatores.
5.7.1 Idade
As diferenças observadas no relacionamento com a idade são estatisticamente
signicativas. Comprovámos que para as crenças de Conceção a percentagem da
categoria de respostas “pré existência” diminui com o aumento da idade (47.8% para
os 3-4 anos; 22.4 % para os 5-6 anos e 3.7 % para os 7-9 anos). “Os bebés nascem
na barriga das mães quando as mães nascem mas a barriga só cresce quando as
mães se casam ” (4 anos, rapariga) / “Foi o Jesus que me pôs na barriga da mãe” (3
anos, rapariga). As “explicações causais” surgem mais entre os 3 e 6 anos, sendo a sua
percentagem superior para o grupo de 5 - 6 anos (34.8% para os 3-4 anos; 46 % para os
5-6 anos e 16.4% para os 7-9 anos). Como causas comuns, apresentam o casamento
como explicação suciente; a ingestão de alimentos; o beijo sobretudo explicado como
sendo na boca, ou a teoria da semente (muito vulgarizada, sobretudo até aos 6 anos). “Os
pais vão ao médico; ele põe uma semente na barriga da mãe; a mãe volta para casa
e depois vai lá quando for altura do bebé nascer para o tirar” (6 anos, rapaz) / “Os
pais é que fazem os lhos, não os compram; o pai dá uma semente à mãe; ele põe
a semente no prato da mãe e depois a mãe come-a e ca com um bebé na barriga”
(6 anos, rapariga). A categoria de respostas “explicações pré-biológicas de nível 1” surge
mais entre os 5 e 9 anos, (2.5% para os 3-4 anos; 23.0 % para os 5-6 anos e 30.7% para
os 7-9 anos) sendo a sua percentagem superior para os 7- 9 anos. “Os pais fazem amor,
dão beijinhos e abraços e também fazem amor com o pénis e a vagina porque se faz
amor com o corpo todo; às vezes até dão trincas na orelha mas muito devagarinho;
o pai põe o pénis junto da vagina da mãe e depois começa a formar-se o bebé” (8
anos, rapariga) / “Os pais fazem amor; o papá tem um saquinho ao pé da pilinha com
umas sementes e depois quando está muito juntinho da mãe põe as sementes com a
pilinha na barriga da mãe; depois forma-se um ovo que vai abrindo e aparece o bebé
pequenino” (5 anos, rapariga).
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 20 230
As “explicações pré-biológicas de nível 2” surgem entre os 7 e 9 anos (14.3%) e as
“explicações biológicas de nível 1 e 2” surgem apenas para os 7 a 9 anos (14.8 % e 20.1%,
respetivamente). “Os pais namoram na cama; fazem sexo; a pilinha do pai vai para
dentro do pipi da mãe e cam a namorar um bocado” (8 anos, rapaz) /“Os pais fazem
amor e namoram na cama; as mulheres têm um óvulo no pipi e têm dois tubos que
vão do pipi para a barriga; depois uma “cena” do pai que entra para ao dos
tubos; acho que é o espermatozoide; quando o óvulo se parte ao meio formam-se
gémeos ” (8 anos, rapaz) / “Os pais fazem sexo; cam juntinhos, abraçam-se beijam-
se e o espermatozoide sai do pénis do pai e entra na vagina da mãe e vai à procura
do óvulo; juntam-se e às vezes dá origem a um bebé que se começa a desenvolver
no útero da mãe” (8 anos, rapaz) / “Os pais fazem sexo para ter lhos; o pai põe
um espermatozoide que sai do pénis na vagina da mãe depois o espermatozoide
vai encontrar-se com o óvulo da mãe; quando o encontra formam um ovo e o bebé
começa a formar-se” (8 anos, rapariga).
Comprovámos assim a existência de diferenças nas crenças de conceção,
vericando-se um padrão evolutivo seguido por todas as crianças entrevistadas, que
caminham inicialmente, de explicações de pré existência (simplesmente a criança esteve
sempre na barriga da mãe porque sempre existiu e estava), para explicações
causais em que reconhecem já uma causa com vários níveis de elaboração através da
qual explicam “como são feitos os bebés”. As crianças caminham de seguida, para as
explicações pré biológicas de nível 1 em que referem que os pais fazem sexo ou amor,
mas em que não conhecem, nem de forma elementar, aspetos de fertilização. Surgem
progressivamente explicações mais elaboradas com noções de fertilização, de inicio como
adição de espermatozoide e óvulo, depois como fusão, mas sem no entanto, explicarem
completamente o processo de fecundação na sua totalidade.
Nas crenças relativas ao Nascimento, comprovámos que a percentagem da
categoria de resposta “menciona um canal de nascimento” é superior no grupo de 3 - 4
anos (11.8% para os 3-4 anos e 1.2% para os 5-6 anos). As primeiras explicações que as
crianças dão referem-se a um canal de nascimento qualquer: a boca, o ânus, o umbigo ou
uma abertura na barriga. A saída do bebé pela barriga que o médico abre com uma faca ou
uma tesoura e cose com umas linhas é também vulgar como explicação inicial ou primária.
Normalmente as crenças de nascimento estão associadas às crenças de conceção. Se a
criança disse que o bebé entrou para a barriga da mãe porque a mãe comeu muito então
nada mais prático para ela que dizer que sai pelo ânus (“pelo rabinho quando a mãe vai
à casa de banho e puxa”). O mesmo acontece se entrou numa semente pela boca. “Nasci
pelo rabo da mãe quando ela puxou muito ” (3 anos, rapaz) / “Os bebés nascem pelo
rabo da mãe mas é preciso irem ao doutor para tirar o bebé senão não sai” (4 anos,
rapariga) / “Quando já estão grandes os bebés nascem pelo rabo da mãe ” (3 anos,
rapaz).
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 20 231
A percentagem da categoria de resposta “menciona nascimento por cesariana”,
que ocorre em percentagens elevadas até aos 6 anos, diminui muito para o grupo dos 7-9
anos (76.4% para os 3-4 anos;78.3 % para os 5-6 anos e 36.5% para os 7-9 anos). “Os
bebés nascem pela barriga; a mãe sente-se mal porque lhe dói a barriga e se não
for para o hospital a barriga rebenta e a mãe morre; o doutor abre a barriga e tira o
lho” (5 anos, rapaz) /“Os bebés nascem pela barriga das mães; abrem a barriga com
uns materiais que há no hospital, tiram o bebé, lavam-no para tirarem o sangue; ele
começa a chorar um bocadinho e depois voltam a coser a barriga da mãe, mas não
lhe dói porque está a dormir” (7 anos, rapariga).
A percentagem da categoria de resposta “menciona nascimento por parto e/ou
cesariana” aumenta com o aumento da idade (1.9% para os 3-4 anos; 25.0% para os
5-6 anos e 61.9% para os 7-9 anos). Geralmente depois do nascimento explicado por
cesariana, surge o conhecimento do nascimento por parto, mas apontado sempre, depois
da cesariana. Uma criança referiu-nos até que queria ter um bebé quando fosse grande
mas que não queria por parto porque devia doer muito…devia ser melhor cesariana…até
porque a vagina era muito estreita. “Os bebés nascem às vezes pelo pipi e outras vezes
pela barriga; as mães têm que ir para o hospital; a mim disseram-me que as meninas
nascem todos pelo pipi e os rapazes pela barriga mas não sei se é assim; também
nunca pensei muito nisso” (7 anos, rapariga) / “Os bebés nascem pela barriga ou
pela choquinha da mãe; ela tem que fazer força e mexer-se na cama para cima e para
baixo; depois metem-lhe na barriga uma ligadura para não deitar sangue; é mais fácil
pela choquinha porque já é aberta e não é preciso descoser ” (8 anos, rapaz) .
A resposta com explicação completa de parto ou cesariana surge em percentagem
reduzida apenas no grupo dos 7-9 anos (1.6%). Surgem crenças a este respeito com graus
diferentes de elaboração, chegando algumas a mencionar explicações básicas acerca
de o bebé nascer de parto ou cesariana, mas muito poucas a explicar o mecanismo do
nascimento por parto ou cesariana. “Eu nasci pela vagina; quando a mãe estava com
as dores todas o pai levou-a para o hospital ela puxou e eu nasci; quando os bebés
são muito grandes podem ter que nascer pela barriga; ninguém nasce por ovos,
os animais” (8 anos, rapaz) / “Os bebés nascem pela vagina ou pela barriga; eu nasci
pela vagina; nascem pela barriga quando são muito grandes mas é mais natural pela
vagina porque a barriga tem que se cortar e a vagina não” (8 anos, rapariga).
Comprovámos, assim, a existência de um percurso evolutivo desde crenças
intuitivas de um canal de nascimento qualquer, a crenças de explicação de nascimento por
cesariana, evoluindo para explicações de parto e ou cesariana com graus de elaboração
progressivos, da simples menção à explicação.
Concluímos pois, que para as crenças relativas à conceção e ao nascimento, existe
uma relação signicativa entre a idade das crianças e o processo evolutivo das crenças
consideradas, acompanhando a evolução na idade o processo de evolução das crenças.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 20 232
5.7.2 Nível socio económico
Verica-se a mesma relação signicativa para as crenças de fecundação e
nascimento. A evolução do nível sócio económico acompanha a evolução das crenças,
ou seja, para as crenças referidas, a evolução no nível sócio económico acompanha o
processo de elaboração das mesmas.
5.7.3 Estrutura Familiar
Quanto à variável estrutura familiar não existe uma relação signicativa entre a
estrutura familiar das crianças e o processo evolutivo das suas crenças afetivo sexuais.
5.7.4 Nível de desenvolvimento cognitivo, entendido em termos
Piagetianos
O gráco 1 ilustra as diferenças estatisticamente signicativas observadas no
relacionamento das crenças de conceção, com o nível de desenvolvimento cognitivo.
Gráco 1. Conceção, por nível de desenvolvimento cognitivo
Fonte Própria
As explicações causais predominam nos não conservadores, enquanto as biológicas
de nível 2 predominam nos conservadores.
Também para as crenças relativas ao Nascimento, as diferenças observadas são
estatisticamente signicativas (gráco 2).
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 20 233
Gráco 4. Nascimento, por nível de desenvolvimento cognitivo
Fonte Própria
A percentagem da resposta “menciona um canal de nascimento qualquer” ocorre
apenas nos não conservadores; a resposta relativa ao “nascimento por cesariana” é superior
para os não conservadores; a percentagem de respostas referentes ao “nascimento por
parto e cesariana” é superior para os conservadores; a percentagem de “explicação de
nascimento por parto e cesariana” ocorre apenas nos conservadores.
Concluímos, assim, que as crenças de fecundação e nascimento consideradas,
estão relacionadas de forma signicativa com o nível de desenvolvimento cognitivo
entendido em termos piagetianos. Verica-se, pois, que as crianças conservadoras a nível
de quantidades contínuas e descontínuas relativamente ao desenvolvimento cognitivo têm
crenças afetivo sexuais mais evoluídas que as crianças não conservadoras.
6 | DISCUSSÃO DE RESULTADOS
Quanto às crenças sobre conceção, comprovámos no presente estudo, que as
crianças dos 3 aos 9 anos elaboram as suas teorias, onde evoluem de conceções de
pré existência, para explicações causais (nas quais o casamento, o beijo, a semente, “a
comida” entram como explicações principais para a origem do bebé), a que se seguem
explicações pré biológicas e biológicas. Todos estes estádios são marcados por uma
sequência ordenada a que correspondem diversos graus de elaboração, sob a associação
com diversos fatores.
Os resultados que obtivemos situam-se a nível de terminologia, na linha dos obtidos
por Barragan (1988), o que se explica pelo facto de ter sido a categorização do autor, que
utilizámos no nosso estudo. A nível de processo evolutivo, para todos os grupos de idade,
comprovámos os resultados obtidos em investigações anteriores (Bernstein e Cowan,
1975, Goldman e Goldman, 1982). Comprovámos ainda, estudos realizados anteriormente,
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 20 234
relativos à mesma temática, que abrangeram faixas mais especícas e menos abrangentes
(Kreitler e Kreitler, 1966; Gordon et al., 1990, Barragan, 1988; Volbert, 1996; Brilleslijper-
Kater e Baartman, 2000; Pereira 2004; Zoldosova e Prokop, 2007).
Genericamente, consideramos terem ocorrido mudanças substanciais, nas crenças
infantis acerca desta temática, desde os primeiros estudos realizados. Basta relembrarmos
o estudo de Conn (1947), no qual, eram praticamente inexistentes nas crianças até aos
11 anos, respostas que mencionassem contacto genital entre os pais, para explicarem a
origem dos bebés. Os dados obtidos, afastam-nos ainda, de alguns estudos anteriores, nos
quais se considerava que as crianças de 3 a 6 anos ou não tinham explicações acerca da
origem dos bebés (Moore e Kendall, 1971), ou mostravam crenças de preexistência (Cohen
e Parker, 1977), quando eram questionados a esse respeito.
De facto, no nosso estudo, de todas as crianças entrevistadas, nenhuma referiu a
“história da cegonha”, citada como sendo vulgar em crianças nos estudos mais antigos
(Bruckner, 1968, citado por Volbert, 1996) nem mesmo “a loja de bebés” vulgar nalguns
estudos (Bernstein, 1975; 1994; Goldman, 1982), como explicações acerca da fecundação.
Encontrámos na nossa amostra, nos grupos de 3-4 e de 5-6 anos, inúmeras descrições de
“falácia digestiva” e de “metáfora agrícola” na terminologia de Goldman (1982; 1988), como
explicações causais para a origem dos bebés. As crianças referem, amiúde, a “história” da
semente que o pai põe na mãe ou os alimentos que a mãe tem de engolir para car com um
bebé na barriga, o que vai de encontro aos estudos de Kreitler e Kreitler (1966). A teoria do
beijo, descrita por Freud (1908), como sendo característica da pré adolescência foi também
muito referida pelas crianças que entrevistámos, particularmente no grupo dos 3-4 e dos
5-6 anos. A ocorrência deste facto é assinalada também, no estudo de Barragan (1988).
Consideramos que seria inconcebível para os autores de estudos anteriores,
que cerca de um quarto das crianças do grupo de 5-6 anos e até algumas crianças do
grupo de 3-4 anos (embora em número reduzido), respondessem às questões da origem
dos bebés com explicações pré biológicas de nível 1, aludindo ao contacto intergenital,
referenciando termos como “fazer amor” ou “fazer sexo” para pôr as sementes. Embora
este tipo de explicação apareça nestes grupos é um tipo de explicação incompleta e
incipiente, sobretudo verbalizada, sem ser compreendida, pelo que concordamos com
autores anteriores (Bernstein e Cowan, 1975; Brilleslijper-Kater e Baartman, 2000;
Goldman e Goldman, 1982; Gordon et al., 1990; Pereira 2004; Volbert, 1996; Zoldosova e
Prokop, 2007), que armam que até aos 7 anos as crianças não têm conhecimento exato
do processo de conceção.
Uma grande maioria de crianças que explicações categorizadas como “pré
biológicas de nível 2” refere a penetração, mas não conhece a fecundação. Pensamos que
tal aconteça por diculdades concetuais.
Comprovámos, no nosso estudo que mesmo as crianças dos 7 aos 9 anos, com
níveis mais elaborados de crenças de fecundação referem muito mais a adição do
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 20 235
espermatozoide e do óvulo do que a sua fusão. Estes factos são também sublinhados em
investigações anteriores (Barragan, 1988; Bernstein e Cowan, 1975; Goldman e Goldman,
1982; Jagstaidt, 1984; Zoldosova e Prokop, 2007) que consideram que nesta fase, as
crianças são capazes de perceber transmissões genéticas, mas concetualizam-nas como
um processo aditivo em vez de interativo. Na nossa amostra, as crianças não chegam a
elaborar corretamente um conceito cientíco da fecundação. Concordamos com os autores
referidos, admitindo que tal aconteça por diculdades cognitivas ou por falta de informação.
Relativamente às crenças de nascimento, nas crianças pequenas e médias,
comprovámos que a teoria mais vulgar é a da abertura da barriga, havendo diferenças
quanto á coexistência de outras categorias de resposta nos grupos referidos. Assim, no
grupo de 3-4 anos, coexiste a teoria de nascimento através de uma abertura qualquer
(vulgarmente o ânus, a boca e o umbigo) enquanto no grupo de 5-6 anos coexiste a teoria
da explicação por parto e ou cesariana. Esta categoria aparece como dominante no grupo
dos 7-9 anos, no qual aparece uma percentagem pequena de explicação do nascimento
por parto de forma detalhada e elaborada.
Distanciamo-nos de novo dos resultados obtidos em estudos mais antigos como o
de Conn (1947), no qual mesmo as crianças entre os 10 e os 12 anos referiam apenas o
nascimento através de um corte cirúrgico no estômago/ barriga da mãe, aproximando-se
os nossos resultados dos obtidos por Goldman (1982), Kreitler e Kreitler (1966), Moore e
Kendall, (1971) e Volbert, (1996) que referem como resposta mais comum, entre os 4 e os
7 anos, a abertura da barriga.
Goldman (1982) interpreta as respostas que envolvem cesariana como meio de
nascimento, que surgem, no seu estudo, entre os 5 e os 7 anos, de forma extensiva e
predominante, como sendo consistentes com explicações articialistas, representando uma
saída, para as crianças que consideram que o bebé é posto na barriga da mãe pelo médico,
necessitando assim de uma segunda operação para sair. O autor interpreta as respostas
em que o ânus ou o umbigo são mencionados como aberturas de saída do corpo da mãe,
referidas até aos 9 anos (predominando no entanto entre os 5-7 anos, mesmo nas crianças
suíças), como suporte da teoria cloacal de Freud sendo também consistentes com a falácia
digestiva muito utilizada pelas crianças mais pequenas. Na opinião de Bernstein e Cowan
(1975), signica a crença de que a origem do bebé é a comida ingerida pela mãe. Assim,
a comida é o bebé e ele sai como a comida normalmente sai, pelo ânus, cando assim o
silogismo completo (Bernstein, 1994). As respostas realistas de nascimento surgem aos 11
anos para as crianças de língua inglesa e aos 9 anos para crianças suíças (mesmo aos 5
anos, 37% destas crianças dão respostas realistas).
Os resultados que obtivemos estão de acordo com os referidos pelos autores citados,
para a explicação do nascimento por cesariana, nesta faixa etária, mas não estão de acordo
quanto às teorias de saída pelo ânus que no nosso estudo se situam apenas no grupo de
3-4 anos. No grupo dos 5-6 anos surge já muito a explicação por cesariana e parto, o que
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 20 236
também não está contemplado nas teorias de nascimento descritas pelos autores referidos.
Em relação aos resultados obtidos por Goldman comprovámos a existência de respostas
correspondentes ao nível denido como sendo de realismo em idades mais baixas, já que
se situam no grupo dos 7-9 anos. Atribuímos tais diferenças, por um lado a diferenças
culturais e por outro a maior atenção que atualmente pais e educadores dão à curiosidade
sexual manifestada pelas crianças.
Brilleslijper-Kater e Baartman (2000) referem no seu estudo que as crianças
acima dos 4 anos mencionaram espontaneamente a abertura da barriga como forma de
nascimento, continuando a preferir tal explicação mesmo quando outra saída lhes era
proposta. Também Pereira (2004) comprova, no seu estudo, mudança conceptual nas
crenças de nascimento, evoluindo de conceções respeitantes ao nascimento pela barriga
(5 aos 8 anos) para conceções de explicação do nascimento por parto, seguidas da noção
do nascimento por parto e cesariana (8 aos 11 anos).
Conforme o exposto comprovámos, de certa forma, alguns estudos anteriores
relativos ao processo do conhecimento da conceção e nascimento, que mostram que as
crianças pequenas e médias (3 a 6 anos) têm um conhecimento incompleto e pouco exato,
aumentando os níveis de conhecimento, nas áreas referidas, para as crianças dos 7 aos
9 anos (Barragan, 1988; Bernstein e Cowan, 1975; Brilleslijper-Kater e Baartman, 2000;
Cohen e Parker, 1977; Goldman e Goldman, 1982; Gordon et al., 1990; Jagstaidt 1984;
Kreitler e Kreitler, 1966; Moore e Kendall, 1971; Pereira, 2004; Volbert, 1996; Zoldosova e
Prokop, 2007).
Genericamente, vericámos, no presente estudo que as teorias da conceção
acompanham as de nascimento, havendo correspondência nítida das mesmas nas
diferentes fases evolutivas. A mesma relação se encontra manifesta em trabalhos anteriores
(Barragan, 1988; Jagstaidt, 1984, Bernstein e Cowan, 1975, Goldman, 1982).
Comprovámos em todas as crenças relativas à conceção e nascimento que a sua
associação com o nível de desenvolvimento cognitivo, entendido em termos piagetianos, é
grande, sendo determinante do seu processo evolutivo e/ou de diferenciação. Assim, nas
crenças de fecundação, enquanto no grupo de não conservadores predominam crenças de
preexistência e explicações causais, no grupo de intermédios predominam as explicações
pré biológicas de nível 1 (coexistem ainda sobretudo com algumas causais do período
anterior) e no grupo de conservadores predominam as explicações pré biológicas de nível
1 em igualdade com as biológicas de nível 2, seguindo-se praticamente com representação
igual as biológicas de nível 1 e as pré biológicas de nível 2, por ordem decrescente de
representação.
Nas crenças acerca do nascimento, as respostas mencionando um canal de
nascimento qualquer ocorrem apenas no grupo de não conservadores, sendo a explicação
do nascimento por cesariana a explicação predominante neste grupo. Nos intermédios
coexistem quase em igualdade de circunstâncias a referência ao nascimento por cesariana
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 20 237
e por parto. Os conservadores respondem quase em maioria, mencionando o parto e
cesariana, ocorrendo apenas neste grupo em número reduzido a explicação de nascimento
por parto e cesariana.
Assim, as crenças das crianças acerca da conceção e nascimento, no período
pré operatório (não conservadores) reetem a ausência da noção de reversibilidade e de
conservação da invariabilidade das quantidades na matéria. Isto implica que nesta fase
mostrem muitas diculdades na compreensão da fecundação ou do nascimento, pois o
seu pensamento é concreto e os fenómenos referidos implicam alguma abstração. As
suas teorias reetem também a sua centração, impedindo-as de aceitar outros pontos de
vista ou interpretações que não sejam as suas. É através destas limitações inerentes ao
seu tipo de pensamento que constroem as suas teorias. As teorias sexuais das crianças
conservadoras são mais elaboradas, porque a aquisição da noção de reversibilidade e
de conservação da invariabilidade das quantidades na matéria possibilita que entendam
as questões relacionadas com a conceção e o nascimento. Esta é uma fase em que o
desenvolvimento social (indissociável do cognitivo), facilitado pela coordenação inter
individual e individual, possibilita a conquista da objetividade (Jagstaidt,1984).
Esta relação está presente na teoria de Bernstein e Cowan (1975) acerca da relevância
dos conceitos cognitivos, nomeadamente dos conceitos de causalidade e reversibilidade,
na compreensão da origem dos bebés, bem como da sequência desenvolvimental em
matriz de estrutura de variáveis cognitivas.
A este respeito os autores consideram que é apenas quando a criança começa a
perceber que os eventos e os fenómenos têm causas que podem começar a investigar
quais são. Os diferentes níveis de pensamento das crianças sobre a origem dos bebés
mostram como o seu conceito de causalidade se desenvolve desde um começo primitivo,
para um entendimento mais harmonioso (Bernstein, 1994).
Comprovámos, pois, os resultados do estudo de Bernstein e Cowan (1975) acerca
da relevância dos conceitos cognitivos na compreensão da origem dos bebés, bem como
outros estudos que comprovam que o nível de desenvolvimento cognitivo se associa
directamente o conhecimento sexual infantil (Barragan, 1988; Bernstein e Cowan, 1975;
Brilleslijper-Kater e Baartman, 2000; Goldman e Goldman, 1982; Kreitler e Kreitler, 1966;
Moore e Kendall, 1971; Zoldosova e Prokop, 2007).
O nosso estudo está de acordo com a teoria de Carey (1985), pois comprovámos
que nos grupos de 3-4 e de 5-6 anos, embora as crianças possuam conhecimento vago das
temáticas abordadas explicam a origem dos bebés, e o nascimento, não de um ponto de
vista biológico, mas em termos de vontades, crenças e convenções sociais característicos
de um período que a autora denomina de psicologia intuitiva ou ingénua, durante o qual, a
compreensão dos vários aspetos de um fenómeno pode ser reduzida a um pequeno número
de princípios essenciais explicativos. Apenas por volta dos 9-10 anos o papel compreensivo
da teoria comportamental intuitiva será superado pelo conhecimento biológico. Também
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 20 238
sob o ponto de vista de Volbert (1996), os estudos acerca do processo de reprodução
realizados com as crianças mais velhas, citados acima, suportam esta teoria.
Embora o sexo/género não esteja associado signicativamente com a generalidade
das crenças, não havendo por isso diferenças nas respostas de rapazes e de raparigas,
comprovámos neste estudo que para as crenças relacionadas com o sexo a ausência de
respostas é superior nos rapazes, situando-se as raparigas em níveis evolutivos superiores.
Encontramos igual tendência no estudo de Barragan (1988) relativo às teorias sexuais
infantis.
Para a totalidade das crenças comprovámos a associação com o nível sócio
económico, tendo vericado que a progressão deste se associa à progressão na elaboração
das crenças afetivo sexuais nos domínios considerados. Estes resultados estão de acordo
com os de Gordon et al., (1990) comprovando que as crianças de baixo nível sexual
económico demonstram baixo conhecimento sexual, possivelmente inuenciadas pelo
facto de as suas mães terem atitudes mais restritivas em relação á sexualidade, oferecendo
às crianças menos educação sexual em relação às de classes média e alta.
Após a discussão efetuada concluímos que houve mudanças substanciais nas
crenças afetivo sexuais infantis analisadas, não tanto em termos de processo de construção,
mas em termos das características especícas das crenças dentro de cada estádio descrito,
a que na nossa opinião não são alheias as atitudes de alguns pais manifestas em maiores
conhecimentos, em atitudes mais positivas que expressam em graus de conforto maiores
perante temáticas relacionadas com a sexualidade infantil.
Neste contexto, é usual que nas crenças de fecundação, as crianças, reram amiúde
termos como “fazer amor” ou “fazer sexo”, em verbalismos que não entendem e por isso
não são capazes de explicar.
A informação tem um papel relevante na aquisição do conhecimento sexual infantil.
As crianças observam e atendem muito às atitudes dos pais, familiares e professores.
Partilhamos o ponto de vista de Lamers-Winkelman (1995) ao armar que a
transformação de aspetos observados nas suas próprias experiências exige uma operação
cognitiva além das potencialidades das crianças pequenas.
Consideramos que as crianças constroem ativamente as suas crenças afetivo
sexuais, dependendo o conhecimento sexual infantil, genericamente, da sua idade de
desenvolvimento e especicamente da qualidade das informações que têm acerca desse
processo, bem como das características da sua personalidade.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 20 239
7 | CONCLUSÕES E LIMITAÇÕES DO ESTUDO
7.1 Conclusões
Era nosso objetivo conhecer o tipo de crenças afetivo sexuais infantis, assim como
o processo de evolução das mesmas e analisar as relações existentes entre o processo
evolutivo e características de cada estádio das crenças afetivo sexuais infantis relativas a
fecundação e nascimento e as variáveis sociodemográcas e de desenvolvimento.
Em primeiro lugar comprovámos a existência de processos evolutivos ou de
diferenciação nas crenças afetivo sexuais infantis analisadas, associados a vários fatores:
idade, nível socioeconómico e o nível de desenvolvimento cognitivo.
Em segundo lugar comprovámos que, além da idade, o nível sócio económico, o
nível de desenvolvimento cognitivo (entendido em termos piagetianos), estão associados,
signicativamente, às características especícas relativas ao grau de elaboração das
crenças afetivo sexuais infantis consideradas. Assim, as crianças de nível sócio económico
alto, conservadoras a nível de desenvolvimento cognitivo, têm crenças com níveis de
elaboração superiores às das outras crianças.
Em terceiro lugar vericámos a existência de padrões evolutivos signicativamente
semelhantes nas crenças afetivo sexuais das crianças pertencentes aos dois sexos,
embora com tendência para que as crenças das raparigas sejam mais evoluídas que as
dos rapazes.
Em último lugar, gostaríamos de sublinhar a importância das características da
personalidade infantil (por exemplo, curiosidade e extroversão) na construção (enquanto
apreensão e elaboração) do conhecimento afetivo e sexual, fator chave e explicativo das
diferenças manifestadas, em crianças do mesmo grupo de idades.
Sublinhamos, nalmente, a matriz de fatores biológicos, sociais, cognitivos,
motivacionais e educacionais em que se alicerça a construção do seu conhecimento sexual.
7.2 Limitações do Estudo
Trata-se de um estudo com uma amostra incidental, pelo que não pode ser
generalizado. Tentámos realiza-lo de forma mais abrangente, a nível geográco,
alargando-o a outros distritos, mas encontrámos diculdades a nível regional, pelo que
as diculdades a nível nacional seriam incontornáveis. Os processos burocráticos são
morosos e as deslocações seriam incompatíveis com a docência. Pensamos, no entanto,
que seria enriquecedor retomar esta temática alargando a amostra a locais diversicados.
Tentámos também alargar o estudo a zonas rurais, por pensarmos que a
comparação com zonas urbanas seria enriquecedora, mas tal como explicámos, não
foi possível encontrar naquelas zonas crianças pertencentes a níveis socioeconómicos
médios e elevados. Pensamos ser interessante em futuros estudos tentar abranger as
zonas referidas, possibilitando uma análise mais total acerca da inuência do meio de
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 20 240
residência na construção do conhecimento sexual infantil.
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Capítulo 20 241
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A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 21 242
Data de aceite: 20/08/2021
CAPÍTULO 21
OS QUESTIONÁRIOS NA INVESTIGAÇÃO
EMPÍRICA. FUNDAMENTOS PARA A SUA
CONSTRUÇÃO, ADAPTAÇÃO CULTURAL E ESTUDO
DA FIDEDIGNIDADE E VALIDADE
Data de submissão: 04/08/2021
Maria João de Castro Soares
Instituto de Psicologia Médica, Faculdade de
Medicina, Universidade de Coimbra, Portugal
https://orcid.org/0000-0002-4674-1045
António João Ferreira de Macedo e Santos
Instituto de Psicologia Médica, Faculdade de
Medicina, Universidade de Coimbra, Portugal
https://orcid.org/0000 0003 2180 2718
RESUMO: A investigação tem sempre por
fundamento uma determinada perspetiva de
aproximação à realidade. A recolha de dados da
realidade levanta questões relativas à denição
dos procedimentos de avaliação e à escolha
dos instrumentos a utilizar. A escolha dos
instrumentos fundamenta-se no trabalho prévio
da investigação na área de conhecimento, na
aproximação teórica ao fenómeno, na denição
do que se pretende estudar, na escolha das
variáveis ou constructos a analisar, no objeto do
estudo. No presente trabalho iremos abordar o
questionário, como técnica de recolha de dados,
que é particularmente útil se a investigação
envolver o modo de pesquisa quantitativo.
Pretende-se sempre que o questionário usado
na investigação permita uma adequada recolha
de dados, e a sua escolha deve requerer uma
avaliação crítica do processo que levou à
sua construção ou à sua adaptação e uma
análise das suas características metrológicas.
O presente trabalho inicia-se com algumas
denições do questionário, seguidamente
aborda os aspetos metodológicos relativos à
sua construção, à sua adaptação cultural, e ao
estudo das suas qualidades metrológicas, que
incluem a análise de delidade e de validade.
Aborda inda a importância prática da construção
de normas para um questionário. Julgamos que
este trabalho pode contribuir para uma maior
fundamentação da escolha dos questionários a
usar nos trabalhos cientícos e pode servir de
guião para a sua construção e adaptação cultural.
PALAVRAS - CHAVE: Investigação empírica,
Questionários, Desenvolvimento e Adaptação
cultural, Fidelidade, Validade.
QUESTIONNAIRES IN EMPIRICAL
RESEARCH. FUNDAMENTALS FOR
ITS CONSTRUCTION, CULTURAL
ADAPTATION AND STUDY OF
RELIABILITY AND VALIDITY
ABSTRACT: Research is always based on
a particular perspective of approaching the
reality. The data collection from the reality raises
questions regarding the denition of assessment
procedures and the choice of instruments to be
used. The choice of instruments is based on
previous research work in the area of knowledge,
on the theoretical approach to the phenomenon,
on the denition of what one aims to study, on the
choice of variables or constructs to be analyzed
and on the object of the study. The present work
approach to the questionnaires considered it as a
technique for data collection, which is particularly
useful for quantitative research. It is always
intended that the questionnaires used in empirical
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 21 243
research allow the adequacy of data collection and its choice must require a critical evaluation
of its construction or its adaptation and an analysis of its metrological characteristics. The
present work begins with some denitions of the questionnaire, and then approaches
the methodological aspects of its construction, its cultural adaptation, and the study of its
metrological qualities, which include the analysis of delity and validity. It also discusses the
practical importance of the questionnaire norms. We believe that this work can contribute to
the choice of questionnaires to be used in scientic works and can provide guidelines for their
construction and cultural adaptation.
KEYWORDS: Empirical research, Questionnaires, Development and Cultural adaptation,
Reliability, Validity.
1 | INTRODUÇÃO
Um dos passos do processo de investigação cientíca, que se segue à elaboração
da revisão teórica, à denição do tipo de estudo, à denição do problema e à formulação
da(s) hipótese(s), ao plano para a amostra, consiste na recolha de dados da realidade
(Almeida e Freire, 2017; Vilelas, 2009).
A recolha de dados da realidade coloca várias questões, relativas à denição
dos procedimentos de avaliação e à escolha dos instrumentos a utilizar. A escolha dos
instrumentos fundamenta-se no trabalho prévio da investigação, na aproximação teórica
ao fenómeno que se pretende estudar, na escolha das variáveis ou construtos a analisar,
no objeto do estudo (Vilela, 2009).
De acordo com Vilelas (2009), a nível de cada instrumento especíco podem distinguir-
se dois aspetos: a forma e o conteúdo. A forma diz respeito ao tipo de aproximação empírica
e às técnicas usadas para a mesma. O conteúdo (e.g., itens) expressa a especicidade dos
dados que pretendemos estudar (e.g., variáveis a explorar).
No respeitante aos dados, o mesmo autor considera que estes podem distinguir-
se quanto à sua procedência. Os dados primários são obtidos diretamente da realidade
empírica, pelo contacto que o investigador tem com os factos, através de instrumentos; os
dados secundários são obtidos através de registos escritos, provenientes do contacto com
a prática de outro(s) investigador(es) e do trabalho que daí resultou. Exigindo técnicas de
recolha de dados distintas, integram-se num processo sequencial, uma vez que os dados
secundários já foram primários e os primários, tendo atingido o seu estádio nal, quando
são disponibilizados para outros investigadores, tornam-se secundários (Vilelas, 2009).
Os métodos de recolha de dados variam de acordo com a sua estrutura (os dados
de uma amostra devem ser colhidos de forma estruturada, do mesmo modo, de forma
comparável e previamente estabelecida), a possibilidade de quanticação (os métodos
devem permitir que a recolha de dados seja feita de forma narrativa, para posteriormente
ser quanticável) e a objetividade (a recolha de dados deve ser o mais objetiva possível)
(Polit e Hungler, 1995, Vilelas, 2009).
As técnicas usadas na recolha de dados primários reetem a diversidade de situações
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 21 244
que se apresentam na realidade empírica e abrangem a observação (uso sistemático dos
sentidos para captar e a realidade que se quer estudar e organizar intelectualmente os seus
dados), a entrevista não estruturada, estruturada ou semiestruturada (interação social em
que investigador formula questões sobre o tema em investigação, às quais o entrevistado
responde) e os questionários, entre outras.
A entrevista e o questionário são modalidades de recolha de dados, que fazem parte
de uma categoria mais lata, que é o inquérito. O questionário é um instrumento necessário
para realizar uma entrevista formalizada, mas pode usar-se sem ser neste âmbito (Vilelas,
2009).
Neste trabalho, o questionário será abordado como técnica formal de recolha
de dados em investigação, na aceção de Almeida e Freire (2017). Para estes autores
as técnicas formais de avaliação incluem “provas” como escalas, testes, inventários/
questionários (Almeida e Freire, 2017) estandardizados, aferidos para uma determinada
população.
Partindo das denições do questionário de alguns autores, abordaremos,
posteriormente, os procedimentos metodológicos usados na construção de questionários
formais (de importância para o desenvolvimento de um questionário novo), os usados na
sua adaptação (de importância para a aplicação de um questionário já existente e validado
em outro país ou numa população diferente daquela que se pretende estudar) e ainda os
implicados no estudo da sua delidade e validade. Será ainda abordada a importância da
construção de normas.
Este trabalho pode ter implicações na prática da investigação, que segue um
paradigma de pesquisa quantitativo, pois pode contribuir para uma maior fundamentação
do uso da técnica de recolha de dados através de questionários formais.
2 | O QUESTIONÁRIO. DEFINIÇÕES
Para Wood e Haber (2001), os questionários são instrumentos de registo escrito, que
visam pesquisar dados de sujeitos, através de questões, que avaliam um construto (e.g.,
conhecimentos, atitudes, crenças, sentimentos), que é objeto de estudo. Para Almeida
e Freire o questionário consiste num conjunto de itens, questões ou situações mais ou
menos organizado e relacionado com um certo domínio a avaliar (Almeida e Freire, 2017, p.
82). Finalmente, para Ghiglione e Matalon o questionário é um instrumento rigorosamente
estandardizado tanto no texto das questões, como na sua ordem (Ghiglione e Matalon,
1997).
Estas três denições chamam a atenção para características relevantes dos
questionários. Uma delas diz respeito à sua constituição por um conjunto de questões, itens
ou situações; uma outra é que este conjunto de questões itens ou situações é organizado,
planeado, rigorosamente estandardizado. Um terceiro aspeto do questionário diz respeito
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 21 245
ao facto do mesmo avaliar um conceito, domínio ou constructo e, por último, um quarto, é o
visar a pesquisa de dados de sujeitos. O uso do questionário com o objetivo de pesquisa de
dados em amostras de sujeitos é salientado por Ghiglione e Matalon (1997, p.108), quando
armam que, contrariamente às diferentes formas de entrevista, a conceção e redação de
um questionário são inteiramente determinadas pela exploração estatística que para ele
está prevista.
De acordo com Ghiglione e Matalon (1997) existem quatro propósitos da
investigação que os questionários servem e que são os seguintes: (1) a estimativa de
grandezas absolutas (e.g., estudo de percentagens, da média de determinada variável),
(2) a estimativa de grandezas relativas (e.g., a estimativa da proporção de uma variável
na população), (3) a descrição de uma população ou subpopulação (e.g., determinação
das características socioeconómicas, psicológicas e académicas dos participantes de um
estudo), e (4) vericar hipóteses, relativas às relações possíveis entre variáveis. Este último
objetivo é, em geral, o mais importante para os economistas, para os sociólogos (Ghiglione
e Matalon, 1997) e, diríamos nós, a nível da investigação de outras áreas do conhecimento,
como a educação e a psicologia. Atingir os quatro objetivos, acima referidos, pressupõe a
explicitação clara dos mesmos, a operacionalização dos conceitos ou construtos que os
objetivos implicam e a escolha de um questionário, ou dimensões do mesmo (grupo de
itens/questões) que os avaliem (Ghiglione e Matalon, 1997).
Tendo em conta a exploração estatística dos dados obtidos com o questionário
formal, a sua administração deve assegurar a comparabilidade entre os participantes na
investigação. O uso de um questionário formal, adaptado e validado para a população
a analisar, pressupõe que este seja aplicado, sempre da mesma forma a um conjunto de
pessoas (constância das condições de aplicação), sem que haja alteração na formulação
dos seus itens ou das instruções durante a sua administração (Ghiglione e Matalon, 1997).
3 | A CONSTRUÇÃO DE UM QUESTIONÁRIO
Quando se pretende desenvolver uma escala, deve-se ter em conta os seguintes
aspetos: (1) a denição do que a escala mede, o construto que avalia; (2) a descrição
da população alvo; (3) a justicação da necessidade de desenvolver a escala, dentro
do contexto das escalas existentes; (4) a construção de um conjunto de itens, a sua
fundamentação e processo percorrido para chegar a eles; (5) a descrição do pré-teste e da
amostra; (6) A delidade e validade dos seus resultados; e (7) as suas normas.
3.1 Os itens ou questões
A construção de um questionário, isto é, a elaboração dos seus itens, pressupõe
que, alguns dos aspetos referidos tenham sido previamente realizados, nomeadamente,
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 21 246
que tenha sido especicado o objetivo da prova, a população alvo, o construto que o
mesmo pretende avaliar, as suas dimensões e os aspetos comportamentais relevantes
que especicam o construto (Almeida e Freire, 2017). Este trabalho de operacionalização
do novo questionário, requer a realização prévia da revisão da literatura na área, a análise
das provas existentes que avaliam o mesmo constructo, o contacto com especialistas na
área e com futuros alvos e ainda a ponderação sobre a necessidade de construir um novo
instrumento, quando já existem outros (se for este o caso).
3.1.1 Âmbito da prova
O processo de construção de um questionário começa pela denição do que se
pretende avaliar com o mesmo (constructo), do para que se vai avaliar (objetivo) e da
população a que se destina e estes aspetos vão orientar as fases sucessivas de recolha,
análise e seleção dos itens a reter na prova.
O construto a avaliar pelo questionário pode fundamentar-se numa conceção teórica
a seu respeito, e esse enquadramento pode inuenciar a escolha de dimensões e dos seus
itens. Na elaboração dos itens é, também, essencial considerar se o constructo, a avaliar
pelo questionário, é unidimensional (avalia uma dimensão) ou multidimensional (avalia
duas ou mais dimensões).
É também relevante denir o seu objetivo, pois o mesmo pode variar muito. Por
exemplo, pode ser avaliar traços de personalidade, dimensões do comportamento,
distinguir grupos quanto a variáveis, realizar rastreio, avaliar os parâmetros de ecácia de
uma intervenção ou de um programa, indicar um diagnóstico provável, avaliar a evolução
ou servir de meio auxiliar para a realização de um prognóstico (Almeida e Freire, 2017).
A população alvo e o grupo etário a que o instrumento de avaliação se destina,
também assumem relevância na elaboração dos itens, pois o construto a avaliar pode não
assumir as mesmas dimensões ao longo do ciclo vital.
3.1.2 Formulação dos itens e instruções do questionário
a) Questões prévias
Os investigadores que desenvolvem questionários, quando procuram construir os
seus itens, por vezes, fundamentam-se em fontes de informação, que podem ir desde a
prática do investigador, a discussões em mesa redonda/ painel de especialistas, debates
com outros especialistas, entrevistas abertas, até à consulta de textos e análise de itens
dos questionários existentes.
Segundo Sierra Bravo (1988), os dados ou conteúdos, que se podem obter com um
questionário, agrupam-se em três tipos: (1) os factos (dados atuais do indivíduo) relativos
ao domínio social do indivíduo (e.g., idade, escolaridade), ao domínio do ambiente que o
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 21 247
rodeia (e.g., relações interpessoais) e ao domínio do seu comportamento; (2) as opiniões
e níveis de informação, ou seja, os dados que envolvem subjetividade; (3) as atitudes,
motivações, sentimentos, ou seja, o que impele para a ação; e (4) as cognições (e.g., os
conhecimentos avaliados com um questionário).
O conjunto de itens do questionário deve ser cuidadosamente elaborado. A
elaboração de um primeiro conjunto de itens (por norma, o dobro dos itens que se pretende
reter na versão denitiva do instrumento) tem por base a operacionalização do construto
através de sucessivos níveis de aproximação ao comportamento manifesto.
Alguns aspetos devem ser considerados previamente à formulação dos itens,
nomeadamente: (1) deve ser decidido quantos itens deverá incluir a versão denitiva do
questionário; (2) o grau de diculdade ou o nível de intensidade dos comportamentos que
se deverão considerar, tendo em conta a população alvo e os objetivos do questionário;
(3) o formato e conteúdo dos itens (e.g., itens muito estruturados, itens com alternativas
de escolha ou questões abertas, elaboração da resposta pelo indivíduo, resposta escrita
ou oral, prova de papel-lápis ou que envolve a manipulação de materiais) e, por m, (4) a
forma como vai ser realizada a sua aplicação (por exemplo: autoadministração, aplicação
individual ou coletiva) (Almeida e Freire, 2017).
b) O número de questões
No que diz respeito ao número de questões/itens, o questionário não deve ser
demasiadamente curto, porque se pode perder informação, nem excessivamente longo,
porque o inquirido pode cansar-se, deixar de responder. Deve cingir-se ao número de
perguntas necessárias para avaliar o constructo, sendo aconselhável que leve entre 30-45
minutos a responder (Ghiglione e Matalon, 1997; Hernández Sampieri et al., 2000; Ibáñez
e Serrano, 1985, Vilelas, 2009) e nunca mais de 60 minutos (Ghiglione e Matalon, 1997).
No entanto, Ghiglione e Matalon (1997) alertam para a importância das condições em que
é realizada a aplicação do questionário, sendo que a sua administração a uma amostragem
local, realizada na rua ou em lugares públicos, com os participantes de pé, com outras
pessoas no meio circundante, não deverá ultrapassar os 10 minutos.
c) Forma das questões e escala de medida das opções de resposta
As questões também podem ser classicadas quanto à forma, isto é, podem ser
fechadas ou abertas (Ghiglione e Matalon, 1997; Polit e Hungler, 1995, Vilelas, 2009).
As questões abertas, não requerem a previsão da resposta e o inquirido pode
responder como quiser, de forma livre, usando as suas próprias expressões.
As questões fechadas caracterizam-se pelo facto de o inquirido ter de optar por uma
opção de resposta possível, que é prevista ou fornecida no questionário. As instruções das
questões fechadas podem variar, sendo frequentemente solicitado que o inquirido indique
a resposta que ache mais adequada, que indique várias respostas (sendo livre ou xo o
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 21 248
número de respostas) ou que ordene as respostas (da menos para a mais adequada, ou
um número xo de respostas mais adequadas) (Ghiglione e Matalon, 1997).
As opções de resposta podem envolver uma escala de medida qualitativa nominal
da variável, e, nesse caso, podem ser dicotómicas ou politómicas. Um exemplo de opções
de resposta qualitativas nominais são as das questões que envolvem uma escolha entre
“Sim” e “Não”, ou, por exemplo, entre o género “Feminino” e “Masculino”. As opções de
resposta politómicas apresentam várias categorias de resposta que não têm entre si uma
ordenação hierárquica, como, por exemplo, a indicação da instituição de ensino secundário
que o participante frequenta entre várias de uma cidade.
A escala de medida das opções de resposta das questões/itens de um questionário
podem também ser qualitativas ordinais/hierárquicas, sendo possível estabelecer entre
elas uma ordem de mais para menos ou inversamente, uma relação hierárquica. Por
exemplo, a classicação da descrição da saúde psicológica global pode ser considerada
numa escala de má a muito boa. As opções de resposta podem envolver uma escala de
intervalos iguais, caracterizada pela existência de categorias que se organizam segundo
intervalos iguais entre si e revelam a possibilidade de ordenação entre elas, encontrando
correspondência na realidade do fenómeno observado (e.g. temperatura 26-27 graus 28-
29 graus, 30-31 graus, etc.). As questões com respostas com uma escala de medida de
Likert ou de tipo Likert são também frequentemente usadas nos questionários. As opções
de respostas consistem numa série de proposições, às quais é atribuída uma cotação/
pontuação e o indivíduo terá que optar por uma delas. A escala é de Likert se as opções
de resposta envolverem um ponto intermédio de neutralidade [e.g. opções de resposta:
concorda totalmente; concorda, nem concorda/ nem discorda, discorda, discorda totalmente
(cotação de 5 a 1)] e de tipo Likert, se esse ponto não existir [e.g. opções de resposta:
concorda totalmente, concorda, discorda, discorda totalmente (cotação 4-1)]. Nas escalas
de diferenciais semânticos, o item, geralmente um adjetivo, é apresentado de forma bipolar,
em que um extremo corresponde a pontuação mais baixa e o outro extremo à pontuação
mais elevada, usando uma determinada escala. Por exemplo, em relação ao otimismo
baixo e elevado o inquirido escolhe entre várias posições, tendo de optar por um ponto
intermédio (caso exista) ou por uma posição mais próxima de um dos extremos.
Na escala de ordenação ou hierárquica as opções de resposta fornecidas consistem
numa série de enunciados que o inquirido deve colocar por ordem, de acordo com a
importância que lhes atribui. As opções de resposta com uma escala de ordenação devem
ser inclusivas (abranger todos os valores possíveis da variável a medir) e ter intervalos
mutuamente exclusivos (cada dado recolhido só pode pertencer a uma categoria da escala).
O tipo questões fechadas tem como vantagem o facto do seu tratamento estatístico
das respostas ser fácil de realizar. Todas as pessoas que responderem são comparáveis
(Ghiglione e Matalon, 1997). Como desvantagens podem-se referir o direcionamento do
pensamento do inquirido, a pobreza da informação obtida, e a probabilidade de algumas
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 21 249
perguntas não serem respondidas devido à incompreensão das mesmas, sem que tal facto
possa ser evitado (Ibáñez e Serrano, 1985, Vilelas, 2009).
As questões abertas levantam menos diculdade numa fase inicial, pois são
mais fáceis de fazer, bastando anotar a resposta. No entanto, colocam mais diculdade
no tratamento da informação recolhida, pois as respostas terão de ser interpretadas e
codicadas, reduzidas a um pequeno número de categorias que incluam a informação mais
relevante, que, por sua vez será quanticada posteriormente. A interpretação e codicação
das respostas é um processo moroso, que remete para a análise de conteúdo e exige
normalmente o envolvimento de mais do que um investigador (Ghiglione e Matalon, 1997;
Hernández Sampieri et al., 2000, Vilelas, 2009).
d) A Representação do Construto, Formulação e Organização dos Itens.
Devem ser seguidos alguns princípios gerais de forma a garantir que os itens sejam
construídos para representar comportamentalmente o construto a avaliar (Almeida e Freire
2017: p. 86) e que cada questão de um questionário seja colocada a cada pessoa sempre
da mesma forma, sem explicações suplementares da pessoa que está a inquirir (Ghiglione
e Matalon, 1997). Assim, as questões do questionário não devem ser demasiado gerais,
confusas ou ambíguas, mas formulados com clareza, de forma objetiva, simples e fácil de
compreender (Almeida e Freire, 2017; Ghiglione e Matalon, 1997; Vilelas, 2009). A clareza
das questões varia na razão inversa da sua extensão, pelo que, devem ser curtas, escritas
com uma linguagem simples e sintaxe clara (Craig e Smyth, 2004, Vilelas 2009).
Os itens devem também ser relevantes, estar relacionados com o domínio e objetivo
de avaliação, isto é, devem ser capazes de avaliar a característica psicológica que o
questionário pretende medir. O processo de recolha dos itens e a decisão da sua relevância
podem requer a consulta da população alvo, envolver a consulta de especialistas da área,
a leitura da literatura sobre os instrumentos existentes que avaliem construtos, objetivos e
população alvo similares, entre outras tarefas. Um outro aspeto a contemplar é que os itens
avaliem a amplitude do domínio que se pretende medir, como, por exemplo, os graus de
diculdade, os níveis de intensidade, entre outros. Os itens devem também ser credíveis,
apresentar boa validade aparente (face validity).
Para além da formulação das questões é também importante a ordem pela qual são
colocadas, o que deverá ser cuidadosamente escolhido, pois a posição de uma pergunta
em relação às outras pode inuenciar a sua resposta. As primeiras perguntas são muito
importantes, pois dão uma indicação ao inquirido do estilo geral do questionário, do seu
tema e do tipo de resposta que é esperada, do seu cariz mais íntimo ou não (Ghiglione e
Matalon, 1997).
Deve também ser elaborado o conjunto de instruções, a seguir no preenchimento do
questionário. Estas contemplam geralmente a explicação da tarefa ou do que se pretende
com o questionário, o quadro temporal ou período a que o inquirido se deve reportar nas
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 21 250
respostas (e.g., durante o último ano., mês…, semana…, ou dias… alguma vez…, nesta
gravidez…), entre outros aspetos. A elaboração de um questionário deve ser feita, de forma
a que não haja necessidade de outras instruções, que não sejam as que são enunciadas
antes da formulação das questões (Ghiglione e Matalon, 1997)
3.1.3 Análise e seleção dos itens
Após ter sido construída a primeira versão da formulação dos itens, seguem-se
várias análises exploratórias qualitativas e quantitativas, que podem levar à alteração dos
itens, a algumas reformulações, acrescentos ou até a sua exclusão da prova.
a) Análises qualitativas e quantitativas dos itens
Para realizar a análise do conteúdo e forma dos itens, é habitualmente usado o
pré-teste, aplicando o método qualitativo de reexão falada. Este procedimento consiste
na administração da prova a um grupo de indivíduos com características similares às
da população alvo, visada pelo questionário. O que deve ser o tamanho dessa amostra
diverge com os autores. Segundo Gil (1999), este grupo deve ser constituído por 10-20
indivíduos e para Hill e Hill (2002), este deve ser composto por 50 elementos. É solicitado
a esses indivíduos que preencham os itens e que expressem verbalmente as impressões
que tiveram em relação aos mesmos (Almeida e Freire, 2017). Através deste processo,
podem ser obtidas informações relevantes quanto à construção gramatical dos itens, à
compreensão do seu conteúdo, quanto às diculdades e facilidades que os sujeitos da
amostra encontraram na prova ou em alguns itens, quanto aos processos e estratégias
que usaram nas suas respostas, quanto à suciência das instruções, à adequação das
alternativas de resposta, ao tempo requerido para a resposta aos itens da prova, quanto
à atitude do indivíduo face aos itens, se existem padrões de resposta especícos a
determinados grupos que possam ser fonte de enviesamento (e.g., etnia, género), se
existe uma tendência para dar respostas ocasionais ou muito regulares, entre outras. Estes
aspetos podem levar à reformulação dos itens ou à sua exclusão do questionário.
Um procedimento adicional de análise qualitativa dos itens consiste na consulta
de especialistas com prática prossional na área. Estes poderão também fornecer o seu
parecer quanto à informação obtida pelo método de reexão falada.
Os procedimentos quantitativos, realizadas na fase de análise e de seleção dos itens,
visam a avaliação da diculdade ou dispersão das respostas numa amostra de indivíduos
avaliados; a exploração da validade interna dos itens (em que medida a resposta num item
se correlaciona com as respostas aos outros itens ou com o total da prova) e o estudo da
validade externa dos itens (correlação com um critério externo, como, por exemplo, outro
questionário, os resultados escolares, diagnósticos clínicos).
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 21 251
4 | A ADAPTAÇÃO CULTURAL DOS QUESTIONÁRIOS FORMAIS JÁ
EXISTENTES
Na investigação cientíca, o investigador pode querer usar um questionário formal
que avalia o constructo que quer explorar, mas que foi construído em outro país, que
revelou características psicométricas robustas nessa população, mas que não teve ainda a
adaptação cultural e os estudos psicométricos, que possibilitassem o seu uso na população
em causa. Para realizar a adaptação do questionário para determinada população torna-
se necessário cumprir vários requisitos, que incluem a sua tradução e retroversão, a
avaliação rigorosa dessa tradução e adaptação cultural e o estudo das suas características
metrológicas. A Figura 1 descreve os procedimentos relativos à adaptação cultural de um
questionário formal.
Apesar de não existir um consenso entre os vários autores quanto ao melhor
método a seguir na adaptação cultural de uma escala, vamos descrever os procedimentos
sugeridos por Vilelas (2009), que são os seguintes:
4.2 Tradução inicial e síntese das traduções.
A tradução de um questionário segue procedimentos rigorosos, a m de que seja
mantida a sua integridade original. Assim, as questões da versão do questionário adaptada
devem manter o signicado de cada item da versão original. Alguns autores defendem que
a tradução deve ser realizada por dois tradutores independentes, bilingues (naturais do
país para onde a escala está a ser adaptada e que dominem a língua do país da escala
original), sendo que um deles conhece a temática do questionário e o outro não (Beaton
et al., 2002; Vilelas, 2009). Estas traduções devem ser comparadas e as discrepâncias
ultrapassadas, consultando os próprios tradutores. Uma terceira pessoa, a partir dessas
duas traduções, irá construir a síntese das traduções, uma versão nal única, na língua
alvo. Deve ainda registar por escrito as discrepâncias que foram observadas e a forma
como foram resolvidas (Figura 1).
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 21 252
Figura 1: procedimentos relativos à adaptação cultural de um questionário formal, até à obtenção da
versão nal (adaptado de Vilelas, 2009)
4.3 Retroversão
Segue-se a retroversão dessa versão única na língua alvo, para a língua original do
instrumento, realizada por um ou dois tradutores bilingues, que não tiveram acesso à versão
original, a m de vericar as divergências a nível dos signicados e/ou dos conteúdos entre
o instrumento original e a sua tradução (Vilelas, 2009: p 359). As retroversões obtidas
devem ser também comparadas pelo investigador, que irá construir uma versão única da
retroversão do instrumento, a qual, por sua vez será comparada com a versão original. As
divergências serão explicadas e corrigidas (Figura 1).
4.4 Versão pré-nal do questionário formal
Posteriormente, um grupo de especialistas, com conhecimentos sobre os constructos
que o instrumento pretende avaliar, realiza a revisão das traduções (da versão original e
nal). Este grupo de peritos deve incluir elementos que dominem a língua de origem do
instrumento, que tenham experiência/conhecimentos a nível da construção e validação
de instrumentos e os tradutores da versão original e da retroversão. Pretende-se que
esta equipa avalie a equivalência semântica, das expressões idiomáticas, a equivalência
experimental/cultural e conceptual ou facial do instrumento. Em caso de falta de consenso
entre os especialistas pode ser requerida a revisão do processo de tradução/retroversão,
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 21 253
para melhorar a formulação das questões. Este processo leva à elaboração da versão pré-
nal do instrumento (Vilelas, 2009) (Figura 1).
4.5 Pré-teste da versão pré-nal do questionário formal
O pré-teste visa avaliar a equivalência entre a versão original e pré-nal do
questionário, a compreensão e clareza dos itens, avaliar a sua validade aparente (Ciconelli,
1997, Vilelas, 2009). Para o efeito, o questionário é aplicado a um pequeno grupo de indivíduos
(30-40 indivíduos do grupo alvo) (Beaton et al. 2007), que depois disso é entrevistado, a
m de analisar a pertinência, clareza e relevância cultural dos itens, o que pode levar
à sua redenição. Após o pré-teste, é realizada a avaliação qualitativa do questionário,
considerando as observações e dúvidas dos inquiridos, a falta de compreensão das
questões, entre outros aspetos e, caso seja necessário realizar mudanças na formulação
dos itens, pode ser preciso voltar a reunir a comissão de peritos (Figura 1).
Os procedimentos quantitativos realizadas na fase de análise e de seleção dos itens
visam a avaliação da diculdade ou dispersão das respostas dadas pelos participantes da
amostra; a exploração da validade interna dos itens (em que medida a resposta num item
se correlaciona com as respostas aos outros itens ou com o total da prova) e o estudo da
validade externa dos itens (correlação com um critério externo, como, por exemplo, outro
questionário, os resultados escolares, diagnósticos clínicos).
Na fase do pré-teste é também avaliado o tempo de administração do instrumento.
Mas a adaptação cultural de um questionário, não signica validá-lo. Assim, depois de se
proceder à sua adaptação cultural devem ser estudadas as qualidades psicométricas da
versão pré-teste, a sua delidade e validade (Guillemin, 1995, Vilelas, 2009), com recurso
a métodos especícos.
Quer os questionários formais tenham sido adaptados, quer tenham sido construídos
de novo, as características psicométricas devem ser estudadas na população alvo.
5 | CARACTERÍSTICAS METROLÓGICAS DOS RESULTADOS DO
QUESTIONÁRIO
Quando se procede à construção de um questionário novo ou à adaptação de um
existente, devem ser analisadas as suas características metrológicas, nomeadamente, a
sensibilidade, a delidade e a validade dos seus resultados (Almeida e Freire, 2017). As
características psicométricas do questionário devem também ser consideradas quando o
investigador procede à sua escolha para ns de investigação, opta por um em detrimento
de outro.
Para isso, o questionário terá de ser administrado a uma amostra representativa da
população alvo.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 21 254
5.1 Sensibilidade
A sensibilidade dos resultados em um questionário consiste no grau com que os
resultados obtidos no mesmo surgem distribuídos de forma a diferenciar os sujeitos entre si,
quanto aos seus níveis de realização (Almeida e Freire, 2017). Existem vários procedimentos
de análise da sensibilidade de um questionário, mas todos eles se relacionam com a
questão da normalidade ou não-normalidade da distribuição dos resultados/pontuações em
análise. Desta forma, deve ser analisado se os resultados percorrerem o leque entre o valor
mínimo da pontuação e o máximo; se o valor da média, mediana e moda da distribuição
se aproximam (estes valores sobrepõem-se na distribuição normal); se os resultados
se distribuem numa amplitude de 2,5 ou 3 unidades desvio padrão acima e abaixo da
média; se os coecientes de assimetria e achatamento da distribuição dos resultados não
ultrapassam a unidade. Existem vários fatores que podem contribuir para a sensibilidade
dos resultados, que são relativos à amostra (e.g., tamanho da amostra e representatividade
insucientes), aos itens (e.g., facilidade/diculdade dos itens para os sujeitos da amostra),
ao tempo de execução (e.g., demasiadamente longo ou curto) e à sua aplicação (e.g.,
falta de motivação para responder; condições externas de aplicação não adequadas; as
instruções não foram seguidas, etc).
5.2 Fidelidade ou dedignidade do questionário
A delidade (ou dedignidade) de um questionário formal consiste no grau de
conança ou de exatidão que se pode ter na informação obtida (Almeida e Freire, 2017),
o quanto a sua pontuação é exata e precisa. Uma série de procedimentos são usados
para analisar a delidade de um questionário e incluem o teste-reteste (estabilidade ou
consistência temporal dos resultados), as formas equivalentes e a análise da consistência
interna ou homogeneidade dos itens (se os itens apresentam um todo homogéneo).
5.2.1 Teste-reteste e estabilidade temporal
No estudo da estabilidade ou consistência temporal dos resultados é habitualmente
usada a análise de teste-reteste com o mesmo questionário ou com as suas formas
paralelas (equivalentes ou alternadas).
Na análise de teste-reteste com o mesmo questionário, este é aplicado duas vezes
aos mesmos indivíduos, com um intervalo temporal, que não deve ser demasiado longo,
que permita tenha ocorrido mudança na variável (e.g. devido, por exemplo, a diversas
experiências educativas, ao desenvolvimento, etc.), nem demasiado curto, que possibilite
a transferência da aprendizagem dos procedimentos, a memorização da informação ou
das respostas dadas para a segunda administração. O espaço de tempo geralmente usado
entre a situação teste e a reteste varia entre 4-6 semanas (Vilelas, 2009).
O procedimento metodológico e estatístico da análise teste-reteste com formas
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 21 255
paralelas é similar ao que usa a mesma forma de questionário. A utilização de formas
paralelas diminui o problema da transferência de aprendizagem, mas tem a limitação
relacionada com a constituição de duas formas verdadeiramente equivalentes de um
mesmo questionário, no que respeita ao seu conteúdo, grau de diculdade e forma (Almeida
e Freire, 2017).
As pontuações obtidas nestas duas administrações do questionário ou na
administração de duas formas paralelas são correlacionadas, usando a análise de
correlação. A análise de correlação é realizada em relação à pontuação total obtida nas
duas administrações do questionário (total teste e total reteste) e em relação à pontuação
nos itens/questões que o compõem (pontuação do mesmo item no teste e no reteste),
sendo esperado que seja positiva e estatisticamente signicativa. Para a análise da
magnitude das correlações Cohen (1988) indica que um coeciente de correlação de .1 é
baixo, de.3 é moderado e que de .5 é elevado. Segundo Vilelas (2009) a correlação entre
as pontuações do teste e do reteste deve ser superior ou igual a .40. A correlação tende a
diminuir à medida que aumenta o intervalo temporal teste-reteste.
5.2.2 Bipartição dos itens ou duas metades
Esta análise avalia a consistência de resultados obtidos com dois conjuntos
diferentes de itens. Consiste na correlação entre duas metades de um mesmo questionário,
tendo como ponto de partida as respostas dadas a um só questionário, aplicado uma única
vez. Trata-se então de dividir os seus itens em duas partes, de forma a constituir duas
formas do mesmo e de correlacionar as suas pontuações. Para dividir os itens em duas
metades, pode-se tomar como ponto de partida a numeração par e ímpar, que é sobretudo
útil quando a progressão na prova implica um aumento do grau de diculdade. A bipartição
dos itens, com base na sua divisão entre a primeira parte e a segunda parte dos itens
da prova nunca é aconselhável, devido ao facto de poder haver um efeito da fadiga ou
aborrecimento, mais notórios no nal do preenchimento da prova e este procedimento
não se pode aplicar a questionários que envolvam a velocidade/ tempo de resposta. Se
este método tem como vantagem a anulação do tempo decorrido entre a administração
da mesma prova ou provas paralelas, tem como desvantagem a limitação decorrente da
distribuição dos erros ocasionais, o que pode inuenciar o coeciente de correlação obtido
(Almeida e Freire, 2017).
5.2.3 Poder discriminativo dos itens Correlação item-total/ item-total
corrigido
O poder discriminativo de um item consiste no grau em que o item diferencia no
mesmo sentido do teste global (Almeida e Freire, 2017), em que cada item se relaciona
com as respostas dadas a todos os outros itens, em que medida cada item avalia o que os
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 21 256
outros também medem. Um dos procedimentos estatísticos mais aplicado para explorar o
poder discriminativo dos itens de um questionário formal, consiste no cálculo da correlação
da pontuação de cada item do questionário com a pontuação total do questionário corrigida
(pontuação total-corrigida). A pontuação total-corrigida consiste na pontuação total à qual
foi subtraída a pontuação do item, e este procedimento visa que os valores das correlações
obtidas não resultem dessa contribuição espúria (Almeida e Freire, 2017). Os itens a reter
devem ter uma correlação positiva elevada com a pontuação total.
Se o questionário não for unidimensional e avaliar duas ou mais dimensões,
a correlação item total-corrigido deve realizar-se em relação à subescala a que o item
pertence (validade convergente do item) e com o total-corrigido da outra dimensão (validade
discriminante do item), esperando-se que estejam mais associados à sua própria dimensão
do que à outra.
Para que se considere que o item contribui para a consistência interna, a consistência
do questionário ou da dimensão a que item pertence deve diminuir quando o item é
excluído do seu cálculo. Para melhorar a consistência interna do questionário devem ser
excluídos os itens com baixas correlações com o total (correlação inferior a .20) (Almeida
e Freire, 2017). No entanto, o investigador não se deve só fundamentar na magnitude das
correlações, mas também no seu conhecimento sobre itens e sobre a sua relação teórica
com o construto (Green et al., 1999).
5.2.4 Consistência interna ou homogeneidade dos itens
A consistência interna dos itens, também designada consistência interitens, ou
equivalência racional, consiste no grau de uniformidade ou de coerência existente entre as
respostas dos sujeitos a cada um dos itens da prova (Almeira e Freire, 2017: p. 112)
Os coecientes usados, para avaliar a consistência interna de um questionário
formal, procuram analisar em que medida a variância geral das pontuações na prova se
associa ao somatório da variância item a item. Quando as opções de resposta aos itens são
dicotómicas, aplica-se o coeciente de Kuder-Richardson e quando as opções de resposta
são ordinais de Likert ou de tipo-Likert usa-se uma sua extensão, isto é, o coeciente
alfa de Cronbach. O coeciente alfa leva em conta todas as interassociações entre os
itens do questionário. A consistência interna dos itens é tanto mais elevada quanto maior
for o coeciente de dedignidade alfa de Cronbach, sendo a mesma adequada/elevada
quando o seu valor é igual ou superior a .70 [respeitável: .70-.80; muito bom: .80-.90;
possível excessiva homogeneidade dos itens e ponderar a sua redução >.90] Os índices
de consistência entre .65-.70 são ainda minimamente aceitáveis, mas abaixo disso não
[inaceitável: <.60, indesejável: .60-.65] (Almeida e Freire, 2017). O coeciente alfa de
Cronbach pode ser calculado para cada uma das dimensões de um questionário formal e
para o total. O coeciente de Kuder-Richardson interpreta-se da mesma forma do que o
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 21 257
coeciente alfa de Cronbach.
Se os itens não tiverem homogeneidade, não é adequado somar as suas pontuações
para obter a pontuação total do questionário, nem poderá ser assumido que a variável em
causa está a ser medida.
5.3 Validade
A validade de um questionário formal consiste na capacidade que o mesmo tem
de avaliar a variável que pretende medir, o grau em que os seus resultados medem o
que o questionário pretende avaliar (Almeida e Freire, 2017; Vilelas, 2009). A validade
de um questionário formal pode ser denida como a relevância das pontuações e a
extensão em que é possível fazer inferências apropriadas a partir das [suas] pontuações
(British Psychological Society, 1992: p. 4, 6). Alguns tipos de validade vão ser descritos
seguidamente
5.3.1 Validade de conteúdo e validade facial
A validade de conteúdo, também designada por validade lógica, tem a ver com o grau
de adequação dos itens de um questionário para representar a dimensão ou constructo que
o mesmo pretende avaliar (Almeida e Freire, 2017). A pergunta que se coloca é: Este item/
questão é sobre o que eu quero avaliar?
A validade facial está presente quando os itens parecem avaliar o que se pretende
medir. A pergunta que se coloca é: Este item/questão parece ser sobre aquilo que se
pretende medir?
Na fase da construção de um questionário estas duas formas de validade são muito
importantes. validade de conteúdo é conseguida através do julgamento de peritos sobre
se os itens medem aquilo que se julga avaliarem. A validade facial é geralmente obtida,
colocando a pergunta acima descrita à subamostra da população alvo, na fase pré-teste.
Vilelas (2009) faz corresponder a validade de conteúdo à validade de constructo,
subdividindo-a em validade de constructo convergente e validade de constructo
discriminante ou divergente.
5.3.2 Validade por referência a critério: validade concorrente e validade
preditiva
A validade por referência a critério, também designada validade externa, validade
empírica ou validade de critério de um questionário consiste no grau em que o mesmo
avalia o constructo que pretende medir, por referência a critérios externos supostamente
associados ou dependentes do mesmo. Pode subdividir-se em dois tipos: a validade
concorrente (também designada concomitante) e a validade preditiva (ou validade de
prognóstico). No estudo da validade concorrente pretende-se analisar a validade de um
questionário em relação a um outro que avalia o mesmo constructo. Por isso, na validade
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 21 258
concorrente existe simultaneidade temporal na avaliação e na pontuação obtida com o
questionário que se pretende validar e com a medida usada como critério. A validade
preditiva é encontrada quando o questionário prediz o desempenho em determinado
critério. Na validade preditiva existe distanciamento temporal entre a aplicação do primeiro
questionário e a aplicação da medida usada como critério, pretendendo-se saber se a
pontuação no primeiro é capaz de predizer a pontuação no segundo (e.g. testes de seleção
prossional como preditores do desempenho no trabalho). O método estatístico mais usado
na análise estatística da validade concorrente e da validade preditiva é a correlação. Por
vezes, para a exploração da validade preditiva, a análise de regressão é também aplicada
(Almeira e Freire, 2017).
5.3.3 Validade interna, ou de constructo ou de conceito.
A validade de constructo, também designada validade de interna, validade de
conceito, validade conceptual, validade de construção ou validade hipotético-dedutiva,
consiste no grau em que conhecemos aquilo que a prova está a medir (Almeida e Freire,
2017). Trata-se de saber o que é que o questionário está a medir, o grau de correspondência
entre o resultado no questionário e o construto avaliado, o que muitas vezes implica o
conhecimento da teoria que fundamentou a sua construção.
a) Análise fatorial
Um dos métodos de análise da validade de conceito ou de constructo de um
questionário consiste na análise fatorial, que pode ser exploratória e conrmatória.
A análise fatorial exploratória é habitualmente usada nas primeiras fases da
investigação para explorar a relação entre um conjunto de variáveis e as dimensões
subjacentes. A análise fatorial conrmatória é mais complexa, recorre a procedimentos
estatísticos recentes e visa testar (conrmar) modelos teóricos prévios, sobre a estrutura
subjacente a um conjunto de variáveis (Almeida e Freire, 2017). Por isso, a análise fatorial
conrmatória de um questionário, surge após a análise fatorial exploratória, visando
conrmá-la numa outra amostra.
A análise fatorial é um procedimento estatístico que se fundamente nas correlações
(entre todas as variáveis) e que visa simplicar as relações entre um conjunto de variáveis
relacionadas (itens), identicando uma estrutura subjacente, mais simples (fatores,
dimensões ou subescalas) (Moreira, 2006). A análise fatorial permite conrmar de forma
empírica se o questionário mede um construto com uma única dimensão (unidimensional)
ou um construto com várias dimensões (multidimensional).
Antes de iniciar a análise fatorial alguns pressupostos devem ser seguidos, no que
diz respeito ao tamanho da amostra e à relação entre os itens. Um dos pressupostos é
que a amostra deve ter um tamanho de pelo menos 5 elementos por cada item para que
seja adequada para a realização da análise fatorial (Almeida e Freire, 2017). No entanto,
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 21 259
não é consensual e Nunnally (1978) propõe que os participantes sejam 10 vezes mais
do que o número itens. A análise fatorial parte das correlações entre as variáveis para
a identicação dos fatores, daqui decorrendo um segundo pressuposto que consiste na
necessidade de existir uma relação linear entre as variáveis. Este pressuposto pode ser
violado, caso os itens do questionário tenham uma escala de resposta com poucas opções,
como, por exemplo a dicotómica (e.g., “Sim”/ ”Não”) ou caso a distribuição das respostas
aos itens seja demasiadamente assimétrica (Green et al, 1999).
Para determinar se as variáveis estão lineamente relacionadas é recomendável
a análise da matriz de correlações entre os itens. Estas relações não devem ser nem
demasiadamente baixas (<. 30) nem demasiadamente robustas (correlações próximas de
.90) (Almeida e Freire, 2017; Green et al., 1999; Tabachnick e Fidell, 2013).
O teste de adequação da amostra de Keiser-Meyer-Olkin (KMO) (Keiser, 1970) e
o teste de esfericidade de Bartlett (Bartlett, 1954) são medidas adicionais para avaliar a
adequação psicométrica da matriz de correlações, que são fornecidos por alguns programas
de análise estatística (e.g., Statistical Package for the Social Sciences, SPSS). A medida
de adequação da amostra KMO varia entre 0 e 1, sendo o valor de .6 o mínimo aceitável
para realizar a análise fatorial. O valor do teste de esfericidade deve ser estatisticamente
signicativo (p <.05), para que a realização da análise fatorial seja apropriada (Almeida e
Freire, 2017).
A análise fatorial exploratória, propriamente dita, inicia-se com uma série de técnicas
que auxiliam na decisão do número de fatores a reter: a análise das componentes principais
(solução não rotacionada) e o scree teste de Catell (Catell, 1996). O critério de Keiser dene
que os fatores são isolados quando apresentam um valor próprio (eighenvalue) superior a 1
e alguns programas de análise de estatística (e.g., SPSS) fornecem a informação relativa,
à percentagem de variância total explicada por todos e por cada um desses fatores com
eighenvalues superior a 1. O scree teste de Catell (magnitude relativa dos eigenvalues)
fornece um gráco (diagrama de declividade), com uma curva com um declive acentuado,
um ponto de inexão, que se segue de um declive menor, quase horizontal. Segundo este
autor, devem ser retidos os fatores indicados até ao ponto de corte, isto é, aquele em que
o declive da curva quebra acentuadamente e se torna mais horizontal. Pode também ser
tomada uma decisão quanto ao número de fatores a reter, com base na conceção teórica
prévia sobre as dimensões do construto avaliado pelo questionário (Green et al., 1999).
Tendo determinado o número de fatores, seguidamente, estes são submetidos a
rotação (e.g., ortogonal: varimax, quartimax, equamax; oblíqua: direct oblimin; promax),
procedimento que visa maximizar as saturações dos itens nos respetivos fatores. A rotação
ortogonal é usada quando os fatores são independentes (não relacionados) e a oblíqua,
quando os fatores estão correlacionados. A saturação, carga ou peso fatorial de um item
no fator (em inglês loading), pode variar entre +1 e -1 (o valor zero corresponde à ausência
de relação) e indica a percentagem de covariância entre esse item e o respetivo fator, em
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 21 260
que medida o item contribui empiricamente para um traço latente (Almeida e Freire, 2017;
Moreira, 2006). O investigador cará a saber quais são os itens que mais saturam no fator,
sendo estes os de maior qualidade. Um fator pode ser interpretado ou nomeado, analisando
o conteúdo dos itens com maior peso no mesmo. Considera-se geralmente que a carga
fatorial do item no fator não deve ser inferior a .30, o que signica que a covariância entre
o item e o fator não pode ser inferior a 9% (.302). No entanto, em vez de .30, o investigador
pode considerar valores de saturação mais elevados, quando escolhe os itens que vai reter
num fator, o que diminuirá o número de itens da prova, torná-la-á mais curta e diminuirá o
tempo de administração (Almeida e Freire, 2017). Um item com uma saturação inferior a .30
em todos os fatores, deverá ser excluído. Quando o item tem valores aceitáveis em vários
fatores antes de decidir se deverá ser eliminado ou retido, será importante analisar qual o
fator em que tem maior saturação, em que medida o resultado num e noutro fator caria
afetado se o mesmo fosse eliminado e analisar qual a sua contribuição para a consistência
interna do questionário.
b) Validade convergente e da validade discriminante ou divergente
A validade convergente é analisada estudando a relação dos resultados de dado
questionário com as pontuações em outras variáveis com as quais o construto está
teoricamente relacionado (Almeida e Freire, 2017). Os coecientes de correlação entre
as pontuações destas variáveis devem ser positivos (variam numa relação direta) e
estatisticamente signicativos
Na análise da segunda, da validade discriminante, pretende-se avaliar a capacidade
discriminativa do questionário, comparando as suas pontuações com as obtidas em outro
que avalia um construto com o qual não está teoricamente relacionado ou que varia em
sentido inverso. É esperado que a correlação entre estas pontuações seja inexistente ou
negativa e signicativa (Vilelas, 2009)
c) Estudos diferenciais
Outra metodologia é o recurso a estudos diferenciais, como, por exemplo o recurso
a grupos especícos e a grupos contrastantes (Almeida e Freire, 2017).
d) Estudos desenvolvimentais
Uma quarta metodologia é o recurso a estudos desenvolvimentais. Estes estudos
são relevantes quando as dimensões avaliadas são sensíveis ao desenvolvimento e à
aprendizagem escolar (Almeida e Freire, 2017).
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 21 261
6 | AFERIÇÃO DOS RESULTADOS E CÁLCULO DE NORMAS
A aferição dos resultados de uma prova assume relevância, considerando a sua
utilização na investigação e na prática psicológica (Almeida e Freire, 2017). Na aferição
de uma prova, incluindo o questionário formal, deve ser incluída toda a informação com
relevância para a análise e interpretação dos resultados, incluindo o que acabamos de
abordar, relativamente à sensibilidade, à delidade, à validade dos resultados e, para além
disso, os padrões para a interpretação dos resultados brutos e as normas.
As normas devem ser sempre apresentadas, pois permitem comparar o resultado de
um indivíduo numa prova com os resultados da amostra usada na construção da mesma.
As normas podem revestir a forma de médias, desvio padrão (Notas T e Z), mediana,
percentis, classes normalizadas, as notas idade (e.g., Nova Escala Métrica de Inteligência
de Binet-Simon). Estas normas podem ser dadas por grupo etário e/ou por género (Almeida
e Freire, 2017), caso se justique.
7 | CONCLUSÃO
A investigação tem sempre por fundamento uma determinada perspetiva de
aproximação à realidade.
Considerando a sua proveniência, os dados podem ser primários (são obtidos
diretamente da realidade empírica, pelo contacto que o investigador tem com os factos,
através dos instrumentos) ou secundários (são obtidos através de registos escritos, resultam
do trabalho de outro(s) investigador(es) fundamentado no contacto com a prática). Os
dados primários e secundários envolvem técnicas de recolha de dados distintas e integram-
se num processo sequencial, uma vez que os dados secundários foram primários e os
primários tornam-se secundários, quando são disponibilizados para outros investigadores.
As técnicas de recolha de dados primários reetem a diversidade das situações da
realidade e abrangem a observação, a entrevista e os questionários, entre outros.
No presente trabalho abordamos o questionário formal, que é, uma das técnicas de
recolha de dados primários, particularmente útil quando a investigação envolve o modo de
pesquisa quantitativo. Na aceção de Almeida e Freire (2017) o questionário formal é aquele
que foi estandardizado, aferido numa dada população.
As denições de questionário variam entre os autores. Na nossa análise de algumas
denições propostas por alguns autores (Almeida e Freire, 2017; Ghiglione e Matalon,
1997; Wood e Haber, 2001, Vilelas, 2009) encontramos algumas características a salientar,
nomeadamente: que é constituído por um conjunto de questões, itens ou situações,
que avaliam um conceito, domínio ou constructo, que esse conjunto questões, itens ou
situações é organizafo, planeado, rigorosamente estandardizado, e que a sua utilização
visa a pesquisa de dados de sujeitos em amostras ou subamostras.
Ghiglione e Matalon (1997) dão especial relevo à possibilidade de exploração
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 21 262
estatística dos dados fornecidos pelo questionário, considerando que esse é um dos seus
objetivos. Estes autores descrevem quatro propósitos que os questionários servem e que
são: a estimativa de grandezas absolutas, a estimativa de grandezas relativas, a descrição
de uma população ou subpopulação, e a vericação de hipóteses, relativas às relações
possíveis entre variáveis.
A escolha de um questionário para a recolha de dados em determinada investigação
empírica, de forma a garantir a qualidade da informação recolhida, deve fundamentar-se
na análise crítica das suas características metrológicas. Como armam Almeida e Freire
(2017), “como o objetivo da avaliação é a obtenção de informação signicante”, a avaliação
crítica dos aspetos relativos às análises qualitativas e quantitativas que presidiram à
construção, adaptação e aferição de um instrumento de avaliação, “são sempre necessárias
para garantir o rigor e valor da informação que se recolhe” (Almeida e Freire, 2017: p. 81).
A investigação pode também implicar a construção de um questionário. A construção
de um questionário formal envolve a denição do construto que o mesmo pretende avaliar,
do objetivo da avaliação e da população alvo. Constituem fases cruciais da construção
do questionário a revisão da literatura na área, a denição do construto e a exploração
de escalas anteriores que também o avaliam, o contacto com especialistas da área, a
formulação das questões, das instruções de preenchimento, e o estudo das suas
características metrológicas.
A construção dos itens fundamenta-se, frequentemente, na prática do investigador
e em outras fontes de informação, como a proveniente de discussões em mesas redondas
ou em painéis de especialistas, de conversações com outros especialistas, de entrevistas
abertas, da consulta de textos e da análise dos itens dos questionários existentes para
avaliar o mesmo construto. O conjunto de itens tem por base a operacionalização do
construto, através de sucessivos níveis de aproximação ao mesmo. No entanto, antes da
formulação dos itens (1) deve ser decidido quantos itens deverá incluir a versão denitiva
do questionário; (2) o grau de diculdade ou o nível de intensidade dos comportamentos a
considerar, tendo em conta a população alvo e os objetivos do questionário; (3) o formato
e conteúdo dos itens e (4) a forma de aplicação (Almeida e Freire, 2017). No que diz
respeito à forma, as questões podem ser fechadas ou abertas. As questões fechadas têm
opções de resposta que podem envolver diferentes escalas de medida, o que determina
as características da variável. Os itens devem ser relevantes, estar relacionados com o
domínio a avaliar e devem ser formulados com clareza, de forma objetiva, simples e fácil de
compreender (Almeida e Freire, 2017; Ghilione e Matalon, 1997; Vilelas, 2009). Um outro
aspeto a contemplar é que os itens avaliem a amplitude do construto e que sejam credíveis,
apresentem uma boa validade facial. O tempo de administração deve ser adequado, não
demasiadamente longo. Deve também ser considerada a ordem de apresentação dos itens
na prova e elaborado o conjunto de instruções para o seu preenchimento
Estando construída a primeira versão dos itens do questionário formal, seguem-se
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 21 263
várias análises exploratórias qualitativas e quantitativas, que podem levar à alteração da
sua formulação ou à sua exclusão do questionário
Para a análise de conteúdo e forma dos itens é realizada a aplicação do pré-teste a
uma amostra e usado o método de reexão falada. Um procedimento adicional é a consulta
de especialistas na área, que é útil para obter pareceres quanto à informação obtida pelo
método de reexão falada. Os procedimentos quantitativos na fase de análise e de seleção
dos itens visam avaliar a diculdade ou dispersão das respostas na amostra de indivíduos
avaliados e a exploração da validade interna e externa dos itens.
A investigação empírica pode também ter por objetivo a tradução e adaptação
cultural de um questionário formal existente e ao estudo das suas qualidades metrológicas
na população, usando procedimentos precisos, que foram descritos neste trabalho. Como
passos importantes do processo de adaptação destacam-se a tradução inicial dos itens do
questionário, a realização da síntese de traduções, a retroversão, a revisão das traduções
pelo grupo de especialistas e o pré-teste da versão pré-nal do questionário.
Quando é construído um questionário formal, com múltiplos itens, para avaliar um
construto, não ca automaticamente assegurado que tenha sido construída uma medida
adequada do mesmo. Quando um questionário é traduzido e adaptado culturalmente, não
cam asseguradas as suas qualidades metrológicas. Os questionários formais usados
em investigação empírica devem apresentar boas características metrológicas, o que se
prende com o a sensibilidade, dedignidade e validade dos seus resultados.
A sensibilidade de um questionário consiste no grau com que os seus resultados
surgem distribuídos de forma a diferenciar os sujeitos entre si, quanto aos seus níveis de
realização.
A delidade de um questionário está relacionada com o grau de precisão ou
exatidão que se pode ter na informação obtida, na sua pontuação. Alguns procedimentos
para analisar a delidade de um questionário formal e incluem a análise da estabilidade
temporal dos resultados, a análise da consistência interna das pontuações e a análise do
poder discriminativo dos itens.
A validade de um questionário formal consiste na capacidade que o mesmo
tem de avaliar a variável que pretende medir, o grau em que seus resultados medem o
que o questionário pretende avaliar. É insuciente armar que um questionário avalia
adequadamente determinado construto, apenas com base no facto de que ele foi
construído para o avaliar. A validade de um questionário deve ser analisada através de
métodos adequados para o efeito. Existem várias modalidades do estudo de validade de
um questionário e neste trabalho descrevemos a validade de conteúdo e a validade facial,
a validade de referência a um critério (concorrente e preditiva) e a validade interna, ou
de construto, ou de conceito. Na exploração desta última debruçamo-nos particularmente
sobre a análise fatorial, mas também sobre a validade convergente e divergente, sobre os
estudos diferenciais e os estudos desenvolvimentais.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 21 264
No âmbito da investigação empírica em psicologia, a construção de questionários
formais, a sua adaptação e a sua utilização como método de colheita de dados são habituais.
É importante que o investigador saiba em que consiste a delidade e validade de um
questionário formal, como podem ser avaliadas e as implicações práticas na investigação
(British Psychological Society, 2017). O uso de questionários formais dedignos e válidos
na investigação permitirá uma avaliação adequada das variáveis em estudo, uma adequada
colheita de dados, que alicerçará a consistência dos achados e conclusões.
Este trabalho pode ajudar o investigador a ter uma visão crítica sobre as qualidades
psicométricas dos questionários formais e a fundamentar a escolha dos que usa nos seus
trabalhos empíricos, para a recolha de dados.
Entre as limitações do questionário formal destacam-se a separação das respostas,
o isolamento das respostas dadas sobre o mesmo assunto, o perder-se a compreensão,
sistemática ou intuitiva, da coerência das respostas de um só indivíduo. Entre as suas
forças incluem-se a possibilidade de comparação das respostas dos indivíduos das
amostras e subamostras de uma população, a facilidade do tratamento estatístico dos
dados fornecidos e o facto de facilitar a generalização dos resultados empíricos para uma
população mais vasta (e.g., população geral ou grupo de indivíduos com as características
da amostra estudada). (Ghiglione e Matalon, 1997, p. 110)
A utilização na investigação empírica de questionários formais, construídos
ou adaptados sem os cuidados acima descritos, dicilmente assegurará resultados e
conclusões válidas.
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A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 22 267
Data de aceite: 20/08/2021
CAPÍTULO 22
MONITORIA ACADÊMICA NA DISCIPLINA DE
INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA: EXPERIÊNCIAS E
CONTRIBUIÇÕES PARA A FORMAÇÃO DOCENTE
Data de submissão: 06/07/2021
Denise Maria de Azevedo Frota
Faculdade Uninta de Itapipoca.
Itapipoca-Ceará
http://lattes.cnpq.br/2488448165486310
Maria Laís dos Santos Leite
Faculdade Uninta de Itapipoca.
Itapipoca-Ceará
http://lattes.cnpq.br/7257685302830712/
https://orcid.org/0000-0001-5777-3205
Mauro Michel El Khouri
Faculdade Uninta de Itapipoca.
Itapipoca-Ceará
http://lattes.cnpq.br/6983674109094725/
https://orcid.org/0000-0001-5173-1813
RESUMO: Este trabalho tem como objetivos
apresentar a experiência da monitoria na
disciplina de Introdução à Psicologia, ofertada
no primeiro semestre do Curso de Psicologia
da Faculdade Uninta Itapipoca e as reexões
geradas acerca da contribuição desta vivência
para a formação docente na referida ciência
e prossão. Trata-se de um estudo descritivo
do tipo relato de experiência da experiência
como monitora da disciplina de Introdução
à Psicologia, no período letivo de março a
junho de 2019 em associação com um estudo
bibliográco do tipo narrativa, a m de subsidiar
o exercício teórico-prático da proposta formativa.
Foi realizado o acompanhamento e suporte ao
professor em aulas e seminários; facilitação na
aplicação de provas; captação e elaboração de
conteúdos para as aulas utilizando bibliograas
cientícas referentes à disciplina. Foi observado
nesse período de atividades muitos ganhos e
uma vasta experiência adquirida por meio das
reexões contempladas em sala de aula, a partir
da mudança de visão de senso comum para a
Psicologia enquanto ciência e prossão; sobre a
perspectiva das abordagens e seus aportes; como
também a compreensão sobre as evidências de
todas as diversidades analisadas na disciplina,
enfatizando o conhecimento e o domínio das
psicologias em sua pluralidade. Concluiu-se que
foi fundamental para a compreensão das funções
de um docente em sala de aula e aperfeiçoamento
da formação. Ofereceu clareza e crescimento da
aprendizagem sobre a construção e denição
da psicologia e a relação ensino-aprendizagem
nesse papel de monitora, através do auxílio do
professor orientador. A experiência foi de grande
relevância para a elaboração de uma visão mais
amplicada sobre os desaos e do sentido de
caminhar para a docência, como também das
contribuições da disciplina para a graduação em
Psicologia.
PALAVRAS - CHAVE: Monitoria; Graduação
em Psicologia; formação docente; ensino-
aprendizagem.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 22 268
ACADEMIC MONITORING IN THE SUBJECT OF INTRODUCTION TO
PSYCHOLOGY: EXPERIENCES AND CONTRIBUTIONS TO TEACHER
EDUCATION
ABSTRACT: This work aims to present the experience of monitoring in the Introduction to
Psychology subject, offered in the rst semester of the Psychology Course at Uninta Itapipoca
College, and the reections generated about the contribution of this experience to teacher
education in the science and profession formation. This is a descriptive study of the experience
report type of experience as a monitor of the Introduction to Psychology subject, from March
to June 2019, in association with a bibliographic study of the narrative type, to support the
theoretical-practical exercise. During the formation process, the following activities were
carried out: monitoring and support to the teacher in classes; facilitating the application of
tests; capture and development of content for classes using scientic bibliographies referring
to the discipline. Many gains were observed in this period of activities, and a vast experience
acquired through the reections contemplated in the classroom from the change of common-
sense view to Psychology as a science and profession; on the perspective of approaches
and their contributions; as well as understanding the evidence of all the diversities analyzed
in the discipline, emphasizing the knowledge and mastery of psychologies in their plurality.
It was concluded that it was fundamental for understanding the functions of a teacher in the
classroom and for improving training. Through the help of the guiding professor, it was offered
clarity and growth in learning about the construction and denition of psychology and the
teaching-learning relationship in this monitoring role. The experience was of great relevance
for the elaboration of a broader view of the challenges and the meaning of approaching
teaching, as well as the contributions of the discipline to undergraduate psychology.
KEYWORDS: Monitoring; Degree in psychology; teacher training; teaching-learning.
1 | INTRODUÇÃO
O curso de bacharelado em Psicologia inclui diversos saberes e estudos sobre os
processos e áreas que compõe a ciência e prossão, das áreas emergentes às clássicas,
como também as funções psíquicas do indivíduo, sob aspectos da cienticidade que
envolve as bases fundamentais dos conceitos teóricos e práticos que guiam o fazer dos(as)
futuros(as) psicólogos(as).
No entanto, todo conhecimento adquirido no processo acadêmico é relevante, pois
torna-se signicativo para a construção do prossional, tanto no exercer da prossão,
quanto no exercício da docência. Porém, diante toda multiplicidade das averiguações sobre
o magistério, tem rmado os saberes dos alicerces sobre os fundamentos do ensino e
isso permite o auxílio nos aspectos teóricos e práticos como meio da reforma nos cursos
de formação que, de certa forma, levanta questões sobre vários tipos de conhecimentos,
desde universitários, especícos e das Ciências Humanas e Sociais (ALMEIDA, 2008).
Para complementar essa trajetória, é notável e indispensável a experiência em uma
monitoria para elevar os conhecimentos e estimular o interesse pela carreira docente, em
que se faz necessário a participação do(a) discente na função de ensinar e propiciar a
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 22 269
aprendizagem em diversos locais, seja na instituição ou fora dela conforme a relação e
intenção dos(as) envolvidos(as), mas que no todo, o espaço traga harmonia, comunicação
acessível de ideias e sentimentos com intuito de instituir a cooperação e conança entre as
partes envolvidas (NATÁRIO; SANTOS, 2010).
A importância desse relato de prática deu-se a partir de uma experiência da monitoria
vivenciada signicativamente e que trouxe um grande aporte sobre os conhecimentos
iniciais e introdutórios referentes à Psicologia e toda sua abrangência nas mais diversas
subáreas de atuação, além de contemplar grandes descobertas sobre sua historicidade e
suas perspectivas como ciência e prossão.
Contudo, deve-se haver um forte compromisso com a exploração dos conhecimentos
cientícos que embasem a aprendizagem acadêmica nesse percurso. Sendo assim,
objetivou-se a apresentar a experiência da monitoria na disciplina de Introdução à
Psicologia, no Curso de Bacharelado em Psicologia e suas aprendizagens nas temáticas
sobre a diversidade de áreas e abordagens apresentadas nesta disciplina.
2 | METODOLOGIA
Trata-se de um estudo com relato de experiência de monitoria da disciplina de
Introdução à Psicologia, no período letivo de março a junho de 2019 em associação com
um estudo bibliográco do tipo narrativo a m de subsidiar o exercício teórico-prático da
proposta formativa.
Dene-se a revisão da literatura como um procedimento metodológico do tipo
bibliográco de busca, análise e descrição de um corpo do conhecimento (MANCINI;
SAMPAIO, 2006).
Rother (2007) destaca que os artigos de revisão narrativa são publicações
apropriadas para descrever e discutir o desenvolvimento de um determinado assunto,
sob ponto de vista teórico ou contextual e se constituem como uma análise da literatura
publicada em livros, artigos de revista impressas e/ou eletrônicas e outros tipos de produtos
acadêmicos passando pela interpretação e análise crítica pessoal do autor.
Durante a disciplina, foi realizado o acompanhamento das atividades que envolveu
a supervisão dos(as) discentes nas aulas teóricas e práticas, na condução dos exercícios,
seja na aplicação e na correção relacionados aos mais variados conteúdos abordados,
juntamente com o suporte ao professor nos seminários propostos no semestre e facilitação
na aplicação de provas como apoio para tirar dúvidas, conforme a necessidade da situação
de cada aluno.
Foi realizada ainda a captação e elaboração de conteúdos didáticos para as aulas
que abordaram a evolução da ciência psicológica, a história da Psicologia em geral,
Behaviorismo, Psicanálise, Gestalt, Psicologia da aprendizagem e vários outros assuntos
utilizando bibliograas cientícas correlatas à disciplina.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 22 270
3 | CONTRIBUIÇÕES DA MONITORIA PARA A FORMAÇÃO DOCENTE
A contribuição de uma monitoria reforça a formação da aprendizagem e das
aptidões da discente, visto que, a monitoria congura-se enquanto um exercício entre
teoria e prática, que proporciona uma experiência estimuladora para o desenvolvimento
da formação de professores(as), pois nessa função busca-se ir além das atividades
curriculares, proporcionando uma grandeza na variedade de saberes necessários para a
construção de pensamentos críticos durante a sua formação, favorecendo o interesse do
discente pela docência (DANTAS, 2014).
Contudo, têm-se as legislações que amparam a monitoria no ensino superior para
a formação da docência através da Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968, em que no
artigo 41 dispõe que as universidades estabeleçam atividades de monitoria por meio
de seleção que conrme a capacidade de performance em práticas técnico-didáticas em
alguma disciplina estipulada pela instituição (BRASIL, 1968).
Com o engajamento de uma monitoria, o(a) discente monitor(a) exerce e participa
do processo de ensino-aprendizagem favorecendo o vínculo entre os(as) envolvidos(as),
professor(a)-estudante-instituição, além de estabelecerem práticas juntos(as) que promova
a integração das ideias, percepções e observações para elaboração do programa de ensino
e sua proposta de realização; na articulação do planejamento de aulas; na avaliação dos
processos denidos e em muitos aspectos que englobam o enriquecimento do ensino e da
aprendizagem (NATÁRIO; SANTOS, 2010).
uma relevância no desempenho da monitoria no percurso de formação de
professores(as), onde a nalidade maior seria a contribuição considerável para a docência
de nível superior, facilitando a capacidade de ensino e a relação própria de ser docente
através das possibilidades adquiridas por meio das experiências de monitor, promovendo
as reexões e pensamentos sobre essa realidade de formação da docência (SOUSA;
NERY, 2016).
Nessa perspectiva, compreende-se a importância da experiência no exercício
do(a) monitor(a) acadêmico(a) na colaboração tanto de ensino, na mediação/facilitação da
disciplina para os(as) estudantes tutorados(as), quanto na aprendizagem, na apropriação
do conteúdo mediante o processo da monitoria (SILVEIRA; OLIVEIRA, 2017).
4 | INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA E SUAS CONTRIBUIÇÕES
Para se construir uma ciência, utiliza-se a reexão da realidade do cotidiano e
procura-se um distanciamento a m de se pensar para além do que é apresentado. De fato,
é estabelecido entre o conhecimento cientíco e o cotidiano uma interação de encontro por
meio da realidade da ciência e o distanciamento para compreender na abstração sobre
essa mesma realidade, propiciando a construção do conhecimento cientíco (BOCK;
FURTADO; TEIXEIRA, 2018).
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 22 271
A presença da Psicologia do senso comum foi primordial para o nascimento da
Psicologia Cientíca, havendo uma certa cautela sobre seu posicionamento, sem
correr o risco de ultrapassar o seu campo de atuação. Todavia, a Psicologia aborda as
Ciências Humanas e a suas similaridades no aspecto singular do objeto sujeito, trazendo
conhecimentos sobre a subjetividade no entendimento da completude da vida humana
(BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2018).
De acordo com Gleitman, Reisberg, Gross (2009), a Psicologia é uma área de
estudo cientíco dos sistemas mentais ou do comportamento e sobre o entendimento do
fazer, sentir, do pensar e da diferenciação entre o homem e os animais. É por meio das
nossas distinções enquanto espécie que nossa personalidade e características singulares
de ser, diante da individualidade e da coletividade, sobretudo na percepção e sentimentos
que identicamos a si mesmos e ao outro.
Feldman (2015), arma que a evolução dos estudos da Psicologia possibilitou
diversas subáreas de conhecimentos sobre questões que envolvem genética
comportamental, neurociência comportamental, Psicologia clínica, Psicologia cognitiva, do
desenvolvimento, experimental, da saúde, da personalidade, escolar, social e outros, que
buscam o mesmo objetivo de compreender o comportamento humano nas diferentes áreas
que se apresentam.
5 | RESULTADOS E DISCUSSÕES
Através dessa prática, observou-se grandes aprendizados, tanto referente aos(às)
discentes, quanto da monitoria - primeira autora deste relato-, por propiciar troca de saberes
e experiências mútuas, pois a partir dos ensinamentos construídos junto ao professor
orientador, os(as) monitores são capacitados intelectualmente através dos novos saberes
e compreensões acadêmicas inovadoras para acrescentar na sua formação o interesse
da docência e do fazer correto como meio de evitar problemas futuros no exercício da
prossão (LINS et al., 2009).
Os benefícios foram nítidos diante às contemplações em sala de aula a partir de um
deslocamento da visão de senso comum para a Psicologia enquanto ciência e prossão;
sobre as abordagens e suas contribuições, como também as percepções sobre o descortinar
de todas essas pluralidades ofertadas pela disciplina, facilitando a compreensão e o
entendimento das Psicologias em sua pluralidade. Foi feito o esclarecimento de dúvidas
dos acadêmicos com o apoio do material didático estabelecido pelo professor.
Contudo, é fundamental a prática do fazer na perspectiva da monitoria, para que
o discente monitor através dessa tarefa consiga entender e compreender o ofício sobre
essa atividade e assim adquirir novos conhecimentos e novos hábitos, indispensável para
a futura função do prossional docente (ANDRADE et al., 2018).
É a partir da experiência da monitoria que o(a) discente monitor(a) desenvolve seus
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 22 272
sentimentos de satisfação e de inclinação à docência nesse processo de interação na
sala de aula junto aos(as) demais estudantes e na condição de acadêmico(a), viabilizando
momentos inesperados onde pode surgir o prazer de contribuir didaticamente nos estudos e
aprendizados, até os incômodos do posicionamento de outros(as) alunos(as), manifestando
uma certa frustração (LINS et al., 2009).
Há um despertar de interesse do indivíduo pelas áreas mais atrativas durante
as atividades da monitoria, pois através da articulação entre as vivências do professor
orientador(a) e o(a) aluno(a) monitorado(a), compreendem a elevação intelectual e social
do monitor(a), abrangendo novas perspectivas acadêmicas que facilitarão o desenvolver
de novos talentos (VICENZI, 2016).
Por meio desta ação acadênica o(a) aluno(a) monitor(a) pode desenvolver práticas
e vivências criativas através de ocupações extraclasse, com inventividade e inovação para
promover nos(as) demais a relevância da disciplina, com a aplicação de vídeos lúdicos,
conteúdos interessantes, dinâmicas de grupos, comunicação mais exível, a utilização
de materiais didáticos para a capacitação e reexão da aprendizagem por meio das
contribuições criadoras da motivação desse processo de mobilização capaz de despertar a
utilidade das aulas (SANTOS; QUINTAS; GARCIA, 2019).
As experiências foram múltiplas e fundamentais para o desenvolvimento intelectual
de todos(as), pois contribuiu para a construção de saberes e o envolvimento com as ciências
psicológicas. Foi um período valioso pois permitiu a amplitude de conhecimentos para a
constituição acadêmica, fator fundamental na formação de professores(as) capacitados(as)
e competentes.
6 | CONCLUSÃO
Diante o exercício da monitoria praticada, conclui-se que foi bastante enriquecedor
para o entendimento das práticas das funções de um(a) professor(a) em sala de aula e
para o aprimoramento da formação, sobretudo nas práticas desenvolvidas no decorrer do
semestre, onde foi percebido o papel essencial da monitora na disciplina para a formação
dos(as) discentes com resultado bastante convincente de que a presença das atividades
de monitoria é promissora na satisfação e melhoria dos estudos.
Houve, através da disciplina, a expansão de conhecimentos sobre a construção e
caracterização da Psicologia e a interação ensino-aprendizagem como monitora, juntamente
com as contribuições do professor orientador articulado com o Projeto Pedagógico do
Curso.
A experiência foi fundamental para a construção de uma visão singular dos desaos e
das perspectivas de se trilhar essa prossão e a importância da disciplina para a graduação
em Psicologia.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 22 273
REFERÊNCIAS
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Capítulo 22 274
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Ciência em Extensão, São Paulo, v.12, n.3, p.88-94, 2016.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 23 275
Data de aceite: 20/08/2021
CAPÍTULO 23
SÍNDROME DE BURNOUT: ESTUDO EM UMA
INDÚSTRIA ALIMENTÍCIA
Data de submissão: 04/08/2021
Álvaro Jorge Loro
Universidade do Oeste de Santa Catarina
São Miguel do Oeste - Santa Catarina
https://orcid.org/0000-0001-9999-9907
Aline Bogoni Costa
Centro Universitário FAI - UCEFF
Itapiranga - Santa Catarina
https://orcid.org/0000-0001-9599-7728
Samantha de Toledo Martins Boehs
Universidade Federal do Paraná, Departamento
de Administração
Curitiba - Paraná
https://orcid.org/0000-0001-5741-056X
Thais Cristine Farsen
Universidade Federal de Santa Catarina -
Departamento de Psicologia
Florianópolis – Santa Catarina
https://orcid.org/0000-0001-9642-1587
Samara Meinchein Furlanetto
Universidade Federal de Santa Catarina -
Departamento de Psicologia
Florianópolis – Santa Catarina
https://orcid.org/0000-0003-4630-394X
RESUMO: O estudo objetivou vericar a
ocorrência da síndrome de Burnout em
trabalhadores de uma indústria de produtos
alimentícios localizada no Estado de Santa
Catarina. A síndrome de Burnout caracteriza-se
pela exaustão emocional, despersonalização e
desrealização no trabalho, com a presença de
sintomas físicos, psíquicos, comportamentais
e defensivos que inuenciam diretamente a
saúde, a qualidade de vida e o bem-estar dos
trabalhadores. Em termos metodológicos,
adotou-se a estratégia quantitativa, sendo que os
dados foram obtidos por meio da aplicação de
um questionário sociodemográco e da escala
MBI-GS, de Maslach. Os resultados da pesquisa
realizada com 47 trabalhadores da linha de
produção da empresa apontaram que 8,5%
dos participantes apresentavam níveis altos
de sintomas relacionados ao Burnout e 29,8%
níveis moderados. A existência desses dados
puderam sinalizar à empresa a necessidade
de, juntamente com os trabalhadores, adotar
estratégias que melhorem o ambiente de trabalho
e, consequentemente, proporcionem o aumento
dos níveis de bem-estar e qualidade de vida no
tranalho a médio e longo prazos.
PALAVRAS - CHAVE: Síndrome de Burnout;
Saúde Mental; Trabalho.
BURNOUT SYNDROME: STUDY IN A
FOOD INDUSTRY
ABSTRACT: The present study aimed to verify
the occurrence of Burnout syndrome in a food
factory in the Western region of the State of Santa
Catarina. Burnout syndrome is a characterized
by emotional exhaustion, depersonalization
and derealization at work, with the presence
of physical, psychic, behavioral and defensive
symptoms that directly inuence the health,
quality of life and well-being of workers. In
methodological terms, the quantitative strategy
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 23 276
was adopted, and the data were obtained through the application of a sociodemographic
questionnaire and the MBI-GS scale, by Maslach. The results of the survey carried out with
47 workers in the company’s production line indicated that 8.5% of workers have high levels
of Burnout and 29.8%, moderate levels. The existence of these data could signal to the
company the need, together with the workers, to adopt strategies that improve the work
environment and, consequently, provide an increase in the levels of well-being and quality of
life in the workplace in the medium and long term.
KEYWORDS: Burnout syndrome; Mental health; Work
1 | INTRODUÇÃO
Na atualidade, a sociedade contemporânea tem se congurado em um contexto
que parte do pressuposto de que o que está por vir pode ser melhor do que o que já
se tem, sendo que continuamente uma busca por promessas de novas e inesperadas
possibilidades de satisfação nos diversos aspectos da vida, entre eles o trabalho.
É uma sociedade baseada no consumo, onde pessoas e coisas são naturalmente
descartadas, onde a pressa é um atributo valorizado. Muitas vezes, o valor está em andar
depressa, com a expressão concentrada, sem prestar atenção no mundo ao redor, com
um telefone ao ouvido, ignorando cumprimentos e pessoas. Segundo Bauman e Donskis
(2014), na vida do ávido consumidor de novas experiências, a razão para correr não é o
impulso de adquirir e acumular, mas de descartar e substituir. Esse contexto parece impedir
a fruição do presente e, ao contrário, desencadear uma busca desenfreada pelo novo:
novos lugares, novas roupas e novas relações (HAN, 2015).
Para Castells (1999), essas transformações na conjuntura social, política, econômica
e cultural geradas pelo advento da sociedade do conhecimento, redeniram os modos
de produzir fazendo com que as pessoas se tornassem cada vez mais individualizadas
e ao mesmo tempo sobrecarregadas. Na medida em que o capital necessita do trabalho
vivo para se reproduzir, sob a ótica do capitalismo a exploração do trabalho torna-se algo
naturalizado (ANTUNES; PRAUN, 2015). O que se percebe neste contexto, na prática,
são ambientes laborais com pressões acumuladas, que exigem dos trabalhadores maior
produtividade, melhor qualidade na entrega e rápida adaptação às novas tecnologias.
Ao mesmo tempo, os trabalhadores parecem experimentar a convivência com
colegas cansados, amargurados e, muitas vezes, adoecidos. As relações hierárquicas, com
predominância da inexistência de diálogo, dos canais para a demonstração da insatisfação
por parte do trabalhador ou para a participação na construção das rotinas, somadas à
falta de clareza sobre o que se espera do trabalhador, de como ele será avaliado, de
quais são suas possibilidades de promoção e os parâmetros que pautam uma possível
demissão, podem transformar-se em importantes fatores para o adoecimento psíquico nas
organizações.
Somado a isso temos ainda um contexto formado por jornadas de trabalho cada
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 23 277
vez maiores e ambientes fabris insalubres, barulhentos, com rotinas pesadas, repetitivas
e com isolamento interpessoal (VIOTTI; CARVALHO, 1997). Em suma, situações de alta
demanda combinadas com baixo controle sobre o processo de trabalho podem levar as
pessoas, progressivamente, ao cansaço, à exaustão, à doença e até mesmo ao colapso
(SCHMIDT, 2010).
Segundo Antunes (2006), os governos nacionais são cada vez mais pressionados
a adaptarem as legislações trabalhistas existentes às exigências do sistema global do
capital e aos imperativos do mercado, destruindo profundamente os direitos do trabalho
nos lugares onde eles ainda se mantêm. Para o autor, o resultado disso é a proliferação
das distintas formas de exibilização que a empresa pode adotar, sejam elas salariais,
de horário, entre outras que podem vir a gerar a precarização da força de trabalho e o
sofrimento psíquico do trabalhador (ANTUNES, 2006).
O adoecimento nos locais de trabalho sempre existiu nas múltiplas faces em que se
apresenta: ônus para o empregador e motivo de vergonha para o empregado. Estima-se
que os acidentes de trabalho e doenças relacionadas ao trabalho resultam em uma perda
de 4% do produto interno bruto (PIB) mundial, ou cerca de 2,8 trilhões de dólares em custos
diretos e indiretos por lesões e doenças (KONIG, 2015).
Das 2,34 milhões de mortes anuais relacionadas com o trabalho, a grande maioria
– cerca de 2,02 milhões – são causadas por doenças relacionadas com o trabalho, o que
equivale a uma média diária de mais de 5.500 mortes (Organização Internacional do Trabalho,
2013). No ano de 2007, foram 653.090 acidentes e doenças do trabalho registrados no
Brasil, sendo que os maiores aumentos de noticações foram os relacionados às doenças
mentais (acréscimo de 1324%) e osteomusculares (aumento de 893%) (SCHMIDT, 2010).
De acordo com Dejours (1992), o que se agura alentador é a relativamente
nova preocupação com a saúde mental do trabalhador mesmo que, muitas vezes, essa
preocupação se guie pelo viés econômico. Se por um lado, o cuidado com a saúde física
em termos da ergonomia é um conceito aceito e se traduz, em alguns casos, em melhorias
nas condições de trabalho. No entanto, por outro, aquilo que se refere à organização do
trabalho e, mais especicamente, ao que é considerado a fonte especíca de nocividade
para a questão psicológica, como a forma de se dividir o trabalho, o conteúdo da tarefa, o
sistema hierárquico, as modalidades de comando e as relações de poder, ainda muito
por se estudar e discutir.
A saúde mental no trabalho é uma problemática antiga. Conforme Dejours (1992),
ao separar radicalmente o trabalho intelectual do trabalho manual, o sistema Taylorista
neutraliza a atividade mental dos operários, ou seja, aniquila sua autonomia criativa,
cerceando as potencialidades humanas de emancipação e prazer decorrentes do fazer
cotidiano. Diante disso, o trabalho que deve ser congurado para ser fonte de prazer,
reconhecimento e desenvolvimento, pode se tornar uma atividade sem sentido, que incita
contraditórios sentimentos ao ser humano gerando sofrimento e adoecimento.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 23 278
Segundo Leão e Gomez (2014), “as características técnicas e sociais da gestão
e organização dos trabalhos atuais induzem uma série de sofrimentos físicos, psíquicos
e sociais” (p.4650) que reetem diretamente no aumento da procura por atendimentos
de saúde mental nos serviços de saúde e segurança do trabalho, advindos de queixas
relacionadas a violência psicológica, cansaço, stress, esgotamento físico e mental, entre
outros. Uma das principais doenças mentais relacionadas especicamente ao contexto de
trabalho se caracteriza pela Síndrome de Burnout.
A denição de Burnout é ampla, complexa e difusa. O termo tem origem no inglês
to burn out, cuja tradução seria queimar até a exaustão, consumir, apagar. O termo foi
utilizado pela primeira vez na década de setenta do século XX por Freudenberger (CARLIN,
2015). Transferido para o mundo laboral, o termo passou a relacionar-se ao prossional
que chegou à exaustão física e psíquica, ao ultrapassar seu limiar de auto regeneração.
Lima et al. (2009) denem a síndrome de Burnout como sendo a resposta ao estresse
laboral crônico que implica a convivência com o fato de encontrar-se emocionalmente
esgotado. O termo ainda, é denido pelos autores como sendo o desenvolvimento de
atitudes e sentimentos negativos em relação aos demais colegas de trabalho – atitudes de
despersonalização - e o aparecimento de um processo de desvalorização do próprio papel
prossional. Portanto, Burnout se trata de uma síndrome caracterizada por esgotamento
emocional, despersonalização e baixa realização prossional (LIMA ET AL., 2009).
As primeiras publicações que discorreram sobre a síndrome de Burnout a
relacionavam às prossões que demandam interação com o público, especialmente aos
que prestam cuidados de ajuda como médicos, enfermeiras, trabalhadores da assistência
social, professores e policiais. Posteriormente, o termo passou a englobar trabalhadores
de todas as prossões que apresentem um estado de esgotamento físico, emocional
e mental como resultado de seu envolvimento nas situações de trabalho as quais são
emocionalmente exigentes (SCHUSTER; DIAS; BATTISTELLA, 2013).
De maneira em geral como a síndrome de Burnout é compreendida como mais
propensa a ocorrer em ocupações que se constroem nas relações de cuidado entre as
pessoas, os principais estudos têm sido desenvolvidos com prossionais da área da saúde
e educação, sendo escassas pesquisas sobre Burnout em trabalhadores industriais. Com
isso, o presente estudo teve como objetivo vericar a ocorrência da síndrome de Burnout
em trabalhadores da área de produção de uma fábrica de produtos alimentícios da região
Oeste de Santa Catarina.
Na literatura que trata sobre os aspectos de risco organizacional, foram identicados
alguns principais fatores que contribuem para o desenvolvimento da síndrome: a sobrecarga
de trabalho, a falta de controle sobre a tarefa, o sentimento de recompensa insuciente, a
ausência de comunidade, de ligação positiva com os outros no local de trabalho, a falta de
justiça e o conito de valores entre as exigências da prossão e os princípios do indivíduo
(SCHUSTER; DIAS; BATTISTELLA, 2015).
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 23 279
Jiménez, Hernández, Benevides-Pereira e Herrer (2003) caracterizam a síndrome
de Burnout pela presença de quatro tipos de sintomas. Quais sejam: a) sintomas físicos:
sensação de fadiga constante, distúrbios do sono, dores musculares, cefaleias, enxaquecas,
perturbações gastrointestinais, imunodeciência, transtornos cardiovasculares, disfunções
sexuais e alterações menstruais nas mulheres; b) sintomas psíquicos: falta de atenção
e de concentração, alterações na memória, lenticação do pensamento, sentimentos
de alienação, solidão, impaciência, desânimo, depressão e desconança; c) sintomas
comportamentais: irritabilidade, agressividade, incapacidade de relaxar, diculdade em
aceitar mudanças, perda de iniciativa, aumento do consumo de substâncias psicoativas,
comportamento de alto risco e aumento da probabilidade de suicídio e d) sintomas
defensivos: tendência ao isolamento, sentimentos de onipotência, perda do interesse pelo
trabalho ou pelo lazer, insônias e cinismo.
CARLIN (2015) acrescenta ainda: perda de apetite, alterações de peso, aumento
das taxas de colesterol e triglicerídeos, irritação, apatia, pessimismo, perda da autoestima,
desorientação cognitiva, absenteísmo laboral e sentimento generalizado de fracasso.
De modo geral, a síndrome de Burnout trata-se de uma condição psicológica que se
desenvolve gradualmente, mas que muitas vezes segue despercebida pelo indivíduo e por
vezes negligenciada pela organização na qual aquele trabalhador faz parte.
2 | MÉTODO
A pesquisa, de abordagem quantitativa, ocorreu em uma indústria localizada na
região Oeste de Santa Catarina, com 15 anos de atividade, que produz pães, cucas,
bolos, pães de queijo e uma série de produtos relacionados à transformação de massas. A
empresa possui cerca de 200 funcionários em seus diversos setores, sendo que o presente
estudo foi realizado com 47 empregados lotados na área de produção da empresa.
O estudo seguiu à Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS),
que estabelece as normas a serem seguidas quando envolvem a pesquisa com seres
humanos. Sendo assim, a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com
Seres Humanos, da Universidade do Oeste de Santa Catarina, com aprovação registrada
no parecer de número 2.188.549 e CAAE de número 71075817.7.0000.5367.
2.1 Procedimentos de coleta e análise dos dados
Um dos instrumentos utilizados na coleta de dados foi o questionário
sociodemográco, o qual envolveu questões relacionadas à faixa salarial dos participantes,
sexo, nível de escolaridade, tempo de empresa, se já tiveram que se afastar por alguma
doença, entre outras informações.
Outro instrumento utilizado para a coleta dos resultados foi a escala Maslach
Burnout Inventory - General Survey (MBI-GS). A MBI-GS é composta pelas dimensões
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 23 280
exaustão emocional, cinismo e ecácia no trabalho. Exaustão Emocional (EE) se refere
ao esgotamento de energia emocional e fadiga mental. Outra dimensão é o Cinismo (CI),
a qual refere-se à indiferença ou uma atitude distante para com o trabalho e possui quatro
variáveis. Por m, a dimensão Ecácia no Trabalho (ET) enfatiza as expectativas no
trabalho com relação à entrega, comportamentos, entre outros, incluindo as expectativas
de um indivíduo sob a ecácia continuada no trabalho (SCHUSTER; DIAS; BATTISTELLA,
2015). O Maslach Burnout Inventory é, atualmente, o instrumento de pesquisa mais usado
para medir a síndrome de Burnout, sendo responsável por mais de 90% do escopo de
pesquisa empírica existente (SCHUSTER; DIAS; BATTISTELLA, 2015).
Para a análise dos dados, foram utilizados os parâmetros denidos para a mensuração
dos índices de Burnout para a escala MBI-GS, e também, os valores considerados baixos,
moderados e altos de acordo com cada dimensão da escala separadamente.
Baixo Moderado Alto
Burnout < 1,33 1,34 – 2,43 > 2,43
Exaustão Emocional < 2,0 2,1 – 3,19 > 3,20
Cinismo < 1,0 1,01 – 2,10 > 2,20
Ecácia no Trabalho < 4,0 4,01 – 4,99 > 5,0
Tabela 1 - Parâmetros de Burnout
Fonte: Mclaurine (2008), adaptado.
Na primeira etapa de análise, os dados coletados foram transferidos para uma
planilha do software Excel, Microsoft Ofce e, por último, foram importados para o
software Statistical Package for Social Science for Windows (SPSS) - versão 17 -, no qual
foi realizada a apuração, análise e cruzamento das informações. A análise das variáveis de
ambos os módulos do questionário foi baseada em estatística descritiva, com distribuição
de frequências, média e desvio padrão.
3 | RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 Caracterização sociodemográca dos participantes
O público respondente da pesquisa trabalhou inicialmente, em sua maioria, no
ramo da agricultura e migrou para a indústria devido às diculdades econômicas pelas
quais passam os pequenos produtores rurais, incapacitados de beneciar-se dos ganhos
de escala que tornam lucrativos os grandes latifúndios. Ainda, houve entre eles, lhos de
agricultores que começaram suas carreiras trabalhando em restaurantes dos grandes
centros e identicaram, no ramo da indústria, a possibilidade de voltar para perto dos seus
familiares.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 23 281
Ao analisar as respostas do questionário sociodemográco, vericou-se que a
caracterização dos respondentes da pesquisa demonstra um leve predomínio do sexo
feminino, sendo 57,44% (27) e 41,7% (20) do sexo masculino. Com relação à renda familiar,
33,3% dos participantes declararam receber até R$ 1.449,99; 60,4% de R$ 1.450,00 à R$
2.899,99 e 6,3% de R$ 2.900,00 à R$ 7.249,99.
O nível de escolaridade dos participantes pode ser considerado baixo, pois 27,1%
declararam não terem concluído o ensino fundamental, 2,1% armaram tê-lo concluído;
6,3% cursaram o ensino médio, mas não concluíram e 56,3% o concluíram. Esse dado
é compreensível visto que, no contexto pesquisado, os respondentes desempenham
atividades onde embora a instrução formal seja desejável, grande parte das atividades
pode ser desempenhada sem ela, já que são, em sua maioria, rotineiras, repetitivas e não
exigem tomadas de decisões de grande responsabilidade por parte dos trabalhadores.
Os dados indicam que 62,5% dos funcionários possuíam até dois anos de empresa,
16,7% até três anos e o restante distribui-se entre quatro e cinco anos, com exceção de um
empregado que estava há 7 anos de empresa. O tempo médio que um funcionário ca na
empresa é de 2,42 anos.
um baixo número de afastamentos do trabalho, apenas 5 (10,4%) dos
empregados declararam terem se afastado do trabalho em algum momento, estando as
causas assim distribuídas: licença maternidade 3, conjuntivite 1 e queda de moto 1. Cerca
de 89,6% dos empregados nunca se afastaram do trabalho por motivo de doenças físicas ou
psicológicas. As manifestações com relação aos sentimentos que os respondentes tinham
com seu trabalho caram assim distribuídas: 66,7% manifestaram-se positivamente, 18,8%
responderam terem sentimentos negativos com relação ao trabalho, 8,3% foram ambíguos
em suas respostas e 6,2% não responderam.
3.2 Análise da ocorrência da síndrome de Burnout
A Tabela 2 apresenta o mapeamento da ocorrência de Burnout junto aos pesquisados,
por meio da aplicação escala MBI-GS.
Motivo
Classicação geral Classicação nas dimensões
Burnout EE - Exaustão
Emocional CI – Cinismo ET - Ecácia no
Trabalho
Baixo 29 (61,7%) 1(2,1%) 33 (70,2%) 4 (8,5%)
Moderado 14 (29,8%) 35 (74,5%) 8(17,0%) 14 (29,8%)
Alto 4 (8,5%) 11 (23,4%) 6 (12,8%) 29 (61,7%)
Total 47 (100%) 47 (100%) 47 (100%) 47 (100%)
Tabela 2 - Ocorrência de Burnout identicada no estudo.
Fonte: elaborado pelos autores.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 23 282
Na análise das variáveis que compõem a escala MBI-GS detectou-se que 29
participantes (61,7%) apresentaram índices baixos da síndrome de Burnout; 14 (29,8%)
índice moderado e 4 (8,5%) índice alto. A única pesquisa anteriormente encontrada
sobre Burnout no contexto industrial foi realizada no México, e teve como resultados
a identicação da síndrome de Burnout em níveis moderados e altos em 79,8% dos
trabalhadores pesquisados, com uma amostra total de 122 trabalhadores (BELTRÁN;
GÓNZALEZ; SALAS, 2013). Diante disso, os índices moderados e altos desta pesquisa,
que conguram um total de 38,3% da amostra, são expressivamente inferiores, porém, não
menos signicativos. Para que se possa comparar os dois estudos, algumas considerações
são necessárias, dentre elas é preciso levar em consideração a carga horária de trabalho
semanal que é diferente nos dois estudos.
Na pesquisa mexicana, 94,3% dos trabalhadores declararam trabalhar 6 dias por
semana e 5,7% 7 dias da semana. os participantes deste estudo, em sua maioria
trabalham durante 5 dias semanais, fato que pode possibilitar uma melhor recuperação e
contribuir para uma maior resiliência em relação às exigências do trabalho, impactando em
menores índices de Burnout. O tempo médio de atividade na empresa também pode ter sido
um inuenciador, visto que o tempo médio de 3,5 anos nas indústrias mexicanas, maior do
que os 2,4 anos na empresa brasileira, pode ser um importante fator quando se pensa em
mais tempo de exposição aos fatores desencadeadores da síndrome, signicando maior
probabilidade de desenvolvê-la. De qualquer modo, o que deve ser destacado é o fato de
que 38,3% dos pesquisados estão sofrendo os efeitos deletérios da síndrome de Burnout,
fator que traz consigo a necessidade de medidas urgentes.
Na avalição separa das dimensões, a dimensão Cinismo apresentou valores
muito baixos, Exaustão Emocional variou entre baixo e moderado e Ecácia no Trabalho
demonstrou em todas as suas variáveis um índice de sintomas de Burnout alto, com
exceção da variável “posso efetivamente solucionar os problemas que surgem no meu
trabalho” que apresentou pontuação de Burnout moderado.
Pode-se inferir que o perl dos pesquisados, com baixa escolaridade, imersos em
um meio social em que o trabalho é muito valorizado e a hierarquia respeitada, aliado ao
relativamente baixo tempo de permanência na empresa – média de 2,42 anos – são fatores
que contribuem para os valores baixos à moderados nas dimensões Cinismo e Exaustão
Emocional. Já as características típicas do trabalho fabril como as tarefas repetitivas, a
monotonia do trabalho, a falta de autonomia e as exigências em relação à capacidade
técnica podem ser uma explicação para os valores altos da dimensão Ecácia no Trabalho.
Na Tabela 3 são apresentadas, sinteticamente, cada uma das questões que compõe
a escala utilizada, média de resposta e o desvio padrão.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 23 283
Tabela 3 - Questões da escala com análise sintética de respostas.
Fonte: dados da pesquisa, elaborado pelos autores.
Vericou-se que as cinco variáveis com maior impacto nos resultados foram: a)
EE2 Sinto-me esgotado no nal de um dia de trabalho; b) ET3 – Posso efetivamente
solucionar os problemas que surgem no meu trabalho; c) ET4 – Sinto que estou dando uma
contribuição efetiva para essa organização; d) ET6 – No meu trabalho, me sinto conante
de que sou eciente e capaz de fazer com que as coisas aconteçam e c) ET5 – Na minha
opinião, sou bom no que faço.
Pode-se concluir do acima exposto que, na primeira variável, o esgotamento pode
advir das características das tarefas que os trabalhadores são submetidos, cabendo uma
análise do ponto de vista ergométrico e das condições gerais do trabalho. Com relação aos
demais itens, ca evidenciado a falta de autonomia, a baixa autoestima e a ausência de
percepção de sentido do trabalho, o que deve ensejar por parte da empresa estratégias
que busquem ouvir e valorizar o funcionário, contribuindo para sua satisfação e maior
produtividade.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 23 284
3.3 Burnout e renda familiar
A renda familiar revelou-se um fator importante com relação à sua inuência
sob os índices de Burnout. De um total de 29 respondentes classicados como “baixo”
na mensuração de Burnout, 31,0% declararam terem renda de até R$ 1.449,99, 65,5%
renda entre R$ 1.450,00 à R$ 2.899,99 e 3,4% renda entre 2.900,00 e R$ 7.249,99. Dos
14 pesquisados que apresentaram índices de Burnout considerado “moderado”, 35,7%
recebiam o primeiro patamar de renda apresentado acima, 57,1% o segundo e 7,1% a
maior faixa de renda. Dos 4 classicados com uma taxa alta de Burnout, 50% se mantinham
na primeira faixa de renda, 25% na segunda e 25% na terceira faixa.
Uma interpretação possível para esses dados é que os pesquisados da primeira faixa
de renda, até R$ 1.449,99, vivem em situação de maior vulnerabilidade social trazendo para
o ambiente de trabalho fatores externos de sofrimento. Essa situação pode ocasionar uma
maior diculdade para pagar as contas, diculdade em aprimorar-se prossionalmente,
impossibilidade de realização de sonhos e a percepção de uma vida voltada somente para
o trabalho, resultando numa construção de um self que se vê incapaz de mudar a situação
em que vive, condenado a uma rotina da qual não gosta. Quando se atenta para a dimensão
Ecácia no Trabalho, percebe-se que a totalidade dos trabalhadores dessa faixa de renda
menor, enquadraram-se na classicação moderado ou alto de Burnout (50%).
Para os trabalhadores da faixa intermediária de remuneração - R$ 1.450,00 à R$
2.899,99 -, pode-se interpretar que esses são menos afetados pelas pressões monetárias,
podendo levar uma existência com menos sobressaltos, desfrutar de algum lazer e planejar
um futuro melhor para si e para os lhos. No entanto, aqui também chama a atenção o
elevado número de pesquisados que apresentam classicação de Burnout alta ou moderada
na dimensão “Ecácia no Trabalho”, sendo elas 71,4% (para trabalhadores que recebem
até 1.449,99) e 21,4% (para aqueles que recebem de 1.450,00 à 2.899,99), pode-se assim
deduzir que também lhes falta a compreensão do sentido que permeia seus trabalhos.
3.4 Burnout e escolaridade
Quanto à escolaridade dos participantes, vericou-se que do total de 4 pesquisados
classicados com sintomas de Burnout alto, 50% não completaram o ensino fundamental,
25% não completaram o ensino médio e 25% completaram. na classicação Burnout
moderado, de um total de 14 pesquisados que nessa categoria se enquadram, 14,3%
não completaram o ensino fundamental, 14,3% não completaram o ensino médio, 64,3%
completaram o ensino médio e 7,1% completaram o ensino superior.
As informações da Burnout e escolaridade apresentadas permitem compreender
que, quanto maior a escolaridade, maiores as expectativas em relação ao trabalho e ao
que ele pode proporcionar. Para os que não se enquadram nessa expectativa, resta a
compreensão de que não possuem acesso à educação, gerando assim um sentimento de
inadequação e resignação, o qual pode acarretar em sintomas relacionados à síndrome,
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 23 285
conforme comprovam os dois respondentes que não completaram o ensino fundamental e
apresentaram níveis altos de Burnout.
Ainda, a necessidade de um sentido para o trabalho, o desejo de perceber a
importância das tarefas que executa e o anseio por reconhecimento, independe do nível de
escolaridade. Esse fato é demonstrado nos resultados da dimensão Ecácia no Trabalho
que apresenta os seguintes resultados: dos 12 pesquisados com ensino fundamental
incompleto 8,3% apresentaram Burnout baixo, 25%, Burnout moderado e 66,7%, Burnout
alto. O único pesquisado que declarou ter concluído o ensino fundamental apresentou
Burnout moderado. Com relação aos que estudaram até o nível médio incompleto, 66,7%
apresentaram Burnout alto e 33,3% Burnout baixo. Para os que concluíram o ensino
médio, 59,3% apresentaram Burnout alto, 37% Burnout moderado e 3,7% Burnout baixo.
O pesquisado que completou o ensino superior apresentou Burnout alto para a dimensão
Ecácia no Trabalho.
4 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os trabalhadores do chão de fábrica além de estarem sujeitos a exaustação física,
também podem estar expostos à exaustão psíquica e emocional. O trabalhador que
interage com a máquina necessita da interação humana, o peão que elabora produtos
também precisa do afeto e, por m, receber e atingir metas não necessariamente confere
sentido ao seu trabalho.
Diante dos resultados, cabe sinalizar que níveis moderados e altos de Burnout geram
consequências tanto para os trabalhadores quanto para a organização, sejam elas a baixa
adesão a novos desaos, adoecimento no trabalho, queda de produtividade, aumento do
turnover e outras questões relacionadas ao trabalho estressante e com pouca autonomia
e sentido.
Segundo Farsen, Boehs, Ribeiro, Biavati e Silva (2018), para que o trabalho se
torne fonte de satisfação, qualidade de vida e bem-estar ele deve proporcionar condições
que permitam e incentivem o trabalhador no desenvolvimento da sua autoestima, do
autoconceito, gerando sentimentos de realização e crescimento pessoal.
Dessa forma, pensando no bem-estar e na longevidade dos trabalhadores a médio e
longo prazos, cabe aos responsáveis pelas estratégias de gestão de pessoas das empresas,
a elaboração de programas, visando a compreensão do sentido do trabalho para cada um
e uma comunicação honesta em todos os níveis. É importante também o estabelecimento
de um sistema de avaliação e de resolução de conitos permanente, bem como a criação
de condições para gerar autonomia e incentivar a criatividade dos trabalhadores. Ainda,
sugere-se a disponibilização de apoio psicológico e social para todos os trabalhadores que
necessitarem, enquanto estratégia de potencialização humana.
Sendo assim, face ao exposto, entende-se que este estudo pode contribuir do ponto
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 23 286
de vista social, pois quanto mais se souber sobre as condições de trabalho na indústria
e seus efeitos sobre a saúde dos trabalhadores, maiores serão as condições de se agir
preventivamente, evitando acidentes e doenças que têm reexos não só na vida do doente
e de seus familiares, mas também reexos nas comunidades em que eles estão inseridos.
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Capítulo 23 287
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A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 24 288
Data de aceite: 20/08/2021
CAPÍTULO 24
ASPECTOS PSICOSSOCIAIS DO CÂNCER
INFANTIL: UMA REVISÃO INTEGRATIVA
Data de submissão: 06/07/2021
Ray Roberto Andrade Nascimento
Faculdade Salesiana Maria Auxiliadora
Macaé – RJ
http://lattes.cnpq.br/5748887012228794
Rita Cristina de Souza Santos
Faculdade Salesiana Maria Auxiliadora
Macaé – RJ
http://lattes.cnpq.br/6385170906685417
RESUMO: O presente artigo é um estudo
integrativo bibliográco que objetivou investigar
os aspectos psicossociais do câncer infantil
publicados em português e inglês no período
de 2010 até de 2015. O método de pesquisa
utilizado foi a revisão integrativa, realizada
através da busca eletrônica de artigos indexados
na biblioteca virtual de saúde (BVS), scielo e
pubmed a partir do cruzamento dos termos
em português e inglês: aspectos psicossociais
câncer infantil, aspectos psicossociais oncologia
pediátrica, aspectos psicossociais neoplasias
infantis. Após a aplicação dos critérios de
inclusão e exclusão, 21 artigos zeram parte da
amostra. Em relação aos aspectos psicossociais,
os autores publicaram mais sobre a experiência
da criança frente ao adoecimento. Destaca-se a
importância de novos estudos sobre mudanças
de papéis dentro do núcleo familiar, considerando
outras pessoas como cuidadores e o impacto que
a doença traz no ambiente escolar da criança
com câncer.
PALAVRAS - CHAVE: aspectos psicossociais;
câncer infantil; revisão integrativa; câncer.
PSYCHOSOCIAL ASPECTS OF
CHILDHOOD CANCER: AN INTEGRATIVE
REVIEW
ABSTRACT: The following article is an integrative
bibliographic study, which aimed to investigate
the psychosocial aspects of childhood cancer
published in Portuguese and English between
2010 to 2015. The research method used was
the integrative review, which was conducted
through an electronic search of articles published
in biblioteca virtual de saúde (BVS), scielo and
pubmed, utilizing the crossing of the terms in
Portuguese and English: psychosocial aspects
childhood cancer, psychosocial aspects pediatric
oncology, and psychosocial aspects childhood
neoplasms. After applying the inclusion and
exclusion criteria’s, 21 articles were found, and
used as samples. In regards to the psychosocial
aspects, the authors mainly published about
the child’s experience with cancer. This study
highlights the importance of further studies to
investigate the change of roles within the family,
like considering other people as caregivers and
the impact that the illness brings to a school
environment.
KEYWORDS: psychosocial aspects; childhood
cancer; integrative review; cancer.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 24 289
1 | INTRODUÇÃO
O câncer infantil remete-se a um grupo de diversas doenças que podem ocorrer em
qualquer parte do corpo e têm em comum a proliferação descontrolada de células anormais
em crianças abaixo de 19 anos de idade (Instituto Nacinal de Câncer, 2020).
O trajeto da luta contra o câncer infantil é um caminho de muito medo da dor, da
possível mutilação que pode ocorrer, do sofrimento e da incerteza do futuro devido ao risco
de chegar a óbito. A partir do momento em que se descobre a doença, os familiares e a
criança compartilham todos esses medos (Cardoso, 2007).
De Andréa (2008) destaca que o tratamento para os tumores infantis exige muita
dedicação e aceitação do paciente e da família para enfrentar. A doença acaba alterando
toda a rotina do núcleo familiar, fazendo com que a criança acometida da doença seja
afastada da escola, o seu local de interação social, e, muitas vezes, faz com que seus
responsáveis se afastem, também, do seu local de trabalho, para acompanhar a criança
em seus tratamentos. Os tratamentos realizados em pacientes frequentemente danicam,
ou deixam sequelas, na imagem do corpo, como emagrecimento intenso, obesidade,
mutilações de um membro do corpo, o que acabam mexendo com sua autoestima.
Os aspectos psicossociais, sentimentos, pensamentos, emoções, os
comportamentos, as questões familiares, dentre outros manifestados durante o câncer, têm
feito com que a Psicologia desenvolvesse um interesse com relação à doença. A produção
cientíca da Psicologia sobre a oncologia tem sua denominação de uma área especíca de
conhecimento, embora muito nova, chamada de psico-oncologia. Essa área tem ajudado
as crianças e os familiares a desenvolverem habilidades muito ecazes de lidar com o
adoecimento (Galli, da Silva & Minuzi, 2014).
Considerando o que seja o câncer infantil e o impacto que este tem sobre a criança e
todos aqueles ao seu redor, esse estudo tem por objetivo analisar, na produção cientíca, os
aspectos psicossociais1 do câncer infantil. Os resultados deste estudo buscam apresentar
uma atualização sobre a temática e indicar lacunas para futuras pesquisas.
2 | MÉTODO
Trata-se de uma revisão integrativa da literatura que compreende fazer uma busca
de estudos sobre um determinado tema, possibilitando um diálogo entre vários autores e
podendo, também, identicar o que tem sido publicado sobre o assunto. Esse método de
pesquisa é composto por uma seleção das perguntas que são norteadoras para o estudo,
facilitando o estabelecimento de critérios para a seleção da literatura e para a amostra.
Assim, pode ser realizada a análise dos dados obtidos, a interpretação dos resultados,
discussão da revisão e conclusão (Mendes, Silveira & Galvao, 2008).
1 Características relacionadas aos efeitos mentais, emocionais, sociais e espirituais de uma doença, como o câncer
(Gellman & Turner, 2013).
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 24 290
Os critérios de inclusão foram: artigos completos, publicados entre 2010 até o
primeiro semestre de 2015 em português ou inglês, com o intuito de dar continuidade à
pesquisa realizada por Marina Kohlsdorf (2010), na qual a autora realizou uma revisão da
literatura brasileira sobre os aspectos psicossociais no câncer pediátrico entre 2000 até
2009; os artigos deveriam conter pelo menos uma das palavras-chave em português ou
inglês: câncer infantil, aspectos psicossociais, neoplasias, infância, criança e oncologia;
artigos de livre acesso, não pagos; os sujeitos estudados pelos autores utilizados tinham
de ser crianças ou adolescentes (de 0 até 19 anos de idade). Em total, somente 21 artigos
se enquadravam dentro dos critérios para serem discutidos.
3 | RESULTADOS E DISCUSSÃO DOS DADOS
Na presente revisão integrativa, foram analisados 21 artigos que atenderam aos
critérios de inclusão previamente estabelecidos e apresentados. A partir da leitura detalhada
dos artigos, foi possível classicar os artigos em 6 categorias para melhor explorar os
aspectos psicossociais do câncer infantil: a experiência da criança; a relação familiar; a
experiência da mãe; a experiência do pai; tríade composta pela criança, família e equipe de
saúde; e experiência da família e da criança.
A experiência da criança foi mais discutida, presente em 8 artigos. A relação familiar
foi trabalhada em 5 estudos. A experiência da mãe, presente em 3 publicações, e a do pai,
em 2 artigos, também foi discutida, embora a experiência materna tenha mais publicações
sobre o assunto. A tríade composta pela criança, família e equipe de saúde também foi
analisada em 2 artigos. Somente um artigo trabalhou dois aspectos psicossociais, que
discutiu a experiência da família e da criança.
3.1 Experiência da criança
Chaves, Vazquez e Hervas (2013), retratam como aspectos psicossociais as
respostas que as crianças dão ao tratamento oncológico. Essas respostas podem ser
negativas ou positivas. De um viés negativo pode haver uma associação ruim como a
ansiedade provocada por procedimentos médicos. Outras variáveis associadas estão
relacionadas com aspectos sociais relacionados com a doença como as preocupações
sobre a aparência física e as diculdades de comunicar aos outros sobre a sua própria
doença. As autoras também destacam os sintomas psicológicos e físicos, como depressão,
angústia e dor presente durante o tratamento oncológico. Esses resultados suportam a
importância de intervenções terapêuticas especícas sobre estes componentes sociais
relacionados com a doença.
As respostas positivas ao tratamento estão relacionadas a ganhos, tais como
mudanças positivas em relação ao tratamento como: sentir-se mais forte e mais sábio,
sentir-se mais próximo com amigos e familiares, um senso aprofundado de propósito ou
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 24 291
uma reavaliação das prioridades da sua vida para enfatizar gozo da vida e crescimento
pessoal.
Lemos e Ferreira (2010), relatam que a presença do tratamento contra o câncer e a
interferência que o tratamento tem no comportamento da criança enferma são os aspectos
psicossociais do câncer infantil. Os procedimentos invasivos, que utilizam instrumentos
capazes de penetrar os tecidos ou invadir algum orifício do corpo, estão associados à
dor e ansiedade, em função de implicarem expectativas de sofrimento físico e perda de
controle da situação. A punção venenosa, que é utilizada na quimioterapia, está associada
a uma série de consequências de caráter aversivo, como sensações de dor no local, onde
é introduzida a agulha e administrado o medicamento, bem como a ocorrência de efeitos
colaterais do tratamento. Em crianças, a experiência deste método de tratamento pode
trazer reações comportamentais e siológicas condicionadas de dor e/ou ansiedade, como
chorar, gritar, expressar dor verbalmente, exibir tensão muscular e resistência física, as
quais são denominadas de estresse comportamental.
Bornstein et al. (2012), discutem os diferentes comportamentos entre crianças com
câncer e sem câncer e as consequências que o tratamento traz para a criança com câncer.
Quanto menor a idade da criança no momento do diagnóstico, maior a probabilidade de
baixo desenvolvimento neurocognitivo delas. Nos achados dos autores, as crianças com
câncer têm suas vias motoras, verbais, e mentais acometidas. As crianças que estão,
ou completaram tratamento do câncer utilizando a quimioterapia, são mais propensas a
apresentarem baixo rendimento acadêmico, especialmente quando diagnosticado em uma
menor idade e recebem tratamentos mais intensos.
Cohen e Melo (2010), relatam que, devido ao câncer, o tratamento agressivo e longo
afeta a vida escolar da criança. Os danos que esse afastamento pode causar são: a) baixo
desempenho acadêmico devido a faltas; b) assistência inadequada da escola por não
saber como lidar com a doença; c) limitações físicas causadas pelo tratamento, mudanças
corporais, angústia de espera pelos procedimentos médicos invasivos (quimioterapia,
radioterapia etc.) e as restrições sociais causadas pelo tratamento.
Chieffo et al. (2014), realizaram um estudo para constatar se a localidade do tumor
acometia funções cognitivas. Crianças com tumores no tálamo demonstraram um dano
mais grave nas funções de memória e tiveram um décit de memória. Uma correlação
signicativa foi encontrada entre a presença de distúrbios neurolinguísticos e tumores.
Crianças com tumores do lado direito frequentemente tinham apraxia de construção e
desordens executivas de função.
Sposito et al. (2013), apontam que algumas crianças têm diculdades de comunicar
os seus sentimentos, valores e ideias, a partir de perguntas e respostas diretas, requerendo
que o pesquisador utilize recursos criativos para adentrar o seu mundo para colher seus
dados para pesquisa. As crianças podem achar difícil comunicar verbalmente seus
medos, sentimentos, e opiniões e os desenhos facilitam essa expressão. A utilização de
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 24 292
pranchas com desenhos prontos mostrou-se capaz de envolver e motivar a participação
da criança com câncer na entrevista e ampliou as possibilidades de expressão de seus
comportamentos, sentimentos e pensamentos. A utilização de brinquedos no âmbito
terapêutico se mostrou um excelente recurso para conhecer os sentimentos e reações e se
manifestados pelas crianças.
Wechsler et al. (2014), apresentaram estratégias de intervenções utilizadas em
crianças com câncer. A reestruturação cognitiva foi a técnica mais utilizada com crianças,
seguida de treinamento de habilidades sociais. Ensinar as estratégias de coping e
relaxamento também tem se destacado em ajudar as crianças a enfrentar o câncer. Essas
intervenções psicológicas têm tido resultados positivos em crianças com câncer infantil.
Lanza e Vale (2014), destacaram a percepção da criança em término do tratamento
oncológico. Sobreviver ao tratamento é um processo complexo e depende, em grande
parte, dos aspectos objetivos e subjetivos das famílias. A experiência do término está
relacionada com o modo como os familiares se adaptam e enfrentam à situação da doença
e a maneira pela qual procuraram resgatar sua rotina e planejaram o futuro. A criança no
término do tratamento projeta-se no futuro, redescobrindo suas possibilidades e falando
de seus projetos de vida. Muitas dessas crianças que sobreviveram ao câncer passaram
a maior parte de suas vidas tratando da doença e precisarão reaprender a existir em sua
nova condição sem o câncer.
3.2 Experiencia da Familia
Kohlsdorf e Junior (2012), relatam as diculdades que o câncer infantil traz para
a família em seus achados da literatura. Para os irmãos do paciente, as alterações
familiares podem provocar sofrimento decorrente da separação do outro irmão internado,
desajustamento psicossocial, baixo rendimento escolar, sentimentos de rejeição, ciúmes,
isolamento, ansiedade, preocupação, incerteza e tristeza. Os irmãos que não estão
enfermos podem se envolver nesse processo dos cuidados, colaborando com a manutenção
doméstica e fornecendo suporte emocional aos familiares.
Amador, Gomes, Reichert e Collet. (2013) destacaram onde e como o câncer
infantil afeta o cuidador. O câncer infantil pode afetar várias áreas da vida dessa pessoa
responsável. Esse abre mão das suas horas de sono, do lazer, da vida social, prazer, da
vida familiar, do cuidado pessoal, de seu trabalho e/ou estudo.
Rech, da Silva e Lopes (2013), discutem a interferência que o câncer infantil traz na
vida conjugal. As autoras destacaram que a coesão do casal, a comunicação do cônjuge e
a intimidade/sexualidade é comprometida durante o câncer infantil. Sobre a coesão entre
os cônjuges ao longo de um relacionamento, diversos aspectos da conjugalidade passam
por modicações. O diagnóstico de câncer infantil tende a aproximar o núcleo familiar,
exercendo, assim, uma ação centrípeta. A coesão tende a auxiliar no enfrentamento
de situações estressantes, pois os casais demonstram superar tamanha adversidade
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 24 293
justamente por poderem contar com seu cônjuge.
Em relação à comunicação entre os dois, as autoras destacaram que os maridos,
que antes do diagnóstico de câncer do lho tinham a tendência de car calados a m de
proteger as esposas, mantiveram tal atitude. Em relação à intimidade/sexualidade, os pais
deixam em segundo plano as suas necessidades sexuais e colocam em primeiro plano as
necessidades da criança enferma. Em relação ao futuro da relação do casal que passa
pela experiência de ter um lho oncológico, é necessária uma reorganização do padrão
de relacionamentos, voltando a equilibrar a atenção dispensada aos subsistemas parental,
conjugal e a outros vínculos, como família extensa e amigos, após o término do tratamento.
Em relação ao nível de estresse manifestado pelos pais com crianças com câncer,
Alves, Guirardello e Kurashima (2013), relatam que os pais de crianças com câncer
passam por momentos de estresse. As autoras armam que os pais de crianças com menor
tempo de diagnóstico de câncer e pais mais jovens apresentaram maior nível de estresse.
Outro achado das autoras citadas acima é que pais de crianças que sobreviveram ao
câncer exibem sintomas de estresse e ansiedade mesmo depois que a criança terminou o
tratamento, até mesmo nos casos em que a criança foi considerada curada, possivelmente
devido ao medo de a doença ressurgir.
Quintana, Wottrich, Camargo e Cherer (2013), apontam o signicado que os pais
dão a um lho oncológico. Os pais temem a doença, devido ao fato de ela carregar consigo
a concepção de sentença de morte, ainda mais devido ao fato desta não ser algo concebido
como compatível com a infância, pois contradiz a ordem natural do desenvolvimento
humano, cujo indivíduo deve ir até a idade adulta e à velhice, para morrer só mais tarde.
Sendo assim, os pais vivenciam esse momento de adoecimento como uma guerra, uma
luta constante para vencer a doença de seus lhos.
3.3 Experiencia do pai
Silva, Dupas, Nunes e Ferreira (2012) destacam a forma de o pai encarar a
paternidade durante o evento do câncer infantil como um aspecto psicossocial. Os autores
apontam cinco categorias para descrever essa experiência: a) descobrindo-se pai de uma
criança com câncer; b) perdendo o equilíbrio; c) buscando forças; d) adaptando-se à nova
vida; e) tornando-se uma pessoa melhor.
A descoberta da doença causa um grande sofrimento no pai. Surge de repente,
causando muito medo, pois o nome da doença carrega o signicado de sofrimento e
possível óbito. Além disso, a descoberta do câncer causa muita dor. Em relação à perda de
equilíbrio, isso se deve a visão do sofrimento do seu lho, deixando o pai nervoso. Quando
o pai presencia o lho passando por momentos dolorosos, isso o deixa apreensivo, fraco
e perdido.
O pai busca suas forças para se reequilibrar para poder ajudar seu lho. Procurar
elementos que possibilitem enfrentar a luta contra o câncer é muito comum. Principalmente
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 24 294
a conança em Deus e a fe são as fontes de fortalecimento e equilíbrio. O apoio das
pessoas, como parentes, vizinhos, amigos e da equipe de saúde, é importante para o
pai não se sentir sozinho. Quando as autoras falam sobre a adaptação à nova vida, elas
destacam que é importante para o pai saber os limites causados pelo câncer. O pai terá
de dizer não algumas vezes quando a criança quiser comer algo ou fazer algo diferente.
No sentido de se tornar uma pessoa melhor, as autoras dizem que ocorrem mudanças
no comportamento do pai, do lho doente e de toda família, e, consequentemente,
redenem-se papéis, e a dinâmica familiar muda consideravelmente. Na percepção do pai,
a família se une e demonstra mais os sentimentos. Nesse momento, o pai se torna mais
presente e carinhoso, dedicando-se mais ao lho.
Da Silva, De Melo e Pedrosa (2013), armam que ser pai de criança com câncer é
uma experiência difícil, que afeta o estado emocional, trazendo diculdades no bem-estar
geral, na esfera cognitiva e no controle das emoções. A insegurança em relação ao futuro
incerto da criança faz parte das relações entre pai e lho. Os achados das autoras mostram
que os pais são considerados grupos de risco, pois, além de lidarem com o enfrentamento
da doença, enfrentam também as mudanças no papel de provedor da família após o
adoecimento, o principal papel que exerciam.
3.4 Experiência da mãe
Angelo, Moreira e Rodrigues (2010), apontam a insegurança vivenciada pela mãe
durante o tempo de batalha contra o câncer do lho em seus artigos. A experiência de
ter um lho com câncer ocasiona múltiplos efeitos na vida da família como diculdades
nanceiras, angústia e dor emocional. Quando uma criança é diagnosticada com câncer,
é frequente a mãe aprender rapidamente a lidar com os aspectos médicos da doença e
com as necessidades e medo dos membros da família. Assim, ela é vista como a principal
pessoa no cuidado da criança doente. A mãe durante o adoecimento não sabe o que
espera ou o que pode acontecer com o lho, e essa incerteza reete o medo da perda e a
impotência diante do sofrimento do lho.
Silva e Melo (2013), falam sobre a experiência da mãe relacionada à perda de
um lho com câncer. Conviver com a experiência da morte de outra pessoa causa um
fenômeno chamado de luto, processo frequentemente convencionado à perda irreversível
de outro ser humano. O acontecimento da morte do lho pode causar forte impacto na vida
pessoal, familiar e social da mãe.
Fedele et al. (2013), apresentam a discussão sobre a diferença da relação mãe e
criança com a presença e ajustamento ao tratamento ou a ausência após o diagnóstico.
A maioria das crianças diagnosticadas com câncer enfrenta a doença relativamente
bem. Porém, as mães apresentam sintomas como de ansiedade e depressão durante o
enfrentamento de um lho com câncer. Esses problemas podem persistir por anos, mesmo
após o tratamento do câncer de seu lho com câncer estar completo.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 24 295
3.5 Tríade: criança, família e equipe de saúde
Os aspectos psicossociais que Kohlsdorf (2010) destaca através de seus achados
de sua revisão interativa, são as situações vividas pela criança, seus familiares e a equipe
de saúde ao longo do diagnóstico e tratamento do câncer. As reações do paciente frente
ao diagnóstico e tratamento para além do âmbito biológico também é revisado. Sobre a
experiência vivida pela criança, Kohlsdorf destaca efeitos que o tratamento e a hospitalização
causam na criança. Esses efeitos podem ser as dores físicas, o medo, os efeitos colaterais
acometidos pela medicalização, incertezas, ansiedade e restrições no cotidiano da criança
com câncer. Esses efeitos causados pelo tratamento e a hospitalização propiciam níveis
alto de estresse.
Outro achado da autora foi que as crianças têm diculdade de falar sobre a doença.
Devido a essa diculdade de se expressar oralmente, a criança utiliza o brincar como uma
estratégia adaptativa. Essas estratégias adaptativas são formas positivas de lidar com as
diculdades acometidas pelo câncer. A promoção dessas estratégias é importante para
“aproximar a vivência da criança em tratamento do que seria seu curso de desenvolvimento
sem o episódio de câncer, por exemplo, desde a adaptação da vivência escolar” (2010, p.
283).
Kohlsdorf e Seidl (2011), zeram um trabalho sobre a relação das interações entre
médico, cuidador e criança durante atendimentos e consultas e focalizando a comunicação
associada a tratamento onco-hematológico, que representa, atualmente, um dos maiores
desta para a atuação em psicologia pediátrica. As autoras destacam ainda, que o estudo
das interações comunicativas em contexto pediátrico evidencia a exclusão do paciente de
seu próprio processo de diagnóstico e tratamento, contribuindo para a centralização do
atendimento no prossional de saúde e restringindo a participação da criança na interação
durante consultas e atendimentos.
A qualidade da interação comunicativa entre médicos e cuidadores tem
consequências diretas para o sucesso do tratamento, pois proporciona maior satisfação
dos cuidadores com o serviço e promove melhores cuidados ao paciente, além de
maior retenção de informações, maior envolvimento e colaboração com o tratamento,
melhor adesão a recomendações médicas, maior controle de cuidados, menos retornos
ambulatoriais, diminuição na frequência de internações e maior discussão de aspectos
psicossociais que inuenciam o tratamento.
3.6 Experiência da família e da criança
Finalmente, um último artigo trabalhou a experiência da família e da criança.
Esse único artigo foi separado devido ao fato de as autoras retratarem dois aspectos
psicossociais em âmbitos diferentes. Um dos psicossociais foi a experiência parental com a
criança oncológica e o estresse pós-traumático vivenciado pela criança após o diagnóstico
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 24 296
do câncer.
Boaventura e De Araujo (2012), relatam que, após uma experiência aversiva,
qualquer indivíduo entra em um estado de desintegração psicológica, no qual pouco sente
ou reconhece da ameaça representada pelo trauma. A experiência oncológica é permeada
por múltiplas situações aversivas: o modelo de estresse pós-traumático captura a natureza
traumática do câncer infantil.
Em relação à experiência parental, as autoras relataram vivências de incerteza, perda
de controle pessoal, desorganização familiar e medo da morte durante o enfrentamento
da enfermidade do seu lho. Suas experiências são marcadas por exposições repetidas
a traumas, tais como: acompanhar o lho em situações de exposição à dor, desconforto
físico, além de inúmeros episódios de emergência.
Boaventura e De Araujo (2012) armam que os pais transmitem suas angústias e
inquietações para seus lhos, sendo que a família tende a fazer concessões de ordem
material e afetiva à criança doente. Ofertando alimentos especiais, presentes e muita
atenção, os pais do paciente pediátrico acabam por ajustar o manejo educativo para
compensar as restrições impostas à sua criança devido ao tratamento.
4 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados do presente estudo permitem ter uma visão sobre a experiência da
criança oncológica e de todos que estão envolvidos no seu tratamento. Pesquisas futuras
poderiam explorar mais sobre a experiência dos pais dessas crianças e também o papel
da escola frente à criança com câncer. Ao se referir escola, buscar entender a vivencia dos
professores, colegas de sala e toda a equipe desta instituição.
Hoje em dia, é importante ter conhecimento que os papéis do núcleo familiar não
necessariamente devem ser exercidos pelos pais biológicos. Encontramos famílias em
que a avó é a cuidadora principal da criança, ou esse papel pode ser exercido por outra
gura familiar. Pesquisas futuras poderiam explorar como estes cuidadores enfrentam a
doença, como também explorar a experiência de pais LGBTQ+. Por m, esperamos que
todo o esforço e empenho na realização do presente estudo tenham contribuído para a
compreensão sobre os aspectos psicossociais do câncer infantil.
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A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 25 299
Data de aceite: 20/08/2021
CAPÍTULO 25
A DEVOLUÇÃO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES
INSTITUCIONALIZADOS E UM DIÁLOGO COM A
PSICOLOGIA
Aldenise Barreto de Albuquerque Silva
Bacharel em Direito na Faculdade de Direito do
Recife (UFPE), Graduada em Psicologia pela
Faculdade Católica Salesiana de Macaé, RJ.
Psicanalista pela Miesperanza International.
Advogada na Petrobrás
RESUMO: A devolução de crianças e
adolescentes institucionalizados é um tema
delicado e complexo que, embora traga em seu
bojo causas e motivações, supera os aparatos
legais, merecendo atenção não da área do
Direito, mas também da Psicologia no que tange
às relações afetivas em questão. O presente
trabalho tem por objetivo abordar as questões
emocionais em relação às crianças que se
encontram no sistema de abrigamento quando
de sua devolução, após o regular processo de
adoção e convivência com seus pais adotivos.
Pretende-se discorrer sobre as justicativas que
levam as partes envolvidas (crianças e pais) ao
fracasso da adoção, discutir o signicado desse
segundo abandono para a criança e os efeitos
que poderão inuenciar em seu desenvolvimento.
Além da questão em si, serão revisitados
o modelo institucional como alternativa do
Estado para acolhimento dessas crianças,
bem como os dispositivos legais vigentes,
como medidas protetivas, para garantia de seu
desenvolvimento integral. Por m, esse trabalho
pretende investigar a contribuição da Psicologia
para com os adotantes e adotados, levando em
consideração as expectativas e necessidades
de ambos, de forma a amenizar o sofrimento e
possíveis danos. Para alcançar esses objetivos,
buscou-se recorrer ao estudo qualitativo por meio
de pesquisa e revisão bibliográca sobre o tema
no período de 2018 a 2020. Os resultados desse
trabalho possibilitaram identicar que a criança
ou adolescente, quando devolvidos, sofrem
impactos emocionais tais como: tristeza, baixa
autoestima, abalos nas relações interpessoais e
diculdades em estabelecer vínculos afetivos.
PALAVRAS - CHAVE: Abandono. Abrigamento.
Adoção. Crianças. Devolução.
ABSTRACT: The return of institutionalized
children and adolescents is a delicate and
complex topic that, although it brings causes
and motivations within it, surpasses the legal
apparatus, deserving attention not only from
the area of Law, but also from Psychology with
regard to the affective relationships in question.
The present work aims to address the emotional
issues in relation to children who are in the shelter
system when they are returned, after the regular
process of adoption and living with their adoptive
parents. It is intended to discuss the justications
that lead the parties involved (children and
parents) to the failure of the adoption, to discuss
the meaning of this second abandonment for
the child and the effects that may inuence its
development. In addition to the question itself,
the institutional model as an alternative for the
State to host these children will be revisited,
as well as the legal provisions in force, such
as protective measures, to guarantee their
integral development. Finally, this work intends
to investigate the contribution of Psychology to
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 25 300
the adopters and adopted, taking into account the expectations and needs of both, in order
to alleviate the suffering and possible damages. To achieve these objectives, we sought to
use a qualitative study through research and bibliographic review on the theme from 2018
to 2020. The results of this work made it possible to identify that the child or adolescent,
when returned, suffers emotional impacts such as: sadness, low self-esteem, shaking in
interpersonal relationships and difculties in establishing affective bonds.
KEYWORDS: Abandonment. Housing. Adoption. Children. Devolution.
1 | INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo abordar a devolução das crianças e adolescentes
institucionalizados, após o regular processo de adoção e convivência com seus pais
adotivos, bem como as implicações afetivas decorrentes.
A adoção é uma forma de liação parental, prevista em lei e sustentada por vínculos
socioafetivos com o objetivo de proporcionar à criança e ao adolescente, o direito primário
de “convivência familiar e comunitária”, assegurada pela Constituição Federal e pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente.
O Poder Legislativo ao criar o instituto da adoção visou salvaguardar e proteger as
crianças e adolescentes que estavam em sistema de abrigamento e sem possibilidade de
retorno à sua família de origem, seja por questão de abandono, seja pela impossibilidade de
criação e educação dos mesmos. A adoção tenta suprir a ausência da família e facilitar uma
nova vinculação afetiva estável, sendo irrevogável tal medida. Parte-se do entendimento de
que uma vez adotada a criança, ela possui a mesma condição de lho biológico, com todos
os direitos, inclusive, sucessórios. Embora haja casos com êxito na construção do vínculo
afetivo entre adotante e adotado, em que a relação entre pais e lhos se estabelece, é
signicativo o número de casos malsucedidos que resultaram na devolução ou restituição
da criança ou adolescente à instituição de acolhimento, trazendo para o adotado uma
reedição do desamparo que experimentou ao chegar no abrigo pela primeira vez.
Apesar da sentença judicial constitutiva que deferiu a adoção ter caráter irrevogável,
não tem o condão de garantir uma inabalável convivência familiar. Logo, é mister aos
magistrados que pesem as condições em que se encontra a criança ou adolescente e
decidam pelo menor prejuízo a estes, o que coincide, muitas vezes, a aceitarem a restituição
do adotado, para evitar um sofrimento maior para essas pessoas. Compreende-se como
sofrimento, os possíveis e eventuais maus-tratos ou atitudes de rejeição.
Para a realização desse artigo foi utilizada a pesquisa qualitativa por meio de
revisão bibliográca compreendendo as áreas do Direito, da Psicologia e da Psicanálise.
Para tanto, foram utilizadas obras de estudiosos sobre o tema proposto, além da legislação
vigente no Brasil. A escolha por esse tipo de investigação tem por nalidade abordar e
discutir a importância do assunto e propor reexões sobre o tema a partir de diversicados
ângulos.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 25 301
Apesar da delicadeza do assunto e de sua expressividade nos dias atuais, tendo em
vista o crescente número de devoluções de crianças e adolescentes adotados, foi encontrada
pouca produção, especicamente sobre os impactos afetivos e sociais envolvidos nesse
processo. Os artigos encontrados, mesmo na área do Direito, apontam para a adoção e o
fenômeno da restituição da criança e adolescente às instituições, reportando-se à aplicação
de medidas legais e terapêuticas, porém, sem tecer maiores detalhes acerca das questões
afetivas envolvidas, situações essas que sugerem a necessidade de mais trabalhos de
pesquisa sobre o tema.
Na busca por identicar os aspectos afetivos envolvidos no processo de devolução
de crianças se recorreu às teorias da psicanálise, no entanto, sem buscar maior
aprofundamento nessa abordagem.
Durante a elaboração desse estudo, a autora havia planejado visitas a espaços como
instituições de abrigamento e de órgãos judiciais, como as Varas da Infância e Juventude.
No entanto, diante da pandemia de “COVID-19”, as autoridades municipais decretaram a
necessidade de isolamento social com o objetivo de conter o avanço do contágio. Diante do
exposto, não houve a possibilidade de visita aos espaços mencionados.
Apesar do escasso material acadêmico acerca do tema proposto, tanto nas áreas do
Direito, da Psicologia e da Psicanálise, foram utilizados teses, livros, matérias de revistas
cienticas e produções acadêmicas com busca exploratória de artigos cientícos indexados
em bases de dados como a BVPSI, Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações
(BDTD), MEDLINE, LILACS e SCIELO, utilizando os descritores: abandono, abrigamento,
adoção, crianças e devolução.
A técnica de análise de dados e a revisão sistemática de literatura tiveram como
alicerce as obras de autores renomados na temática que permitiram segurança nos tópicos
abordados, como: Maria Berenice Dias, Rolf Madaleno, Carlos Roberto Gonçalves, M. L.
Marcílio, Ivana Orionte, Sonia Margarida Gomes Souza, Letícia Franco, Júlia Brito Fonseca
e Schettini com a gura da adoção e o abandono de crianças, além da legislação brasileira
e seus percursos na linha temporal. Hália Pauliv e Renata Pauliv Casanova trouxeram à
discussão a questão da adoção e as causas que motivam a devolução. Em suas obras,
as autoras destacam a necessidade de preparação tanto dos pretendentes à adoção,
como a aparelhagem do Estado para acelerar os processos de adoção cuja morosidade,
contribuem com a desistência dos pers de escolha dos candidatos. Hália Pauliv, em obra
individual (2010), traz exemplos de casos desafortunados de crianças e adolescentes cujos
traumas são dolorosos.
Por sua vez, Maria Luiza Ghirardi além de tratar a necessidade ventilada pelas
autoras e as questões problematizadas, traz à debate a responsabilidade do Estado e
dos pais adotantes pelos prejuízos causados às crianças e adolescentes, que não são
unicamente materiais, mas sociais e emocionais.
Na mesma linha, Cynthia Peiter traz a contribuição da clínica psicanalítica para
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 25 302
a compreensão desses traumas que têm como fraturas, os vários estágios na infância
sustentados por Donald W. Winnicott, com a relação mãe-bebê, a questão do ambiente a
regressão e as testagens enfrentadas pelas crianças e adolescentes.
RIEDE e SARTORI traz à baila diversas questões, desde o encantamento inicial dos
pretendentes para adotar e à adaptação necessária para um vínculo afetivo familiar.
Por m, há de se apontar uma reexão sobre as questões expostas e a percepção
do que não foi dito, com ética e sem pré-julgamentos. O objetivo é contribuir com o debate
acadêmico sobre o tema tão delicado e complexo, abrindo ainda espaço para reexão de
outros pontos que não são claramente colocados, mas que não passam despercebidos,
convocando o leitor a debates, são por exemplo: a desigualdade social e a falta de políticas
públicas. As causas de abandono das crianças de seu núcleo familiar apontam para a
responsabilidade das próprias famílias, colocando-as como únicas culpadas de todo o
processo, quando na verdade, existe todo um contexto político-social que contribui com o
problema-raiz que antecede a adoção. O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)
apresentou em 2013 o resultado das inspeções anuais realizadas pelos promotores da
infância e juventude e é possível identicar as principais causas para o abandono dessas
crianças e adolescentes no país.
2 | ASPECTOS HISTÓRICOS DO ABANDONO DE CRIANÇAS
O abandono de crianças é uma prática que vem desde a Antiguidade, variando
apenas no contexto social, nas motivações, causas e circunstâncias. A partir de um
percurso histórico, percebemos que na Idade Média, as crianças eram deixadas em “rodas”
– cilindro oco de madeira, giratório -, que eram construídas em muro de igreja e hospital de
caridade, onde essas crianças eram depositadas à sua própria sorte. No Brasil, no período
colonial, esse dispositivo foi nomeado “Roda dos Expostos” ou “Roda de Enjeitados”, e
foi implantada devido ao crescente número de bebês que eram abandonados nas ruas,
em lugares imundos, à mercê do tempo e dos animais que os devoravam antes de serem
encontrados.
A partir do século XVIII, a infância abandonada passou a ser uma questão social e
política de emergência. Muitas famílias, inuenciadas pelo sentimento religioso de caridade,
passaram a acolher as crianças abandonadas e desprotegidas, prática essa comum e
muito difundida no século XVIII e ainda propagada nos dias atuais (MARCÍLIO, 1998, p.67).
Apesar das mudanças de paradigma no que tange a forma como a criança era
contemplada, o abandono infantil e a violência continuaram fazendo parte das várias
classes sociais no mundo contemporâneo, principalmente, nas famílias mais pobres.
Fatores como a ocupação com o trabalho, a carência de recursos materiais da família,
doença, dependência química, prisão dos pais ou responsáveis, abuso sexual, orfandade,
mendicância, violência doméstica e o próprio abandono, seriam os principais motivos para
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 25 303
que as famílias e o Poder Público vissem o acolhimento como a única opção de amparo
encontrada para diminuir o sofrimento das crianças (SILVA, 2002 apud ORIONTE, SOUZA,
2007).
O relatório do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) divulgou o resultado
das inspeções anuais realizadas pelos promotores da infância e juventude realizadas no
ano de 2013 e apontou a negligência e a dependência de álcool e outras drogas, como
as principais causas de abandono de crianças e adolescentes pelos seus pais no Brasil e
que resultaram em acolhimento institucional. Com a dependência química, os pais podem
se tornar agressivos, negligentes e violentos, abandonando seus lhos à própria sorte. O
estudo apontou outras causas não menos expressivas para o abandono de crianças pelos
pais, em primeiro lugar, por negligência e sucessivamente, por violência doméstica, por
abuso sexual e por situação de rua (CNMP, 2013).
Em razão da vulnerabilidade das crianças e adolescentes, o Estado sugere como
opção, em caráter provisório, o acolhimento nos abrigos, pelo menos até que as famílias
possam se reestruturar e, dessa forma, venham buscar suas crianças. Contudo, destaca-
se a necessidade de proteção também para essas famílias desestruturadas por meio de
políticas públicas, haja vista que, na ausência de atenção e cuidado para esses grupos
sociais, as possibilidades de retorno das crianças ao núcleo familiar tornam-se reduzidas,
cenário esse frequente no contexto brasileiro, em que se amplia o número de acolhimentos
nas diversas instituições espalhadas pelo país (CNMP, 2013).
2.1 Perspectivas Sobre a Proteção do Estado e a Legislação Vigente no Brasil
Diante do abandono de crianças, em 1990 foi promulgada a Lei 8.069 consagrada
como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), alterada depois em alguns dispositivos
pela Lei 13.309, de 05.11.2017, que regulamenta, especicamente, o modelo de proteção
integral preconizado na Convenção sobre os Direitos da Criança proclamados pela ONU
- Organização das Nações Unidas (BRASIL,1990). Em consonância com o Código Civil
(BRASIL, 1916-2002) e a Constituição Federal (BRASIL,1988), o Estado assume nalmente
sua responsabilidade sobre a assistência à criança e ao adolescente, proclamando a família
como base da sociedade e armando essas pessoas como sujeitos de Direito.
O Estatuto da Criança e do Adolescente veio substituir o Código de Menores (Lei
nº 6.697/79) denominado de “Código Mello Mattos”, em homenagem ao autor do projeto,
José Cândido de Albuquerque Mello Mattos. A Legislação estava voltada para as pessoas
classicadas como “abandonadas”, “expostas”, “carentes” ou autoras de atos infracionais
e, por isso, passíveis de tutela pela lei. A partir do “Estatuto da Criança e do Adolescente”,
essas pessoas passaram a ser consideradas cidadãs em fase peculiar de desenvolvimento
e, portanto, sujeitos de direitos e deveres. Para a efetivação desses direitos, o ECA
estabeleceu um novo ordenamento institucional no qual foram criados órgãos responsáveis
pelas políticas voltadas a esses segmentos etários (infanto-juvenil), através de um Sistema
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 25 304
de Garantia de Direitos do qual faz parte o “Conselho Tutelar” (FONSECA, 2016).
O novo Estatuto apresentava como objetivo, assegurar à criança e ao adolescente o
desenvolvimento físico, mental, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade,
além de destacar o direito de serem criados e educados no seio de sua família e – em
caráter excepcional - em família substituta, que busque garantir a convivência familiar e
comunitária para seu desenvolvimento (BRASIL, 1990).
Tais direitos são mencionados no artigo 227 da Constituição Federal, onde se
depreende que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar a criança e o
adolescente. Cumpre observar que a família, embora tenha um papel decisivo na formação
e desenvolvimento desses indivíduos, por ser o primeiro grupo social de inserção do sujeito
e ser uma fonte de promoção à saúde, em seu extremo, a família também pode favorecer
a produção de doenças e inúmeros prejuízos para a criança e ao adolescente decorrentes
das questões geradas pelo convívio social (BRASIL, 1988).
Quando esses Direitos Fundamentais da criança são violados, o abrigamento
institucional torna-se uma alternativa como medida de proteção oferecida pelo Estado
(BRASIL, 1990). As instituições foram criadas para atender as crianças e adolescentes,
que por alguma razão foram abandonados ou afastados da família, onde permanecerão
- excepcionalmente, e em caráter provisório - até que possam retornar à família natural
ou serem inseridos em outro lar, um lar substituto. Apesar das considerações divergentes,
estudos demonstram que em situações graves na família, a instituição ainda pode ser a
melhor opção de apoio e afeto para a criança.
Segundo Orionte e Souza (2007), não há dúvida de que o abrigo como instituição
cumpre uma função social, porém, é importante reetir sobre a forma de subjetivação
dessas crianças não em caráter individual, mas também no âmbito social em que se
constituem, pois além da separação de sua família de origem, que muitas vezes ocorre de
forma abrupta, passam pela experiência de conviver com pessoas totalmente estranhas,
num ambiente compartilhado com outras tantas crianças também desconhecidas, sem
abranger qualquer relação de pertencimento àquele espaço.
Ademais, em razão da burocracia do processo de reinserção da criança/adolescente,
o abrigo que deveria ser provisório, pode tornar-se permanente. As crianças que são
ignoradas pela família natural enfrentam a invisibilidade social e a incerteza quanto ao
futuro. Ao Estado - objetivando minorar a situação das crianças e adolescentes nos abrigos
por longos anos, sem que haja possibilidade de retorno às famílias de origem - não resta
alternativa, a não ser a adoção, sobretudo pelo cumprimento da lei vigente que visa garantir
a convivência familiar.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 25 305
2.2 A Adoção e o Processo de Adoção no Brasil e Seus Desaos
A adoção, atualmente regida pela Lei 12.010, de 3 de agosto de 2009, chamada
de “Lei Nacional da Adoção” se caracteriza como uma medida excepcional e irreversível,
conforme dispõe a legislação em vigor (Arts. 9, 39, § 1º, ECA, 2009).
A adoção seria a última alternativa dentre as políticas públicas a serem tomadas,
sempre no propósito de atender aos melhores interesses da criança e do adolescente. Para
tanto, os Juízes, promotores e a Defensoria Pública devem esgotar todos os meios para a
manutenção da criança ou adolescente com seus pais biológicos ou com a família natural,
dando prioridade à reintegração da criança em seu ambiente familiar (MADALENO, 2018).
Para favorecer maior agilidade aos processos de adoção e diminuir o tempo de
permanência nos abrigos, a “Lei Nacional de Adoção” criou o “Cadastro Nacional”,
sendo mantido o cadastro em comarcas regionais, para facilitar o encontro de crianças
e adolescentes aptas para adoção e de candidatos habilitados. A lei limita em 02 (dois)
anos a permanência dos menores no programa de acolhimento, prorrogáveis em caso de
necessidade (ECA Art. 19, §2º, BRASIL, 1990).
Na prática, entretanto, vericamos que o efeito foi inverso e as crianças e
adolescentes ultrapassam esse tempo de permanência nos abrigamentos. Isto ocorre, em
razão das tentativas do Estado de procurar a família de origem ou de aguardar que a
mesma se recupere e venha buscar a criança, o que pode durar vários anos ou nunca
acontecer. Nesse interim, os candidatos ou pretendentes à adoção, além de perderem
as chances de compartilhar a primeira infância da criança, acabam desistindo do perl
escolhido. Quando nalmente disponibilizam a criança para adoção, o risco de não
haver mais interesse nesse processo, pois já estão com mais idade (DIAS, 2017, p. 508).
O candidato que demonstrar interesse em adotar, de acordo com a Lei Nacional de
Adoção nº 12.010 de 2009 deverá comparecer a uma Vara da Infância e Juventude e habilitar-
se e após o preenchimento dos requisitos legais e aprovação, inscrever-se no cadastro local
e nacional de pretendentes, submetendo-se, em seguida, a cursos e avaliação psicossocial,
visitas domiciliares e entrevistas técnicas com a equipe interprossional do Judiciário. Nessa
fase, o pretendente preencherá um cadastro descrevendo as características da criança
ou adolescente que pretende adotar, apresentando suas expectativas e motivações em
relação à adoção. O pretendente à adoção, considerado apto, permanecerá no cadastro
aguardando ser chamado na hipótese do aparecimento de alguma criança ou adolescente
com seu perl, podendo visitar abrigos e instituições em busca deste encontro, desde que
sigam as orientações legais (BRASIL 2009).
Após o deferimento do pedido de inscrição do pretendente e escolhido o perl da
criança ou adolescente, será promovido o obrigatório estágio de convivência - só podendo
ser dispensado, segundo Gonçalves (2018, p.192) - “se o adotado estiver sob a tutela
ou guarda legal do adotante durante tempo suciente para que seja possível avaliar a
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 25 306
conveniência da constituição do vínculo”.
Durante esse período, os adotantes possuem a guarda legal da criança, que é
provisória, podendo, mediante justicativa, ser revogada a qualquer momento. Durante o
período de estágio de convivência, a lei permite a desistência, tendo em vista que ainda
não ocorreu a adoção (ECA, Art. 34, § 2º; Art 35. BRASIL, 1990).
Ocorre, entretanto, de alguns adotantes aceitarem a criança ou adolescente e, após
algum tempo de convivência, os devolverem. A ruptura desse vínculo é preocupante e
merece atenção, não só por conta da violação dos direitos legais, mas pelo sofrimento
que advém desse mecanismo de devolução ou restituição para solucionar um problema ou
desconforto relacional (GHIRARDI, 2015).
3 | PSICOLOGIA E DIREITO: UM DIÁLOGO POSSÍVEL SOBRE O PROCESSO
DE ADOÇÃO
O procedimento de devolução da criança adotada, segue o mesmo processo de
abandono de um lho biológico, ou seja, é recolocado numa instituição. Diante do que
podemos observar na literatura, a devolução é uma realidade e, mesmo violando a lei,
os magistrados se sentem obrigados a aceitar a criança ou adolescente e recolocá-los
no abrigo para evitar que sua permanência no núcleo familiar possa trazer-lhes maiores
sofrimentos, tornando-as, por vezes, vítimas de maus-tratos, abusos e humilhações
(GONÇALVES, 2018).
Adotar uma criança ou adolescente, como defende Schettini Filho (2008, apud
RIEDE; SARTORI, 2013), exige a consciência clara da maternidade/paternidade como
condição para que o sonho da procriação afetiva se torne realidade tanto na vida dos
pais quanto dos lhos. No início existe a fase do encantamento, mas passados os dias,
meses e anos de relacionamento, ambos adotantes e adotados – passam a viver de
forma mais intimista e nesse período que a fantasia e a realidade estão frente a frente.
No enfrentamento diário, tanto o lho como os pais começam a perceber que o desejado
está muito além da realidade. Essa fase se delineia como o período das descobertas,
das identicações, das diferenças e das anidades, sendo necessária a busca de auxílio,
sobretudo terapêutico, sob pena de tornar a convivência tão insuportável que pode resultar
numa adoção fracassada, culminando na devolução do lho à instituição.
3.1 Os Múltiplos Motivos para a Devolução da Criança
No processo de adoção, os pais adotivos das crianças e adolescentes apresentam
diversicados motivos para que ocorra a devolução ou retorno à instituição. Para Souza
e Casanova (2018), a devolução do lho adotado representa um fracasso no processo,
apesar de todo o empenho dos prossionais, assistentes sociais, psicólogos e técnicos do
Judiciário, além dos cursos de preparação e entrevistas técnicas. Aventa-se a hipótese,
que a longa espera dos pretendentes no processo de adoção, o período insuciente de
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 25 307
convivência, aliados à imaturidade e despreparo emocional dos pais, bem como da criança
e adolescente, contribuam para esse insucesso. Contudo, outros motivos são apontados
como causas para a devolução, a começar pela expectativa dos pretendentes, anal,
algumas pessoas sonham e idealizam um lho de acordo com seu desejo (lho ideal),
contudo, a expectativa pode não corresponder à realidade (lho real).
Diante desse contexto, é preciso vericar o quanto de investimento narcísico está
por trás desse desejo subjetivo de adotar. As construções subjetivas se não identicadas,
tendem a confundir as relações afetivas, pois espera-se o que não existe, sendo necessário
no caso da adoção, realizar o luto do lho ideal para aceitar e amar aquela criança ou
adolescente escolhida para adotar, com todas as suas características e diculdades
(SOUZA; CASANOVA, 2018).
Na literatura, percebemos que não são poucos os que recorrem à adoção,
sustentados muitas vezes pelo sentimento de luto, pela experiência de abortos, perda de
um lho ou como alternativa para a infertilidade (FRANCO, 2016).
Nessas hipóteses, cada vez que o adotante olha para o lho adotivo, lembra do seu
luto e da criança que não gerou, contexto esse que o remete ao sofrimento e frustração.
Nestes casos, às vezes, a devolução é inevitável, pois preferem devolver a criança a
lembrar do seu fracasso biológico ou da criança com a qual sonharam ou idealizaram como
sua, mas que não foi encontrada (SOUZA, 2012).
O aspecto físico da criança, a sua linguagem, o comportamento, o histórico de
vida, a etnia e a origem, a sobrecarga de atividades, cansaço e desgaste físico diante do
trabalho com alimentação, vida escolar, doenças, noites sem dormir, também incomodam
alguns adotantes. Essa nova dinâmica familiar é um problema para alguns casais, que
também se sentem invadidos na sua privacidade, alijados de sua liberdade. (SOUZA,
CASANOVA, 2018).
Essa nova dinâmica familiar é um problema para alguns casais, que também se
sentem invadidos na sua privacidade, alijados de sua liberdade. Quando possuem outros
lhos, os pais podem se sentir ainda mais sobrecarregados por não saberem administrar
as tarefas e, com alguma frequência, pode acontecer de precisarem lidar com aspectos
afetivos relacionados aos irmãos, como o ciúme, a inveja e a resistência dos lhos gerados
para com os adotados.
Outros motivos inuenciam na devolução do lho adotivo à instituição, como por
exemplo, a criança que começa a apresentar problemas de saúde ou doença crônica ao
ser levada para casa, e os pais sentem-se inábeis para tratá-la. Nesse contexto, os pais
costumam expressar também narrativas de que foram enganados, pois alegam não terem
sido informados para se prevenir ou desistir antes do processo de adoção, justicando, por
vezes, a falta de recursos nanceiros para os cuidados necessários. Entre outras queixas
dos pais que recorrem à devolução das crianças, estão relacionadas à sexualidade, ao mau
comportamento, à mentira, à rebeldia, aos pequenos furtos, à desobediência, à testagem
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 25 308
de limites e à regressão psicológica, experimentada por algumas crianças (SOUZA, 2012).
Segundo Souza e Casanova (2018), a regressão psicológica é um “renascimento”
da criança naquela família. A criança revive sua 1ª infância fazendo xixi na cama, querendo
engatinhar, falar como um bebê, pede chupeta e mamadeira, entra na roupa da mãe ngindo
que vai nascer de novo. É como se essas crianças estivessem expressando a oportunidade
de renascer, recomeçar, repaginar sua pequena história. Embora seja um sinal positivo,
muitos pais não aceitam essa situação e manifestam inabilidade em lidar com essa fase
que, embora complexa, costuma ser breve.
As autoras alertam sobre outra situação comum, conhecida como testagem. Nesse
contexto, a criança e o adolescente fazem de tudo para chamar à atenção dos pais e ver o
limite deles para saber se são aceitos, principalmente, aqueles que já têm um histórico de
outras devoluções, visto que já passaram por isso mais de uma vez.
Para Winnicott (2011), a testagem é um comportamento comum nas crianças e
adolescentes. Nesse contexto, as mesmas apresentam a necessidade de testar seus pais
para vericarem se podem conar neles, e essa prática pode se perpetuar até idade mais
avançada, até que se sintam mais seguros. Os adolescentes, por exemplo, testam suas
ordens, suas regras, seus limites. A resposta provável para essa testagem pelos maiores
é a descoberta de sentimentos e emoções fortes que os preocupam e, às vezes, os
amedrontam. Dessa forma, é preciso testar os meios de segurança que recebeu desde
a primeira infância, como também se congura como estratégia para voltarem a se sentir
seguros e conar plenamente.
No entanto, não apenas os adotantes apresentam motivos de retorno da criança ao
abrigamento, outras causas que norteiam a devolução, dessa vez, por parte dos adotados,
como por exemplo: maus-tratos, abusos, negligência dos pais, saudades da instituição pelo
tempo e familiaridade com esse espaço, falta dos companheiros ou irmãos que lá tenham
deixado, além das fortes lembranças da família de origem. Além dos motivos expostos para
o retorno ao abrigo, destaca-se também, a falta de adaptação às novas regras – que não
raras vezes promove no adotado sentimento de não pertença à nova família, como se
fossem estranhos ao novo núcleo familiar. Assim, muitos adotados sentem que aquele novo
grupo não se congura como sua família de verdade, provocando portanto, desconforto e
angústia (SOUZA, 2012).
De acordo com Souza e Casanova (2018), a criança e adolescente recebem uma
“surra emocional” e quanto maior for o adotado, maior será o trauma, além de contar com
a frustração de perder a casa onde residia, a escola e os benefícios materiais. Em alguns
casos, com a devolução, a criança ca provisoriamente, fora da nova lista de adoção com
o objetivo de ser assistida pelos psicólogos e demais prossionais para superação da
experiência vivida.
Não dúvida de que a devolução seja um assunto delicado e complexo e nem
toda criança consegue resilir frente à experiência da pós-adoção malsucedida. A maioria
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 25 309
carente de afeto não entende essa reincidência de abandono ou maus-tratos e revive o
trauma do abandono, reeditando tantas vezes forem, as devoluções (SOUZA, 2014).
3.2 Contribuições da Psicologia e da Psicanálise no Processo de Adoção
A dor e angústia causadas pelo sentimento de rejeição e a falta de compreensão do
motivo que levou seus pais adotivos a devolvê-las, podem levá-las a estados emocionais
imprevisíveis. Muitas crianças apresentam desde o quadro de depressão, baixa autoestima,
medo, baixo desenvolvimento físico e cognitivo a doenças graves que ameaçam sua saúde.
A criança pode entrar em crise, sentir-se humilhada, depreciada, perder a esperança, e ter
medo de se apegar novamente (SOUZA, 2012).
A Autora Souza (2012) ilustra essa situação por meio de relato do caso de uma
criança devolvida que, quando retornou à instituição, enou-se debaixo da cama e
saía para ir ao banheiro e alimentar-se. Destacamos também, o caso de um jovem que
desenvolveu “cegueira emocional”, não conseguindo enxergar nada, mesmo tendo seus
olhos clinicamente saudáveis. A falta de alguém a quem pudesse se apegar e que pudesse
acolhê-lo exatamente como era, favoreceu o surgimento de sintomas bastante complexos.
A tristeza, a indignação e a revolta, também podem se expressar em crianças
maiores e adolescentes que venham a apresentar comportamentos forjados para se
defender do trauma do abandono, como: a indiferença, a frieza e entre outros, aparentando
expressar hostilidade e agressividade. Essas crianças também podem manifestar o desejo
de não serem adotadas, temendo uma nova desilusão e sofrimento.
4 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos desaos no processo de adoção, que envolvem também aspectos
psíquicos, como a idealização do lho desejado, a reedição de conitos tanto dos adotantes
quanto adotados, entre outras questões, evidencia-se a necessidade de ampliar ainda
mais os diálogos entre o Direito, a Psicologia e suas abordagens, delimitando as fronteiras
conceituais de cada área.
Conforme ressaltado, anteriormente, a gura da devolução do adotado não está
previsto no ordenamento jurídico, posto que a adoção é medida excepcional e sua
sentença constitutiva, irrevogável, conforme prevê o § 1º, do artigo 39 do Estatuto da
Criança e Adolescente. Entretanto, cresce o número de adoções malsucedidas implicando
em inevitáveis retornos das crianças às instituições, na maioria dos casos, com abalos
emocionais podendo comprometer seu desenvolvimento, sobretudo, de uma nova
socialização.
Nesse trabalho de resgate, várias situações podem emergir no setting terapêutico,
como os medos e angústias ligados à separação, à desconança em estabelecer novos
vínculos. Nesse contexto, o terapeuta ao mesmo tempo que ocupa lugar de fundamental
importância para acolher essa carga afetiva e ajudar a criança no processo de elaboração,
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 25 310
também exercerá a função de anteparo tornando-se alvo das projeções dessas angústias
e medos. É necessário que essas projeções ocorram no ambiente terapêutico com um
prossional e não com os pais adotivos ou pretendentes à adoção durante o Estágio de
Convivência. Essa proposta se justica porque nem todos os pais estão sucientemente
preparados, razão que inuencia muitos candidatos a desistirem da adoção ou venham a
devolver as crianças ao abrigo (PEITER 2016, p.57).
Assim, diante da complexidade e delicadeza do tema proposto, que suscita reexões
no âmbito jurídico e social, não se pretende concluir os diálogos aqui sugeridos, mas
contribuir para novas pesquisas sobre as questões afetivas na devolução das crianças e
adolescentes institucionalizados, a partir da interface entre o Direito e a área da Psicologia
e Psicanálise.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto nº 17.943-A, de 12 de outubro de 1927. Código de Menores. 1927.
______ Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. 1940.
______ Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. 1988.
______Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. 1990.
______Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. 2002.
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de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), Código Civil e Consolidação das Leis
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A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 26 312
Data de aceite: 20/08/2021
CAPÍTULO 26
UMA PONTE ENTRE O PSÍQUICO E O SOMÁTICO:
O PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO COMO
POSSIBILITADOR DA PROMOÇÃO DE SAÚDE
Data de submissão: 06/08/2021
Carline Engel Krein
Universidade Regional do Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ.
Santa Rosa – RS
https://orcid.org/0000-0002-2827-9627
Valeska Schwarz Kucharski
Universidade Regional do Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ.
Santa Rosa – RS
https://orcid.org/0000-0003-1255-8397
Luciane Miranda
Universidade Regional do Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ.
Santa Rosa – RS
https://orcid.org/0000-0001-6296-8234
Bruna Sipp Rodrigues
Universidade Regional do Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ.
Três de Maio - RS
https://orcid.org/0000-0002-3887-7559
Tatiane Ströher Renz
Universidade Regional do Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ.
Santa Rosa – RS
https://orcid.org/0000-0001-8809-5849
Simoni Antunes Fernandes
Universidade Regional do Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ.
Santa Rosa - RS
http://lattes.cnpq.br/1091407009808306
RESUMO: Este trabalho visa compreender como
a humanização pode contribuir na promoção da
saúde de usuários do Sistema Único de Saúde
(SUS) no contexto da saúde coletiva, com
base no objetivo número três dos “17 Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável (ODS)” da
Organização das Nações Unidas em sua Agenda
2030, “Assegurar uma vida saudável e promover
o bem-estar para todas e todos, em todas as
idades” (ONU, 2015). Percebe-se que escutar
mais do que a doença é um ato de humanização
que pode criar possibilidades para uma promoção
integral de saúde. Isso porque, ademais da
promoção de saúde, por meio de práticas
humanizadoras, cabe enfatizar a importância da
garantia do acesso à saúde a todo e qualquer
sujeito, independentemente do fator. Com a
criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e seus
princípios norteadores – equidade, universalidade
e integralidade (BRASIL, 2013) é preciso,
necessariamente, pensar na humanização da
saúde pública. E, para isso, pensar o PNH (2005)
enquanto política pública de saúde que fortalece
o processo de humanização no sentido de
proteger a continuidade das práticas para além
de uma política de governo que corre o risco de
se perder conforme a ideologia política daqueles
que estão no poder, o que favorece a construção
de uma prática sólida e em permanente evolução.
Portanto faz-se necessário uma prática mais
humanizada dentro dos serviços públicos através
das políticas públicas aqui mencionadas para
que, desse modo, haja maior promoção de saúde
considerando o sujeito em sua integralidade.
PALAVRAS - CHAVE: Humanização; SUS;
Psíquico; Físico; Integralidade.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 26 313
A BRIDGE BETWEEN THE PSYCHIC AND THE SOMATIC: HUMANIZATION
PROCESS AS A POSSIBILITY IN HEALTH PROMOTION
ABSTRACT: This paper aim to comprehend how humanization can contribute in health
promotion for the Unique Health System (SUS) users in the context of collective health, based
on the third objective of “17 Sustainable Development Objectives (SDO)” from the United
Nations in its calendar of 2030, “Ensure a healthy life and promote well-being for all the people,
in all ages” (UN, 2015). It has been realized that listening to the human above their sickness
is an act of humanization which can create possibilities to a full health promotion. In this
regard, above health promotion, through humanizing practices, it should be emphasized the
importance of health access guarantee for all individuals, regardless of factors. Considering
the creation of Unique Health System (SUS) and its guiding principles – equity, universality
and integrality (BRASIL, 2013) – It is necessary, thinking about public health’s humanization.
To this end, it has been relevant thinking about PNH (2005) as a health public politic which
empowers the humanization process with the intention of protecting the practices continuity
apart from a government politic that risks to end according the politics ideas from those
who are in the power, what benets the construction of a solid practice that is constantly in
evolution. Therefore, it has been necessary a most humanized practice inside public services
through public politics which were mentioned previously, so, there can be a better health
promotion considering an individual on its integrality.
KEYWORDS: Humanization; SUS; Psychic; Physic; Integrality.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho é resultado de estudos e pesquisas realizados no Grupo de
Estudos de Saúde Coletiva, que se caracteriza como um projeto de caráter interdisciplinar
desenvolvido no âmbito acadêmico da Universidade Regional do Noroeste do Estado do
Rio Grande do Sul UNIJUÍ e integra os cursos de graduação de Psicologia, Educação
Física e Pedagogia do campus Santa Rosa.
Desse modo, busca-se compreender como a humanização pode contribuir
na promoção da saúde de usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) no contexto da
saúde coletiva, com base no objetivo número três dos “17 Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS) ” da Organização das Nações Unidas em sua Agenda 2030, “Assegurar
uma vida saudável e promover o bem-estar para todas e todos, em todas as idades” (ONU,
2015),
METODOLOGIA
O desenvolvimento deste estudo foi realizado por meio de uma pesquisa bibliográca
de natureza qualitativa, utilizando-se como ferramenta de coleta de dados uma revisão de
artigos cientícos disponibilizados nos buscadores de pesquisa online Google Acadêmico e
Scielo. Além disso, foram utilizados livros de autores de cunho psicanalítico. Considerando
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 26 314
a relação com as políticas públicas, fez-se uso de decretos e documentos nacionais
relacionados ao processo de humanização na saúde pública brasileira.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O sujeito não se trata apenas de um organismo biológico cujas funções são
geneticamente determinadas, é mais amplo e mais integral, é a integração do psíquico no
corpo. Assim como arma Segue e Ferraz (1997) a saúde não está relacionada somente
com a ausência de doença, mas considera o sujeito como um ser biopsicossocial, olhando-o
de forma integral de acordo com as diretrizes do SUS. Nessa perspectiva, quando se
fala de humanização não se trata de escutar e acolher um corpo adoentado ou a doença
propriamente dita, mas sim, o sujeito em sua totalidade.
A relação dos aspectos psíquicos com o corpo foi pensada por Freud por meio
das doenças nervosas e sintomas físicos apresentados por mulheres, o que se denomina
histeria. Esta era uma doença que acometia o corpo, mas que não apresentava sinais
orgânicos, como por exemplo paralisias, a partir de estudos realizados, percebe-se as
inuências do psíquico sob o corpo, produzindo sintoma neste. (GAY, 1923 [1989])
Torna-se importante mencionar que dentro de um corpo existe um sujeito, e
tampouco a psique existiria sem o corpo, pois, o funcionamento psíquico emerge da
função elaborativa das funções corporais, e assim constrói-se a noção de subjetividade
e individualidade (LEO, VILHENA, 2010). Nesse sentido, ocorre uma desnaturalização
do corpo não o reduzindo à dimensão orgânica. Logo doenças que não se podem
determinar um espaço neuroanatômico, conrmando a hipótese de que a etiologia dos
sintomas histéricos era provinda de conitos psíquicos (FREUD, 1996 [1901-1905]). Desse
modo, o eu, contém os conteúdos psíquicos a partir de uma experiência do corpo, ele é
subjetivado e funciona de acordo com o simbolismo e o manejo empregado nele.
O sintoma apresentado pelo corpo, trata-se de uma via inconsciente buscada pelo
sujeito para obter de recursos e harmonizar seus conitos interiores (SEGRE; FERRAZ,
1997) portanto, escutar mais do que a doença é um ato de humanização que pode criar
possibilidades para uma promoção integral de saúde.
Portanto, ademais da promoção de saúde por meio de práticas humanizadoras,
cabe enfatizar a importância da garantia do acesso à saúde a todo e qualquer sujeito,
independentemente de qualquer fator. Desse modo, o psíquico e o físico aparecerão no
contexto da saúde pública e poderão ser escutados em sua totalidade, não favorecendo um
ponto de vista fragmentado perante ao sujeito.
O direito de acesso ao atendimento humanizado em saúde não é uma construção
nova, as diretrizes propostas estão alinhadas na Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948, no artigo XXV, o qual dene que todo ser humano tem direito a um
padrão de vida capaz de assegurar-lhe e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 26 315
alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis.
Ancorados nessa ideia, pode-se armar que o direito à saúde está diretamente ligado ao
direito à vida e, perante estes direitos, somos todos iguais e merecedores de um acesso
digno e humanizado (ONU, 2009).
Todavia, antes da promulgação da Constituição de 1988 e da Conferência
Nacional de Saúde em 1986 que deu início ao SUS, a saúde pública era um direito garantido
apenas aos trabalhadores vinculados à Previdência Social. A população restante dependia
do sistema particular de saúde ou das entidades lantrópicas (BRASIL, 2013). Desta forma,
saúde, para a maioria da população brasileira, não era um direito, mas caridade com caráter
assistencialista.
Com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e seus princípios norteadores –
equidade, universalidade e integralidade (BRASIL, 2013) é preciso, necessariamente,
pensar na humanização da saúde pública. Esta, entendida como “a valorização dos
usuários, trabalhadores e gestores no processo de produção de saúde” (BRASIL, 2013).
Com base nisso, foi criada
“A Política Nacional de Humanização (PNH), lançada em 2003 com o objetivo
de corroborar com os princípios estabelecidos pelo Sistema Único de
Saúde (SUS), os quais preveem modelos respeitosos de atenção e gestão,
incentivando trocas solidárias no âmbito do sistema de saúde” (CID et al
2019, p. 6).
O HumanizaSUS, forma que vem sendo chamado a PNH (2005), deixa evidente
que um dos seus principais objetivos é adotar uma fundamentação que não esteja
completamente atrelada a visão hospitalocêntrica, de medicalização da vida e que tende
a confundir saúde e doença. Pensar a humanização da saúde, nos convoca a olhar para
as diferenças sociais e culturais que atravessam a população brasileira. A PNH (2005) não
diz respeito às práticas humanitárias da caridade, mas sim à uma nova prática que leva em
consideração gestores, usuários e trabalhadores de forma a abranger as diversas áreas
prossionais envolvidas; e essa transversalidade entre setores é indissociável para que a
PNH (2005) seja possível e sustentável.
Dessa forma, podemos considerar que a humanização das práticas dentro do
sistema de saúde não deve ser encarada como um simples projeto, mas como uma
política pública que norteia e interliga as relações éticas dos prossionais da saúde em
relação às subjetividades do usuário, que aproxima a promoção de saúde ao respeito
às particularidades do sujeito. Pensar o PNH (2005) enquanto política pública de saúde
fortalece o processo de humanização, no sentido de proteger a continuidade das práticas
para além de uma política de governo que corre o risco de se perder conforme a ideologia
política daqueles que estão no poder, o que favorece a construção de uma prática sólida e
em permanente evolução.
Assim o papel de todos os envolvidos será trabalhar em conjunto visando um
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 26 316
tratamento mais humano, que acolhe os sofrimentos do paciente e que viabilize o diálogo
sincero entre paciente e os membros de sua família, bem como com toda a equipe de
saúde, gerando um vínculo terapêutico, fortalecedor e até mesmo restaurador, contribuindo
profundamente para o processo de humanização (PESSINI, 2004).
Para tanto, não se pode desconsiderar o sofrimento do prossional da saúde no que
se refere a falta de estrutura das instituições às quais se propõe a prática da humanização
do atendimento. Cabe aqui ressaltar, que um olhar humanizado dentro destas não é uma
prática fácil, pois o discurso atual apresenta indícios de desumanização, dicultando as
mesmas.
Desse modo, apesar do SUS ter como princípio a integralidade e a formação dos
prossionais que trabalham nesse contexto, entre outros, não é propício para isso, devido
ao fato de que ainda um modelo de assistência tecnicista e fragmentada no modelo
biomédico, que apresente uma concepção de saúde atrelada ao cuidado do corpo doente,
demonstrando assim uma falta de preparo dos prossionais para trabalhar de forma mais
humanizada, fazendo a relação integral do corpo com o psíquico (CID et al, 2019). Portanto,
considera-se que a formação dos prossionais da área da saúde tem sido guiada por
modelos clínicos organicistas, dicultando assim a formação autônoma do conhecimento
e uma visão integral do indivíduo. Nessa perspectiva, também cabe ressaltar que uma
porcentagem considerável de prossionais de saúde não conhece a PNH, relatando
despreparo para um trabalho humanizado (MARTINS et al 2008 apud CID et al, 2019).
Portanto, torna-se importante considerar a formação dos prossionais da saúde,
porém ressaltar que a PNH tem por objetivo uma prática humanizadora não somente
de prossional para o público, mas, considera-se relevante a saúde psíquica e física do
prossional que fará o trabalho. Uma prática humanizadora refere-se a compreender as
angústias ligadas ao adoecer, tanto do paciente quanto do prossional, podendo revelar os
aspectos subjetivos da atuação prossional que dizem respeito ao sofrimento encontrado
no trabalho, o qual acentua-se em um ambiente despreparado e desumanizado (CID et al,
2019). Sendo assim, pode-se questionar acerca da impossibilidade do cumprimento das
diretrizes do SUS nas práxis, e de que forma pode-se possibilitar uma formação integral
aos prossionais que assistem à população usuária do serviço público de saúde.
CONCLUSÃO
Percebendo a importância de práticas humanizadas de promoção da saúde,
documentos e diretrizes foram criados não apenas pelo SUS, mas como também pela
ONU, ultrapassando fronteiras. Sendo estas ações com o objetivo principal de ofertar um
serviço focado não apenas na doença, mas também na promoção de saúde e qualidade
de vida. Considerando assim, questões subjetivas, sociais e culturais de todos os sujeitos
envolvidos, sejam eles prossionais da saúde ou usuários do SUS, ou seja, para o humano
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 26 317
que somos, para o corpo que nos sustenta e para os cuidados indispensáveis, necessários
à uma vida onde a saúde é tratada com a devida atenção.
Portanto, compreende-se que para atingir o objetivo número três do conjunto de
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas,
em sua Agenda 2030, ao que se refere a “Assegurar uma vida saudável e promover o bem-
estar para todas e todos, em todas as idades” (ONU, 2015), faz-se necessário uma prática
mais humanizada dentro dos serviços públicos de saúde, para que desse modo, haja maior
promoção de saúde considerando o sujeito em sua integralidade. Contudo, para que seja
possível ofertar um SUS humanizado é preciso considerar o sujeito em sua integralidade
e reinventar o processo de trabalho, considerando que todos indivíduos participem sendo
agentes ativos nas mudanças do sistema de saúde, com ênfase para a humanização.
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A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 27 319
Data de aceite: 20/08/2021
CAPÍTULO 27
ANSIEDADE PRÉ – COMPETITIVA E
AUTOCONFIANÇA EM MODALIDADE DE ESPORTE
COLETIVO
Data da submissão: 04/06/2021
Andréia Maria Bernardt
Universidade do Oeste de Santa Catarina
Joaçaba - Santa Catarina
http://lattes.cnpq.br/8966753353996492
Scheila Beatriz Sehnem
Universidade do Oeste de Santa Catarina
Joaçaba - Santa Catarina
http://lattes.cnpq.br/5089854289330165
RESUMO: Independente do nível do atleta e
idade, a ansiedade é um dos fatores psicológicos
mais frequentes no universo esportivo, justicado
pela busca do alto rendimento que se expressa
por meio de cobranças, pressão por resultados
e treinos exaustivos. A presente pesquisa teve
como objetivo identicar o nível da ansiedade
pré-competitiva e autoconança em modalidade
de esporte coletivo. Fizeram parte enquanto
sujeitos, onze atletas de uma modalidade
esportiva coletiva do gênero masculino, com
idades entre 12 e 14 anos. Os instrumentos
utilizados foram: entrevista semiestruturada e o
questionário CSAI-2 (Competitive State Anxiety
Inventory - 2). O presente estudo vericou que os
atletas apresentaram nível baixo de ansiedade
somática e cognitiva e nível médio alto de
autoconança conrmando o que é descrito pela
literatura quando se refere a esportes coletivos.
PALAVRAS - CHAVE: Ansiedade Pré –
Competitiva. Autoconança. Ansiedade
Cognitiva. Ansiedade Somática.
PRE COMPETITION ANXIETY AND SELF
CONFIDENCE IN COLLECTIVE SPORTS.
ABSTRACT: Regardless of the athlete’s level
and your age, the anxiety is one of the most
frequent psychological factors in the sports
universe, justied because the high performance
expressed through demands, pressure for results
and exhausting training. This research aimed to
identify the level of pre competition anxiety and
self condence in a collective sport modality. This
research was part eleven male athletes from a
collective sport modality, with age between 12
and 14 years.The instruments used were: semi-
structured interview and CSAI-2 (Competitive
State Anxiety Inventory - 2) questionnaire. The
present study veried that the athletes had a low
level of somatic and cognitive anxiety and a high
average level of self-condence, conrming that
is described in the literature when referring to
team sports.
KEYWORDS: Pre Competitive Anxiety / Self
condence/ Cognitive Anxiety/ Somatic Anxiety.
1 | INTRODUÇÃO
O esporte faz parte da história da
humanidade seja ele coletivo ou individual,
desde os jogos olímpicos da antiguidade até os
jogos modernos. Nesse processo de transição
muitos avanços são vericados ao analisarmos
as competições atuais em que as mais diversas
modalidades são prestigiadas pelo alto nível
de performance dos atletas (SONOO et. al,
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 27 320
2010).O esporte competitivo de alto rendimento apresenta particularidades como confronto,
demonstração, comparação e avaliação constante de seus participantes, fazendo da
competição em si um momento de comparação de performances com algum padrão
existente (DE ROSE JÚNIOR & VASCONCELLOS, 1997 apud GONÇALVES; BELO, 2007).
Para Likuza et.al (2005) nesse ambiente de performance e comparação os fracassos
não podem ser atribuídos a agentes misteriosos ou à sorte. Mas sim, considerar as
variáveis psicológicas como representativas dos vários domínios do esporte de rendimento.
O esporte é um meio no qual se vivencia as emoções com muita intensidade.
As competições despertam sentimentos não só nos atletas como também
nos espectadores. Os processos emocionais podem acompanhar de forma
regular e apoiar a ação esportiva, mas também podem perturbá-la ou até
impedi-la, alterando o estado de ansiedade do atleta (COZZANI; MACHADO,
1997 apud INTERDONATO, 2010).
Para Smith; Smoll e Wiechman (1998 apud INTERDONATO, 2010) a ansiedade é
uma resposta emocional aversiva ao estresse, que resulta de uma avaliação de ameaça
sendo caracterizada por sentimentos subjetivos.
Dessa maneira o estudo da ansiedade competitiva tem merecido a atenção de
inúmeros pesquisadores, constituindo-se como uma das principais variáveis investigadas
no contexto esportivo (Jones, 1995; Woodman & Hardy, 2001 apud FERNANDES;
VASCONCELOS-RAPOSO; FERNANDES, 2012).
Independentemente do nível do atleta e idade, a ansiedade é um dos fatores
psicológicos mais frequentes no esporte competitivo de alto rendimento (SMITH; SMOLL;
WIECHMAN, 1998 apud INTERDONATO, 2010). Assim, tem sido um dos campos mais
abordados pela Psicologia do Desporto (CRUZ, 1996b; SCANLAN, 1984 apud BARBACENA;
GRISI, 2008).
Outro fator presente no âmbito esportivo é a autoconança, que de acordo com
Gouvêa (2003) é um dos fatores psicológicos que mais frequentemente pode inuenciar
na execução esportiva, sendo considerado foco primário na investigação de diversos
psicólogos do esporte.
Conforme Lente, Hackett, Brown (2004 apud VIEIRA et. al, 2011), “a conança
do atleta em sua capacidade para desempenhar com sucesso determinada tarefa ou
conjunto de tarefas ajuda a determinar se ele irá iniciar, perseverar e ser bem-sucedido em
determinados desempenhos.”
Diante disso, o objetivo desta pesquisa foi: identicar o nível da ansiedade pré-
competitiva e autoconança em modalidade de esporte coletivo. Esta pesquisa mostrou-se
muito importante diante da escassez de dados desta natureza.
1.1 Ansiedade Pré - Competitiva
O termo ansiedade é descrito por Castillo (et al., 2000) como um sentimento vago e
desagradável de medo e apreensão, caracterizado por tensão ou desconforto derivado de
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 27 321
antecipação de perigo, de algo desconhecido ou estranho.
Weinberg e Gould (2001 apud SILVA et al., 2014) apontam ainda que um componente
de pensamento chamado de ansiedade cognitiva, e outro, de ansiedade somática.
A ansiedade cognitiva diz respeito às expectativas negativas, por parte
do atleta, acerca de seu desempenho, enquanto a ansiedade somática se
refere aos aspectos siológicos da experiência de sentir-se ansioso, os
quais provocam diretamente alteração da função autonômica. (FERNANDES;
VASCONCELOS-RAPOSO; FERNANDES, 2012).
Ainda em relação à ansiedade, dois conceitos são empregados: ansiedade-traço
e ansiedade-estado. Para De Rose Junior e Vasconcellos (1997 apud CONSTANTINO;
PRADO; LOFRANO-PRADO, 2010), a ansiedade-traço está relacionada à personalidade,
é uma característica permanente; já a ansiedade-estado é um componente em constante
variação, que depende das circunstâncias.
Spielberger; Gorsuch; Lushene (1979 apud SILVA et al., 2014, p. 586) armam
que ansiedade-traço refere-se a uma disposição pessoal, é relativamente
estável, a pessoa responde com ansiedade a situações estressantes e
têm a tendência de perceber situações diferentes como mais ou menos
ameaçadoras, dependendo das experiências pessoais vividas. No caso da
ansiedade-estado, trata-se de um estado emocional transitório, caracterizado
por sentimentos subjetivos de tensão e que variam de intensidade ao longo
do tempo.
Em situações pré-competitivas, inúmeras causas podem levar ao aumento dos níveis
de ansiedade, como, por exemplo, o temor do fracasso, a cobrança pela vitória, pressões
da sociedade, mídia, técnicos e familiares, entre outros (CRATTY, 1984; FERREIRA et al.,
2010; SONOO et al., 2010 apud SILVA et al., 2014).
Atletas com altos níveis de ansiedade podem apresentar diculdades na
coordenação, falta de concentração, maior dispêndio energético e até mesmo alteração da
atenção. Desta forma é importante que seja identicado o nível, bem como a maneira de
manifestar-se: cognitiva e ou somática (WEINBERG; GOULD, 2001 apud CONSTANTINO;
PRADO; LOFRANO-PRADO, 2010).
Freschknecht (1990 apud ALEXANDRE, 2010, p.26) “arma que a ansiedade pré-
competitiva é, atualmente, um tópico de discussão muito presente nos meios relativos às
atividades esportivas”.
Para Samulski (1995 apud ALEXANDRE, 2010), esse estado apresenta
características especícas. Do ponto de vista psicológico observa-se que há antecipação da
competição e consequentemente ante- cipação das oportunidades, riscos e consequências.
Geralmente surgem então os medos e temores que se manifestam não somente em
processos cognitivos, mas também podem produzir reações motoras e emocionais.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 27 322
1.2 Autoconança
O termo autoconança é entendido por Cruz (1996 apud ALEXANDRE, 2010) como
falta de conança, ou seja, pouca conança nas próprias capacidades manifestadas por
meio de expectativas negativas ou por dúvidas, e ou conança excessiva. Na opinião desse
autor, o nível ótimo de autoconança deve-se situar entre esses dois extremos.
Para Frischknecht (2014), “A autoconança pode ser denida como a crença do
indivíduo de que será bem-sucedido. No contexto esportivo, se refere à crença ou o grau de
certeza do atleta de que suas habilidades estão de acordo com as demandas para alcançar
sucesso neste campo.”
Para Vasconcelos-Raposo et al. (2007), essa dimensão pode também ser
considerada uma componente cognitiva, oposta ao estado de negativismo, ou seja, é
vista como a ausência de pensamentos negativos. Segundo Vealey e Chase (2008 apud
FRISCHKNECHT, 2014), a autoconança pode afetar diretamente os comportamentos, as
cognições e emoções dos atletas. Porém, pesquisas têm indicado que a autoconança
tem contribuído para o controle do estresse e da ansiedade, condições importantes para
o alcance de resultados favoráveis nas competições (JONES; HANTON; SWAIN, 1994;
HANTON, MELLA- LIEU; HALL, 2004; MELLALIEU; HANTON; THOMAS, 2008; FILAIRE et
al., 2009; LIZ et al., 2009 apud FRISCHKNECHT, 2014).
2 | MÉTODO
Trata-se de uma pesquisa exploratória, que segundo Cervo e Bervian (1996), é um
estudo que tem como objetivo se familiarizar com o fenômeno, a m de se obter uma nova
percepção deste para que se possa descobrir novas ideias.
Fizeram parte enquanto sujeitos 11 atletas de uma modalidade esportiva coletiva do
gênero masculino, com idades entre 12 e 14 anos.
Os instrumentos utilizados nesta pesquisa foram: entrevista semiestruturada
elaborada pela pesquisadora a m de se caracterizar o perl dos atletas e o questionário
Competitive State Anxiety Inventory - 2 (CSAI-2) (MARTENS et al., 1990 apud LAVOURA;
MACHADO, 2006), utilizado para medir o nível de ansiedade (somática e cognitiva) e o
nível de autoconança, composto por 27 questões e dividi- das em 3 subescalas, nas quais
o sujeito opta por 1 = nada, 2 = alguma coisa, 3 = moderado e 4 = muito, de acordo com a
pergunta.
A pontuação das três subescalas (ansiedade cognitiva, somática e a autoconança)
foi obtida pelo somatório das respostas, com pontuações que poderiam variar de 9 a 36, de
acordo com o instrumento. Para uma melhor compreensão dos resultados, categorizaram-
se os dados da ansiedade cognitiva, somática e autoconança em baixa, de 9 a 18 pontos,
média, de 19 a 27 pontos, e alta, de 28 a 36 pontos.
As entrevistas foram realizadas de modo individual e a aplicação do CSAI-2 foi de
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 27 323
maneira coletiva. Destaca-se que os instrumentos foram aplicados 30 minutos antes do
início da competição.
3 | ANÁLISE E DISCUSSÃO
A partir da aplicação do CSAI-2 e da entrevista semiestruturada foi possível vericar
e caracterizar o perl dos atletas, bem como identicar e descrever o nível da ansiedade
pré-competitiva/cognitiva, somática e autoconança em modalidade de esporte coletivo.
3.1 Perl dos Atletas
A idade dos atletas variou de 12 a 14 anos, todos do gênero masculino; 63% (7)
dos atletas têm 14 anos, 27% (3) têm 12 anos e 10% (1) tem 13 anos. Em relação à idade
em que iniciaram o treinamento se vericou que variou de 9 a 14 anos, visto que 45% (5)
iniciaram com 11 anos, 27% (3) com 13 anos, 18% (2) com 9 anos e 10% (1) com 14 anos,
destacando-se que eles treinam de duas a quatro vezes por semana.
Segundo dados do Ministério do Esporte do Brasil, no que se refere à idade de
início no esporte, vericou-se que 37,9% dos brasileiros iniciam entre 6 e 10 anos de
idade e 31,4% entre 11 e 14 anos de idade; no gênero masculino esse percentual de
início no esporte é maior na faixa etária que compreende entre 6 e 10 anos de idade,
com 41,6% para 29,7% no gênero feminino (MINISTÉRIO DO ESPORTE, 2015). Para De
Rose Júnior e Vasconcellos (1997) e Gill e Deeter (1988) apud Gonçalves e Belo (2007),
deve-se considerar a idade dos atletas, uma vez que a literatura tem demonstrado que os
mais jovens podem ainda não se encontrar tão preparados diante de muitas cobranças e
pressões do esporte de competição.
Em relação ao tempo em que os atletas já praticam o esporte coletivo, vericou-
se que: 45% (5) estão três anos, 27% (3) estão um ano, 18% (2) estão há dois
anos e 10% (1) está nove meses. Destaca-se que, 10 dos 11 atletas já participam de
competições há mais de um ano, visto que apenas um estreou em sua primeira competição.
De acordo com De Rose Júnior e Vasconcellos (1997) e Detanico e Santos (2005) apud
Gonçalves e Belo (2007), quanto menos vivência e experiência no esporte de competição,
individual ou coletivo, maior será a probabilidade de um jovem atleta demonstrar ansiedade
no contexto esportivo. Por outro lado, quanto mais experiência e vivência o jovem atleta
possuir, mais elaboradas serão as suas estratégias de enfrentamento quando surgirem as
situações ansiosas no esporte de competição (GONÇALVES; BELO, 2007).
Em relação à composição familiar todos os atletas têm pai, mãe e irmãos, 45% (5)
residem com seus pais e irmãos, 45% (5) residem somente com a mãe e 10% (1) reside
somente com o pai. No que se refere à renda familiar, vericou-se que variou de um salário
mínimo (R$ 880,00) a três salários mínimos (R$ 2.640,00).
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 27 324
3.2 Ansiedade Pré – Competitiva e Autoconança
Do ponto de vista psicológico, a ansiedade pré-competitiva trata-se de um estado
que se caracteriza pela antecipação da competição, e consequentemente pela antecipação
das situações de jogo (oportunidade, erros e acertos) e consequências, podendo alterar o
desempenho dos atletas (SAMULSKI, 1995 apud SILVA et al., 2014).
A autoconança, de acordo com Martens (1990 apud ALEXANDRE, 2010), “deverá
ser encarada como a inexistência de ansiedade cognitiva, sendo que a ansiedade cognitiva
será vista como a falta de autoconança.”
Tabela 1 – Nível da ansiedade cognitiva, ansiedade somática e autoconança.
Fonte: os autores.
Verica-se na Tabela 1 que 73% (8) dos atletas em relação à ansiedade cognitiva
se encontram classicados em nível baixo, indicando que se sentem seguros, sem a
presença de temores e medos relacionados à atuação, concentração e performance na
competição. Percebeu-se que somente 27% (3) dos atletas caram classicados em nível
médio, podendo, dessa maneira, vir a apresentar medo, insegurança e temor relacionados
à atuação, à concentração, à performance e aos objetivos a serem alcançados durante a
competição.
Moraes (1998 apud LAVOURA, BOTURA, MACHADO, 2006, p. 76) arma que a
ansiedade cognitiva relaciona-se com pensamentos duvidosos a respeito de atingir o
objetivo de uma vitória ou conquista, ou seja, expectativas e auto-avaliação negativas que
levam o indivíduo ao fracasso.”
Em relação à ansiedade somática 73% (8) dos atletas encontram-se classicados
em nível baixo, indicando que não apresentam tensão, mãos úmidas, agitação, sensação
de no estômago, aceleração do batimento cardíaco, rigidez corporal e nervosismo.
Por outro lado, 27% (3) dos atletas caram classicados em nível médio, podendo, dessa
maneira, apresentar os sintomas descritos no decorrer da competição.
A ansiedade somática, de acordo com Moraes (1998 apud LAVOURA, BOTURA,
MACHADO, 2006), refere-se à autopercepção dos elementos siológicos provenientes da
ansiedade como: aumento da pressão arterial e de batimentos cardíacos, tensão muscular,
perda do controle motor, tremedeira, suor na mão, palidez facial, entre outros, ou seja, a
ansiedade somática se expressa sicamente.
Gonçalves e Belo (2007) armam que os estudos têm demonstrado que os atletas
que apresentam menores índices de ansiedade são aqueles que praticam esportes
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 27 325
coletivos, uma vez que a presença dos companheiros de equipe diminui a responsabilidade
individual diante dos resultados das competições.
Os dados encontrados por Gonçalves e Belo (2007) foram descritos por Zeng
(2003 apud ALEXANDRE, 2010), em que, segundo o autor, os atletas de esportes coletivos
têm menores níveis de ansiedade somática quando comparados com atletas de esportes
individuais.
Alexandre (2010) ressalta que existe uma relação entre baixa ansiedade cognitiva
e autoconança, uma vez que, de acordo com Martens (1990 apud ALEXANDRE, 2010),
“a ansiedade cognitiva é vista como a ausência de autoconança ou vice-versa, ou seja,
a autoconança se caracteriza por baixa ansiedade cognitiva.” Isso foi possível observar
neste estudo, uma vez que a ansiedade cognitiva cou classicada no nível baixo e a
autoconança no nível alto.
no que se refere à autoconança, vericou-se que 54% (6) dos atletas foram
classicados no nível médio e 36% (4) no nível alto indicando que eles se sentem seguros,
relaxados e conantes em suas performances, bem como acreditam que vão superar os
desaos e dessa maneira alcançar os objetivos durante a competição. Percebeu-se que
somente 10% (1) dos atletas cou classicado em nível baixo, indicando a falta de conança
em alcançar os objetivos, bem como a presença de dúvidas relacionadas à performance e
aos desaos presentes durante a competição.
Han (1996) e Chapman et al. (1997) apud Januário et al. (2009) observaram em seus
estudos que baixos níveis de ansiedade-estado somática e cognitiva estão associados
a altos níveis de autoconança, ou seja, quanto menores forem os níveis de ansiedade
e maiores os níveis de autoconança dos atletas, melhores serão os seus resultados
esportivos.
A literatura tem vericado que atletas autoconantes tendem a se sentirem à vontade
diante de situações competitivas, concentrar-se melhor nos seus pontos fortes, bem como
nas tarefas que os levam a alcançar melhores performances (BANDURA, 1977; VEALEY,
1986, 2003; MARTIN, 2001; KARA-GEORGHIS; TERRY, 2011; WEINBERG; GOULD, 2011
apud FRISCHKNECHT, 2014).
Porém, Weinberg e Gould (2011 apud FRISCHKNECHT, 2014) alertam que os atletas
devem apresentar um nível equilibrado de autoconança, pois problemas de desempenho
podem surgir se a auto- conança estiver muito acima ou muito abaixo.
4 | CONCLUSÃO
O presente estudo vericou que a idade dos atletas variou de 12 a 14 anos, que
todos são do gênero masculino, visto que 63% (7) dos atletas têm 14 anos, 27% (3) têm 12
anos e 10% (1) tem 13 anos; em relação à idade em que iniciaram o treinamento, vericou-
se que variou de 9 a 14 anos, visto que 45% (5) iniciaram com 11 anos, 27% (3) com 13
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 27 326
anos, 18% (2) com 9 anos e 10% (1) com 14 anos. Destaca-se que eles treinam de duas a
quatro vezes por semana.
Em relação ao tempo em que os atletas já praticam o esporte coletivo, vericou-se
que 45% (5) estão há três anos, 27% (3) estão há um ano, 18% (2) estão há dois anos e 10%
(1) está há nove meses. Destaca-se que 10 dos 11 atletas já participam de competições há
mais de um ano, visto que apenas um estreou em sua primeira competição.
No que se refere à composição familiar todos os atletas têm pai, mãe e irmãos,
45% (5) residem com seus pais e irmãos, 45% (5) residem somente com a mãe e 10% (1)
residem somente com o pai. No que se refere à renda familiar, vericou-se que variou de
um salário mínimo (R$ 880,00) a três salários mínimos (R$ 2.640,00).
De maneira geral, no que se refere à ansiedade cognitiva e somática, vericou-se
que 73% (8) dos atletas se encontram classicados em nível baixo e 27% (3) classicados
em nível médio, indicando que eles se sentem seguros, sem a presença de temores e
medos relacionados à atuação, concentração e performance na competição, bem como
não apresentam tensão, mãos úmidas, agitação, sensação de nó no estômago, aceleração
dos batimentos cardíacos, rigidez corporal e nervosismo.
Já no que se refere à autoconança, identicou-se que 54% (6) dos atletas foram
classicados no nível médio e 36% (4) no nível alto, indicando que eles se sentem seguros,
relaxados e conantes em suas performances, bem como acreditam que vão superar
os desaos e, dessa maneira, alcançar os objetivos durante a competição. Percebeu-se
que somente 10% (1) dos atletas cou classicado em nível baixo, indicando a falta de
conança em alcançar os objetivos, bem como a presença de dúvidas relacionadas à
performance e aos desaos presentes durante a competição. Destaca-se que esse atleta
em questão estava participando de sua primeira competição, dessa maneira, talvez a falta
de experiência e vivência em competições possa ter interferido em seus resultados.
Os dados encontrados nesta pesquisa foram os esperados de acordo com a
literatura no que se refere a esportes competitivos coletivos, uma vez que a ansiedade
pré-competitiva, de maneira geral, cou classicada em nível baixo, e a autoconança, em
nível médio alto.
Outro dado encontrado conrmado pela literatura foi a relação entre ansiedade
cognitiva baixa e autoconança alta, uma vez que a ansiedade cognitiva é vista como a
ausência de autoconança ou vice-versa, ou seja, a autoconança se caracteriza por baixa
ansiedade cognitiva.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
Capítulo 27 327
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A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
329
Índice Remissivo
SOBRE O ORGANIZADOR
EZEQUIEL MARTINS FERREIRA - Possui graduação em Psicologia pela Pontifícia
Universidade Católica de Goiás (2011), graduação em Pedagogia pela Faculdade de Ciências
de Wenceslau Braz (2016) e graduação em Artes Cênicas pela Universidade Federal de
Goiás (2019). Especializou-se em Docência do Ensino Superior pela Faculdade Brasileira de
Educação e Cultura (2012), História e narrativas Audiovisuais pela Universidade Federal de
Goiás (2016), Psicopedagogia e Educação Especial, Arteterapia, Psicanálise pela Faculdade
de Tecnologia e Ciências de Alto Paranaíba (2020). Possui mestrado em Educação pela
Universidade Federal de Goiás (2015). É doutorando em Performances Culturais pela
Universidade Federal de Goiás. Atualmente é professor na FacUnicamps, pesquisador da
Universidade Federal de Goiás e psicólogo clínico - ênfase na Clínica Psicanalítica. Pesquisa
nas áreas de psicologia, educação e teatro e nas interfaces fronteiriças entre essas áreas.
Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicanálise, atuando principalmente
nos seguintes temas: inconsciente, arte, teatro, arteterapia e desenvolvimento humano.
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
330
Índice Remissivo
ÍNDICE REMISSIVO
A
Adolescência 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 24, 32, 109, 110, 111, 113, 114, 138,
152, 165, 167, 168, 172, 173, 214, 234
Adulto Mayor 11, 99, 100, 106
Ansiedade 14, 5, 22, 23, 24, 25, 26, 28, 30, 31, 32, 34, 35, 37, 43, 44, 45, 56, 60, 62, 86,
132, 164, 169, 173, 290, 291, 292, 293, 294, 295, 319, 320, 321, 322, 323, 324, 325, 326,
327, 328
Aspectos Psicossociais 14, 288, 289, 290, 291, 295, 296
Autoconança 14, 142, 319, 320, 322, 323, 324, 325, 326, 327, 328
Avaliação Psicológica 157, 158, 160
C
Câncer infantil 14, 288, 289, 290, 291, 292, 293, 296, 297, 298
Conceção 13, 186, 217, 218, 219, 220, 222, 223, 225, 228, 229, 230, 231, 232, 233, 234,
236, 237, 245, 246, 259
Conceitos Temporais 188, 189, 190, 191, 192, 193, 194, 196, 197, 198, 200, 204
Contos de Fadas 10, 1, 2, 3, 4, 7, 8, 11
Controle Aversivo 11, 75, 76, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 85, 87, 88, 89, 90
Crenças em Saúde 164
Crenças infantis 13, 217, 220, 223, 229, 234
D
Depresión 11, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 106
Depressão 13, 22, 23, 24, 25, 26, 28, 29, 30, 31, 32, 34, 35, 37, 53, 56, 60, 62, 81, 82, 83,
100, 109, 112, 113, 132, 151, 152, 161, 164, 169, 172, 175, 178, 179, 180, 185, 186, 279,
290, 294, 309
Desenvolvimento e Adaptação cultural 242
Diabetes Mellitus 164, 165, 175
E
Educação Prossional 115
Educar para a Saúde 136, 137
Ensino-Aprendizagem 159, 267, 270, 272, 273
Envelhecimento 129, 130, 131, 132, 133, 135, 148, 149, 150, 151, 152, 154, 155, 156, 207,
208, 209, 210, 215, 216
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
331
Índice Remissivo
Equipe Multiprossional 12, 28, 48, 115, 133
Existencialismo 64
F
Fenomenologia 64, 66, 67, 68, 73, 74
Follow-Up 178, 179, 180, 182, 183, 185, 186
G
Gestante 23, 24, 25, 28, 29
Graduação em Psicologia 267, 327
I
Idoso 126, 129, 131, 132, 133, 134, 135, 148, 149, 151, 152, 155, 156, 210
Infertilidade 10, 35, 36, 37, 38, 39, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 50, 307
Internet 10, 35, 36, 37, 38, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 56, 59, 60, 62, 114, 138
Investigação empírica 13, 242, 262, 263, 264
J
Jogos Terapêuticos 1, 7, 9
Jovens Voluntários 12, 136, 137, 139, 145, 147
L
Linguagem 2, 4, 12, 18, 27, 49, 55, 65, 91, 92, 93, 95, 98, 159, 189, 190, 191, 193, 203,
205, 227, 249, 307
Livros Didáticos 188, 199, 201, 202, 203, 204
M
Mecanismos de Compensação 13, 207, 214
Mídias Sociais 51, 54, 57, 58, 59, 60
Monitoria 14, 267, 268, 269, 270, 271, 272, 273, 274
N
Nascimento 10, 13, 14, 22, 24, 33, 150, 208, 217, 218, 219, 221, 223, 225, 226, 227, 228,
229, 230, 231, 232, 233, 235, 236, 237, 239, 271, 288
O
Ocina Terapêutica 10, 12, 13, 16, 17, 18
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
332
Índice Remissivo
P
Percepção da Doença 13, 164, 175
Prevenção do VIH e Sida 136
Processos evolutivos 217, 229, 239
Psicanálise 1, 3, 9, 12, 14, 19, 20, 26, 58, 65, 66, 69, 269, 300, 301, 309, 310, 329
Psicodiagnóstico 12, 157, 159, 160, 161, 162
Psicologia Clínica 20, 64, 66
Psicologia da Saúde 9, 164, 165, 175
Psicoterapia Analítico-Funcional 75
Psicoterapia Infantil 1
Q
Qualidade de Vida 12, 38, 123, 124, 126, 128, 129, 130, 131, 134, 135, 137, 148, 152, 153,
155, 168, 169, 172, 173, 174, 175, 210, 265, 275, 285, 316
R
Recaída 178, 179, 180, 181, 182, 183
Redes Sociais 10, 35, 36, 38, 39, 40, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 55, 56, 57, 58, 60, 61, 62,
63
S
Saúde Mental 12, 1, 21, 23, 24, 25, 30, 31, 33, 56, 109, 110, 111, 113, 115, 116, 117, 118,
119, 120, 121, 122, 123, 124, 125, 275, 277, 278, 286, 287
Segurança do paciente 12, 115, 119, 124
Síndrome de Burnout 14, 275, 278
Sonhos 11, 3, 42, 44, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 284
Suicídio 11, 18, 20, 56, 109, 110, 111, 112, 113, 114, 180, 279
Sujeito 11, 14, 15, 16, 17, 18, 26, 37, 56, 58, 59, 71, 78, 91, 95, 96, 97, 111, 134, 158, 160,
161, 162, 181, 210, 215, 227, 271, 304, 312, 314, 315, 317, 322
T
Trabalho 4, 12, 13, 17, 18, 19, 23, 25, 31, 37, 51, 53, 59, 60, 65, 71, 72, 73, 78, 81, 84, 88,
89, 95, 111, 116, 118, 120, 121, 122, 124, 133, 134, 135, 139, 142, 143, 145, 150, 151, 152,
153, 158, 161, 178, 188, 193, 201, 202, 203, 204, 211, 212, 213, 242, 243, 244, 246, 258,
261, 263, 264, 267, 275, 276, 277, 278, 279, 280, 281, 282, 283, 284, 285, 286, 287, 289,
292, 295, 299, 302, 307, 309, 311, 312, 313, 316, 317, 327
Transtorno de aprendizagem 12, 157, 158, 160, 161, 162
A pesquisa em psicologia: Contribuições para o debate metodológico 2
333
Índice Remissivo
V
Vulnerabilidade 12, 24, 53, 126, 127, 128, 129, 148, 152, 153, 284, 303
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Article
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Background: Depression is currently considered the epidemic of the century. In recent decades, research has established that psychotherapy is globally effective for the treatment of depression; however, it remains open which psychotherapeutic treatment is most effective and, particularly, if its efficacy is maintained over the long term. Given the difficulty in performing randomized and controlled clinical trials (RCTs) that simultaneously compare several psychotherapeutic models, meta-analyses aim to provide answers by synthesizing the evidence generated through direct comparisons of treatments.Goals: This protocol describes the meta-analysis study we will perform in order to assess the efficacy and acceptability of long-term results of psychotherapy (i.e., 18-month follow-up or higher) in the treatment of major depression in adults.Methods: Through the use of a recent methodological approach - the network meta-analysis - we will integrate the direct and indirect analysis of evidence from randomized and controlled clinical trials in this domain. We will systematically search seven databases for RCTs of psychotherapy, published since 1994, with evaluation of the efficacy in terms of long-term results for the treatment of depression. All studies with adult participants (18 to 65 years of age) diagnosed with major depression (according to DSM-IV, IV-TR, V or ICD-9, 10) will be eligible and all studies that compare psychotherapy (individual and face-to-face treatment) with a control condition (waiting-list, placebo) will be considered. Data extraction, quality assessment and risk of bias will be carried out independently by three researchers. The primary outcome measure will be the long-term efficacy of treatments (follow-ups of 18 months or above) measured by changes in the overall clinical response and symptoms of depression since post-treatment and follow-ups. The secondary measure will be the acceptability of treatment as measured by the proportion of participants who drop out of follow-up or start another treatment (not psychotherapy). A direct comparison (pairwise meta-analysis) of all studies comparing different psychotherapies will be performed. We will compare relative efficacy and acceptability by indirect comparison, through a bayesian network meta-analysis of random effects to compare different psychological interventions. Further analyses will be conducted if inconsistency and heterogeneity values are found. Discussion: The purpose of this review is to systematize and integrate evidence of long-term maintenance of the results of different psychotherapeutic treatments for major depression, administered individually and face-to-face in RCTs. For this reason, multiple direct and indirect comparisons of treatments (bayesian network) will be made, and the interrelationships between treatments will be estimated in terms of long-term efficacy and acceptability. Even though our scope will be focused on RCTs, we hope that the results obtained can contribute to summarize the present evidence available in terms of long-term results of psychotherapy (i.e., its effectiveness), optimizing the planning of future studies, providing public health guidelines and more informed clinical decisions on the treatment of depression.
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Objective: To analyze the experience of the child with diabetes type 1 in the care related to the techniques of glycemic monitoring and insulin application by use of instructional therapeutic toy, in accordance with the culture care. Method: Qualitative study with premise of the ethnonursing carried out in secondary public service of reference in the treatment of diabetes, in the city Fortaleza, Ceará State, between January and November of 2014, among 26 school-age children. Based on the Observation, Participation, Reflection Enabler, were developed educational activities using instructional therapeutic toy. Results: The children expressed doubts regarding the insulin therapy and the glycaemia checking. They also were interested in the orientations mediated by means of the therapeutic toy in the culture care. They asked about the rotation, location and administration of the insulin. Some children asked for the syringes to play and learn how to inject it in the dolls. Conclusion: To bring in this activity promoted approximation and effective communication with the child in the educational approach, increasing its ability in the self care.
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Apesar dos recentes avanços técnicos na assistência ao paciente pediátrico, a literatura ainda indica a importância de melhorias na interação comunicativa envolvendo médicos, cuidadores e crianças. Neste estudo, são apresentados aspectos relevantes relativos à comunicação no atendimento pediátrico, em especial as características e os desafios deste processo de interação no contexto onco-hematológico, por se tratar de um tratamento potencialmente estressante e de longa duração. De modo especial, a satisfação com a qualidade da comunicação tem sido apontada como elemento essencial no cuidado pediátrico. Destaca-se ainda a necessidade de maior inclusão da criança na comunicação durante os atendimentos, bem como outros aspectos importantes, referidos pelos cuidadores, que possam proporcionar uma melhor qualidade da interação. Ao fim deste estudo, são apresentadas sugestões para pesquisas e intervenções psicossociais referentes à comunicação entre médico, cuidador e paciente pediátrico, que possam promover a diminuição de custos comportamentais geralmente associados ao tratamento do câncer na infância.
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A new model of the development of temporal concepts is described that assumes that there are substantial changes in how children think about time in the early years. It is argued that there is a shift from understanding time in an event-dependent way to an event-independent understanding of time. Early in development, very young children are unable to think about locations in time independently of the events that occur at those locations. It is only with development that children begin to have a proper grasp of the distinction between past, present, and future, and represent time as linear and unidirectional. The model assumes that although children aged two to three years may categorize events differently depending on whether they lie in the past or the future, they may not be able to understand that whether an event is in the future or in the past is something that changes as time passes and varies with temporal perspective. Around four to five years, children understand how causality operates in time, and can grasp the systematic relations that obtain between different locations in time, which provides the basis for acquiring the conventional clock and calendar system.
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O presente artigo, faz parte do projeto de pesquisa em andamento no programa de mestrado em Educação da Universidade Estadual de Londrina, alocadanalinha:Perspectivas Filosóficas, Históricas e Políticas da Educação e no núcleo:História da Educação e Ensino de História, sob a orientação da professora doutora Marlene Rosa Cainelli. Asleituras e reflexões para essa investigação articulam-se ao campo da Educação Histórica. Nossa pesquisa, aindaque inicial, tem como foco como professores de história do Município de Brasilândia no Mato Grosso do Sul concebem, organizam e utilizam-se dos conceitos de tempo e temporalidade no exercício de sua docência.Para construir essa reflexão embasaremos nossas ações em uma abordagem qualitativa com triangulação de dados, em que pretendemos por meio de entrevistas com os professores traçar um perfil destes profissionais no que tange sua formação profissional e conceitual, para entãobuscarmos entender como ocorre a construção dos conceitos que esses usam em suas atividades docentes. Outro momento consistirá em analisar planejamentos e observar a aplicação destes em aulasde história. Por fim através da leitura das atividades (presentes nos planejamentos) e das avaliações desenvolvidas por esses professores, em sala de aula, identificaremos os múltiplos conhecimentos sobre tempo e temporalidade. Entender qual a formação teórica, como esses professores fazem suas escolhas metodológicas e como a partir dos conceitos de temporalidade elaboram seu currículo informal (aquele elaborado no cotidiano da ação docente no processo ensino/aprendizagem), pode auxiliar a entender como se desenvolve este processo de ensino aprendizagem.
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Aims The aim of this study was to reanalyse the data from Cuijpers et al. 's (2018) meta-analysis, to examine Eysenck's claim that psychotherapy is not effective. Cuijpers et al ., after correcting for bias, concluded that the effect of psychotherapy for depression was small (standardised mean difference, SMD, between 0.20 and 0.30), providing evidence that psychotherapy is not as effective as generally accepted. Methods The data for this study were the effect sizes included in Cuijpers et al. (2018). We removed outliers from the data set of effects, corrected for publication bias and segregated psychotherapy from other interventions. In our study, we considered wait-list (WL) controls as the most appropriate estimate of the natural history of depression without intervention. Results The SMD for all interventions and for psychotherapy compared to WL controls was approximately 0.70, a value consistent with past estimates of the effectiveness of psychotherapy. Psychotherapy was also more effective than care-as-usual (SMD = 0.31) and other control groups (SMD = 0.43). Conclusions The re-analysis reveals that psychotherapy for adult patients diagnosed with depression is effective.
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The now-classic Metaphors We Live By changed our understanding of metaphor and its role in language and the mind. Metaphor, the authors explain, is a fundamental mechanism of mind, one that allows us to use what we know about our physical and social experience to provide understanding of countless other subjects. Because such metaphors structure our most basic understandings of our experience, they are "metaphors we live by"--metaphors that can shape our perceptions and actions without our ever noticing them. In this updated edition of Lakoff and Johnson's influential book, the authors supply an afterword surveying how their theory of metaphor has developed within the cognitive sciences to become central to the contemporary understanding of how we think and how we express our thoughts in language.