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A insercao da arte no curriculo escolar

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Abstract

Busco identificar quais os fatores internos e externos que levaram à inserção da arte como disciplina curricular na escola, particularmente em Pernambuco, no período de 1950 a 1980. Para identificar esses fatores, percorri alguns caminhos que contribuíram para atingir essa meta. Revelou-se importante compreender o contexto sócio-político�econômico do período, particularmente em Pernambuco, como também compreender o papel que a Divisão de Extensão Cultural e Artística (DECA), o Movimento Escolinhas de Arte (MEA), a Escola de Belas Artes, o Movimento de Cultura Popular (MCP) e o Movimento Armorial exerceram no processo de inserção da arte no currículo escolar, pois todas essas instâncias se desenvolveram no Estado de Pernambuco seja antes ou depois do golpe civil-militar de 1964. Analisamos os discursos realizados no período para a inserção da arte no currículo; verificamos quais e quem eram os atores, pessoas envolvidas nas discussões realizadas nesse processo; verificamos quais conteúdos e que práticas eram previstas para atividade artística na escola, que professores passaram a dar aulas de educação artística, que espaço ela teve no currículo. Por fim, compreender qual era a concepção de arte que estava implícita na proposta da educação artística também foi fundamental.
A INSERÇÃO DA ARTE NO CURRÍCULO ESCOLAR
Maria Betânia e Silva
978-85-415-0755-4
A INSERÇÃO DA ARTE
NO CURRÍCULO ESCOLAR
Maria Betânia e Silva
A INSERÇÃO DA ARTE
NO CURRÍCULO ESCOLAR
2016
Catalogação na fonte:
Bibliotecária Joselly de Barros Gnçalves, CRB4-1748
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Catalogação na fonte:
Bibliotecária Joselly de Barros Gonçalves, CRB4-1748
S586i Silva, Maria Betânia e.
A inserção da arte no currículo
escolar [recurso eletrônico] /
Maria Betânia e Silva. – Recife : Editora UFPE, 2016.
Inclui referências.
ISBN 978-85-415-0755-4 (online)
1. Arte – Estudo e ensino. 2. Arte na educação. 3. Currículos –
Brasil – História. 4. Educação – Pernambuco. I. Titulo.
707 CDD (23.ed.) UFPE (BC2015-142)
A coisa mais bela que podemos experimentar é o mistério.
Essa é a fonte de toda a arte e ciências verdadeiras.
Albert Einstein
PREFÁCIO
Nas últimas décadas, temos observado um movimento de renovação
no campo da História da Educação e, particularmente, na história dos
currículos e das disciplinas escolares, com a incorporação de novos
objetos, fontes e abordagens. Desde, pelo menos, o nal dos anos 1980,
pesquisadores da área têm buscado compreender os mecanismos que fazem
com que, em determinados tempos e espaços, um determinado conjunto
de saberes, habilidades e até mesmo crenças, converta-se em disciplina
escolar, tornando o seu ensino obrigatório (ou pelo menos presente) nas
instituições escolares. O que torna um saber escolarizável? Que jogo de
forças, em ação em certos contextos sociais, econômicos, políticos, culturais
e intelectuais, pode ser identicado nesse processo? Que fatores contribuem
para a inserção de uma determinada disciplina no currículo escolar?
Que processos de transformação sofrem saberes que são produzidos em
instâncias não escolares quando são escolarizados? A escola, por sua vez,
também produz saberes, de forma relativamente autônoma, que somente
fazem sentido no interior dela própria? Essas são algumas das perguntas
que têm mobilizado pesquisadores de diversos países, como Inglaterra,
Estados Unidos e França, e também do Brasil.
Em geral, os trabalhos que vêm sendo realizados enfocam áreas do
conhecimento vinculadas a disciplinas que são, na hierarquia dos saberes
escolares, mais legitimadas, como, por exemplo, linguagem, matemática e
ciências físicas e naturais. Esse lugar legitimado é expresso, por exemplo,
na carga horária dedicada a cada uma dessas disciplinas, aos processos de
avaliação aos quais os alunos são submetidos, à prossionalização dos seus
docentes, à sua “antiguidade” nos currículos. Os discursos que justicam
a sua inclusão/permanência/ampliação nas grades curriculares geralmente
as associam a aspectos pragmáticos – são, supostamente, saberes “úteis” à
vida em sociedade ou às avaliações sistêmicas – e a dimensões racionais
e intelectuais da natureza humana – são, acredita-se, conhecimentos que
promovem o desenvolvimento cognitivo dos estudantes.
Em menor proporção, temos trabalhos que se dedicam a áreas que,
embora sejam ensinadas na escola, não gozam do mesmo prestígio e são
relegadas a um lugar secundário na hierarquia dos saberes. Remetidas ao
emocional”, ao “estético”, “às sensibilidades”, “às ideologias” e aos “valores”,
essas disciplinas, no cotidiano das escolas, contam muitas vezes com
professores improvisados, alunos e alunas pouco interessados, gestores que
as identicam como “ornamentais” e “supéruas”. É o caso, entre outras –
como Educação Física, Filosoa, Sociologia –, da Arte.
Diante desse contexto, é com prazer que vemos o trabalho de Maria Betânia
e Silva, professora do Centro de Artes e Comunicação da Universidade
Federal de Pernambuco, originalmente elaborado como dissertação de
mestrado1, ser disponibilizado para um maior número de leitores. Ao
investigar os fatores internos e externos2 que levaram à inserção da arte
no currículo escolar em Pernambuco entre os anos 1950 e 1980, a autora
traz contribuições signicativas tanto para o debate teórico existente na
área quanto para a reexão sobre o ensino de arte na contemporaneidade.
O trabalho baseou-se em rica – e árdua – pesquisa de fontes, garimpadas
em acervos públicos e privados. Entre essas fontes, incluem-se documentos
ociais, como legislação, pareceres, relatórios, propostas e diretrizes
curriculares, boletins da Secretaria de Educação, e também jornais e revistas.
A pesquisa mostrou que cinco instâncias parecem ter cumprido um papel
fundamental na inserção da arte no currículo escolar no caso pernambucano:
a Divisão de Extensão Cultural e Artística (DECA), vinculada ao governo
estadual; o Movimento de Escolinhas de Arte (MEA); a Escola de Belas
Artes de Pernambuco; o Movimento de Cultura Popular (MCP) e o
1 Defendida em 2004, sob minha orientação, no Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Federal de Pernambuco.
2 Segundo Lucíola Santos (1990), como explicita Betânia em seu trabalho, os fatores
internos dizem respeito às condições de trabalho existentes na área, à organização dos
prossionais e à sua valorização. São exemplos de fatores desse po a emergência de
grupos de liderança intelectual, o surgimento de centros acadêmicos de presgio na
formação de prossionais, a organização e evolução das associações de prossionais e a
políca editorial na área. Os fatores externos, por sua vez, estão relacionados à políca
educacional e ao contexto políco, social e econômico de cada época, que também
inuenciam no processo de inserção de uma disciplina no currículo escolar.
Movimento Armorial. Por meio da produção de discursos, da elaboração
de conteúdos, da proposição de práticas e da ação de certos atores, essas
diferentes instâncias contribuíram para que a arte se tornasse disciplina
escolar no estado antes mesmo de tornar-se disciplina obrigatória por força
da Lei 5692, de 1971, em todas as escolas brasileiras.
Por m, gostaria de destacar que o trabalho de Betânia não deve ser
caracterizado simplesmente como uma história regional, já que suas
contribuições extrapolam o caso empírico e, consequentemente, um
suposto público leitor interessado em conhecer a história da educação em
Pernambuco. Interessa, desse modo, também àqueles que se dedicam à
história do currículo e das disciplinas, à história da educação e ao ensino
da Arte.
Em tempos de mercantilização da educação, de avaliações sistêmicas
nacionais e internacionais, de rankings, de demandas em torno da presença
de outros saberes no currículo3, e de pressões cada vez maiores – e, por que
não dizer, violentas – sobre nossos alunos e alunas da escola básica, o livro
de Betânia pode nos fazer reetir sobre o papel da arte (e da necessidade
de torná-la objeto de reexão e de ação rigorosas) na formação dos seres
humanos.
Boa leitura!
Ana Maria de Oliveira Galvão
Professora Associada
Faculdade de Educação
Universidade Federal de Minas Gerais
3 Como exemplos recentes de legislações que estabelecem a obrigatoriedade da presença
de “novos saberes” nos currículos escolares, podemos citar as leis 10.639, de 2003, e
11.645, de 2008, que instuem o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e indígena nas
escolas; a lei 11.769, de 2008, que determina a presença do ensino de Música nas escolas
de educação básica; e a lei 13.006, de 2014, que instui a obrigatoriedade da exibição de
lmes nacionais nas escolas, como componente curricular complementar.
INTRODUÇÃO
O interesse em aprofundar os estudos sobre a inserção da arte como
disciplina curricular na escola1, que ocorreu ocialmente em 1971, está
relacionado a alguns fatores. Inicialmente à minha prática docente e
também à insuciência de estudos sobre o tema.
Como professora de arte, em escolas públicas e privadas há oito anos,
levantei uma série de questionamentos buscando compreender o porq
da existência de alguns preconceitos estabelecidos com relação à arte
como disciplina curricular. O fato de a arte ser posta sempre numa posição
secundária em relação às outras disciplinas, o estigma criado entre alunos
e professores de que arte não reprova, portanto, não é necessário ser levada
a sério como as outras disciplinas e também a frequente presença de
prossionais de outras áreas, que lecionam a disciplina como complemento
de carga horária, levou-me a uma inquietação constante e as questões
passaram a se intensicar. Dessa forma percebi que para compreender
o porquê dessas lacunas, a meu ver, se fazia necessário um estudo mais
aprofundado e consistente sobre o tema. Parti, então, para a presente
pesquisa no intuito de aprofundar a própria história da arte como disciplina
curricular e contribuir com as discussões acerca da área na história da
educação no Brasil, especicamente, em Pernambuco.
Por que a arte é relegada a um segundo plano como disciplina entre docentes
e entre outros prossionais da instituição escolar? Por que se considera
a arte apenas como complemento secundário e talvez desnecessário
no currículo? Por que o ensino de arte serve apenas para decoração do
1 Esse livro está baseado em nossa pesquisa, de Mestrado em Educação, defendida na
Universidade Federal de Pernambuco no ano de 2004. Foi orientada pela Profª. Drª. Ana
Maria de Oliveira Galvão e intulada A inserção da arte no currículo escolar (Pernambuco,
1950-1980). Atualizamos alguns conceitos e termos e optamos por excluir partes da
dissertação que se direcionam ao formato acadêmico de um estudo cienco no intuito
de apresentar um texto com maior uidez para o leitor.
ambiente e comemoração de datas festivas? Por que ela é considerada como
uma atividade de lazer? Por que se pensa que a arte não precisa ser pensada
e por isso mesmo não tem o peso que as outras disciplinas têm? Por que o
entendimento de que não se usa a razão em arte?
Esses questionamentos dialogam diretamente com a necessidade de
compreender o porquê de qualquer prossional de qualquer área poder
lecionar a arte; por que a carga horária é tão reduzida em relação às outras
disciplinas; por que não existe uma estruturação do conteúdo programático
a ser trabalhado e desenvolvido para os diferentes anos escolares.
A arte, como componente curricular na escola pode contribuir na educação
e formação do indivíduo não só favorecendo a abertura de um leque cultural
mais amplo. Além disso, pode colaborar para a formação de cidadãos mais
observadores, mais reexivos, mais criativos e que compreendam o ser
humano como um sujeito racional, que pensa, deduz, analisa, sintetiza,
mas também sente, se emociona, se sensibiliza e necessita expressar-se de
diferentes formas e em diversos meios.
Através do estudo dos registros deixados por nossos antepassados a
humanidade mantém viva a sua própria história, suas ideias, seus costumes,
sua crença, sua arte. Acredito na importância da pesquisa histórica, pois sem
o conhecimento do passado não é possível compreender e intervir no presente.
Daí a opção por um estudo histórico do tema proposto que pode favorecer
dados importantes para identicar o momento de inserção ocial da arte no
currículo escolar e ajudar a compreender como se deu o seu desenvolvimento.
Estudos realizados, sobretudo no campo da história das disciplinas
escolares, têm mostrado a fertilidade desse tipo de investigação para a
compreensão das relações entre escola e saberes em épocas diferentes.
Busco identicar quais os fatores internos e externos que levaram à
inserção da arte como disciplina curricular na escola, particularmente em
Pernambuco, no período de 1950 a 1980. Para identicar esses fatores,
percorremos2 alguns caminhos que contribuíram para atingir essa meta.
2 Optamos por ulizar a terceira pessoa do plural por compreender que nosso processo
de reexão, construção do pensamento e do conhecimento está conectado a diferentes
sujeitos em nossas trajetórias, sejam os autores que lemos, sejam os sujeitos com os quais
Assim, revelou-se importante compreender o contexto sócio-político-
econômico do período, particularmente em Pernambuco, como também
compreender o papel que a Divisão de Extensão Cultural e Artística
(DECA), o Movimento Escolinhas de Arte (MEA), a Escola de Belas
Artes, o Movimento de Cultura Popular (MCP) e o Movimento Armorial
exerceram no processo de inserção da arte no currículo escolar, pois todas
essas instâncias se desenvolveram no Estado de Pernambuco seja antes ou
depois do golpe civil-militar de 1964.
Analisamos os discursos realizados no período para a inserção da arte no
currículo; vericamos quais e quem eram os atores, pessoas envolvidas nas
discussões realizadas nesse processo; vericamos quais conteúdos e que
práticas eram previstas para atividade artística na escola, que professores
passaram a dar aulas de educação artística, que espaço ela teve no currículo.
Por m, compreender qual era a concepção de arte que estava implícita na
proposta da educação artística também foi fundamental.
A História das Disciplinas Escolares e a Nova História Cultural
Tradicionalmente, o estudo histórico dos conteúdos do ensino básico
raramente suscitou interesse dos pesquisadores e do público. Porém,
atualmente, há uma tendência entre os docentes em favor de uma história
de sua própria disciplina.
Compreender como alguns pesquisadores realizaram seus estudos
nesse campo e como eles desenvolveram essas pesquisas foi importante,
pois propiciou o encontro de pistas e a descoberta de caminhos para
aprofundar os conhecimentos relacionados ao objeto desta pesquisa.
Dessa forma, por exemplo, na França, já há alguns anos pesquisas têm
sido desenvolvidas sobre essa temática. Estudiosos, como Hébrard
(1990), buscou compreender em que momento histórico os saberes que
já circulavam na sociedade tornaram-se propriamente escolares e como se
deu esse processo.
dialogamos connua ou esporadicamente e que contribuem, às vezes, mesmo sem saber,
para a ampliação de nosso entendimento e de nosso estar no mundo.
Esses estudos se inserem em uma linha de investigação denominada
História das Disciplinas Escolares que se situa entre dois campos mais
amplos. De um lado, a História da Educação que tradicionalmente
desenvolvia pesquisas sobre o pensamento pedagógico e as reformas
de ensino e, nas últimas décadas, atravessa um período de renovação
trazendo novos objetos de pesquisa, entre esses, a História das Disciplinas
Escolares e a História da Cultura Escolar. Por outro lado, a História
das Disciplinas Escolares também tem se desenvolvido no campo da
Sociologia do Currículo.
A principal preocupação de pesquisa na área da História das Disciplinas
Escolares é explicar as transformações ocorridas em uma disciplina ao
longo do tempo. Dessa forma, torna-se possível identicar os fatores mais
ligados às mudanças de conteúdo e métodos de ensino, o que possibilita a
articulação de propostas mais consistentes de alteração ou implementação
de mudanças curriculares.
O pesquisador Goodson (1990) denominou essa área de “História social dos
conteúdos escolares, armando que as mudanças nos conteúdos escolares
poderão ser melhor analisadas a partir de uma abordagem histórica. Segundo
ele, através dos estudos históricos podem-se encontrar as inuências
ocorridas para a denição dos conteúdos escolares. Ele chama a atenção que
as disciplinas ou conteúdos escolares são estruturados de acordo com os
interesses dominantes daqueles que têm o poder na sociedade.
Vários pesquisadores brasileiros, também, desenvolveram estudos na área
de História das Disciplinas Escolares. Esse campo de pesquisa tem crescido
consideravelmente no Brasil e esses estudos buscam compreender não só os
pressupostos da formação de uma disciplina escolar no currículo brasileiro
como também o processo histórico percorrido por elas até chegar na escola;
quem foram os atores e que papel exerceram nesse processo; que lugar essas
disciplinas ocuparam no currículo; que conteúdos foram elaborados em
seus programas e, enm, as concepções ociais e não ociais que se tinham
dessas disciplinas.
A presença de cada uma das disciplinas escolares no currículo, sua
obrigatoriedade ou sua condição de conteúdo opcional e, ainda, seu
reconhecimento legitimado por intermédio da escola, não se restringe a
problemas epistemológicos ou didáticos, mas articula-se ao papel político
que cada um desses saberes desempenha ou tende a desempenhar,
dependendo da conjuntura educacional. O Estado, deputados e partidos
políticos, associações docentes, professores e alunos são agentes que
integram a constituição das disciplinas escolares e, por intermédio de suas
ações, delimitam sua legitimidade e seu poder. Os conteúdos escolares
têm origem no saber cientíco que deve ser constantemente incorporado
pelos agentes educacionais e é o saber cientíco que legitima as disciplinas
escolares, assim arma Bittencourt (2003).
Mas, será que é isso mesmo? Será que a arte tinha um papel político na
época? Que papel pretendia-se para a mesma inserindo-a na escola? Será
que a arte que entrou na escola veio do conhecimento cientíco?
Há fatores que inuenciam a entrada e permanência de uma disciplina
no currículo escolar. Quais seriam esses fatores? Fatores internos e fatores
externos, armou Santos (1990) explicando que os fatores internos dizem
respeito às condições de trabalho existentes na área, à organização dos
prossionais e à sua valorização. Entre esses fatores internos encontram-se:
a emergência de grupos de liderança intelectual, o surgimento de centros
acadêmicos de prestígio na formação de prossionais, a organização e
evolução das associações de prossionais e a política editorial na área. Já
os externos estão relacionados à política educacional e ao contexto político,
social e econômico de cada época, que determinam a inserção de uma
disciplina no currículo escolar.
Se observarmos, Aristóteles (1987) já dizia que a política determina quais
as ciências que devem ser estudadas num Estado, quais são as que cada
cidadão deve aprender e até que ponto deve aprendê-las.
No entanto, por que utilizamos o termo “disciplina escolar”? O termo
disciplina” no seu uso escolar, conforme Chervel3 (1990), e a expressão
3 Pesquisador de História da Educação, na França, que desenvolveu um estudo buscando
as raízes da própria palavra “disciplina” buscando compreender também as condições nas
quais esse termo se impôs após a Primeira Guerra Mundial, colocando em plena luz a
importância desse conceito.
disciplina escolar” não designavam até o m do século XIX mais do que a
vigilância dos estabelecimentos, a repressão das condutas prejudiciais à sua
boa ordem. No sentido de “conteúdos do ensino, o termo esteve ausente
no século XIX. Ele armou que a aparição durante os primeiros decênios
do século XX, do termo disciplina, em seu novo sentido, pôs em evidência
as novas tendências do ensino básico4. Na realidade, essa nova acepção da
palavra foi trazida por uma larga corrente de pensamento pedagógico. Ela
fez par com o verbo disciplinar e se propagou primeiro como sinônimo de
ginástica intelectual.
Foi a década de 1850, na Europa, que marcou o começo da crise dos
estudos clássicos, paralelamente à confusão dos objetivos do ensino
primário durante a década de 1870 que levou a repensar em profundidade a
natureza de formação dada ao aluno. Desejava-se disciplinar a inteligência
das crianças.
Foi surpreendente, para o autor, ver a palavra aparecer tão tardiamente
no ensino secundário, o qual jamais escondeu sua vocação em formar
os espíritos pelo exercício intelectual. Uma disciplina é em qualquer
campo que se encontre, um modo de disciplinar o espírito, quer dizer,
de lhe dar os métodos e as regras para abordar os diferentes domínios do
pensamento, do conhecimento e da arte. Ele também dene os elementos
básicos constitutivos de uma disciplina escolar como sendo a exposição
pelo professor ou pelo manual de um conteúdo, os exercícios, as práticas de
motivação e de incitação ao estudo e as provas.
Para Julia (2002) uma disciplina se dene tanto por suas nalidades
quanto por seus conteúdos. Ele ressalta a importância de se evitar algumas
tentações no estudo das disciplinas escolares. Essas tentações que devem ser
evitadas referem-se a: estabelecer genealogias enganosas, querendo a todo
custo recuperar as “origens” de uma disciplina; pensar que uma disciplina
não é ensinada porque ela não aparece nos programas escolares; imaginar
um funcionamento das disciplinas escolares idêntico a antigamente, pois,
ao contrário, as mesmas têm sido submetidas a transformações constantes,
tanto em suas nalidades quanto em seus conteúdos e métodos.
4 Chamado na época de ensino primário e secundário.
A própria gênese dos conteúdos indica que eles estão em permanente
construção, pois a herança cultural é permanentemente transformada uma
vez que os conteúdos são produzidos socialmente, isto é, na relação entre as
classes sociais; por isso são históricos, vivos, dinâmicos (LIBÂNEO, 1986).
Vale lembrar que os conteúdos de ensino são, de um lado, impostos à escola
pela sociedade da qual faz parte e pela cultura que a produz e que auxilia a
produzir e, de outro, “(re)inventados” no interior do campo educacional e
da própria instituição escolar.
Assim, a Nova História acrescenta a seu campo de pesquisa a possibilidade
da utilização de pistas, sinais, signos que permitem captar uma realidade
mais profunda daquilo que se busca investigar. Um desses exemplos pode-
se direcionar a Giovanni Morelli5 que através da observação de detalhes,
em obras de arte, despercebidos por outras pessoas, como orelhas, mãos,
unhas, desenvolveu um importante estudo e colaborou consideravelmente
na identicação e catalogação de obras de arte favorecendo uma organização
mais estruturada em muitos museus de toda a Europa. Seus estudos
inuenciaram Freud, conforme Ginzburg (1989), e também a Semiótica
que se caracteriza pela capacidade de a partir de dados, aparentemente
negligenciáveis, remontar uma realidade complexa não experimentável
diretamente.
Partindo dessas reexões, a necessidade de estabelecer métodos para a
realização da pesquisa tornou-se imprescindível. Utilizamos documentos
ociais, leis, pareceres, resoluções, jornais e revistas da época, boletins e
depoimentos orais.
Outras possibilidades de expressão e interpretação do que se considerava
um documento foram ampliadas e Febvre (apud Le Go6, 1994, p. 540)
deixou claro dizendo:
5 Médico italiano do século XIX que observando obras de arte nos museus passou a
idencar nelas caracteríscas únicas e parculares, assim, colaborou para a idencação
e catalogação de obras de arte de diversos arstas da pintura, pois, em geral, os mesmos
não assinavam suas obras.
6 Um dos mais destacados historiadores recrutados para a história das mentalidades no
início dos anos 1960.
A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida.
Quando estes existem. Mas pode-se fazer, deve-se fazer sem
documentos escritos, quando não existem. Com tudo o que
a habilidade do historiador lhe permite utilizar para fabricar
o seu mel, na falta das ores habituais. Logo, com palavras.
Signos. Paisagens e telhas. Com as formas do campo e
das ervas daninhas. Com os eclipses da lua e a atrelagem
dos cavalos de tiro. Com os exames de pedra feitos pelos
geólogos e com as análises de metais feitas pelos químicos.
Numa palavra, com tudo o que pertencendo ao homem,
depende do homem, serve o homem, exprime o homem,
demonstra a presença, a atividade, os gostos e as maneiras
de ser do homem.
Le Go, em seu estudo História e Memória (1994), acentuou a importância
da análise crítica dos documentos pelo historiador entendendo que os
mesmos são produtos da sociedade que os fabrica e neles estão intrínsecas
as relações de força e poder dos que o produzem.
Brasil: primeiros sinais da arte na educação
No Brasil, a chegada dos portugueses colocou em confronto duas culturas
absolutamente diversas. A europeia privilegiava o dinheiro, as relações
mercantis e o cristianismo. A indígena valorizava a relação com a natureza,
o mito e a vida comunitária (TEIXEIRA, 2000). Ocorreu, a partir de então, o
processo de aniquilamento dos povos nativos. Seus costumes, suas crenças,
sua educação, sua cultura, sua arte foi suplantada para vir à tona o que se
considerava “civilização”.
Não existiu uma troca recíproca favorável ao mútuo enriquecimento
dos dois povos, mas uma transferência de valores, de padrões culturais
europeus transplantando-se recursos materiais e humanos de uma
sociedade para outra que não tinha condições de troca em pé de igualdade
(ROMANELLI, 1978).
Será, pois, que houve nos primeiros séculos de colonização nas terras
brasileiras, algum indício da presença da arte em forma educacional?
Os jesuítas começaram a utilizar conhecimentos de pintura, música,
danças, inclusive nativas, teatros e festas católicas para ajudar na catequese
dos povos indígenas, conforme Francisco Filho (2001). Essa apropriação
e transmissão da arte possuía o objetivo centrado na “domesticação”,
na “doutrinação” e na catequese com o intuito de atrair e conquistar o
maior número possível de éis, pois com a Reforma Protestante que se
alastrava por toda a Europa, se fazia necessário partir para novas terras e
difundir o Catolicismo. Isso propiciou a aculturação dos povos nativos e
no caso dos africanos, trazidos como escravos para as terras brasileiras, a
situação era ainda mais complexa, pois existia a dúvida se eles possuíam
alma ou não.
O transplante cultural europeu trazido para as terras brasileiras exerceu
um domínio acentuado, pois as manifestações artísticas tinham origem
nos assuntos ligados à igreja e era proibida a promoção de manifestações
artísticas não aceitas pelas autoridades portuguesas. O pesquisador
Francisco Filho (2001) armou que as manifestações artísticas dos
indígenas e dos africanos foram proibidas durante todo o período colonial
até a chegada da família real portuguesa.
Até o século XIX, inexistia qualquer espécie de programa de arte
(BARBOSA, 1990). Porém, uma exceção a essa regra foi o Seminário de
Olinda que em 1800, no seu programa de ensino, o desenho ultrapassava
os limites do desenho geométrico. O desenho não deveria ser visto como
uma simples arte recreativa, mas como meio de educar o senso estético das
multidões, um agente energético para a fecundação do trabalho. Havia um
grande preconceito contra o trabalho manual para o homem aristocrático
ao qual era dirigida a educação, pois esse tipo de atividade era reservada
aos escravos, preconceito que remonta a Grécia antiga. O valor social
conferido ao trabalho manual era especialmente depreciado na Península
Ibérica e a rejeição do trabalho manual parece ter sido comum tanto à
cultura portuguesa quanto à espanhola (CUNHA, 2000).
A partir das primeiras décadas do século XIX, com a vinda da família
real para as terras brasileiras, nasceram as primeiras escolas técnicas e
cientícas. Proporcionou-se, também, a iniciação de um ensino artístico
no Brasil com a presença da Missão Francesa7. Esse fato colaborou para
a laicização da arte, mas não para sua democratização (BARBOSA,1990),
pois se baseando no culto à beleza, na crença acerca do dom inato para
a atividade artística e em árduos exercícios de cópia, a arte era acessível
somente para alguns.
O artista, categoria institucionalizada na sociedade brasileira com a
vinda da Missão Francesa, não desfrutava a mesma importância social
atribuída ao escritor, ao poeta. O grau de valoração das diferentes
categorias prossionais dependia dos padrões estabelecidos pela elite
colonial que, reetindo a inuência da educação jesuítica, a qual moldou
o espírito nacional, colocava no ápice de sua escala de valores as atividades
de ordem literária, demonstrando acentuado preconceito contra as
atividades manuais com as quais as Artes Plásticas se identicavam
pela natureza de seus instrumentos. Este fora o modelo implantado
pelos jesuítas, a cargo dos quais estivera a educação brasileira desde os
princípios da colonização até 1759, quando foram expulsos do Brasil por
razões políticas, econômicas e culturais. Embora ausentes da atividade
educativa, eram os ecos de suas concepções que orientavam a cultura
brasileira quando aqui chegou D. João VI e oito anos depois a Missão
Francesa (BARBOSA, 1999b).
D. João VI transpôs para o Brasil o hábito das cortes europeias de incluir
as artes na educação dos príncipes. Porém, somente com a abolição da
escravatura, nal do século XIX, iniciou-se o processo de respeitabilidade
do trabalho manual. Isto coincidiu com a primeira etapa da “revolução
industrial” brasileira, que consistiu na substituição do trabalho físico pelo
trabalho mecânico (BARBOSA, 1999b).
A presença da família real portuguesa nas terras brasileiras trouxe novos
ares para a colônia e tornou-se necessário criar condições favoráveis para
sua permanência no Brasil. Assim, inúmeras medidas foram tomadas, e
entre essas, pode-se considerar como um marco importante para a arte no
7 Grupo de arstas franceses que veio às terras brasileiras a convite da família real e que
obteve a possibilidade de registrar cenas diárias da vida da população nava explorando o
universo de cores tropicais em suas pinturas registrando, também, a fauna e a ora da época.
Eram todos membros importantes da Academia de Belas Artes, do Instuto de França.
Brasil, a criação da Academia de Belas Artes8, que embora criada em 1820,
passou a ter cursos efetivamente estruturados só a partir de 1855 com a
reforma de seus estatutos (CUNHA, 2000).
Os membros da Missão Francesa possuíam formação neoclássica, mas no
Brasil a época estava marcada pelo barroco-rococó.
A Missão Francesa introduziu no Brasil um novo estatuto para a arte: ela
inaugurou as belas artes, trazendo impressa uma visão cronológica, retilínea
da cultura, encarada não como um processo de ruptura da constante
relação com o novo, mas como um acúmulo de conhecimentos baseados
num cânone, reduzindo a esfera da produção artística a um código único,
assimilado como verdadeiro (ZILIO, 1994).
Os artistas brasileiros, de origem popular, eram vistos pelas camadas
superiores como simples artesãos, trabalhavam com o barroco e
apresentaram uma contribuição renovadora aos modelos impostos pelos
colonizadores.
A história da arte brasileira, durante o século XIX, foi fortemente marcada
pela atuação da Academia Imperial de Belas Artes que determinou não só
a sistematização do ensino artístico, como também criou uma referência
estética e cultural através desse modelo, estabelecendo um tipo de olhar
que perdurou durante muito tempo (ZILIO, 1994).
Na Academia Imperial de Belas Artes havia cinco seções de estudos com suas
subdivisões: arquitetura, escultura, pintura, música, ciências acessórias9. Os
alunos eram divididos em dois grupos: os artistas que se dedicavam às belas
artes e os artíces que professavam as artes mecânicas. Tanto na Academia
de Belas Artes quanto no Liceu de Artes e Ofícios se ensinavam desenho,
escultura, gravura, estatuária. Porém, a Academia foi criada para ser uma
escola superior, enquanto o Liceu era a escola do povo. Felix Ferreira
(apud CUNHA, 2000, p.120), em 1881, expressou com bastante clareza
8 Escola Real de Ciências, Artes e Ocios; Academia Real de Desenho, Pintura, Escultura
e Arquitetura Civil; Academia de Artes; Academia Imperial de Belas Artes e depois da
Proclamação da República passou a chamar-se Escola Nacional de Belas Artes (BARBOSA,
1999b). Esses foram os nomes recebidos pela Academia em sua história.
9 Referem-se à matemáca, anatomia, história da arte, estéca e arqueologia.
essa diferença: (...) a Academia de Belas Artes é a escola da aristocracia do
talento; o Liceu de Artes e Ofícios é a útil ocina das inteligências modestas.
Para entrar na Academia, situada no Rio de Janeiro, era necessário saber
ler, escrever e contar. Porém, num país de escravos e analfabetos, isso
eliminava grande parte da população. Por outro lado, no Brasil a opção pela
Academia parece ter sido uma escolha das classes mais pobres, constituindo
mesmo uma possibilidade de ascensão social (PEREIRA, 2001). Raramente
no Brasil, os lhos das classes abastadas se interessavam pela Academia,
pressionados pelo bacharelismo, num país em que o trabalho manual sofria
todo tipo de descrédito social.
Bethencourt da Silva10, em 1856 (apud PEREIRA, 2001), em discurso
na Sociedade Propagadora de Belas Artes, mencionou claramente esse
preconceito:
No exercício de nossa vida social (...) há apenas quatro
carreiras a seguir: a das armas, a da magistratura, a da
medicina e a dos empregos públicos (...) a mocidade que
não conseguia entrar em uma dessas quatro classes pereceria
a inanição, que lhe preparava uma pobreza pouco digna, a
exercer um ofício ou uma arte (...) praticadas unicamente
pelos escravos.
A entrada na Academia se dava a partir da identicação do talento para
desenho. Uma vez realizada a matrícula na Academia, iniciava-se um
percurso de diculdades crescentes, que eram organizadas sob a forma
de concursos a que os alunos deveriam se apresentar e cuja avaliação era
concretizada pela concessão de medalhas e menções. O objetivo evidente era
denir o mais talentoso, aquele que ia obter maior número de medalhas e,
provavelmente, ganhar o prêmio de viagem ao estrangeiro. O ensino em Paris
foi o modelo adotado internacionalmente no século XIX (PEREIRA, 2001).
As primeiras décadas do século XIX foram caracterizadas pela renovação
de mentalidade e anseios de armação nacional, pois chegavam várias
inuências da metrópole, mas também de outras partes da Europa. Eram
10 Francisco Bethencourt da Silva foi professor de Arquitetura, de 1858 a 1888, na Academia
Imperial de Belas Artes, no Rio de Janeiro.
estudantes brasileiros que se formavam em Coimbra, Paris, Montpellier,
Edimburgo e lutavam pela veiculação de ideias que iriam proporcionar
movimentos de reivindicação de autonomia nacional.
A presença de matérias de caráter artístico nas escolas primárias e
secundárias foi criada nas escolas primárias públicas e em seus currículos
inseriu-se também a prática do desenho no ensino elementar.
No ano de 1837, na província de Pernambuco, foi decretada a lei que
dava as linhas gerais da instrução pública e determinava o que deveria ser
ensinado. Assim, armou Moacyr (1939, p.487):
As escolas de primeiras letras e de humanidades estabelecidas
na província cam subordinadas ao Liceu da capital, sob a
inspeção do presidente da província. Ensinar-se-ão no Liceu
as faculdades seguintes: gramatica latina, retorica, losoa,
arimetica e geometria, inglês, desenho, francês, geograa e
historia, foromia, sica, calculo e comercio.
Os alunos que se destacassem durante o ano eram premiados, favorecendo
o estímulo e a competição. Dessa forma, (...) os alunos de primeiras letras11
e desenho que mais se distinguirem serão condecorados com uma medalha de
distinção; o estudante premiado se não for aprovado no ano seguinte perderá
a medalha” (p.490).
Em Pernambuco, no ano de 1839 (MOACYR, 1936), o presidente da
província, Rego Barros, ordenou que nas aulas de desenho se dessem três
lições de pintura por semana, porém cada aluno deveria pagar por essas
lições. Mas, será que todos os que frequentavam a escola tinham condições
de pagar por essas lições? Será que ainda permeava o conceito do dom
inato reservado especicamente ao artista ou aqueles que demonstravam
11 A escola de primeiras letras era dividida em dois graus: ensino primário elementar
e ensino primário superior. No ensino primário elementar se ensinava a doutrina cristã,
leitura, escrita, conta e rudimento da língua nacional. No ensino primário superior:
elementos de geometria práca, desenho linear, agrimensura, noções gerais de ciências
sicas e história natural, aplicada aos usos da vida, canto ou música, os elementos de
história cronológica e geograa especialmente do Brasil. As escolas de 1º grau seriam
situadas nos lugares em que o governo julgasse conveniente, e as de 2º grau, nas cabeças
de comarca (MOACYR, 1939).
anidade para isso? E no ensino secundário existia algum sintoma da
presença da arte?
No ensino secundário, encontrava-se o termo arte para vários saberes,
entre esses, a arte da música, da dança, da ginástica, as artes liberais, a arte
da losoa ou ainda a arte da retórica. Naquele momento, em Pernambuco,
os primeiros sintomas da presença da arte na escola se tornaram visíveis na
escola secundária, porém poucos atingiam esse nível escolar.
Presume-se que a presença da música e das manifestações artísticas de modo
geral no ensino público haja ocorrido já no nal do século XIX, através
das professoras diplomadas pelas Escolas Normais, inspiradas na tradição
europeia com marcada orientação humanística (CAVALCANTI, 1986).
Outra importante instituição de ensino no estado de Pernambuco foi
a Sociedade de Artistas Mecânicos, mais tarde chamada, Liceu de Artes
e Ofícios. Foi instalada na primeira metade do século XIX na província
e tinha como m instruir os artistas, aperfeiçoando-os nos ofícios e
proporcionando-lhes instrução prossional. Onze anos após a sua
fundação matricularam-se 98 estudantes no liceu e a aula de desenho não
teve frequência. Honorio Hermeto Carneiro de Leão (apud MOACYR,
1939, p.497), então presidente do liceu, armou que: (...) esta cadeira não
passa de um modo de gastar dinheiro sem proveito, pois o professor limita-se
ao ensino teórico da arte e os alunos saem dali sabendo o que é desenho, mas
terão que aprender ainda a desenhar.
É interessante notar que a reexão naquele momento, meados do século
XIX, ressaltava a importância em ampliar o ensino de desenho e uni-lo
à pintura. O presidente da província dizia que a cadeira deveria ser de
desenho e pintura e que seu magistério fosse designado a algum hábil
artista, evidenciando a importância da especicidade da docência.
O Liceu de Artes e Ofícios foi um dos precursores do movimento artístico
no estado de Pernambuco e possui suas raízes na Associação dos Artistas
Mecânicos e Liberais12 que nasceu no século XIX.
12 Essa associação possuía o objevo de prestar assistência aos associados e proporcionar
o ensino de primeiras letras, português, francês, desenho, geometria e arquitetura.
A história do Liceu de Artes e Ofícios de Pernambuco foi retratada em
matéria publicada num jornal da cidade, mais de cem anos após sua
fundação, que registrou o seguinte:
Os primórdios do Liceu de Artes e Ofícios do Recife são uma
lição de altruísmo dada por um semi-letrado de nome Isidoro
de Santa Clara. Por volta de 1830, estava sendo construído
um prédio na Capunga. Essa construção tinha como mestre
de obra Isidoro, que por sinal era o único que sabia ler.
Nas horas de refeição, enquanto fazia a sesta, êsse modesto
homem valia-se de alguns livros e passava a ler em voz alta.
Êsse ato muito causava inveja aos que dêle se acercavam, pois
os que se deleitavam com sua leitura, embora rude, eram
em sua maioria escravos alforriados ou lhos de escravos e,
assim sendo não tinham direito de aprender a ler. Movido
por um sentimento altamente humanitário, Isidoro resolveu
fazer tôdas as noites, em seu modesto casebre, localizado
na Capunga, aulas coletivas, ensinando as primeiras letras
àqueles que desejavam ingressar nos intrincados caminhos
da escrita. Essa semente atirada por Isidoro, embora em
terreno por demais árido, começava a medrar e, em 1836,
a 12 de Novembro, era fundada na Capunga, a Imperial
Sociedade dos Artistas Mecânicos e Liberais de Pernambuco
composta por seus antigos alunos e tendo êle como primeiro
presidente que após perambular de séde em séde, veio
denitivamente instalar-se na atual praça da República. A
conclusão dessa obra só veio se dar em 1841 quando então
a Real sociedade passou a ter o nome de Liceu de Artes e
Ofícios de Pernambuco (DIÁRIO DA NOITE, 11.01.1958).
No Liceu de Artes e Ofícios o ensino compreendia uma parte teórica e
outra de preparação prossional e artística. Essa formação, no entanto,
está relacionada a cursos prossionalizantes. A organização do ensino
artístico de grau superior antecedeu de muitos anos sua organização nos
níveis primário e secundário, reetindo uma tendência geral da educação
brasileira, envolvida desde o século XIX na preocupação prioritária com
o ensino superior, antes mesmo de ter organizado o ensino primário e
secundário (BARBOSA, 1999b).
Mesmo se o ensino primário e secundário não foram organizados por
primeiro, no caso brasileiro, assistiu-se, por exemplo em Pernambuco, o
despontar de novos sonhos, de novos ideais e o desejo de realizar obras que
favorecessem o crescimento do ser humano através da arte na educação,
pois desde o nal do século XIX já se pensava na inserção da arte no
currículo escolar.
O século XX e as novas demandas para a arte na educação
A preocupação central a respeito do ensino da arte, no início do século
XX, era a sua implantação nas escolas primárias e secundárias e mesmo a
sua obrigatoriedade. Não havia só os argumentos reivindicatórios de um
lugar para a arte nos currículos primários e secundários, mas também
os modelos de implantação estavam baseados, principalmente, nas ideias
de Rui Barbosa, expressas, em 1882 e 1883, em seus projetos de reforma
do ensino primário e secundário e no ideário positivista extensamente
divulgado no país, principalmente a partir da segunda metade do século
XIX (BARBOSA, 1999b).
O desenho linear ou geométrico e desenho gurado estavam presentes no
ensino da escola primária e secundária nas primeiras décadas do século
XX, tendo-se acrescentado a este conteúdo, o desenho de ornato ou arte
decorativa pela inuência da Escola de Belas Artes e do Liceu de Artes
e Ofícios. A metodologia da Escola Nacional de Belas Artes inuenciou
grandemente o ensino da Arte nos níveis primário e, principalmente,
secundário, durante os vinte e dois primeiros anos do século XX, mas outras
inuências dominavam durante esse período: os processos resultantes do
impacto do encontro efetivo entre as artes e a indústria e o processo de
cientização da arte (BARBOSA, 1999b).
Nos EUA, o assombroso progresso industrial foi atribuído à precoce
iniciação da juventude americana no estudo do desenho e a boa
organização do ensino de arte aplicada à indústria. Já no Brasil, armou
Barbosa (1999b), a única entidade educacional brasileira que na época
tentava ensinar o desenho com aplicações à arte e à indústria era o Liceu
de Artes e Ofícios. Para Rui Barbosa a Educação Artística seria uma das
bases mais sólidas para a educação popular, e sua introdução na escola
pública americana, principalmente através do desenho geométrico, já
demonstrara enorme sucesso. Por isso foi o modelo americano de ensino
da arte que pretendia implantar no Brasil na escola secundária. Estabelecia
que o desenho devesse obrigatoriamente ser ensinado em todos os anos
do currículo secundário e justicou a medida, transcrevendo o trecho de
Walter Smith:
(...) uma criança que não saiba desenhar as formas dos
objetos que o seu olhar descortina, tão prontamente como
escreve e repete as palavras que lhe tocam o ouvido, está
apenas em meia a educação; as suas disposições naturais
foram apenas meio eduzidas, manifestadas, postas à luz”
(p.49). (...) podem-se adequar a todas as idades do aluno
assuntos de desenho e pintura, partindo da íntima classe, na
escola, e subindo, por gradações, até ndar na universidade;
sendo que, no decurso de todo esse tempo consideraremos
sempre esse estudo, não como um m, mas como meio de
obtê-lo; pois o Fim é aprender a ver, a descobrir, a conservar,
e recordar, a reproduzir, a criar, em suma, o m é instruir, é
educar” (p.50).
A intenção de Rui Barbosa em seguir as mesmas linhas traçadas pelos
EUA, em relação ao ensino do desenho, comprova-se no regulamento
do Imperial Liceu Pedro II, modelo que deveria ser seguido por todo o
ensino secundário no Brasil (BARBOSA, 1999b, p.51). O regulamento diz
que as cadeiras de Desenho, Ginástica e Música seriam providas mediante
contrato por quatro anos, no máximo renováveis no m deles se conviesse.
Para as duas primeiras, o governo, mediante os agentes no estrangeiro,
faria contratar homens de merecimento superior nessas especialidades e
capazes de organizar no país este ensino; preferindo quanto ao desenho,
os Estados Unidos, a Inglaterra e a Áustria; quanto à ginástica, a Suécia, a
Saxônia e a Suíça.
Walter Smith foi, assim, o eixo em torno do qual começaram a se formar
as ideias de Rui Barbosa sobre o ensino do desenho. O manual de Desenho
Geométrico, intitulado Geometria Popular, escrito por Abílio César Pereira
Borges, teve enorme sucesso e foi usado em escolas primárias durante as
últimas décadas do século XIX e toda a primeira metade do século XX. Sua
última edição data de 1959, de acordo com Barbosa (1999b).
Na estrutura escolar permaneceu a presença do desenho geométrico
e a cópia. Enquanto isso, novos métodos de ensino da arte revigoravam
as escolas americanas onde, pela primeira vez, uma lei ocial, nos EUA,
apontava como principal nalidade da arte na educação o “desenvolvimento
do impulso criativo” e psicólogos começaram a enfatizar a relação existente
entre os processos afetivo e cognitivo, apontando a arte da criança como
um elo vinculador entre eles. O Child Study Movement congregou esses
estudos e preparou o campo para as teorias de John Dewey. Essas tiveram
profunda inuência no Brasil, através de Anísio Teixeira, Fernando de
Azevedo, Lourenço Filho, Carneiro Leão (BARBOSA,1990).
A orientação liberal prevaleceu no ensino do desenho não só do ponto
de vista dos objetivos, mas dos métodos. Signicou a quebra dos velhos
quadros opressores do desenvolvimento da personalidade humana,
a ruptura do sistema de obstáculos que impedia o desenvolvimento
harmônico da sociedade humana. Ao estabelecer a doutrina do não-
constrangimento nas diversas esferas da vida política, econômica, social e
cultural – a doutrina liberal armou, ao mesmo tempo, o princípio básico
das liberdades (NAGLE, 1974).
A orientação liberal propunha introduzir nos programas de desenho
noções básicas de geometria. Assim, o primeiro ano devia compreender:
desenho à mão livre com aplicação especial ao ornato geométrico plano; o
segundo ano, estudos de sólidos geométricos acompanhados dos princípios
práticos de execução das sombras e ornatos em relevo; no terceiro ano,
desenho linear geométrico, elementos da perspectiva prática a vista; no
quarto ano, elementos de desenho geometral ou da representação real dos
corpos. Devia haver provas grácas de desenho no m de cada ano, visando
à promoção ao ano seguinte, da mesma maneira que havia para as outras
matérias (BARBOSA, 1999b).
A sociedade brasileira passou por muitas transformações e um período
de progresso técnico que resultou da criação de novas fábricas surgidas
principalmente da aplicação do dinheiro obtido através do café. Ao lado
disso a espantosa massa de imigrantes contribuiu para fazer o Brasil crescer
e alterar sua estrutura social (PROENÇA, 1990). A educação popular para
o trabalho era a nalidade precípua e as recomendações metodológicas se
dirigiam à necessidade de desenvolver conhecimentos técnicos de desenho
acessíveis a todos os indivíduos para que, libertados de sua ignorância,
fossem capazes de invenção.
No contexto mundial, os artistas no século XX passaram a usar a arte para
fazer comentários e críticas sociais, documentando o mundo e a vida a sua
volta. O século XX assistiu a sucessivos saltos no campo artístico.
Foi naquele século que as técnicas de reprodução atingiram seu ápice,
chegando a modicar, de forma profunda, os seus meios de inuência,
passando elas próprias a se imporem como formas originais de arte.
Com o surgimento da fotograa, considerada como primeira técnica de
reprodução verdadeiramente progressiva, os artistas reforçaram os ditames
da “arte pela arte”, ou seja, buscou-se uma teleologia da arte almejando
conceber uma arte pura que recusa desenvolver qualquer papel (SUZART
E MILL, 1997). O século XX foi considerado o século dos “ismos” na
medida em que foi marcado pelo surgimento de movimentos organizados
por artistas que buscavam novas descobertas e formas de fazer arte. Entre
esses movimentos encontram-se o Modernismo, o Impressionismo, o
Expressionismo, o Cubismo, o Surrealismo, o Dadaísmo etc. Grandes e
rápidas transformações ocorreram no campo da arte, com a incessante
busca da liberdade e de rompimento com o tradicional, e das técnicas
clássicas utilizadas até então, consideradas como as corretas e perfeitas.
A Semana de Arte Moderna, no Brasil, foi uma expressão dessas novas
exigências buscando uma valorização da arte nacional, rompendo
os vínculos conservadores que evidenciavam a produção externa.
Naturalmente, novas ideias e novas transformações, recebem resistência e
críticas negativas com o objetivo de fazer vigorar o tradicional.
A Semana de Arte Moderna foi um ponto culminante de atividades
modernistas. Sob o aspecto artístico, as atividades desenvolvidas durante
a semana (13, 15 e 17 de fevereiro de 1922), foram conferências e palestras,
leituras de poesia e prosa, concertos, exposições de telas e desenhos (NAGLE,
1974). Esse evento, registrado como marco na história da arte brasileira,
representou, também, uma renovação metodológica no campo da arte.
O interesse pelas teorias expressionistas e pelos escritos de Freud levou
a uma valorização da arte infantil, como já havia acontecido na Áustria.
Mário de Andrade e Anita Malfatti foram os introdutores das ideias da
livre-expressão para a criança: Anita, orientou classes para jovens e crianças
em São Paulo e Mário de Andrade promoveu programas de pesquisas na
Biblioteca Municipal de São Paulo, escreveu artigos a respeito em jornais
e introduziu no seu curso de História da Arte, na Universidade do Rio de
Janeiro, estudos sobre a arte da criança (BARBOSA, 1990). A ideia da livre-
expressão, originada no Expressionismo, trouxe a compreensão de que a
arte na educação tinha como nalidade principal permitir que a criança
expressasse seus sentimentos e que a arte não era ensinada, mas expressada.
Esses novos conceitos entusiasmaram artistas e psicólogos, que foram
os grandes divulgadores dessas correntes, e, talvez, por isso, promover
experiências terapêuticas passou a ser considerada a maior missão da arte
na educação.
Um ano após a Semana de Arte Moderna, em 1923, surgiu, em Recife, um grupo
de escritores e intelectuais que formou o movimento de renovação literária
e cultural sob a liderança de Gilberto Freyre que expressava sua oposição
a essas ideias vindas desse movimento. Tratava-se da tendência regionalista
e tradicionalista13 do modernismo brasileiro. A postura de Gilberto Freyre
decorreu da preocupação em resguardar os valores tradicionais e em apontar
a necessidade de valorização das realidades regionais.
O Nordeste, que se mantinha preso a estruturas arcaicas, vivia um momento
de falta de perspectiva decorrente ainda da decadência da economia
açucareira (AZEVÊDO, 1984). Porém, no que se refere à produção
cultural era constantemente alimentado com produções literárias, em
particular. A inuência do Movimento Modernista, tendo como marco
a Semana de Arte Moderna, trouxe ideias de renovação seja no campo
literário, seja no campo artístico com o rompimento das regras clássicas,
13 Para um estudo sobre o movimento tradicionalista-regionalista e a década de 20, ver
REZENDE (1997).
com o uso das cores tropicais nas pinturas evidenciando temas nacionais.
Esse movimento recebeu inuência europeia e também se difundiu em
Pernambuco, através de Joaquim Inojosa (apud AZEVÊDO, 1984, p.52),
pernambucano que após o contato com esses novos ares, deniu aquele
momento como Espírito Moderno”, “arte nova” quer dizer compromisso
com o presente, com a “hora que passa”...”algo de original, motivos inéditos,
coisa qu’inda não tenham sido ditas”.
A proposta era trabalhar por um Brasil brasileiro, por uma arte brasileira
e não se deixar contaminar pela importação estrangeira. Inojosa (apud
AZEVÊDO, 1984, p.80), em 1925, expressava com bastante clareza a que se
referiam aquelas ideias no campo artístico:
Devemos fundar uma literatura inspirada nos nossos
costumes e nossa natureza, uma música que sejam motivos
brasileiros estilizados, uma pintura que reita as cores de
nossas paisagens, uma escultura e uma arquitetura que
digam dos nossos movimentos e da nossa quietação, das
nossas belezas reetidas através da visão artística.
Evidentemente, novas ideias trazem consigo críticas e resistências e,
juntamente com essas críticas, aparecem as primeiras tentativas de formulação
dos novos princípios estéticos. Brito (apud NAGLE, 1974, p.76) diz que:
A arte, sendo uma manifestação da vida, não pode furtar-
se às leis da vida. As losoas variam; as ciências variam;
a moralidade varia; o costume varia; o Universo vive em
constante transformação; os seres variam; os minérios
endurecidos variam. Por que a Arte há de ser mumicada,
há de estancar-se diante da muralha chinesa? (...) A Arte
será como sempre foi, o espelho de uma época(...) Ela é
inspiração e não imitação; arte é sentimento livre e não
servilismo. Como impor a ultra-sensibilidade moderna, o
passado calmo, diverso, para nós quase que incompreensível?
A Arte tem algo de Proteu . E encarcerar a Arte é encarcerar
Proteu14. Absurdo!
14 Endade famosa pelas suas metamorfoses.
O momento inicial foi de choque entre as duas correntes – Modernismo
x Tradicionalismo-Regionalismo. Subjacente, porém, às discordâncias
de propostas em torno da literatura ou da arte em geral, agia como força
viva a luta local pelo poder político. A disputa entre “modernistas” e
“regionalistas” era reexo também, no início da década, das disputas entre
as facções oligárquicas que, em partidos opostos, aspiravam ao comando
político no Estado. Tratava-se de promover o fortalecimento da região,
superando o esquema frágil das diversas unidades estaduais, para servir
de sustentação ao confronto com o sudeste/sul especialmente porque se
tinha clareza suciente sobre a decadência em que se encontrava a região. A
conservação dos valores tradicionais apresentava-se para os “regionalistas
como uma forma de se defenderem contra a onda de “modernismo, ou
futurismo, contrária aos interesses das elites locais. Daí a contrariedade a
tudo que viesse do sudeste/sul (AZEVÊDO, 1984).
Independente das contradições regionais foram movimentos de combate a
fácil e supercial imitação de modelos estrangeiros procurando introduzir
em suas produções o ambiente e a realidade humana brasileira.
Com a Escola Nova15 passou a ser reforçado o movimento de inclusão da
arte na escola primária como uma atividade integrativa para expressar ou
para xar o que tinha sido aprendido em outras disciplinas escolares. Os
métodos parecem ter continuado os mesmos na manutenção das crianças
em elaborar cópias como motivação visual.
Durante a década de 1920, se encontrou a difusão sistemática dos ideais da
Escola Nova, período em que a literatura educacional, além de se expandir,
15 A parr do nal do século XIX, em vários países muitos educadores passaram a
considerar novos problemas educacionais procurando resolvê-los com a aplicação de
recentes descobertas relavas ao desenvolvimento das crianças. Outros experimentaram
variar os procedimentos metodológicos transformando as normas tradicionais da
organização escolar, assim ensaiavam uma escola nova, diferente da que exisa até então.
Daí o nascimento do termo Escola Nova. O nome Escola Nova sugeria espírito críco,
análise reiterada de condições e resultados, atude criadora. As primeiras Escolas Novas,
com esse tulo expresso, surgiram em instuições privadas da Inglaterra, França, Suíça,
Polônia e outros países depois de 1880. No Brasil tentavas de mais ampla renovação
incluindo a revisão dos ns sociais da escola se desenvolveram só a parr do século XX, na
década de 20 (LOURENÇO FILHO, 1978).
se alterou qualitativamente dada a frequência com que se publicavam
trabalhos sobre assuntos referentes à “nova pedagogia”. Ao mesmo tempo
em que se difundiram as novas ideias e apareceu a nova literatura, se
processou a inltração do escolanovismo no movimento reformista da
instrução pública. Foi nesta década que, pela primeira vez, se tentou realizar
o novo modo de estruturação das instituições escolares (NAGLE, 1974).
As primeiras iniciativas do movimento da Escola Nova, no Brasil, foram de
caráter público, diferentemente de outros países onde as iniciativas foram
de caráter privado.
Inicialmente os princípios da Escola Nova derivaram de uma nova
compreensão de necessidades da infância, inspirada em conclusões de
estudos da biologia e da psicologia. Alargaram-se com outros relativos às
funções da escola em face de outras exigências derivadas de mudanças da
vida social (LOURENÇO FILHO, 1978).
Naquela mesma década as iniciativas de caráter educacional, cultural
e artístico tomadas no governo de Estácio Coimbra, em Pernambuco,
reiteraram as diretrizes de sua política no âmbito da Educação e Cultura.
Nasceu, assim, a Reforma Carneiro Leão, no ano de 192816, de onde viria a
brotar o primeiro órgão central de educação e cultura do Estado. Algumas
das iniciativas de caráter cultural, mais relevantes do governo foram a criação
do Museu do Estado; a instalação da Inspetoria Estadual dos Movimentos
Nacionais, prevendo a proteção dos monumentos artísticos e históricos da
capital e do interior. Assim, Pernambuco, antecipou-se em quase uma década
à criação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)
que viria a ocorrer no governo Vargas em 1937 (CAVALCANTI, 1986).
Novos horizontes foram se abrindo, trazendo consigo outras propostas
e durante a Reforma Carneiro Leão, novos objetivos foram propostos à
escola pública, com reformas de programas e métodos e novos planos de
formação do professorado (LOURENÇO FILHO, 1978). Para tanto, nasceu
nas estruturas dos órgãos públicos o primeiro órgão central de educação
e cultura do Estado. No ano seguinte, Aníbal Bruno assumiu a Diretoria
16 Para um estudo sobre a Reforma Carneiro Leão em Pernambuco ver ARAÚJO (2002).
Técnica de Educação17, procurando pôr em ação toda a programação de
caráter artístico e cultural, prevista na Reforma Carneiro Leão. No âmbito
cultural e artístico, assim deniu Aníbal Bruno (apud CAVALCANTI,
1986, p.27) o seu enfoque de educação:
(...) a escola tem por m desenvolver e orientar as faculdades
e aptidões da criança para a plenitude da vida e falharia em
sua missão se esquecesse a iniciação da criança no mundo
dos valores estéticos e desprezasse a benéca inuência que
sobre a formação do seu espírito podem exercer as formas
expressivas da arte, que constituem um estímulo para a
alegria de viver (...).
(...) nas atividades escolares penetrará a arte com as virtudes
educativas que se podem exercer na criança sobre a morfologia
do corpo, a liberdade e a elegância dos movimentos, a correção
das atitudes, o sentido do ritmo, como sobre as manifestações
elevadas e sutis da inteligência e da sensibilidade.
Ainda em 1929, realizou-se, em Pernambuco, o I Salão de Arte ocial
organizado pela Inspetoria de Monumentos do Estado. O segundo, em
1930, foi amplamente divulgado e participaram dele vários artistas que
depois se tornaram os fundadores da Escola de Belas Artes do Recife.
No ano de 1932 foi lançado o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova
que impunha reformas profundas no campo educacional e reforçava a
intenção e o valor social da escola, sem negar a arte, a literatura e os valores
culturais. Para os pioneiros a arte e a literatura tinham uma signicação
social profunda e múltipla, a aproximação dos homens, a sua organização
em uma coletividade, a extensão do raio visual e o valor moral e educativo
que conferem, certamente, à arte uma enorme importância social
(AZEVEDO, 1958). Porém, essa ampla concepção e valorização da arte na
educação, evidenciando sua importância na formação do indivíduo, passou
a ser reprimida em suas raízes através da instauração do Estado Novo no
ano de 1937. As posições de liderança foram substituídas, instituições
foram levadas ao encerramento formal de suas atividades.
17 Para um estudo sobre o período e a Diretoria Técnica de Educação ver SELLARO (2000).
O Estado Novo se utilizou de algumas ideias dos movimentos culturais
dos anos 20, ao mesmo tempo em que engendrou uma imagem de
unicação nacional cuja consequente homogeneização foi fundamental
para sua permanência política. Foi o ideal nacionalista que legitimou
os empreendimentos do Estado, reconhecido como condutor dos
interesses comuns. Esta era a visão veiculada pelo Estado Novo, o caráter
revolucionário e contestador da arte modernista dos anos 20 se diluiu nos
discursos estadonovistas. O nacionalismo estadonovista se expressava
fundamentalmente em uma visão funcionalista e harmoniosa do corpo
social. Negavam-se as contradições, tratava-se a cultura popular não
sob a forma de uma dinâmica cultural que implicasse participação, mas
como elementos folclóricos, estéticos e exóticos desprovidos de conteúdo
conitual que os tornava absorvíveis e manipuláveis (BULHÕES, 1991).
No campo das Artes Plásticas, aquele momento ressaltou um conito de dois
movimentos artísticos: o academicismo e o modernismo. Os movimentos
defendiam visões diferenciadas do mundo e representavam também
diferentes setores sociais. O apoio paralelo do Estado Novo aos dois expressava
a coexistência, no poder, de diferentes frações da classe dominante e o uso da
política cultural como instrumento de legitimação desta aliança.
O academicismo foi hegemônico ao longo do século XIX e tinha como
pilares de sustentação a Escola Nacional de Belas Artes, o Museu Nacional
de Belas Artes, o Salão Nacional de Belas Artes.
Para os acadêmicos, o m primordial dos produtos artísticos se colocava
no prazer estético devendo suas obras de arte primar pela beleza formal
em termos clássicos (harmonia, proporção, realismo idealizado). Com
uma orientação conservadora, o controle da formação dos artistas se
dava através de exercícios de observação e reprodução de modelos dentro
de normas das academias europeias. Já os modernistas buscavam uma
identicação da arte com as transformações que se estabeleciam na ordem
geral das sociedades a partir da industrialização, visando garantir o espaço
da arte com essas transformações. Seus objetivos estavam ligados à ideia
de que a arte poderia ser um símbolo desta modernização da sociedade
(BULHÕES, 1991).
No decorrer do século XX encontramos, também, algumas instâncias e
movimentos que exerceram um papel fundamental em meio à sociedade,
particularmente em Pernambuco, no que se refere ao ensino da arte ou
mesmo em proporcionar o acesso da população à mesma, democratizando-a.
É o que veremos no próximo tópico.
A Escola de Belas Artes
No nal do século XIX alguns artistas e prossionais da área de arte
tentaram fundar uma Escola de Belas Artes, em Recife, com os moldes da
Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. Além do sonho de fazer
nascer uma escola de arte, no estado de Pernambuco, estava implícita a
intenção de favorecer o acesso ao ensino da arte àqueles que concluíam
o curso secundário fundamental e assim fazer nascer novas vocações
artísticas em meio a sociedade. Vejamos como isso aconteceu.
Um arquiteto, chamado Herculano Ramos, em 1888, já havia tentado
fundar uma Escola de Belas Artes no Recife, mas não conseguiu realizar
seu desejo por falta de fundamentos persuasivos junto ao governo imperial.
Telles Júnior, pintor paisagista, ministrava aulas em seu atelier e também
sonhava com uma Escola de Artes no Recife, onde ministrasse o ensino
acadêmico das Artes Plásticas, similar ao da Escola Nacional de Belas Artes,
na capital federal. No nal da década de 20, do século XX (MARQUES,
1988), junto com seus alunos, Telles Júnior se uniu para a criação da
Escola de Belas Artes. Depois trouxeram, para “mesclar de sabedoria essa
sociedade”, outros amigos, colegas de prossão e colecionadores de arte,
escultores, engenheiros, pintores, arquitetos e bacharéis de Direito. Assim,
determinados por esse sonho, passaram a realizar constantes reuniões no
atelier ou nos cafés da cidade e aos poucos foi se organizando a estrutura
curricular, didática, administrativa e jurídica da nova instituição.
Começaram, então, a desenvolver campanhas para conseguir equipamentos
necessários para a estruturação da escola. Não cessaram de incomodar os
governos estadual e municipal e, segundo Bibiano Silva18, a escola seria
fundada com os recursos da vontade, da perseverança, do valor de querer e
18 Era escultor e foi um dos fundadores que depois passou a ser o diretor da Escola de Belas Artes.
da audácia. A escola precisava nascer para ter existência, pois, conforme ele
o homem não vive somente de pão, mas seu espírito precisa desse alimento
transcendente que é a arte (GALVÃO, 1956). Na escola foram oferecidos
cursos superiores de Arquitetura, Pintura e Escultura.
A aprendizagem da Pintura, Escultura e Arquitetura seria a de provocar
o esforço, incentivar a imaginação de cada aluno, ensinar-lhe as leis
da composição e a técnica que exige cada material. O curso de Pintura,
Escultura e Gravura tinha por m o preparo técnico e artístico de
pintores, escultores e gravadores, bem como, a instrução superior, geral e
especializada, de que necessitavam para exercer sua função no meio social
(MARQUES, 1988). A autora arma que por lei o ensino das artes era
destinado ao desenvolvimento da comunidade.
Para os fundadores da instituição, o ensino acadêmico devia ser seguido
elmente dentro dos moldes da Escola Nacional de Belas Artes. Assim, o
ensino para ser completo devia aliar a teoria com a prática. A metodologia
utilizada pelos professores era espelhada nos mestres da pintura de séculos
passados. O ensino era voltado ao clássico e exigia-se do aluno delidade
nas observações, realidade nos desenhos (SILVA, 1995).
Todos os prossionais deviam ser formados pela Escola Nacional de Belas
Artes do Rio de Janeiro, Faculdade reconhecida pelo Governo Federal.
Os estrangeiros deveriam ter mais de 15 anos residindo no país e artistas
com medalhas de ouro, prata ou bronze ganhas em concurso de Salão de
Arte organizado pelo Conselho Nacional de Belas Artes. Os professores
que não tinham título catedrático19 tinham um prazo de dois anos para
apresentar uma tese sobre o assunto de sua especialidade que seria julgada
pela congregação20. Essa exigência se deu porque o regimento da Escola
Nacional de Belas Artes já exigia que os componentes da congregação
fossem constituídos de professores catedráticos (MARQUES, 1988).
19 Os professores catedrácos eram os fundadores e aqueles que em concurso público
angiam a primeira classicação.
20 Órgão superior da direção didáca e administrava da escola composta por todos os
professores catedrácos em exercício, dos docentes livres que esvessem substuindo os
catedrácos e um docente livre representante de sua classe e por ela eleito anualmente.
A punição para os que não entregassem a tese, cumprindo a exigência,
era perder seus direitos de professor. Observe-se que para esta instituição
havia uma exigência da qualicação prossional para a área especíca. Para
a matrícula dos alunos exigia-se a idade mínima de 15 anos, certicado
de curso secundário fundamental e aprovação em exame prévio realizado
pela Escola.
No ano de 1932, ano de fundação da Escola, 80 candidatos se inscreveram
para o concurso de habilitação, número realmente elevado e que demonstrava
o interesse, no Recife, pelo estudo das belas artes, vendo-se, portanto,
justicada a existência da instituição. Em julho do ano seguinte, menos de um
ano depois do início dos cursos, planejava-se o Primeiro Salão patrocinado
pela Escola (Revista da Escola de Belas Artes de Pernambuco, 1957).
O objetivo geral da Escola de Belas Artes encontra-se, conforme Silva
(1995), num escrito do comitê da Escola que diz: Para isso é criada a Escola
de Belas Artes. Disciplina e coordenação de aptidões nascentes, estímulo aos
negligentes e pessimistas, glória aos gênios e conforto aos medianos, tudo ela
proporciona... (p.147).
Como se pode perceber, desde o início da criação da Escola de Belas Artes,
seja a nacional, ou seja, a pernambucana, o objetivo estava centrado na
formação acadêmica e o público a ser atingido era justamente o percentual
da população que concluía o curso secundário e que tinha “aptidão” ou o
dom inato” para a arte. Assim, até meados do século XX, permaneceu a ideia
de que a arte estava reservada para os que tinham “talento”. Naturalmente,
como os professores foram formados pela Escola Nacional de Belas Artes
ou em escolas europeias, o ensino predominante foi o clássico centrado em
regras e cânones europeus.
As matérias mais relacionadas ao homem e o funcionamento do processo
criador e da imaginação só foram introduzidas, na Escola de Belas Artes de
Pernambuco, no início do curso de Formação de Professores de Desenho
com disciplinas como Didática Especial, na década de 1950, ministrada
pela professora Noemia Varela (SILVA, 1995). Esse curso foi destinado
ao preparo dos que tinham vocação para o magistério dessa disciplina. O
regulamento da escola foi moldado de acordo com a Reforma Francisco
Campos a qual reorganizava a Escola Nacional de Belas Artes. No decorrer
dos anos a Escola manteve-se de pé por força de vontade e perseverança dos
artistas que estavam à sua frente, pois desde seu nascimento os professores
não percebiam qualquer remuneração por seu trabalho docente. A Escola
de Belas Artes tinha como objetivo a formação cultural dos estudantes.
Além disso, o interesse em difundir as artes plásticas oferecendo aos que
estudavam mais incentivos e mais longos conhecimentos e ainda desenvolver
a verdadeira acepção da arte e preparar o espírito dos seus alunos para a justa
compreensão estética. Somente após treze anos de sua fundação a Escola de
Belas Artes, em Recife, teve seu reconhecimento federal.
Com o passar do tempo e com o amadurecimento causado pelas novas
experiências realizadas, as ideias foram se modicando, se enriquecendo
e os horizontes se ampliando. As palavras do professor Delgado (1957)
expressaram a concepção de arte da Escola em conferência pronunciada
no período das comemorações do 25º aniversário da Escola de Belas Artes
de Pernambuco:
Mesmo em seus aspectos formais, nos elementos que
acabam conjugando-se num gênero ou num estilo, a arte
é, por isso uma expressão. Expressão de um indivíduo, de
uma geração, de uma escola; de como os homens, isolados
ou em grupo, percebem e entendem a beleza. Dentro do
artista, pulsa, porém, um coração humano. Ora um coração
tranquilo; ora um coração torturado. Ora o de Mozart;
ora o de Beethoven! E isso quer dizer que a expressão
corporicada na arte, não é somente expressão de um
sentimento da beleza. Tal sentimento acaba sendo como
que a veste ou a sionomia de outros. A beleza que o pintor
deposita em seus quadros, é inseparável da experiência que
êle tem da vida, da angústia ou do júbilo em que os homens
argamassaram o seu ser, da idéia, que êle faz, do universo,
da vida e dos homens (p.6).
A arte não é privilégio de um reduzido grupo de indivíduos.
Sua nobreza está em ser largamente humana, accessível a
tôdas as almas. O destino da obra de arte não é servir de tema
a digressões e ensaios: é tocar os corações. É dar-lhes por um
momento essa especial e indizível vibração que é o substrato
do estético. Para quem lê o poema, escuta a sinfonia, olha o
templo ou a estátua, êsse pode ser um instante de plenitude
e desafôgo, como se algo que dentro dêle dormia, acordasse
enm, e abrisse os olhos para ver o universo, e abrisse os
braços para abraçar a vida (p.9).
Em 1946, quando criada a Universidade do Recife, a Escola de Belas Artes
se incorporou a ela juntamente com a Faculdade de Direito, a Escola de
Engenharia, a Faculdade de Medicina e a Faculdade de Filosoa do Recife.
Em 1959, matricularam-se 268 alunos nas diferentes séries dos cursos
mantidos pela Escola, que ainda realizou naquele ano um curso de Extensão
universitária sobre “Problemas de Educação, a cargo do professor Paulo
Freire (Revista da Escola de Belas Artes de Pernambuco, 1959).
Essas informações contribuem para ampliar o horizonte de compreensão
sobre o processo percorrido pela arte na Escola, especialmente em
Pernambuco, e perceber que, talvez, desde os primórdios da colonização
nas terras brasileiras a arte cou reservada à elite social. Como se viu,
a entrada na Escola de Belas Artes era restrita aos concluintes do curso
secundário exigindo-se a aprovação em concurso. Isso afunilava ainda
mais o acesso a essa escola, uma vez que eram pouquíssimos os que
atingiam esse nível escolar. Estudar na Escola de Belas Artes conforme
Silva (1995), era status, era um sonho, um ideal das moças e rapazes que
amavam a arte.
Retomamos a observação de Julia (2002) que, em seus estudos sobre a
história das disciplinas escolares, constatou que o fato de uma disciplina
não aparecer nos programas escolares ou não existirem cátedras com seu
nome não signica que ela não era ensinada. Como se percebeu até aqui,
existia em meio à sociedade alguns sintomas de ensino da arte, mesmo
sendo esse restrito a uma pequena parcela da população. O esmero do
desenho foi, desde o século XIX, o elemento principal do ensino artístico,
dentro da pedagogia neoclássica. Por isso a cópia constante na tentativa
de chegar-se à precisão da linha e do modelado. A inuência dessa
disciplina continuou fortíssima no século XX e tinha por base o fato dos
neoclássicos considerarem o artista como um “gênio”, uma “inteligência
superior” que, através do desenho, seria limitada, domada pela razão, pela
teoria, pelas convenções da composição para melhor atender a tradição
e a história.
No ano de 1948, realizou-se em Recife o III Salão de Arte Moderna e no
ano seguinte criou-se a “Sociedade de Arte Moderna. Foi a partir de então
que se percebeu uma mudança na linguagem dos trabalhos expostos.
No mesmo período, nal da década de 40, nasceu uma Divisão, ligada à
Secretaria de Educação de Pernambuco, com o objetivo de congregar as
atividades artísticas nos níveis da escola e da comunidade através da
preservação da cultura.
A Divisão de Extensão Cultural e Artística (DECA)
No contexto de redemocratização do país após a queda do Estado Novo, nal
da década de 40, foi criada em Pernambuco, na estrutura administrativa do
Departamento de Educação uma Divisão de Extensão Cultural e Artística
(DECA). Pretendia-se dar continuidade ao trabalho desenvolvido por
Aníbal Bruno, interrompido pelo Estado Novo. Essa Divisão quando
nasceu possuía atribuições vagamente denidas e, por não se tratar de um
órgão de execução das atividades essenciais do sistema escolar21, era fadado
à marginalização.
Aparentemente, armou Cavalcanti (1986), considerava-se ali o papel
da educação cultural e artística em três dimensões. Inicialmente, a do
enriquecimento pessoal e de conhecimento do mundo, que justicava
a variedade de formas de expressão artística feita por adultos para
a criança ver e, assim, aprender a conhecer e apreciar a arte. Em uma
segunda dimensão estavam as atividades artísticas como uma forma de
expressão pessoal do professor para ensinar e do aluno para aprender.
Nessa direção caminhava toda uma linha de programação destinada às
professoras para desenvolver-lhes a capacidade de utilizar os recursos
disponíveis no sentido de tornar a arte um apoio ao processo educativo.
Finalmente uma terceira dimensão dizia respeito ao dever do Estado
21 Consideravam-se como essenciais o ensino das disciplinas de “conteúdo”, portanto, a arte não
estava inserida dentro desse padrão, a administração escolar e as avidades de supervisão.
de proporcionar à comunidade os meios para que vocações artísticas
pudessem surgir e serem cultivadas a partir de diferentes experiências
artísticas. A DECA tinha como objetivo congregar as atividades artísticas
nos níveis da escola e da comunidade através da preservação da cultura
(MOSER, 1988).
A DECA desenvolveu um papel de suma importância no campo artístico
e cultural, sobretudo, favorecendo orientação em atividades artísticas
e desenvolvendo cursos para as professoras com o intuito de melhorar a
qualidade do ensino artístico na escola. A equipe da DECA era composta
de professoras especializadas e, certamente, por isso mesmo, um número
intenso de atividades foram promovidas por esta divisão.
As áreas de atuação eram: Música e Canto Orfeônico, Teatro, Artes Plásticas
e Cinema Educativo. Como contribuições adicionais atuava também na
manutenção da biblioteca das professoras, na organização de um Museu de
Arte Popular e de um serviço de documentação, divulgação, publicação e
intercâmbio (CAVALCANTI, 1986).
Na área da Música realizou: palestras sobre Educação Musical e linguagem
musical na escola primária; cursos de iniciação a instrumentos de banda de
música para adolescentes; Semanas de Música; apresentações no teatro Santa
Isabel; cursos de Dicção, Declamação e Dança para crianças e adolescentes;
aulas de técnica vocal para professores e curso intensivo para professores
de Música e Canto Orfeônico. Muitas dessas ações eram desenvolvidas em
parceria com convidados externos que vinham da Escolinha de Arte do
Brasil e com a participação também de escolas privadas e do Conservatório
Pernambucano de Música (DECA, 1961, n.4, 1962, n.5).
Na área do Teatro realizou várias apresentações de peças teatrais, no Teatro
Santa Isabel. O prefeito de João Pessoa convidou a equipe da DECA para
dar um curso de teatro para as professoras municipais daquela cidade e,
assim, também realizou várias apresentações teatrais, na Paraíba, no Teatro
Santa Rosa. Entre outros, promoveu palestras sobre teatro nas escolas
primárias e, ainda, realizou cursos de Teatro e Dança22.
22 Idem.
O Setor de Artes Plásticas dispunha de um serviço interno permanente
para atendimento a quaisquer pessoas, professoras ou não, que buscassem
orientação da DECA. Semanalmente dava orientação prática sobre Artes
Plásticas. A DECA desenvolveu intensas atividades nessa área como cursos
de Artes Plásticas para professoras; sobre Democracia e Arte; de férias
para professores onde foram incluídas aulas de teatro escolar, iniciação ao
canto orfeônico e atividades artísticas; sobre composição em pintura com a
colaboração da Escola de Belas Artes; estágios para professoras do interior
que durante três meses receberam orientação dentro dos setores de música
e canto orfeônico, teatro escolar e atividades artísticas. Além disso, realizou
uma conferência sobre Arte e Educação proferida por Augusto Rodrigues23,
da Escolinha de Arte do Brasil, para professores e autoridades escolares;
curso intensivo de História da Arte que recebeu um número, até então,
extraordinário de participantes.
A DECA também realizou os Salões de Arte Infantil, Salões de Artistas
Estreantes; cursos sobre o Nordeste e a cultura brasileira tratando de
aspectos pernambucanos da cultura. Mas, foi, sobretudo, na organização
de Salões de Artes que a seção marcou a sua presença no cenário artístico
da cidade, especialmente o Salão de Arte Infantil.
O Salão de Arte Infantil constituiu-se, essencialmente, numa mostra de
expressão artística das crianças e jovens. Funcionou também como avaliação
da educação pela arte que se desenvolvia no estado de Pernambuco. Nestes
Salões eram expostos trabalhos de pintura, desenho, colagem, xilogravura
ou pirogravura e os selecionados recebiam certicado de participação,
não havendo premiação (MOSER, 1988). Colaboraram crianças de todo
o estado, em sua maioria de estabelecimentos de ensino primário. Estes
Salões eram realizados no Museu do Estado de Pernambuco.
No ano de 1958 foi aprovado o Regimento da DECA pelo decreto nº410
de 01.07.58 do Governo do Estado. Diretamente subordinada à Secretaria
dos Negócios de Educação e Cultura tinha como m a organização,
orientação e scalização das atividades e instituições de rede cultural
23 Pintor pernambucano, diretor e fundador das Escolinhas de Arte de todo o Brasil
(Diário da Noite, 20.01.1969).
e artística do Estado promovendo o estudo para uma orientação segura
dos seus trabalhos; realizações voltadas para o incentivo do gosto pelas
letras e pelas artes; e estímulo e orientação às iniciativas que visassem ao
desenvolvimento cultural e artístico.
No ano seguinte, em 1959, realizou-se o VII Salão de Arte Infantil com
a presença de escolas públicas e privadas e ainda de Augusto Rodrigues
e Seonaid Robertson, inglesa que contribuiu com sua experiência na
Escolinha de Arte do Brasil e do Recife. No ano seguinte o Salão de Arte
Infantil recebeu a participação da Escolinha de Arte do Recife. Note-se
que havia uma conexão, um intercâmbio entre a DECA, a Escolinha de
Arte do Recife e a Escola de Belas Artes que favorecia um enriquecimento
recíproco, uma troca de experiências e uma participação coletiva nas
atividades desenvolvidas.
Na concepção da professora Zaida Cavalcanti24 a intensa participação
das professoras nas atividades da DECA pode ser explicada pela própria
natureza do ensino público da época:
A escola pública era um modelo, era altamente elitizada (...)
era uma estrutura muito elitizada (...). Era um grupinho de
escolas, não eram tantas as escolas. (...) naquela época não
existia televisão, os meios de comunicação não tinham tanta
inuência como tem hoje. As professoras frequentavam
teatro, concertos, exposições, então, se vivia a arte, se
usufruía arte.
No entanto, mesmo não havendo a democratização, de forma mais
ampliada, do ensino público na época, já se vê aqui um interesse particular
dessa instância pública, chamada DECA, em dar suporte, em orientar, em
favorecer uma melhor qualidade de ensino por meio da arte, enm, uma
melhor qualidade de trabalho para as professoras nessa área, o que antes
não encontramos no ensino público.
As atividades artísticas passaram a ser trabalhadas de forma mais intensa
e houve uma valorização dessas atividades com a preocupação voltada,
24 Entrevista realizada para esta pesquisa em 17.07.03.
sobretudo, para a orientação dada às professoras. Houve também um
crescimento na busca dessa orientação: entre 1950 e 1954, por exemplo, a
DECA realizou 13 cursos com 482 concluintes e o de maior participação foi o
curso de atividades artísticas com 86 concluintes (Boletim DECA, 1953-1954).
Ou seja, quase 20% dos interessados nesses cursos buscavam orientações na
área artística para sua prática docente. Esse crescimento pode ser percebido
também na participação de eventos coletivos como, por exemplo, o IX
Salão de Arte Infantil que englobou na época 22 unidades escolares com
748 trabalhos entre desenhos, pinturas, colagens e outras técnicas. Ou seja,
na medida em que as professoras eram orientadas e participavam de uma
atualização continuada na área artística, consequentemente, levavam seus
alunos a participarem dos eventos coletivos promovidos pela DECA, como
foi o caso dos Salões de Arte Infantil.
A professora Leopoldina Britto25 enfatizou a importância que a DECA
exerceu sobre essa orientação dada às professoras e a presença da arte na
escola dizendo:
(...) esse26 DECA tinha um cuidado todo especial de oferecer
cursos, eu z cursos pelo DECA quando eu era professoranda,
década de 50, quer dizer eles estavam fazendo curso de
teatro, curso de música, cursos, para que isso fosse colocado
na escola. Foi quem mais ajudou ao professorado, foi isso e a
escola fazia arte de uma maneira prazerosa.
A professora Zaida, durante a entrevista, comentou também sobre as
intensas atividades realizadas pela DECA:
A DECA era um curso atrás do outro, era uma escola de
arte, era a DECA. O período do nal da década de 50 até
a Revolução (refere-se aqui ao golpe militar de 64) foi um
dos tempos mais fecundos da DECA pela quantidade de
atividades, de cursos realizados, promovidos. Então eram
teatros, cursos de artes plásticas, de música, enm.
25 Em entrevista concedida para esta pesquisa em 14.07.03.
26 Inicialmente a DECA foi chamada de “divisão” e depois foi transformada em
“departamento”, por isso às vezes encontra-se o uso do feminino e em outros momentos
a ulização do masculino.
Além das atividades citadas, a DECA também enviou 43 desenhos e pinturas
de crianças pernambucanas para a International Art Gallery em Claremont
na Califórnia por solicitação dos organizadores da exposição e estes trabalhos
obtiveram comentários favoráveis na imprensa local (DECA, 1962).
Prosseguiram os programas de aperfeiçoamento de professoras primárias
para o desenvolvimento de atividades artísticas na escola e, também, a
promoção de cursos destinados à divulgação do uso de técnicas especiais
de artes plásticas. A DECA organizou ainda dois cursos de Artes Plásticas
para professoras por solicitação do Juizado de Menores e do Serviço Social
contra o mocambo27 .
Boletins de divulgação de planos, de técnicas e de qualquer trabalho cultural
e artístico também foram elaborados, sistematicamente, pela DECA. Esses
periódicos eram trimestrais e continham informações históricas, histórias
de personagens que se destacaram no Brasil, calendário histórico mensal,
propostas de jogos dramáticos, elaboração de brinquedos musicais além de
danças, músicas brasileiras e peças teatrais.
No tópico sobre o Serviço de Orientação e Inspeção da Educação Artística,
de um boletim, que trata sobre o desenho na escola primária, a professora
Maria Perpedigna Cesar Galvão diz que:
(...) com a evolução do conceito de arte, também mudou a
atitude da escola com relação ao desenho. Antigamente era
uma atividade só exercida pelos jeitosos, como também
considerada uma matéria de segundo plano. Hoje desde
o jardim da infância, a criança começa a exercer as suas
atividades artísticas, sincronizando a sua sensibilidade
27 Desde os anos 1930 o descompasso entre o sonho e a realidade dividia a paisagem
recifense. A cidade crescia, mas não nha estrutura para acolher devidamente seus
habitantes. Nas áreas ribeirinhas surgiam os chamados mocambos, a cidade anbia,
onde moravam os cidadãos feitos de carne de caranguejo como arma Rosemberg (apud
REZENDE, 2002, p.103). A questão da habitação é uma questão social que necessita da
atenção dos poderes públicos. A situação do Recife não era muito diferente de outras
áreas metropolitanas. Em geral, as cidades recebem uxos intensos de pessoas, mas não
têm condições de acolhê-las. O Recife connuava apresentando sinais de modernização,
mas os contrastes sociais tornavam-se visíveis exisndo 23.210 mocambos e 23.869
prédios com uma população que variava entre 238 mil (1920) e 348 mil (1940).
com as belezas oferecidas pela natureza e pela vida,
tornando-se mais rica de satisfações estéticas (Boletim
DECA, 1953-54, p.23).
Havia uma diferenciação no público que a DECA visava atingir,
diferentemente da Escola de Belas Artes que se voltava para os que haviam
concluído o curso secundário. Com a DECA a preocupação estava em
promover, em favorecer uma melhoria da qualidade do ensino artístico
na escola e o acesso das crianças a essas atividades, ou seja, o foco era a
educação básica. Embora uma das metas fosse a formação das professoras e
a presença do ensino artístico na escola, a mesma não se limitou a isso, mas
abriu espaço para outros, como foi o caso do Salão de Artistas Estreantes.
Com o golpe civil-militar o novo Secretário de Educação e Cultura do
estado de Pernambuco, Lourival Villanova, transformou a DECA em
departamento e as verbas foram restritas substancialmente, a ponto de pela
primeira vez após onze anos consecutivos, a DECA deixar de realizar o
Salão de Arte Infantil, o I Festival de Mamulengos e outras atividades que
já estavam planejadas pela equipe de professoras.
Todo o material da DECA foi queimado, pois não interessava a quem
assumia o poder tudo o que já havia sido feito até ali. Tornava-se necessário
romper com todas as ideias e atividades desenvolvidas anteriormente.
No ano de 1964, houve uma drástica redução dos conteúdos divulgados
nos boletins elaborados pela DECA. Segundo Cavalcanti (1986), vários
fatores contribuíram para a decadência daquela Divisão, entre eles o
afastamento das professoras especializadas que haviam conduzido a
DECA, algumas porque atingiam o tempo de aposentadoria, outras
atendiam a melhores oportunidades de trabalho que se ofereciam em
outras instituições, outras ainda por motivos políticos deveriam deixar
a cidade.
Podemos perceber que a arte não esteve ausente da escola pública. Vimos
que em outros espaços da sociedade ela também se fez presente, mesmo
se voltada a cursos prossionalizantes, como foi o caso do Liceu de Artes
e Ofícios ou voltada ao ensino clássico e acadêmico como foi o caso da
Escola de Belas Artes.
A presença da DECA, no estado de Pernambuco, foi de fundamental
importância, pois ao mesmo tempo em que percebemos o interesse, a
preocupação com a orientação e atualização continuada dada às professoras
nessa área, vimos também o intuito em democratizar a presença da arte
na escola, tornando-a acessível a todos não só abrindo espaço para a arte
produzida pelas crianças, como também para apreciação desses trabalhos
por parte da sociedade como um todo com a realização dos Salões de Arte
Infantil. A DECA foi uma instância que contribuiu para tornar visível a
importância da arte no processo educativo e favoreceu seu ensino sistemático
buscando continuamente parcerias com outras instâncias e movimentos que
desenvolviam também o ensino artístico no estado de Pernambuco como a
Escola de Belas Artes e o Movimento Escolinhas de Arte.
Contemporaneamente ao surgimento da DECA foi criado nos anos 40 e
50 o Movimento Escolinhas de Arte nas cidades do Rio de Janeiro e Recife.
Esse Movimento se difundiu por todo o Brasil, inclusive por outros países,
e exerceu uma força considerável desenvolvendo um papel fundamental
no ensino da arte, inicialmente voltado à criança, mas que abriu espaço
também para o adolescente e o adulto.
O Movimento Escolinhas de Arte
Durante a década de 1940, no caso pernambucano, percebemos que a
existência do ensino de arte no currículo escolar estava intensamente
presente, pois as atividades desenvolvidas pela DECA comprovaram que
havia uma busca constante na melhoria da qualidade do ensino de arte
nas escolas, inclusive com a colaboração da Escola de Belas Artes e do
Movimento Escolinhas de Arte28.
No currículo escolar, do curso ginasial das escolas brasileiras da época, as
artes eram compostas por Trabalhos Manuais, Desenho e Canto Orfeônico.
28 O nome Escolinhas de Arte foi escolhido pelos primeiros alunos de Augusto Rodrigues,
por oposição à grande Escola Nacional de Belas Artes, no centro do Rio de Janeiro
(VARNIERI, 1996). A Escola Nacional de Belas Artes possuía um sistema educacional
voltado aos ícones europeus e a Escolinha de Arte buscou romper, justamente, com essa
excessiva valorização, trazendo uma nova proposta de arte/educação nacional incluindo a
criança nesse processo.
O programa do curso ginasial era elaborado pelo Ministério da Educação e
Saúde para todo o país. Nesse documento intitulado Programas do Ensino
Secundário consta que os Trabalhos Manuais consistiam em trabalhar com
papel, madeira, chapas metálicas, modelagem ou tecelagem, couro e arame.
O Desenho devia ser o geométrico, desenho de letras, representação de
ornatos em faixas e painéis, desenho do natural e desenho de observação
(Ministério da Educação e Saúde,1951).
No ano de 1941 realizou-se, no Rio de Janeiro, um evento que serviu de base
para o nascimento de um movimento que se difundiu de norte a sul do Brasil
e ultrapassou fronteiras atingindo outros países. Esse evento refere-se a uma
exposição que o Conselho Britânico promoveu com trabalhos de crianças
inglesas. A exposição provocou encantamento e surpresa por causa da
qualidade e expressividade dos trabalhos expostos e serviu de grande estímulo
no pensamento de uma escola de arte onde fosse permitida a expressão livre.
Assim, Augusto Rodrigues, pernambucano, e Lúcia Alencastro Valentin, do
Rio Grande do Sul, começam a concretizar essas novas ideias.
Noemia Varela nos narra essa história29 :
Quando a Escolinha de Arte começou foi puro interesse de
artistas que apoiaram o que fez Augusto Rodrigues e Lúcia
Alencastro Valentin (...) quando ambos começaram na
Biblioteca Castro Alves, no recanto que lhes foi dado para
trabalhar, eles nunca como que pensaram que seria o princípio,
do princípio para algo que cresceria para além dos seus sonhos.
Criada durante a efervescência do imaginário da modernidade no Brasil,
a Escolinha de Arte deu testemunho de momento crucial de mudança
na atitude educacional e, com sua existência, criou, divulgou e reforçou
muitas dessas mudanças, contribuindo de forma especial para um novo
pensamento analítico do papel da arte na educação (ANDRADA, 1997).
A Escolinha de Arte trouxe uma proposta educacional própria, brasileira
e voltada para suas crianças de país tropical, cheio de cores, texturas,
possibilidades. Segundo Fernando Azevedo (apud FRANGE, 2001, p.28),
29 Entrevista realizada em 25.07.03 para esta pesquisa.
as Escolinhas surgiram no pós-guerra como uma resposta ao autoritarismo
das escolas tradicionais. Existia um forte valor libertário pelo respeito à
criança com crença na livre-expressão e nas innitas possibilidades de cada
ser humano. Esse movimento surgiu logo após a Segunda Guerra Mundial
ecoando em muitos países. Seu precursor foi o historiador da arte Herbert
Read que desenvolveu estudos sobre a educação através da arte.
O MEA, fortemente ancorado no ideário modernista, desenvolvia estudos
correlacionando a arte com a losoa, a psicologia, a antropologia, a história
da arte, a mitologia e outros que pudessem aprofundar a compreensão sobre
o artista, sua obra, sua época e uma compreensão da arte em sua dimensão
ampliada do conhecimento.
Augusto Rodrigues que possuía um vasto conhecimento na área e conhecia
muitas pessoas do meio artístico, viajou pelo Brasil e América do Sul para
falar da experiência que orientava juntamente com educadores, outros
artistas e psicólogos. Dessa forma, essa experiência teve grande repercussão
de norte a sul do Brasil e na América Latina. Gente do Chile, Argentina,
Paraguai e professores do exterior foram também convidados para dar sua
contribuição. Foram organizados Salões de Arte Infantil reunindo milhares
de trabalhos de crianças (FRANGE, 2001).
A Escolinha de Arte do Brasil, no Rio de Janeiro, começou a crescer e seu método
consistia em aprender com as crianças, conforme Moser (1988), observar o
que faziam, anotar suas preferências e progressos, analisar e documentar tudo.
Desta forma pretendia, além da libertação da criatividade, o desenvolvimento
global da personalidade infantil. A Escolinha começou a ser o local para onde
convergiam pessoas em busca de um sistema inovador de ensino pela arte.
No contato com Escolas Especiais desenvolveu-se o interesse e o trabalho
pela integração da arte na educação do excepcional30. Um desses casos
ocorreu em Recife, com Noemia Varela que lecionava, também, numa
escola para excepcionais, a Escola Ulysses Pernambucano. Justamente lá,
durante uma reunião com 80 pessoas entre artistas, médicos, educadores,
psicólogos e outros prossionais foi fundada a Escolinha de Arte do Recife.
30 Na época o termo excepcional se referia às pessoas com necessidades especiais.
Seu objetivo era trabalhar a criança motivando-a e desenvolvendo nela a
uência, a exibilidade, a intuição, envolvendo também o educador no
processo criativo e na construção da totalidade e unicidade harmônica que
contribui para o desenvolvimento individual e coletivo. Mas, como surgiu
esse interesse em Recife, como chegaram essas ideias inovadoras? Foi a
própria Noemia Varela que relatou:
(...) eu me lembro que trabalhava numa escola de crianças
que tinham problemas mentais que era a Escola Ulysses
Pernambucano aqui, da qual fui diretora, e eu quis ver outras
escolas semelhantes e eu fui ao Rio. Estava no campo da
educação especial, psicólogas, e fui levada por elas à escola de
Augusto. Eu me lembro que uma das professoras me disse: aqui
tem uma experiência muito inovadora, muito interessante, você
como desenha e pinta deve ir ver. Aí eu fui ver. Era a Escolinha de
Arte do Brasil. A primeira visita que eu z, quei deslumbrada,
eu não ouvi palavra do que disse Augusto, eu vi a aula31 .
Surpresa com a novidade que via diante dos olhos, Noemia Varela enfatizou
a diversidade de crianças encontrada na escola:
Meninos grandes, meninos menores, meninos pobres,
meninos de classe social média, meninos de classe social
mais elevada, lhos de professores, lhos de... recursos que
traziam os meninos de automóvel, meninos bem simples,
bem pobres que chegavam na Escolinha e todos eram
aceitos e todos trabalhavam. (...) eu quei encantada de ver
uma experiência dessa que eu nunca tinha visto! (...) eu fui
para conhecer a Sociedade Pestalozzi do Brasil, escola que
dedicava a educação de crianças excepcionais fundada por
Helena Antipo (...) quis ver a experiência das crianças que
trabalhavam com tinta e pincel, decientes e vi como era
importante tudo aquilo na educação da criança (...) essas
coisas mínimas, essas observações, essas experiências vistas,
vivenciadas me deram o sentido do que eu devia fazer na
Escola Ulysses Pernambucano e eu mudei tudo! Eu criei
espaço pra criança inventar, fazer arte, pintar, desenhar.
31 Entrevista concedida em 25.07.03 para esta pesquisa.
O surgimento das Escolinhas de Arte trouxe a proposta de sistematização
do jogo livre e espontâneo com materiais e elementos da linguagem gráca
e plástica. Educadores e artistas, entusiasmados com a descoberta da
expressão livre traduzindo o desenvolvimento emocional e intelectual da
criança, constataram experiências semelhantes, consultaram publicações
que enfocavam o assunto na Inglaterra, na França, e levaram à prática da
arte/educação para a América Latina (VARNIERI, 1996).
De acordo com Pedrosa (1993, p.64):
For the pioneers of this movement, the initial motivation resided
in the restlessness of artists and educators who experienced the
need to establish something new in the brazilian educational
system. e initial idea was therefore to make tangible a desire
to contribute to the national development of elementary and
secondary education, reinvigorating it through the inclusion
of creative activities in the curriculum.
O Movimento Escolinhas de Arte trouxe muito mais que uma prática em
arte/educação. Continua a contribuir para o aprimoramento da relação da
educação como ciência e como arte. Modelando, pintando, desenhando,
compondo a partir de seus interesses e de sua imaginação, crianças,
adolescentes e adultos estão expõem uma visão pessoal do mundo e seu
processo de interação com ele. Devem ser estimulados pelo respeito à
expressão individual e orientados por um educador que equilibra a
vivência das qualidades inesgotáveis e intrínsecas ao fazer criador com o
conhecimento teórico da arte e da educação.
Foram fundadas Escolinhas de Arte de norte a sul do país. Essas
Escolinhas não se tornaram governamentais, exatamente para serem
livres de quaisquer inuências político-partidárias. O MEA não foi
fruto do acaso e sim do desejo, do sonho e da vontade de se fazer outra
educação artística, arma Noemia Varela32. Talvez por esse motivo tenha
exercido uma força política favorecendo a organização e articulação entre
os prossionais de arte.
32 Fundadora da Escolinha de Arte do Recife em entrevista concedida para esta pesquisa em
24.01.2002. Até pelo menos os 88 anos de idade, connuava trabalhando na Escolinha.
Em 1961, a Escolinha de Arte do Brasil organizou o primeiro Curso
Intensivo de Arte na Educação (CIAE), inspirado em seu estágio33 de 1960.
Em sua programação, também foi realizado o I Seminário de Arte e Educação
do qual todos os professores e alunos do CIAE foram ativos participantes
(VARELA, 1988). Esses cursos, pioneiros no Brasil, passaram a ser realizados
anualmente visando a formação de educadores para o ensino da arte.
Sobre esses cursos Pedrosa (1993, p.36) armou que:
is was a regular full-time course of ve months every year. It had a
great infuence upon at teachers, as for decades (from 1948 to 1973) it was
the only permanent course in the country concerned with changing the
teachers’ behaviour towards a critical and inventive approach to art. is
training course had been planned in order to review teaching methods
and to develop practical skills in dierent elds of art education (music,
painting, theatre, dance).
O CIAE atendeu alunos procedentes de todas as regiões do Brasil, vindos da
Argentina, Uruguai, Chile, Paraguai, Peru, Venezuela, Honduras, Panamá,
Portugal, França e Israel. O que mais caracterizou esse curso foi estar
centralizado no vigor do ato de criação, mobilizando o impulso exploratório
de seus alunos, levando cada participante a explorar potencialidades
emotivas e expressivas das linguagens artísticas, fazendo-o pensar e
repensar em arte e educação no contexto cultural (VARELA, 1988).
O Curso Intensivo não recebia apenas professores titulados e leigos
caracterizando-se também pela sua abertura para artistas, artesãos, estudantes
de arte, psicólogos, professores de Pedagogia e da Faculdade de Educação. Por
muitos anos esse era o único curso de arte e educação destinado a professores
33 Em 1960, a Escolinha de Arte do Brasil recebeu 12 professores de desenho e
pintura como estagiários vindos do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Bahia, Rondônia
e Guanabara. As experiências e debates programados duravam das 9 às 17:00h, porém
o dia de trabalho terminava quase sempre às 21:00h. Durante um mês trabalhou-se de
modo intensivo, visando-se a análise da experiência da Escolinha de Arte do Brasil em sua
estrutura e dinâmica em seus processos e técnicas, em seus princípios fundamentais. O
debate esclarecia como integrar arte no processo educavo, e qual a forma de fundar e
fazer funcionar uma Escolinha com mais êxito e ainda como melhor preparar o educador
para avaliação de sua experiência em classe (VARELA, 1988).
de todos os graus de ensino, pois até então nas universidades não existia um
curso direcionado à formação do professor de arte.
O grande enriquecimento desse curso foi a diversidade de prossionais
envolvidos na área, o que favoreceu uma constante fonte de renovação e
transformação do curso. Conforme Varela (1988) o aprender fazendo se
fundamenta em estudos sobre Arte, Educação, Psicologia e no enfoque
dos princípios losócos básicos para uma melhor compreensão de como
educar pela arte.
Entre outras atividades, a Escolinha de Arte realizava constantemente
exposições de arte. Em 1969, por exemplo, foi publicada uma matéria
num jornal da cidade divulgando a realização de uma grande exposição
de trabalhos pernambucanos, organizada por Augusto Rodrigues, na
inauguração da nova sede da Escolinha de Arte do Brasil, no Rio de
Janeiro (Diário da Noite, 20.01.1969). Essa exposição continha arte sacra,
cerâmica artística e industrial, tecelagem, escultura, pintura, desenho,
gravura, danças, folclore, documentário de atividades teatrais, fotograa,
etc. Além disso, tinha apresentações de maracatu, marionetes, bumba meu
boi e mamolengos. Havia um intercâmbio entre as Escolinhas favorecendo
o conhecimento e a troca das diversas experiências culturais individuais e
coletivas de diferentes regiões.
O MEA não se preocupou exclusivamente com o ensino da arte para crianças
e adolescentes, mas voltou-se também para a formação de arte/educadores.
Assim, além dos CIAE frequentemente professores e professoras da área
de instituições estrangeiras, especialmente inglesas, eram convidados a
dar palestras, cursos, trocar experiências, enm, estabelecer um diálogo
contínuo, uma contínua discussão no campo da arte/educação. Entre esses,
estava Herbert Read que visitou a Escolinha de Arte do Brasil e encorajou
o trabalho que estava sendo desenvolvido. Outros arte/educadores ingleses
também vieram promover cursos a convite de Augusto Rodrigues, dentre
esses Tom Hudson e Seonaid Robertson que zeram também conferências
na Escola de Belas Artes de Pernambuco e na Escolinha de Arte do Recife.
A presença desses educadores foi de suma importância para o MEA e todos
os que dele se aproximavam, assim como também para as autoridades
brasileiras. Pedrosa (1993, p.85) explicitou essa importância:
Of one thing we are sure, that his visits (aqui se refere a Tom
Hudson) to Brazil fostered deeper concern in the brazilian
authorities for the introduction of art in the curriculum of
primary and secondary education. In addition, his presence
also helped to enlarge a discussion about the concept of
creative art education, and strengthened the movement
of art education in the country through the creation of art
educators associations.
Havia também, por parte da Escolinha, um interesse em participar de
conferências e seminários internacionais justamente com este objetivo de
estar conectada ao desenvolvimento da arte/educação em outros países.
Aconteceram encontros e congressos nacionais entre as Escolinhas de Arte
do Brasil que deram suporte às Secretarias de Educação com as discussões
e estudos acerca da arte/educação.
O MEA exerceu inuência em nível nacional, inclusive no Ministério da
Educação. O suporte dado às Secretarias de Educação deixou clara esta
inuência. Assim, armou Pedrosa (1993, p.40):
(...) the Ministry of Education in convention with Escolinha
de Arte do Brasil organized a course to prepare the sta
from the State Secretary of Education who would lead the
organization of a new curriculum to be followed in each state.
A partir da obrigatoriedade da educação artística no currículo escolar
aumentou a procura do CIAE, pois até 1973 era nessas escolinhas que
se formavam os arte/educadores. A partir daí foram criados os cursos
universitários que formavam o professor em dois anos para a polivalência,
ou seja, para lecionar artes plásticas, música e teatro de 1ª a 8ª séries34.
O MEA foi um movimento que favoreceu a divulgação da arte/educação,
a sistematização do ensino da arte, a troca constante de experiências em
educação através da arte como também serviu de apoio e orientação
aos prossionais que trabalhavam nessa área ou que tinham interesse e
sensibilidade para ela, pois os professores que trabalhavam na Escolinha
não eram necessariamente formados na área artística, como explicitou
34 1ª a 8ª séries corresponde do1º ao 9º ano da Educação Básica, nível Fundamental I e II.
claramente Noemia Varela durante entrevista concedida para esta
pesquisa35:
(...) Alguns vinham de outras áreas, se encantavam, eu não
tinha nada a ver com Educação Artística, eu sou formada
na Universidade de Pedagogia e de Pedagogia eu me
interessei. Eu fazia Desenho e Pintura, eu estudei Desenho e
Pintura. (...) No Rio de Janeiro tinha muita gente no campo
teatral que trabalhava na Escolinha levando experiências e
quando chegava da Europa, de cursos, ia e dava, era muito
rica a experiência. Augusto tinha uma facilidade de se
comunicar muito grande tanto que o professor que chegava
da Universidade Italiana, da Universidade de Paris, da
Universidade de Portugal (...) Augusto mandava tomar o
nome dele, mandava convidar (...).
A Escolinha foi um forte meio de articulação, de encontro e organização
dos prossionais da área de artes e Noemia Varela apontava a Escolinha de
Arte como um ponto de encontro para os arte/educadores:
Sempre, sempre. Os professores da Universidade, muitos
de arte, do Museu de Arte Moderna. Em Minas Gerais, por
exemplo, muitas pessoas que trabalhavam foram empurradas
por Helena Antipo. A gente trata apenas as propostas para
que tomem consciência do que se faz, eu trabalhava aqui,
mas eu não deixei o contato com as outras Escolinhas. É,
eu era professora da Universidade, trazia todos os meus
alunos pra cá. A Universidade não dava todas as respostas
e também não pode ser somente uma casa a mais que para
sobreviver tem que ser criativa, não existe Universidade sem
criatividade.
A proposta de arte/educação desenvolvida pelo MEA serviu de base para
orientação do como deveria ser tratada a arte no currículo escolar. A
própria elaboração de documentos especícos sobre a educação artística
foi baseada em estudos desenvolvidos pelo MEA. Pedrosa (1993, p.168)
enfatizou este aspecto:
35 Entrevista realizada em 25.07.03.
Having a direct and almost exclusive contact with the
theories emphasised by Escolinha, it was natural that the
members of the art advisory committee for the national
art curriculum would make recommendation according to
the beliefs of that institution, they would focus on an art
education inuenced by the modern view of childwood,
carrying a number of concepts such as: development of
child’s imagination, creativity, freshness, spontaneity,
playfulness, naivety, self-expression, and liberation of
feelings, among others.
As experiências realizadas na Escolinha eram vivas, constantemente
renovadas e enriquecidas pela troca contínua de experiências dos que dela
se aproximavam. O MEA exerceu um papel fundamental na sistematização
do ensino da arte com a visão voltada para uma educação estética
enriquecida não só envolvendo as crianças, mas também adolescentes e
adultos. Preocupou-se com a formação de arte/educadores desenvolvendo
cursos intensivos e procurando constantemente estar atualizado ao que
acontecia em termos de arte em outros países, estabelecendo a troca de
experiências, abrindo espaço para a discussão sobre a importância da arte na
educação. Inuenciou as autoridades educacionais despertando um olhar
mais acurado à importância da arte na educação. Toda essa experiência
estava inserida dentro de um contexto sociopolítico e econômico peculiar,
pois inúmeros acontecimentos e transformações ocorriam na sociedade
brasileira. No próximo tópico nos reportaremos a este contexto, pois o
mesmo favorece uma compreensão um pouco mais ampliada do entorno
social: o que se vivia no país, qual era o comportamento da população, o
que aconteceu no campo da educação e na sociedade brasileira, em geral,
alguns anos antes da reforma educacional que tornou o ensino da educação
artística obrigatório no currículo escolar.
Os anos 1960 e a LDB de 1961
Com o crescimento da burguesia industrial, ampliou-se o mercado interno
favorecendo a agricultura e também a produção de matérias-primas
industriais. No governo Getúlio Vargas foi implantado o setor estatal da
economia na indústria de base dando-se ênfase à produção nacional. Com
isso desenvolveu-se, consideravelmente, a indústria e o comércio.
As dimensões do mercado interno, previamente criado pelo capitalismo
nacional, tornaram o Brasil atrativo aos investimentos maciços do capital
estrangeiro no âmbito da produção industrial. Esses investimentos junto
ao estatal foram as alavancas principais para o salto industrializante do
quinquênio Juscelino Kubitschek (GORENDER, 1987). No entanto, essas
alavancas abriram fendas profundas na economia brasileira deslanchando
o endividamento externo e causando conitos sociais de norte a sul do país.
Dentro desse contexto, o início dos anos 60, (GERMANO, 2000, p.49), foi
problemático para as elites brasileiras, pois o país enfrentava uma crise
econômica e política de grandes proporções. A crise econômica referiu-se
à redução no índice de investimentos, diminuição da entrada de capital
externo e a queda da taxa de lucro agravando-se a inação. A crise de
direção política do Estado referiu-se ao conito entre capital e trabalho.
Em meio a sociedade vários setores se organizaram e participaram
ativamente das mobilizações populares em favor de reformas em sua
estrutura como os estudantes e os militares subalternos. Toda a década de
1960 foi um período de muitas reivindicações por parte de toda a população
brasileira. Necessitava-se de reformas de base. Falava-se em reformas
econômicas, pois as diferenças sociais cresciam a olhos vistos, reforma
tributária, administrativa, urbana, universitária. Com o crescimento
industrial e o desenvolvimento comercial, o mercado de trabalho abria-
se diante da juventude, porém o sistema educacional estava defasado e
o número de vagas nas universidades não contemplava a demanda que
buscava esse nível educacional.
As lutas pelas reformas de base não encerravam, conforme Gorender
(1987), por si mesma um caráter revolucionário e muito menos socialista.
Continha virtualidades que tanto podiam fazer do Brasil um país capitalista
de política independente e democrático-popular como podiam criar uma
situação pré-revolucionária e transbordar para o processo de transformação
socialista. Portanto, para a burguesia industrial e os setores vinculados
ao capital estrangeiro era um grande risco apoiar essas reformas, uma
vez que feriam seus próprios interesses. A alternativa da “modernização
conservadora” foi uma opção que se conjugou à conspiração golpista,
articulada à Escola Superior de Guerra (ESG), o Instituto de Pesquisas e
Estudos Sociais (IPES) e o imperialismo norte-americano que incentivou e
ajudou de muitas maneiras.
Em nível mundial, os anos 60 marcaram o auge de grandes transformações,
sobretudo, no comportamento da juventude. Surgiram os hippies
(pregadores de paz e amor), no campo da música os Beatles e os Rolling
Stones revolucionaram. Foi lançada uma nova moda com o uso da roupa
informal, a calça jeans, a minissaia, os homens deixaram a barba e o
cabelo crescerem. Os jovens queriam se armar como jovens e buscavam
romper com as regras tradicionais de então, reetiam conscientemente e
denunciavam as injustiças cometidas na sociedade na busca de um mundo
mais honesto e menos desequilibrado.
Era uma juventude com um sentimento de potência,
muito alegre, muito participativa. Sentíamo-nos atores
na construção social. Era comum na época, abandonar
empregos mesmo bem sucedidos por causa de um ideal, o
ideal de transformação da sociedade. Porém, com o golpe,
ocorre toda a desestruturação das relações interpessoais36 .
No Brasil, na época tumultuada do momento político que se seguiu à posse
de Jânio Quadros, em 1961 até 1964, um fenômeno novo pareceu tornar-se
mais nítido: a consideração do “popular”37 para o meio intelectual e artístico,
36 Comentário realizado por Ana Cecília Jácome, membro do PCBR, durante o regime
militar, em entrevista concedida na Universidade Federal de Pernambuco, na disciplina
Historiograa e Metodologia da História da Educação, em 11.09.02.
37 Com a revisão de valores procedida a parr do romansmo, quando se passou a dar novo
sendo e valor ao elemento povo, as artes populares, que desde o Renascimento haviam
sido rebaixadas à categoria de artes menores relegadas à classicação de artesanato, se
viram anal como centro de atenções inuenciando as artes eruditas, em suas concepções,
formas e cores. Sabe-se que até o Renascimento a arte era tomada como um todo sendo
executada pelo arsta artesão sem grandes possibilidades de ressaltar o individualismo
e as inclinações pessoais, levando, antes de tudo, em consideração a ulidade mais ou
menos imediata das obras de arte executadas. Desnava-se à colevidade e como tal eram
idealizadas para servir à colevidade tanto material quanto espiritualmente. O arsta ou
artesão se liava às corporações e aprendiam conscientemente o seu ocio a m de dar o
os meios de comunicação de massa contribuindo vigorosamente para
chamar a atenção de um número maior de pessoas. Consequentemente,
o dado “participação, tanto da parte de artistas como de intelectuais, foi
considerado prioritário, tentando-se através dela, um trabalho comum,
tendo de um lado a massa da população brasileira e, de outro, o meio
intelectual e artístico (AMARAL, 1984). Esse período correspondeu a
uma fase excepcional de orescimento da cultura brasileira. A politização
das massas se tornou o terreno fértil sobre o qual fruticaram iniciativas
de cultura popular como nunca havia ocorrido em épocas anteriores
(GORENDER, 1987).
No campo artístico vericou-se um orescimento nas diversas áreas e um
sopro de entusiasmo renovador percorreu a música popular, o teatro e a
literatura. Foi a fase de ouro da Bossa Nova, do cinema novo, do teatro
de arena, da arquitetura de Brasília e um impulso intelectual acompanhou
o maior movimento de massas da história brasileira. Tudo isso também
repercutiu no campo da educação.
No governo Jânio Quadros a educação foi considerada como elemento-
chave do desenvolvimento nacional com a incrementação do ensino
técnico e prossional para atender ao desenvolvimento cultural e
tecnológico do país. A educação surgiu como um meio ecaz de atingir o
objetivo “desenvolvimentista” (FAZENDA, 1988). A USAID38 surgiu como
“salvadora” ou mesmo “usurpadora, agência norte-americana que estava
de prontidão para assumir a tarefa da reordenação da educação nacional
brasileira. Sua interferência na educação, camuada de “assistência técnica,
maior rendimento possível sem que isto o disnguisse dos seus companheiros. Raramente
as obras eram assinadas porque geralmente eram feitas por equipes. Tinham um rigor
especial vindo das raízes mesmas do povo. Com o Renascimento as artes populares
passaram a ser propositadamente consideradas como artes menores, limitando-se à
semelhante classicação até o romansmo. Foi o século XIX quem descobriu as artes
populares, a sua força histórica, o seu valor como elemento avo e primordial. Os
arstas eruditos se voltaram para as manifestações populares em um interesse diferente
encontrando nelas um manancial jamais esgotado de inspiração e revigoramento para
suas criações. Entre os arstas pernambucanos que se inspiraram nos temas populares e
em suas linhas e cores situam-se Lula Cardoso Ayres, Abelardo da Hora, Corbiniano Lins,
Wilton Sousa, Wellington Virgolino, Armando Lacerda (Diário da Noite, 26.09.1962).
38 USAID – United States Agency for Internaonal Development.
já vinha de longe e não era um fenômeno exclusivamente brasileiro. Esses
interesses, (CUNHA E GÓES, 1985), se manifestaram desde a Guerra Fria
e cresceram no nal dos governos Dutra e JK.
No campo educacional, o nal do governo JK foi marcado pela discussão
sobre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional no Congresso
Nacional, nos órgãos educacionais, sindicais, meios estudantis, na imprensa
e nos comícios da campanha eleitoral de 1960 (CUNHA E GÓES, 1985).
O grande embate na discussão da LDB, que teve seu período mais longo
na história da educação brasileira (13 anos), se estabeleceu entre a rede
privada de ensino e os educadores que defendiam a escola pública, laica e
gratuita. Os diversos interesses zeram permanecer em debate tanto tempo
uma lei educacional.
Com a aprovação da LDB em 1961 realizou-se um sonho de Lourenço Filho
que era criar os Conselhos Estaduais de Educação, ou seja, descentralizar
o MEC (FÁVERO, 2003), proporcionando mais autonomia aos estados da
Federação.
Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº4024/61, estavam
presentes os termos: disciplina e práticas educativas. Essa lei determinou
que o ensino de grau médio39 fosse ministrado em dois ciclos, o ginasial
e o colegial e que em cada ciclo haveria disciplinas e práticas educativas
obrigatórias e optativas. Mas, o que se entendia por disciplina e prática
educativa, qual a distinção entre as mesmas?
No documento intitulado Consolidação da Legislação do Ensino Secundário
após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional encontra-se a
denição para esses termos, no cap.VII, § 2º e § 3º respectivamente:
Entende-se por disciplina a atividade escolar destinada à
assimilação de conhecimentos sistematizados e progressivos,
passíveis de mensuração e que é condição de prosseguimento
de estudos. Entende-se por práticas educativas as atividades
que correspondem às necessidades de ordem física, artística,
39 O ensino de grau médio refere-se ao prosseguimento do ensino primário. Atualmente
corresponderia ao ensino fundamental II e ensino médio, desnado à formação do
adolescente.
cívica, moral e religiosa e que colocam o acento principal
na maturação da personalidade, com a formação de hábitos
correspondentes, embora necessitem também da assimilação
de certos conhecimentos40 .
Ora, não seria redundante essa distinção uma vez que se admitiu que as
práticas educativas necessitavam também de certos conhecimentos?
Referindo-se a atividade artística, termo utilizado na lei, não seria
necessário o conhecimento sistematizado e progressivo dentro dessa
área? Nesse campo não haveria condição de prosseguimento de estudos?
Por exemplo, como se poderia desenvolver no indivíduo a observação, a
sensibilidade artística e estética, a apreciação, a harmonia das cores, das
formas, o equilíbrio de uma composição, os elementos históricos da arte
senão através de um conhecimento sistematizado?
No art.38 da Lei 4024/61, direcionado a organização do ensino de grau
médio, está presente como norma, atividades complementares de iniciação
artística. Mas, que atividades eram essas e quem as determinava?
O Conselho Federal de Educação apontou como principais atividades de
iniciação artística as seguintes: desenho de expressão e pintura; modelagem
e escultura; museu didático de arte; exposição de arte e indústria; excursões
a museus, galerias, monumentos e sítios naturais; jograis; coro seco; música
e canto orfeônico; clube de decoração; clube de cinema.
O CFE ainda elaborou uma relação de disciplinas optativas para os
sistemas de ensino médio. No ciclo ginasial, Música e Canto Orfeônico e
no colegial, Desenho e Introdução às Artes. Note-se que a própria redação
da lei apresenta uma confusão na utilização dos termos, pois no artigo 33
trata o desenho, a música e o canto orfeônico como práticas ou atividades
de iniciação artística. Já no artigo 39, trata-os por disciplinas optativas. O
mesmo conselho determinou que os programas das disciplinas e práticas
40 Esses conhecimentos se referem à assimilação de conhecimentos sistemazados,
necessários à interpretação do mundo que o rodeia (o adolescente) e à organização de
sua futura avidade produva, mas exige por outro lado, a maturação da personalidade
pelo despertar para o mundo dos valores e a integração dos mesmos nos hábitos da vida
(Par. nº131/62).
educativas fossem elaborados pelos professores e aprovados pelo diretor do
estabelecimento, dando espaço, assim, à autonomia do professor e da escola.
Embora alguns aspectos da arte foram determinados como práticas
educativas, ou atividades de iniciação artística, não se encontrou
determinado na lei o tempo escolar que seria reservado para tal. Apenas,
em linhas gerais, está explícito como uma das normas na organização do
ensino de grau médio as vinte e quatro horas semanais de aulas para o
ensino de disciplinas e práticas educativas.
O contexto histórico apresentado nos ajuda a compreender em que
contexto se inseriu o Movimento de Cultura Popular, nascido em Recife
no ano de 1960, que teve apoio político e um grande crescimento até o
golpe civil-militar que encerrou suas atividades. Dentro desse movimento
o setor de Difusão da Cultura foi o que obteve maior crescimento e nele
encontramos a presença constante do ensino da arte desde a plástica ao
teatro e até mesmo englobando o artesanato. Veremos a seguir como se deu
o seu nascimento.
O Movimento de Cultura Popular: um espaço também para a arte
Inserido no turbilhão de crescimento político e cultural, estruturou-se,
nos anos 1960, em Pernambuco, o Movimento de Cultura Popular (MCP)
que abriu espaço para o pensamento renovador em educação e, de acordo
com Cunha e Góes (1985), absorveu alguns intelectuais com experiências
de lutas políticas das classes subordinadas. Estes se transformaram em
intelectuais orgânicos41 de uma política voltada para a cultura popular.
41 Gramsci (1968) deniu duas categorias de intelectuais como tradicionais e orgânicos.
Os tradicionais referem-se aos preexistentes na sociedade, ou seja, categorias que são
determinadas pela tradição de um povo e permanecem no decorrer histórico social. Os
orgânicos se referem às especializações que cada nova classe cria consigo e elabora em seu
desenvolvimento progressivo. Um desses exemplos aponta o empresário capitalista que
cria consigo o técnico da indústria, o ciensta da economia políca, o organizador de uma
nova cultura e assim por diante. Entretanto, Gramsci esclareceu de forma considerável que
todos os homens são intelectuais, mas nem todos os homens desempenham na sociedade
a função de intelectuais. Ele ainda colocou no mais alto grau da avidade intelectual os
criadores das ciências, da losoa, da arte etc.
Esse movimento foi capaz de pôr em pauta questões fundamentais para o
curso da história brasileira, tais como: o confronto entre educação elitizada
e cultura elitizada de um lado, e educação popular e cultura popular, de
outro (BATISTA NETO, 1987). Teve um amplo alcance na cidade do Recife
e depois no estado de Pernambuco e conseguiu desempenhar um papel
fundamental no âmbito educacional, na promoção e divulgação culturais
e na articulação e participação da população nos programas e atividades
desenvolvidos pelo mesmo.
Um movimento de cultura popular, (FÁVERO, 1983), só surge quando o
balanço das relações de poder começa a ser favorável aos setores populares
da comunidade e desfavorável aos setores de elite. Foi o que ocorreu em
Recife e logo depois em todo o estado de Pernambuco. As forças populares
e democráticas se zeram representar nos postos chave do governo e da
administração. A ocorrência dessa conquista, alcançada através do esforço
organizado das massas populares, criou novas condições que se traduziram
na possibilidade do Movimento de Cultura Popular ser nanciado pelos
poderes públicos.
Para compreender a força de atuação exercida pelo Movimento de Cultura
Popular tornou-se necessário conhecer como esse movimento conseguiu
ser nanciado pelos poderes públicos, naquele momento. O que havia em
sua conjuntura que lhe permitiu adquirir este apoio? De onde surgiram,
entretanto, as primeiras ideias para a estruturação daquele movimento? E
por que um movimento de cultura popular?
No início de 1960, foi publicada uma matéria num jornal da cidade onde
se disse que a prefeitura do Recife era a única no Estado que não mantinha
escolas: o único município que não dispunha de estabelecimentos destinados
a ministrar o curso primário, sob as expensas dos cofres da municipalidade,
em todo o Brasil (Diário da Noite, 03.02.1960). Outra matéria denunciou o
descaso a que se relegou a educação em todo o Estado e o décit no ensino
que atingiu cerca de 40 mil crianças sem escolas no Recife.
A prefeitura municipal do Recife, naquele período, não atuava no setor
educacional, pois só havia escolas estaduais e privadas. Pesquisas mais
recentes indicam que já existia a atuação do município na educação desde
o nal do século XIX (REZENDE, 2002). Miguel Arraes, então prefeito
da cidade, já se ocupava com a questão, apontando dados estatísticos
referentes ao décit escolar e levantando propostas para solucionar tanto
o décit quanto o problema da qualidade do ensino público (BATISTA
NETO, 1987).
Dessa forma foi estabelecido um convênio da Prefeitura Municipal com o
Governo do Estado para tratar de problemas escolares, mas a carência de
recursos era muito grande. Criou-se, então, um departamento autônomo,
uma entidade paralela à prefeitura para resolver o problema educacional.
Tornou-se, também, importante mobilizar a população interessada em
melhorar a educação, o que se vericou com a participação direta de vários
setores da comunidade, até mesmo na execução de obras (ARRAES, 1979).
Havia a necessidade de expansão dos serviços públicos educacionais que
as forças populares pretendiam e toda uma intenção pela necessidade de
mudança da concepção de educação, ou seja, se visava tanto o quantitativo
quanto o qualitativo no campo educacional.
O então prefeito e depois governador do Estado convidou os intelectuais
mais renomados na cidade para desenvolver uma nova proposta para a
educação infantil. Entre esses, encontrava-se Germano Coelho42, que chegou
da Europa e retomou a proposta educacional de Paulo Freire dizendo que
o problema não era o analfabetismo, mas a miséria do Nordeste. Assim,
lançou o MCP43. Mas, o que foi de fato o MCP?
Em maio de 1960, o prefeito Miguel Arraes, promoveu apoiado em
setores progressistas da intelectualidade e nos estudantes, a fundação do
Movimento de Cultura Popular. Juridicamente, nasceu o MCP como uma
sociedade civil autônoma.
42 Idealizador do MCP. Após longa permanência em Paris, retornou ao Brasil com uma
visão nova de sociedade, de educação e de crisanismo. Trazia todo o espírito, junto
com sua esposa Norma Porto Carreiro Coelho, de Boimondeau e do Peuple et Culture,
movimento francês da época (Memorial, 1986).
43 Informação dada pelo professor Osmar Fávero, em palestra realizada no “Seminário
sobre os Movimentos de Cultura e Educação Popular no início dos anos 1960” na UFPB
em 17.01.03.
O Movimento de Cultura Popular nasceu em Recife, no Arraial do Bom Jesus,
em Casa Amarela, no dia 13 de maio de 1960, data também comemorativa
da Abolição da Escravatura. Esse Movimento recebeu várias inuências de
obras e autores, sobretudo, franceses. Seu nome foi herdado do movimento
francês Peuple et Culture e em grande parte seu espírito (COELHO, 2002).
Suas atividades iniciais se orientaram, fundamentalmente, no sentido de
conscientizar as massas através da alfabetização e educação de base. A realidade
de um Estado com enorme índice de analfabetismo exigia esforços urgentes,
a m de incorporar à sociedade os milhares de proletários e marginais do
Recife, dotando-os de uma nova consciência (MCP, Plano de ação para 1963).
O MCP nasceu na cidade proletária. Nos mocambos dos morros, mangues
e alagados. Foi criado para emancipação do povo através da educação e
da cultura. As palavras do próprio idealizador do movimento, Germano
Coelho, revelam o compromisso em contribuir para uma melhor qualidade
de vida, para uma maior conscientização e para uma emancipação da
população recifense:
O Movimento de Cultura Popular nasceu da miséria do povo
do Recife. De suas paisagens mutiladas. De seus mangues
cobertos de mocambos. Da lama dos morros e alagados,
onde crescem o analfabetismo, o desemprego, a doença
e a fome. Suas raízes mergulham nas feridas da cidade
degradada. Fincam-se nas terras áridas. Reetem o seu
drama como “síntese dramatizada da estrutura social inteira.
Drama também de outras áreas subdesenvolvidas. Do Recife
com 80.000 crianças de 7 a 14 anos de idade sem escola. Do
Brasil, com 6 milhões. Do Recife com milhares e milhares de
adultos analfabetos. Do Brasil com milhões. Do mundo em
que vivemos, em pleno século XX, com mais de um bilhão de
homens e mulheres e crianças incapazes sequer de ler, escrever
e contar. O Movimento de Cultura Popular representa,
assim, uma resposta. A resposta do prefeito Miguel Arraes,
dos vereadores, dos intelectuais, dos estudantes e do povo
do Recife ao desao da miséria. Resposta que se dinamiza
sob a forma de um Movimento. Que inicia no Nordeste,
uma experiência nova de Universidade Popular (GODOY E
CARREIRO COELHO, 1962).
Mergulhado no contexto social, quais eram os objetivos do MCP e como
se deu sua estruturação? Como concebeu a arte e seu papel na educação?
O Movimento de Cultura Popular tinha como objetivos, segundo Cunha e
Góes (1985), promover e incentivar a educação de crianças, adolescentes
e adultos; atender ao objetivo fundamental da educação, desenvolver
plenamente todas as virtualidades do ser humano; proporcionar a elevação
do nível cultural do povo; colaborar para a melhoria do nível material do
povo; formar quadros destinados a interpretar, sistematizar e transmitir os
múltiplos aspectos da cultura popular.
Sem advogar o rompimento com a cultura internacional, o MCP postulava
o desenvolvimento de uma cultura mais autenticamente nacional, buscando
as raízes da cultura brasileira onde elas se encontravam, no meio do povo. As
elites intelectuais brasileiras estariam cada vez mais orientadas por padrões
e matrizes de outras culturas, sem enxergar o que de fato constituíam os
problemas culturais brasileiros, cuja solução só seria possível através de
matrizes culturais próprias que corresponderiam muito mais a uma índole
e a uma natureza de ser brasileiras (Arte em Revista, ano 2, n.3).
O MCP foi fundado e constituído como uma sociedade civil, brasileira,
de número ilimitado de sócios com duração indeterminada e nalidade
educativa e cultural. E ainda, constituído pelas subvenções dos poderes
públicos, doações de outras entidades e de particulares convênios (MCP,
Estatuto do MCP). O MCP se deniu como órgão técnico, rigorosamente
apolítico e pluralista, porquanto não discriminou losoa, credo ou
convicções ideológicas. Mas, na prática onde se realizaram as atividades
propostas por esse novo movimento?
Os clubes recreativos, as sociedades benecentes, os salões paroquiais,
os templos protestantes, os centros espíritas, os clubes desportivos das
camadas populares abriram espaço para a implantação de escolas do MCP.
O apoio do prefeito Miguel Arraes foi decisivo para o crescimento da rede
escolar (COELHO, 2002).
Ronildo Maia Leite, jornalista, escreveu uma matéria no Jornal do
Commercio (s/d) e explicitou o crescimento do Movimento:
(...) Alastrou-se a munganga por todo canto – pelas células
do Partidão, associações de bairro, casebres dos morros,
mangues, onde houvesse uma sala vazia nela se botava
uma escola. Nessa época houve um congresso nacional de
estudantes no Recife. Pois os pestes da UNE levaram a idéia
pra São Paulo. De lá descambaram pra Bahia, desembestaram
pra Sergipe. O prefeito de Natal era Djalma Maranhão,
vermelho que só Stalin, inventou o refrão De pés descalço
também se aprende a ler (...).
Em toda a cidade do Recife se utilizou todo e qualquer espaço para se
montar escolas (FÁVERO, 2003). Foram convocadas as 300 normalistas
do Instituto de Educação de Pernambuco que se integraram ao espaço
governamental para diminuir o décit escolar. O comércio e a indústria
foram convocados a contribuir com as despesas dos professores, além de
pessoas das mais variadas origens, dispostas a colaborar para manter as
escolas que iam sendo criadas e colocadas em funcionamento. A imprensa
também passou a dar apoio ao Movimento. Em dois anos o MCP instalou
104 escolas e atendeu 9000 crianças (BATISTA NETO, 1987).
Sua estrutura foi composta por três departamentos: Formação da Cultura;
Documentação e Informação e Difusão da Cultura. Esse último obteve um
crescimento maior, pois foi integrado por dez divisões: Pesquisa, Ensino; Artes
Plásticas e Artesanato; Música, Dança e Canto; Cinema; Rádio, Televisão e
Imprensa; Teatro; Saúde; Cultura Brasileira; Bem-estar coletivo; Esportes.
Percebemos o grau de atuação exercido pelo Movimento e o raio de
inuência que atingiu em todos os ramos da arte e cultura em geral,
recebendo, vale salientar, o apoio de setores importantes dentro da
sociedade, como o comércio, a indústria e a imprensa. Todavia, essa prática,
esse novo pensamento, essa nova proposta, voltados especicamente para o
popular, suscitaram conitos com os setores conservadores da época.
As camadas populares organizando-se adquiriam forças, sobretudo,
através da conscientização política e do fortalecimento cultural para suas
reivindicações. Consequentemente, o MCP, servia de incômodo para as
elites conservadoras que passaram a criticar o movimento de subversivo,
divulgador de ideias comunistas e, ainda “antro de perdição de meninas”.
A imprensa escrita publicou vários artigos de políticos que criticavam o
avanço do Movimento44. Note-se que, naquele período, estava próxima a
eleição dos novos candidatos ao governo do Estado.
Em resposta às críticas que o Movimento vinha sofrendo, os membros
dirigentes do MCP resolveram publicar nota ao povo:
(...) todo o povo do Recife sabe que o MCP é antes e acima
de tudo idealismo, abnegação, honestidade, competência
técnica e espírito de voluntariado de populares, intelectuais
e estudantes: são 201 escolas instaladas em menos de três
anos, com 626 turmas, diurnas, vespertinas e noturnas; são
19.646 alunos, crianças, adolescentes e adultos recebendo
educação primária, supletiva e de base. (...) ataques desta
ordem, planejados, coordenados e desfechados, às vésperas
de eleições, contra o MCP têm um só objetivo: amesquinhar,
com propósitos escusos, obra administrativa séria, patriótica
e apolítica que segundo o testemunho de alguns dos maiores
educadores45 brasileiros honra as tradições culturais do
Recife (Jornal do Commercio, 02.09.1962).
As críticas e difamações realizadas por políticos naquele período não
cessaram e o MCP divulgou também a relação46 com os nomes das escolas,
endereços, número de turmas e de alunos e convidou toda a população
para visitar e conhecer o trabalho desenvolvido pelo Movimento.
Ora, que perigo podia trazer para a sociedade a cultura popular,
perguntou-se Germano Coelho? (MEMORIAL, 1986). Ele mesmo
respondeu dizendo que o MCP possuía um espírito de autodeterminação,
de delidade às tradições culturais do país, de responsabilidade quanto
44 Em consulta aos Jornais do Commercio (1962) no Arquivo Público do Estado, pude
vericar que havia certa constância de crícas realizadas por parte de polícos que
tentavam denegrir as avidades que o Movimento vinha realizando.
45 Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Abgar Renault, do Conselho Federal de Educação, Oliveira
Brito, Ministro da Educação e Cultura não só elogiavam as iniciavas do Movimento como
também o apoiavam. E ainda o embaixador Paschoal Carlos Magno ofereceu a colaboração
e o alto patrocínio, da endade que dirigiu, para os fesvais do Movimento (Jornal do
Commercio, 02.09.1962).
46 Essa relação encontra-se publicada no jornal Úlma Hora do dia 09.09.1962.
à sua independência denitiva. Ideais que o MCP objetivava atingir não
só a criança, mas o adolescente e também o adulto, educando através de
escolas comuns, de processos informais, nas praças públicas e em plena
rua, educando pelo rádio, pelo cinema, pela televisão, pela imprensa.
Explorando novos métodos e técnicas de educação. Experimentando,
adaptando, criando.
Para deagrar na comunidade a paixão pelo saber, o MCP tudo mobilizou.
O diversicado e denso folclore do Nordeste. As artes plásticas e o
artesanato. O teatro, a música, o canto e a dança. A literatura, a ciência,
a pesquisa. Os esportes, atividades em conta que se institucionalizaram
em escolas, bibliotecas, conjuntos teatrais, centros de cultura, círculos
de leitura, museus, galerias de arte, centros artesanais, praças de cultura,
cineclubes, discotecas, teleclubes, festas populares, semanas de estudos e
festivais (MEMORIAL, 1986).
Com essa visão de vanguarda voltada à emancipação do povo, nada mais
incômodo e perigoso ao processo de controle social da população que o
desenvolvimento e a expansão desse movimento determinado, até então,
pela elite política e econômica. Para os setores conservadores, contrários
a essas ideias, se tornava imprescindível bloquear esse crescimento,
interromper ou, talvez, aniquilá-lo. Certamente, seria o caminho mais
seguro para não se inverterem os papéis, pois não se poderia permitir ao
povo o direito de voz e vez.
O MCP realizou uma educação popular por vários meios e atingiu um grande
público. Foram criadas escolas primárias para crianças e adolescentes;
escolas radiofônicas e de aperfeiçoamento para adultos; programas
de educação e cultura pelo rádio e pela televisão; escolas de formação
prossional como a de motoristas mecânicos e o curso de corte e costura;
praças de cultura com discoteca, tele-clube, biblioteca pública, cinema,
teatro e jogos infantis; centros de cultura, clubes de leitura e círculos de
cultura, onde eram debatidos os problemas brasileiros; cursos e campanhas
de educação sanitária, além de assistência médica para crianças e adultos;
cursos de educação física, esportes, piqueniques esportivo-culturais;
centros de artesanato e artes plásticas e exposições para o público, como
as da Galeria de Arte do Recife, construída às margens do rio Capibaribe;
programas teatrais realizados no teatro do Arraial Velho e no Teatro do
Povo (ambulante), além de debates dos problemas teatrais com o público
(GODOY E CARREIRO COELHO, 1962).
Como o departamento de Difusão da Cultura foi o que obteve um crescimento
maior e também porque diz respeito mais diretamente à presente pesquisa,
destacamos aqui alguns objetivos e atividades desenvolvidas por ele.
O projeto de núcleos de cultura popular visava fornecer às organizações
populares os elementos de cultura popular capazes de incrementar suas
atividades culturais; auxiliar as organizações populares a se expandirem e a
se aprofundarem entre todas as camadas do povo; desenvolver a consciência
do povo através da criação ou expansão de departamentos culturais nas
organizações populares e ainda auxiliar as organizações, e setores diversos
do povo, a formularem suas plataformas reivindicatórias no quadro geral
da problemática econômica, social e política brasileira e nordestina (MCP,
Plano de ação para 1963).
Mas, como o MCP procurou colocar em prática esses objetivos? Atuando
nas federações e associações de bairro, nos sindicatos dos trabalhadores,
em círculos recreativos operários, em associações prossionais e culturais
e organizações estudantis.
Quanto ao projeto editorial de imprensa, se visou difundir elementos de
cultura popular junto as mais amplas camadas populares abrindo, ainda,
oportunidades de trabalho literário ou cientíco, estimulando e facilitando
a publicação de artigos, estudos, ensaios, obras de cção. Utilizando para
isto emissoras radiofônicas, estações de tv, jornais etc.
No campo teatral pretendeu-se elaborar novas formas teatrais de expressão
da problemática popular, como também elevar o nível de consciência
política das massas de modo que as próprias massas assumissem seu
papel histórico social. Nesse sentido, cursos de teatro foram oferecidos,
promoções de festivais de teatro foram realizadas, assim como a fundação
e supervisão de clubes de teatro, etc.
Luís Mendonça, que dirigiu o Teatro de Cultura Popular, armou que esse
não nasceu por acaso, mas resultou de várias experiências que visavam a
uma renovação do teatro. Renovação em todos os sentidos, principalmente
no de fazer um teatro mais amplo e aberto, que o tirasse do tradicional
Teatro Santa Isabel, onde os preços da entrada e a obrigatoriedade do uso
do paletó o tornavam proibido para o povo e restrito a uma pequena elite
nanceira (MENDONÇA, s/d).
Com referência ao cinema, o MCP buscou equacionar em linguagem
cinematográca os problemas fundamentais com que se defrontava o
povo e desenvolver atividades de difusão cinematográca nas organizações
populares. Já o projeto de artes plásticas e artesanato tinham como objetivos
incentivar as atividades tradicionais no campo da arte utilitária, visando à
ocupação das famílias de baixa renda; dar assistência aos artesãos e a centros
de produção artesanal; mobilizar os artistas plásticos no esforço de elevar
o nível artístico do artesanato estimulando a capacidade criadora popular
e a diversicação das linhas de produção. Para isso, promoveu cursos
de desenho, pintura, gravura, fantoche, cestaria, cerâmica, estamparia,
tapeçaria, tecelagem, etc. Estimulava também a produção realizada pelo
projeto; exposições; feiras de artesanato e exposições itinerantes nos
bairros. Foram organizados o Centro de Artes Plásticas e Artesanato do
MCP e a Galeria de Arte do Recife (MCP, Plano de ação para 1963). Esta
última realizou a cada quinze dias uma nova exposição contribuindo para
o desenvolvimento e a difusão das artes plásticas e do artesanato (JORNAL
DO COMMERCIO, 02.09.1962).
Na apresentação da II Semana Estudantil de Cultura Popular promovida
pelo MCP, em maio de 1961, Abelardo da Hora, artista plástico e um dos
membros fundadores do movimento, armou que aquele evento não só
esclarecia os estudantes como também indicava possibilidades para os
artistas e artesãos, rompendo as estreitezas e limitações duma orientação
tradicional de elites, desvinculadas do trabalho e da vida do povo.
A programação da II Semana Estudantil foi realizada em diversos locais na
cidade do Recife como o Teatro Santa Isabel, Sítio da Trindade, escola de
engenharia da Universidade do Recife, Cine Soledade e Sport Club. Entre
debates, palestras, exposições, apresentações teatrais e musicais, jogos
esportivos aconteceram, também, aulas de desenho e artes plásticas.
No âmbito da dança, da música e do canto o MCP também abriu espaço
e buscou reviver e preservar o folclore, incentivando o seu orescimento,
difundindo-o e combatendo a alienação cultural na dança, no canto e
na música como meio de promover a politização do povo e incentivar e
vitalizar as festas populares.
Enm, como se vê, o MCP atingia os problemas relacionados com a
elevação do nível cultural da população, levando-a a conscientização
política e crítica dos problemas brasileiros e aqueles mais próximos do seu
cotidiano. O MCP não só alfabetizou como mobilizou jovens estudantes
para um trabalho de recuperação das manifestações da cultura popular com
a música, o teatro, as festividades do povo, a m de garantir a permanência
e a experiência do educando, realizando ao mesmo tempo alfabetização e
conscientização (ANDRADE, 1989).
O Movimento de Cultura Popular exerceu um papel fundamental na
promoção, divulgação e no ensino da arte, sobretudo, aproximando-a
e tornando-a acessível às massas populares e favoreceu, por meio dela, a
conscientização política e crítica da população.
O MCP pretendeu um avanço crescente do processo de organização
popular, pois privilegiava os meios indispensáveis à formação e ao exercício
da consciência social capaz de compreensão adequada às condições de vida
a que se encontram submetidas as massas populares; o desenvolvimento
da consciência popular no sentido de aprofundar sua compreensão teórica
da realidade social e da necessidade prática de sua transformação; o
desenvolvimento da vida cultural das organizações populares no sentido
de incrementar suas atividades culturais internas e suas manifestações
culturais voltadas para a comunidade (BATISTA NETO, 1987).
O último balanço das atividades realizadas pelo MCP, datado de 1964, foi
um dos poucos documentos que se conseguiu salvar. Esse documento foi
publicado em Arte em Revista, ano 2, n.3” e entre outros constam como
realização do movimento 414 escolas, dentre as quais 14 grupos escolares
que atingiram 30.405 alunos, dos quais 27.703 crianças e 2.702 adolescentes,
sem contar o número de adultos. Assim, compreender o papel que o MCP
exerceu dentro da sociedade pernambucana foi de fundamental importância,
na presente pesquisa, sobretudo no que diz respeito à questão da divulgação
da arte nos meios populares, à promoção do acesso da população a este bem
social, enm, ao favorecimento da educação também através da arte.
A relevância em contemplar esse movimento em nossa pesquisa refere-se
ao espaço democrático que o MCP foi. Um movimento que democratizou o
acesso à arte e ao ensino da arte, abriu espaço para que as camadas populares
da sociedade pudessem vivenciar, experienciar e usufruir desse bem
universal. Percebemos que através do acesso à arte seja o teatro, a música,
a dança, as artes plásticas havia uma intenção em estimular, desenvolver e
ampliar o senso crítico e político das pessoas sobre os problemas sociais
que as circundavam. A arte no MCP apresenta-se como uma arte engajada,
crítica, política, com uma característica especíca, que a diferencia da arte
apresentada pela Escola de Belas Artes, pela DECA e pelo MEA como
vimos no decorrer desse capítulo.
Todas essas instâncias e movimentos serviram de base para o campo da
arte em Pernambuco, tornou visível em meio à sociedade a necessidade
do ensino da arte para o desenvolvimento dos indivíduos. Ainda, serviram
de meio para encontro, troca de experiências e espaços para a organização
dos arte/educadores, prossionais envolvidos nessa área ou os que dela se
aproximavam.
Com o golpe civil-militar em março de 1964, no Arraial do Bom Jesus,
sede do Sítio da Trindade, estavam ali dois tanques de guerra, preparados
para o ataque e agressivamente estacionados sobre o gramado. Tudo foi
destruído, toda a documentação do movimento queimada e obras de arte
completamente destruídas.
Dreiuss (1986) reete sobre as atividades estratégicas da elite que
objetivavam conter as forças populares, desagregar o bloco histórico-
populista e levar os interesses multinacionais e associados ao governo
político através de um golpe de Estado civil-militar. O objetivo central era
dominar o sistema tanto em termos políticos quanto ideológicos. Para ele,
o golpe civil-militar em 1964 foi o resultado de uma campanha política,
ideológica e militar travada pela elite orgânica e centrada no complexo
IPES/IBAD47 com o intuito de derrubar o Executivo e conter daí para
frente a participação da massa. Essas ideias já vinham sendo gestadas e
aperfeiçoadas há bastante tempo. Alguns anos antes do golpe, porém,
começaram a se tornar mais explícitas.
Um exemplo se expressa em entrevista ao jornal Última Hora do deputado
Milvernes Cruz Lima que fez a seguinte declaração: “Por trás dos milhões
do IBAD o que existe é uma conspiração contra o presidente João Goulart
para impedir as reformas de base exigidas pela Nação” (01.09.1962). O
golpe trouxe consequências graves para toda a população e em particular
para artistas e intelectuais da época. A repressão foi a primeira medida
tomada pelo novo sistema. Repressão a tudo e a todos considerados
suspeitos de práticas ou mesmo de ideias subversivas. Para isto o Estado
foi buscar meios de criar novos quadros substituindo os intelectuais
comprometidos com as reformas.
Acreditamos que o interesse do Estado militar na substituição dos
intelectuais comprometidos com as reformas de base era o meio pelo qual
se afastava a possibilidade de manter viva e crescente a conscientização
política e crítica da população e através da força coerciva se fazia silenciar,
também, a expressão artística denunciadora das injustiças sociais. Como a
luta acirrada pela conquista ideológica através do estado militar acentuava-
se, nada mais “tranquilizante” e seguro para o poder estatal do que perseguir,
afastar e exilar artistas e intelectuais da época, os quais eram considerados
“pedras no caminho” para a segurança nacional.
A partir daí as camadas da classe popular simplesmente passaram a ser ignoradas
pelo jogo do poder. Tornaram-se alvo de repressão. Quando os militares deram
47 IPES – Instuto de Pesquisas e Estudos Sociais. IBAD – Instuto Brasileiro de Ação
Democráca. O complexo IPES/IBAD nha um controle sobre as agências de nocias e
canais de informação em todo o país e um relacionamento especial com companhias
de publicidade e anunciantes. O IPES publicava, nanciava, traduzia, distribuía livros,
livretos, revistas e folhetos de produção própria como também aquelas de fontes ans.
Angia ainda as massas com a edição de panetos, cujo papel e po de qualidade inferior
disfarçavam a origem, agindo assim como um canal para centros de formação de opinião
pública, além de realizar guerra psicológica através da rádio e da televisão. Através da
mídia audiovisual organizava um extraordinário bombardeio ideológico e políco contra o
Execuvo (DREIFFUSS, 1986).
o golpe em 64, abortaram uma geração cheia de promessas e esperanças. A
esquerda acreditava que as reformas de base de João Goulart iriam expulsar o
subdesenvolvimento e a cultura popular iria conscientizar o povo.
Andrade (1989) salienta que em 1964 a repressão política foi maior no
Nordeste porque se admitia que o “processo de comunistização” estava mais
avançado e devia ser reprimido. Daí a tremenda perseguição que foi feita aos
que colaboraram com Arraes, então governador do Estado de Pernambuco;
aos que tinham ideias de esquerda mesmo não comunista; contra os
que defendiam uma modernização do sistema de poder; contra os que
reivindicavam melhores salários e condições de trabalho, enm, contra os
que reetiam sobre a precária situação da região e do país. Essa perseguição
permaneceu e sutilmente se “expôs a preocupação” com a segurança nacional.
O interesse pela “segurança nacional” tornou-se o grande escudo de defesa
e de manipulação do comportamento das massas populares. Uma matéria
publicada num jornal da cidade do Recife conrma esse fato. Essa matéria
refere-se a um grupo de 70 ociais e civis, da Escola Superior de Guerra,
que veio ao Recife em viagem de estudos dos problemas brasileiros. O então
governador do Estado, Eraldo Gueiros, pronunciou-se dizendo:
Pernambuco recebe com alegria especial a visita dos
representantes da ESG porque neste contato com
representantes de nossas forças armadas terá a oportunidade
de dizer que está presente no contexto regional, com uma
quota máxima de cuidados (grifos nossos), velando pela
consecução dos objetivos fundamentais da segurança interna
desta área (JORNAL DO COMMERCIO, 17.08.1971).
Tudo que fosse referente à cultura popular, a interesses populares, a
reformas econômicas e sociais, a investigação cientíca etc, era suspeito e
passível de perseguição.
A primeira metade dos anos 60 foi um período de crescente mobilização
popular, com uma dinâmica cultural bastante politizada e voltada para alguns
interesses das classes trabalhadoras. Alguns setores da intelectualidade
brasileira, principalmente no meio universitário, inauguravam um novo
modelo de atuação artística comprometendo seu fazer com as lutas sociais
que se estavam desenvolvendo. Certas práticas como o teatro, a música e o
cinema tenderam a se democratizar, alterando sua produção e suas formas
de difusão (BULHÕES, 1990).
A partir do golpe, as artes plásticas resultaram de estratégias de subversão
empreendidas por segmentos sociais insatisfeitos com as imposições
estabelecidas pelo novo sistema de governo. A fermentação que se pode
observar de 64 a 69 introduziu alterações no papel que os Salões passaram
a desempenhar, diferenciando-se do tradicional salão acadêmico e
modernista, cuja função maior era legitimar artistas e difundir um estilo de
produção. Surgiram, então, uma variedade e quantidade de novos Salões;
nanciados com verbas públicas ou privadas, eles tinham em comum o
caráter renovador e democratizante. Neles pôde vir à tona uma produção
mais questionadora, abrindo-se possibilidade de apresentação de obras,
que por suas características especícas, não tinham possibilidades de serem
exibidas em museus ou galerias. Os Salões foram uma espécie de Feira
de Exposições do que mais de novo e ousado se pensava e executava em
artes plásticas no país. Sua nova dinâmica atraía um público maior e mais
diversicado (BULHÕES, 1990).
Inúmeros protestos, greves e manifestações continuaram de norte a sul
do país contra o regime ditatorial. Foi naquele momento que veio à tona
a perseguição ao movimento estudantil, pois politizado no sentido de
esquerda, conforme Gorender (1987), o movimento não podia deixar de
ser um dos alvos preferenciais da repressão ditatorial. O governo Castelo
Branco decretou a ilegalidade da UNE e o Ministro da Educação adotou
uma série de medidas castradoras da atividade política dos estudantes.
No ano de 1968, o Estado atingiu o mais alto grau de autonomia, armou
Germano (2000), livre de qualquer controle social e político. As forças
repressivas passaram a atuar sem nenhum controle, abrindo o caminho
para a instalação do terror no Estado: prisões torturas e assassinatos de
presos políticos zeram parte da cena brasileira da época. Ao lado disso foi
instituída a censura à imprensa, à educação e à cultura. A escalada repressiva
feriu de morte a liberdade de expressão ao instituir a censura prévia à
imprensa, ao ampliar o controle político-ideológigo das universidades e
demais instituições educativas.
A década de 1960 foi um redemoinho de imagens, um mundo em
movimento, conflitos, projetos e sonhos de mudanças. Gestos de
revolta, lutas apaixonadas: revolução nos costumes, na música, nas artes
plásticas, no comportamento e nas relações pessoais, no estilo de vida
e nas tentativas novas não apenas de derrubar o poder vigente, mas
de propor uma relação diferente entre a política e a sociedade (REIS
FILHO, 1998).
Esses dados favorecem a compreensão de que a presença da arte se deu
de forma gradativa na história da educação brasileira. Os movimentos e a
articulação dos artistas e educadores favoreceram um olhar mais acurado
à arte por parte do Estado, embora o mesmo, aparentemente, não tenha
demonstrado interesse ou mesmo esquivou-se em permitir a manutenção
das atividades que vinham sendo desenvolvidas como vimos o caso da
DECA e do MCP que foram encerrados com o golpe civil-militar. Dessa
forma, pretendeu-se compreender porque justo num período de repressão
absoluta, no Brasil, esse mesmo Estado resolveu inserir, obrigatoriamente,
a arte no currículo escolar uma vez que ele mesmo bloqueou e encerrou
o que já vinha sendo produzido no próprio interior do sistema escolar.
Essa contradição provoca indagações múltiplas que permitem ir à busca
de indícios e sinais que contribuam para tecer a trama de construção da
história do ensino de arte no país. Assim, que arte era ensinada e veiculada
na escola que incomodou o sistema ditatorial? Que arte deveria, a partir
de então, estar na escola? Quem eram os professores que trabalhavam com
o ensino de arte antes da ditadura? Os professores que ensinavam arte na
ditadura eram os mesmos de antes? Como eles zeram para enfrentar os
desaos apresentados pela ditadura?
Veremos nos próximos tópicos como a arte foi inserida obrigatoriamente
na documentação ocial, a partir da reforma educacional de 1971, quem
participou da mesma e qual era a concepção de arte que se pretendia inserir
nas escolas.
Outros rumos para a Educação
A educação é uma arte cujo exercício deve ser
aperfeiçoado por muitas gerações.
Immanuel Kant
É possível observar que desde o século XIX, já havia indícios da presença
da arte no sistema escolar, porém não de forma sistemática e obrigatória.
Isso quer dizer também que o termo atribuído à disciplina varia de acordo
com o tempo. Na Lei de Diretrizes e Bases de 1961 está presente o termo
“iniciação artística”, mas não há qualquer obrigatoriedade de sua inserção
no currículo, embora o Conselho Federal de Educação tenha apontado as
principais atividades que seriam desenvolvidas.
A partir do golpe, rompeu-se com ideias e programas educacionais que, até
então, vinham sendo desenvolvidos. Foi dentro do contexto de repressão
absoluta e da instalação do terror na sociedade civil que o Estado se
antecipou às reivindicações populares e propôs as Reformas da Educação
Brasileira: a Reforma Universitária em 1968 e a Reforma do ensino de 1º
e 2º graus em 1971, no período áureo do governo Médici, o “linha dura.
Para isso encontramos uma forte inuência norte-americana nesse
processo, pois o desenvolvimento e crescimento do monopólio capitalista
centralizado nos Estados Unidos visavam o controle e o domínio ocidental.
Iniciou-se, desde então, uma campanha de oposição acirrada ao comunismo
justicando, assim, como único caminho viável e libertador a sociedade
capitalista. Como o capitalismo avançava desenfreadamente necessitava de
mercados de consumo cada vez mais amplos e mão de obra barata. Daí a
interferência direta na educação.
Os acordos MEC-USAID cobriam todo o espectro da educação nacional,
isto é, o ensino primário, médio e superior, a articulação entre os diversos
níveis, o treinamento de professores e a produção e veiculação de livros
didáticos (CUNHA E GÓES, 1985). Esses acordos encerraram a fase dos
movimentos de educação e cultura popular que foram destruídos e os seus
educadores e aliados cassados, presos e exilados.
Por um lado, as reformas visavam desmobilizar eventuais movimentos
neste campo. Por outro, tinham a pretensão também de atender a uma
demanda efetiva e uma carência real de segmentos da sociedade excluída
dos privilégios concedidos pelo “centro do poder”. O regime político
excludente deniu um dos seus projetos de equalização social, produziu um
discurso de valorização da educação e transformou a política educacional
numa estratégia de hegemonia, num veículo de obtenção de consenso
(GERMANO, 2000).
Gramsci (1968), em suas reexões, apontava que a pressão coerciva é
exercida em todo o conjunto social quando se desenvolvem ideologias
puritanas que dão a forma exterior da persuasão e do consenso ao uso
intrínseco da força. Partindo desse pressuposto, entendemos que o país
necessitava dessas reformas e, ao mesmo tempo, reduzir a exclusão social
no campo educacional, devido às pressões constantes realizadas pela
população. Então, como “solucionar” essas questões?
O Estado como instrumento do corpo social xa a sua política educacional
e, consequentemente, dirige seu sistema de ensino no sentido de
determinados ns. Esses ns representam uma síntese das aspirações e
ideais que nutrem e orientam o destino de um povo. Do ponto de vista
institucional, acham-se no espírito da constituição e, de modo concreto,
nas leis que regulam a política educacional de um país (BARROS, 1974).
O interesse do Estado se manifestou, primeiramente, através da repressão
a professores e alunos “indesejáveis” ao regime através do controle político
e ideológico do ensino, visando à eliminação do exercício da crítica social
e política para obter a adesão de segmentos sociais cada vez mais amplos
para o seu projeto de dominação e controle. A atuação do Estado na
área de educação revestiu-se de um anticomunismo exacerbado, de um
anti-intelectualismo que parecia suprimir a razão provocando ainda um
terrorismo cultural.
Inúmeros professores universitários foram demitidos, universidades
invadidas por tropas militares, reitores substituídos, professores
aposentados compulsoriamente. A sede da UNE foi incendiada. O governo
tentou de todas as formas aniquilar a capacidade de luta do movimento
estudantil organizado reprimindo o potencial crítico e contestatório dos
estudantes. Naquele momento, o clima reinante no país se caracterizou,
ao mesmo tempo, por uma combinação de medo da repressão do Estado
e de euforia em decorrência do crescimento econômico que possuía
o lema de deixar o bolo crescer para depois dividi-lo. Slogans eram
constantemente divulgados nos meios de comunicação para convencer
a população do Brasil grande, Brasil potência, Brasil ame-o ou deixe-o,
Esse é um país que vai pra frente. E para aumentar a euforia, a vitória
da seleção brasileira, na copa de 1970, foi mais um ingrediente para a
decoração da festa ilusória.
Entretanto, as mobilizações estudantis não se intimidaram, os estudantes
reivindicavam uma educação nacional brasileira de qualidade e
oportunidade para todos, pois crescia a olhos vistos o número de candidatos
aprovados no vestibular que não podiam frequentar a universidade por falta
de vagas. Além disso, as mobilizações criticavam os acordos MEC-USAID;
a privatização do ensino; o desvio das verbas públicas para o setor privado.
A juventude reivindicava a ampliação das vagas na universidade; mais
investimentos na educação, enm, para Reis Filho (1998), reivindicavam
também melhoria dos espaços de estudo, das bibliotecas e laboratórios,
atualização dos professores; modernização dos equipamentos de ensino e
pesquisa e ainda por uma política de auxílio aos estudantes mais pobres com
bolsas de estudo, assistência médica, transportes e restaurantes mais baratos.
Junto aos estudantes também estavam os artistas, jornalistas, prossionais
liberais, escritores e religiosos. Havia um intercâmbio entre os artistas e
os estudantes, pois se estimulavam reciprocamente em suas indagações e
caminhos (REIS FILHO, 1998). O público estudantil compunha, em sua
maioria, a plateia dos festivais de música, das peças de teatro, dos lmes,
dos shows. Assim, comenta Ventura (1988):
Era difícil ser indiferente naqueles tempos apaixonados.
Também havia muito que discutir. Discutia-se nas
Universidades, nas assembleias, nas passeatas, nos bares, nas
praias: o caráter socialista da revolução brasileira, o tamanho
dos cabelos, das saias, o efeito das pílulas anticoncepcionais,
as teorias inovadoras de Marcuse, as ideias de Lukács, o
revisionismo de Althusser (p.75).
A arte não podia viver sem a política e a presença desta
tornava o casamento suspeito – uma incômoda contradição
mesmo para um tempo que se alimentava delas (p.87).
Além do boom musical, as outras formas de expressão artística também
abalaram os cânones estabelecidos, os dogmas ltrados pela resignação
e pela abolição da criatividade. O teatro de rua tentou ampliar as formas
de comunicação, romper com o espaço padronizado das salas fechadas,
limitadas a um público restrito. O cinema inovava linguagem e temáticas.
Nas artes plásticas, a pop art48 trouxe novas formulações integrando novas
dimensões com o cotidiano (REIS FILHO, 1998).
No entanto, no campo artístico as perseguições cada vez mais se tornaram
acirradas. No teatro, atores foram espancados, cenários foram destruídos,
atentados à bomba foram realizados. Na música, muitos cantores foram
torturados como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Geraldo Vandré.
Em Recife, ateliês foram invadidos e obras foram destruídas, como ocorreu
com Abelardo da Hora que foi, também, um dos fundadores do Movimento
de Cultura Popular, como já vimos anteriormente.
Numa fase altamente concentradora de riqueza do capitalismo monopolista
internacional, a política educacional tinha a clara intenção de subjugar a
população trabalhadora denindo, via legislação, a quantidade e a qualidade
do ensino. A quantidade do ensino foi garantida, de certa forma, com a
expansão do número de vagas nas escolas públicas e com a consolidação da
escola privada em todos os níveis de ensino. No que se refere à qualidade
do ensino, seja público ou privado, ocorreu, segundo Oliveira (2003), a
falência do ensino no Brasil na década de 1970.
Após dez anos da LDB de 1961, o sistema educacional já não condizia mais
com as necessidades do presente. Devido não só à defasagem da lei, ao
ser aprovada após tanto tempo em debate, como também porque se vivia
sob um novo regime e se tinha a necessidade de implantar, de registrar,
48 A Arte Pop apresenta uma produção em massa de imagens e vem à tona como a marca
da perda de idendade na sociedade industrial incluindo objetos de consumo do codiano
(STRICKLAND, 1999).
de tornar visível sua marca em todo o sistema educacional. A proposta da
reforma educacional universitária, em 1968, tinha, entre outros, o objetivo
de desmobilizar os estudantes e também de desviar o contingente que
pressionava por vagas na universidade. Foi inserido, então, o sistema de
créditos desarticulando os grupos no decorrer dos cursos, os departamentos
foram implantados, etc. Já a Reforma do ensino de 1º e 2º graus foi baseada
na redenição dos objetivos da escolarização e na reorganização dos
currículos escolares.
A lei 5692/71 apresentava dois pontos fundamentais: a extensão da
escolaridade obrigatória e a generalização do ensino prossional no nível
médio ou 2º grau, o que não deixava de ser um avanço naquele momento
para o contexto nacional.
A tendência tecnicista apareceu no exato momento em que a educação foi
considerada insuciente no preparo de prossionais, tanto de nível médio
quanto de superior, para atender o mundo tecnológico em expansão.
Essa tendência desenvolveu-se desde a segunda metade do século XX,
principalmente nos Estados Unidos, enquanto nas escolas brasileiras foi
introduzida entre 1960 e 1970 (FUSARI E FERRAZ, 1993). De início, essa
nova modalidade de pensar educação visou um acréscimo de eciência
da escola, objetivando a preparação de indivíduos mais competentes
e produtivos, de acordo com a solicitação do mercado de trabalho.
A valorização do processo de industrialização e do desenvolvimento
econômico explicitou-se pelo empenho em incorporar-se o moderno e o
tecnológico no currículo.
Para Libâneo (1996) arma a tendência liberal tecnicista subordina a
educação à sociedade, tendo como função a preparação de “recursos
humanos, ou seja, mão de obra para a indústria. A sociedade industrial e
tecnológica estabelece as metas econômicas, sociais e políticas, a educação
treina nos alunos os comportamentos de ajustamento a essas metas. No
tecnicismo acredita-se que a realidade contém em si suas próprias leis,
bastando aos homens descobri-las e aplicá-las. Dessa forma o essencial não
era o conteúdo da realidade, mas as técnicas de descoberta e aplicação. Nessa
direção, a tecnologia é o meio ecaz de obter a maximização da produção
e garantir um ótimo funcionamento da sociedade. Ela é encarada como
um instrumento capaz de promover, sem contradição, o desenvolvimento
econômico pela qualicação da mão de obra, pela redistribuição da renda,
pela maximização da produção e ao mesmo tempo pelo desenvolvimento
da consciência política indispensável à manutenção do Estado autoritário.
Assim, a escola funciona como modeladora do comportamento humano,
através de técnicas especícas. À educação escolar compete organizar o
processo de aquisição de habilidades, atitudes e conhecimentos especícos,
úteis e necessários para que os indivíduos se integrem na máquina do
sistema social global.
A inversão do capital destinado à educação no recrutamento de grupos
estrangeiros teve como respaldo a desculpa de que o Brasil não possuía
técnicos competentes, nem sistema educacional organizado para desenvolver
uma educação nos moldes em que o modelo econômico preconizado exigia
(FAZENDA, 1988). Assim, também por este motivo, compreendemos a
inteira “disponibilidade” dos Estados Unidos em “abrir as portas” para que
os prossionais da educação pudessem especializar-se, atualizar-se e tornar-
se competentes com sua oferta generosa e dentro de seus moldes.
O interesse no desenvolvimento de um maior grau de eciência produtiva no
mundo do trabalho e pressupondo a importância da educação escolarizada
para se atingir esse m, a tecnicação do ensino patrocinada pelo governo
tinha como premissa básica a disciplinarização, a normatização, o alto
rendimento e a ecácia pedagógica. Esse pressuposto foi orientado pelo
alinhamento do país a uma ordem mundial calcada no desenvolvimento
associado ao capital internacional, mais explicitamente norte-americano
(OLIVEIRA, 2003).
Só mesmo a reação estudantil, o amadurecimento do professorado e a
denúncia de políticos nacionalistas com acesso a opinião pública evitaram
a total demissão brasileira no processo decisório da educação nacional.
Com a promulgação da lei que pretendia “modernizar” o nosso ensino Duarte
Jr. (2001) discorre armando que o objetivo último sempre foi a eliminação
de qualquer criticidade no seio da escola, como a concomitante produção
de pessoal para as grandes empresas que com as benesses ociais, vinham
de toda parte para se instalarem no país. Assim, era fundamental preparar,
desde os níveis mais elementares, um pessoal que não tendo uma visão
totalizante e crítica da cultura em que estavam inseridos, trabalhassem sem
causar grandes problemas. Foi criado, então sem qualquer infraestrutura, o
ensino prossionalizante.
A reforma do ensino básico, 1º e 2º graus, foi baseada essencialmente
na redenição dos objetivos da escolarização e na reorganização dos
currículos escolares. Novas disciplinas foram inseridas no currículo escolar
e entre elas estavam a Educação Moral e Cívica, a Educação Física e para
ocultar um pouco o seu caráter domesticador, conforme Duarte Jr. (2001),
a Lei 5692/71 trouxe no seu bojo algumas novidades, como a instituição da
Educação Artística.
Para Martins (2003) a criação de disciplinas escolares brasileiras na
década de 1960 e 1970 do século XX estava sendo congurada para
atender aos objetivos do ensino, mas também vinculada a objetivos de
formação prossional, em caráter acelerado que demonstrava o esforço de
“modernização” que as elites políticas e culturais do país tentavam fazer
prevalecer no período.
No caso da Educação Moral e Cívica, o papel da nova disciplina seria
preencher o “vácuo ideológico” deixado na mente dos jovens para que não
fosse preenchido pelas “insinuações materialistas e esquerdistas” (CUNHA
E GÓES, 1985). Esse vácuo refere-se, também, à situação familiar, uma vez
que esta já não era mais a mesma, visto que a mulher naquele período passava
a trabalhar fora do lar. Assim, a família não tinha mais a possibilidade de
assegurar a sua função educadora de forma completa. Ela devia ser uma
prática educativa visando formar nos educandos e no povo, em geral, o
sentimento de apreço à pátria, de respeito às instituições, de fortalecimento
da família, de obediência à lei, de delidade ao trabalho, de integração na
comunidade, de tal forma a todos se tornarem, em clima de responsabilidade,
de cooperação e solidariedade humanas, cidadãos sinceros, convictos e éis
no cumprimento de seus deveres, de acordo com os autores.
Junto a essa disciplina o regime enfatizou ainda a Educação Física que
possuía objetivos bastante precisos. A ideia-força, segundo Cunha e Góes
(1985), era que o estudante cansado e enquadrado nas regras de um esporte,
não teria disposição para entrar na política. Logo, não se corria o risco de
possibilitar o nascimento de novos grupos articulados de estudantes e nem
haveria condições, dada a exaustão física, para reetir, analisar e mesmo
discutir sobre a situação vigente até então.
E com relação a Educação Artística qual era o objetivo do Estado em inseri-
la no currículo escolar justamente no governo “linha dura”? Quais intenções
e regras estavam ocultas nessa decisão aparentemente avançada no sistema
escolar, entendendo-se que a partir dalí, a população, acreditamos, teria
acesso ao conhecimento da arte e à sua prática no cotidiano escolar? A
nosso ver parece bastante contraditório uma vez que o próprio Estado
resolveu eliminar, encerrar as atividades que vinham sendo desenvolvidas
no campo da arte no sistema educacional e na sociedade como um todo.
No currículo estabelecido em 1971, as artes eram aparentemente a única
matéria que poderia mostrar abertura em relação às humanidades e ao
trabalho criativo, porque mesmo losoa e história foram eliminadas do
currículo (BARBOSA, 1999c).
Buscamos, a partir de então, investigar o processo de elaboração da lei,
quem participou e estava à sua frente para compreender se a mesma foi
um pacote pronto, se houve uma participação coletiva em seu processo de
construção e qual o caminho que a arte percorreu até chegar à instituição
escolar. É o que veremos a seguir.
Processo de elaboração da Lei 5692/71
O MEC, através do Decreto nº 66600, instituiu um Grupo de Trabalho para
apresentar e elaborar estudos e projetos para a Reforma do ensino de 1º e
2º graus num prazo de sessenta dias. Note-se a diferença considerável no
tempo de elaboração e aprovação entre a LDB de 1961 e a LDB de 1971. A
primeira passou treze anos em debate e a segunda em dois meses deveria
apresentar e elaborar os estudos e projetos para a reforma educacional.
Conforme o relatório do referido grupo, este trabalho não signicava uma
reforma e sim uma atualização e expansão do ensino destinado a crianças
e adolescentes.
A primeira providência tomada pelo grupo consistiu no exame de dezenas
de sugestões e documentos oriundos de todas as partes do país: do primeiro
Grupo de Trabalho (GT) instituído para esse m, dos Conselhos Estaduais
de Educação, das Secretarias de Educação, de entidades representativas de
professores e escolas, de educadores de todas as áreas, de jornais e periódicos.
O GT promoveu também uma Semana de Educação na Faculdade de
Educação da Universidade de Brasília. Ao nal daquela Semana, os
universitários apresentaram conclusões como fruto de seus estudos.
Conforme o relatório do GT enviado ao MEC, no tópico que se refere ao
currículo pleno, não se adotou uma classicação rígida de disciplinas,
práticas educativas e atividades artísticas para designar os itens do
currículo, pois não se pretendia separar os fatores reexivos, conativo e
afetivo que sempre intervêm no ato de aprender. Na concepção do grupo
não importava nivelar quantitativamente e qualitativamente o pensamento,
a ação e a criação em toda aprendizagem, pois a intensidade da presença
desses aspectos seria determinada pelos dados concretos de cada situação.
No anteprojeto da reforma educacional já se previa a obrigatoriedade da
Educação Artística, o que não ocorreu na LDB de 1961.
A lei 5692 foi sancionada em 11 de Agosto de 1971. No art. 7º contém a inclusão
obrigatória da Educação Artística nos currículos plenos dos estabelecimentos
de 1º e 2º graus. A partir daquela lei a disciplina passou a ter a nomenclatura
Educação Artística, pois a mesma deveria reunir artes plásticas, cênicas e
música. Isso signica ainda que, pouco a pouco, o canto orfeônico, o desenho,
trabalhos manuais deixaram de existir no currículo. Dessa forma, todas
as unidades federadas do país deveriam realizar o ensino de 1º e 2º graus
conforme a nova lei. Em Pernambuco ocorreu diferente, vejamos a seguir.
Pernambuco: obrigatoriedade da arte no currículo escolar
No Estado de Pernambuco, a segunda metade da década de 1960 marcou a
discussão e a concepção de uma nova organização curricular, antes mesmo
da nova reforma educacional. Esse trabalho culminou com a elaboração de
um novo programa de ensino que se intitulou Currículo da Escola Primária
em Pernambuco e foi publicado em 1968. As disciplinas do currículo eram:
Matemática, Linguagem, Ciências Físicas e Naturais, Estudos Sociais,
Educação Artística, Recreação, Atividades Agrícolas e Iniciação à Economia
Doméstica (BRITTO, 1993). Observe-se que, antes mesmo da reforma
educacional estabelecida pelo governo federal, o Estado de Pernambuco
já tinha como proposta a inserção da Educação Artística em seu currículo
escolar. Mas, há de se destacar que esta proposta não foi exclusiva do estado
de Pernambuco. A professora Rosa Vasconcelos49 , entrevistada em nosso
estudo, abordou essa questão:
Olhe isso aí foi sugestão da própria equipe técnica da Secretaria
de Educação porque isso já tinha em São Paulo, no sul, tinha
inuência da Escolinha de Arte, tinha inuência do Colégio de
Aplicação e tinha algumas experiências isoladas em escolas do
Estado. Como por exemplo, da mulher de Paulo Freire, Elza
Freire. Miriam Carvalho Didier, também, na escola dela. Ela
era ligada à Escolinha, todas as séries faziam arte, as crianças
trabalhavam com arte. Então, foram essas experiências que
foram surgindo, tornando visível, não é?
E continuou:
(...) e nas reuniões que a Secretaria de Educação fazia
isso vinha acontecendo. Pessoas que saíam daqui iam por
sul, pra Belo Horizonte que na época tinha um programa
nanciado pelo governo americano, tinha um grande centro
de treinamento de professores, não em arte, nas outras áreas.
No Rio e São Paulo tinha mais em arte do que no sul. Também
a Escolinha de Arte do Brasil, na época tinha um valor, ela era
valorizada, ela era respeitada e Augusto Rodrigues, Noemia
Varela eram pessoas também inuentes. Aí havia uma ligação
da Escolinha com a Secretaria que colocava professores à
disposição. Tudo isso é que fez surgir.
Como se pode observar as diversas experiências locais e nacionais que
vinham se desenvolvendo no campo da arte, já enfatizavam a importância
da arte no processo educativo e os educadores ligados à área procuravam
inserir o ensino da arte no sistema escolar.
49 Entrevista concedida em 09.10.03.
Na apresentação do documento, Currículo da Escola Primária em
Pernambuco, explicita-se que a Secretaria de Estado, de Educação e
Cultura de Pernambuco desde março de 1966, através do Departamento
de Educação Primária resolveu coordenar os trabalhos de reformulação do
currículo da escola primária do Estado. Os trabalhos foram iniciados com
uma sondagem de opiniões do professorado. Assim, o currículo estruturou-
se da seguinte forma: áreas obrigatórias, práticas educativas obrigatórias,
áreas facultativas e práticas educativas facultativas.
No documento a Educação Artística encontra-se como prática educativa
obrigatória.
A losoa do currículo foi baseada numa proposição democrática e cristã
que implicava, primeiramente, em respeito à dignidade da pessoa humana
e denia o conceito de educação como a promoção do desenvolvimento
de todas as potencialidades do indivíduo habilitando-o a assumir suas
responsabilidades e a fazer uso de sua liberdade.
No programa de Educação Artística o objetivo geral consiste em procurar
desenvolver no educando o senso estético, a capacidade de apreciação da
arte, a criatividade e o poder de expressão. Encontramos também um rol
de objetivos especícos que favorecem a concretização do objetivo geral.
No conteúdo programático se apresenta o desenho livre, recorte e colagem,
pintura, construção-fantoche, máscara, modelagem, gravura, impressão,
escultura e breves informações sobre artistas locais e estrangeiros. Além
disso, músicas populares, audição de músicas eruditas, hinos patrióticos,
traços biográcos de compositores brasileiros e ainda folclore. Note-se aqui
uma aproximação das atividades que eram realizadas pela DECA e também
pelo MEA, inclusive o objetivo geral que era desenvolver o senso estético,
a apreciação, a criatividade, e a expressão. Esses objetivos atravessam o
tempo e são identicados no século XXI.
Conforme Britto (1993), em Pernambuco a implantação da Reforma
5692/71 não se fez imediatamente. Já estavam em processo de elaboração
alguns Programas de Ensino que foram concluídos e publicados em 1971
em documento único de 114 páginas intitulado Programas Mínimos para
o Ensino Ginasial. Os níveis de ensino ginasial e colegial eram regidos por
programas federais. Não havia, até aquele momento, programas estaduais
para os cursos ginasial e colegial, apenas para o primário.
A professora Leopoldina Britto, durante entrevista concedida para esta
pesquisa50, comentou sobre esse fato e armou que mesmo havendo um
programa em nível federal, o mesmo não chegava a todos os professores:
(...) todos os professores do primário tinham um documento na
mão (lê algumas linhas do programa), o de 5ª a 8ª, esse não
tinha programa, era livre de canga e corda pra trabalhar. Aí
você pode me perguntar e como é que ele fazia, dava o que
viesse na cabeça? Não. Existia um documento do MEC que
era para todo o curso ginasial, cientíco e clássico, um livro
dessa grossura (simboliza) e os professores mal viam aquele
documento. Eu passei a vida inteira sem ter visto, a não ser
quando eu fui trabalhar já mais em nível superior. Então, desse
programa o que é que acontecia do MEC que era grande. Os
autores de livro faziam os livros de acordo com o programa.
Então, eu posso dizer assim, não por ter pesquisado, mas
por experiência de vida, que os autores viam o que é que o
MEC dizia que era o programa e escreviam seus livros. E os
professores? Cabia aos professores escolher o livro que eles mais
gostavam, então não tinha essa quantidade tão grande de livros
como tem hoje (...), ao selecionar o livro que ele já ia ensinar, ali
já estava o programa (...) quem era professor do primário estava
acostumadinho, quem era do secundário, que tinha se formado
na faculdade, esse não era. Então, fazia dos livros o seu próprio
programa, por que aí todos os livros, podiam ser melhores ou
piores, mas traziam para cada série o mesmo conteúdo.
A professora continuou explicitando o que havia na Secretaria de Educação
de Pernambuco e o que aconteceu quando chegou a Lei 5692/71:
(...) quando veio essa Lei 5692/71 não se deu muita novidade,
mas também já não tinha programa para o ginásio. (...) porque
só tinha para o ensino primário. Era o grande ajudado, era o
ensino primário. Nada pedagógico na Secretaria de Educação
50 Entrevista concedida em 14.07.03.
até esta década de 70 existia, a não ser a parte legislativa, a
parte normativa que era saber se pode, se leva pau, qual é a
matéria que reprova, qual é isso, qual é aquilo, mas orientação
assim pedagógica, não existia.
Observe-se que, em Pernambuco, a Educação Artística passou a estar,
como prática educativa obrigatória, no currículo da escola primária, mas
não ainda na escola secundária, naquele momento, pois nos programas
federais que regiam o curso ginasial não se encontrava a arte, mas sim o
desenho, que não supria a parte de educação artística.
Com referência à reforma educacional, determinada pela lei 5692/71,
aconteceram em Recife, na Superintendência de Desenvolvimento do
Nordeste (SUDENE), vários encontros com os Secretários de Educação da
região para debater as reformas do ensino.
A matéria publicada no Jornal do Commercio (07.08.1971) destacou que a
autarquia considerou a necessidade de serem discutidas alternativas mais
racionais objetivando propiciar melhor entrosamento entre órgãos ligados
ao setor educacional para a implantação de projetos prioritários. Todos
os Secretários de Educação da região foram unânimes em armar que o
Nordeste não tinha condições de implantar o novo sistema de ensino por
falta de recursos nanceiros e humanos. Vale salientar que a concentração
de renda no país durante o século XX foi fortemente concentrada no eixo
sudeste/sul provocando uma intensa disparidade econômica e social entre
as cinco regiões brasileiras.
No III Encontro dos Secretários de Educação do Nordeste, o professor
Valnir Chagas, presidente da comissão de relatores do anteprojeto da lei,
instituída pelo MEC, apresentou a reforma para os Secretários e armou
que dalí a 20 anos ela deveria estar completamente implantada em todo
o país. Disse também que dentro das novas diretrizes e bases do ensino
de 1º e 2º graus, a discriminação dos currículos caria a critério dos
sistemas de ensino (Jornal do Commercio, 11.08. 1971). Isso representava
um grande avanço, no sentido de dar autonomia aos sistemas de ensino
de organizarem sua proposta de currículo, o que proporcionava uma
diversicação imensa em todo o país. Por outro lado, a nova reforma
previa o ensino técnico e prossionalizante equivalente ao ensino médio
que dava acesso à Universidade. Isso signica que as instituições teriam
que estruturar suas instalações para atender a esta nova proposta e, sem
dúvida, signicava um gasto necessário e considerável que a própria lei não
dava suporte aos estados. O Brasil continuava com projetos de governo,
temporários, e não com um projeto de Estado para a educação nacional a
ser pensado, planejado e executado a médio e longo prazo. Problemáticas
que ainda permanecem no tempo.
O Conselho Estadual de Educação (CEE) do estado de Pernambuco
elaborou algumas considerações que foram enviadas ao MEC com
referência à reforma do ensino primário e médio. A equipe de Pernambuco,
composta por cinco membros51, evidenciava a importância da reforma
proposta. Porém, ressaltava a necessidade de maior amadurecimento dos
estudos, exames mais adequado dos vários aspectos do problema, prazos
mais dilatados para implantação do novo sistema e um recurso mais
sistemático e acurado aos dados fornecidos pela realidade econômica
e sociocultural do país. Essa equipe limitou-se a analisar detidamente
os temas e projetos apresentados referentes à educação fundamental e
preparação do professorado.
No texto da lei 5692/71 se estabeleceu a equivalência entre os cursos
técnicos e os de ensino médio, fornecendo, também, dessa forma outra
opção de acesso à universidade.
O ensino fundamental a ser implantado requeria dos estados escolas com
boas instalações, laboratórios, equipamentos especícos aos cursos técnicos,
professores que tivessem feito cursos intensivos, treinamento, uma vez
que pelo novo currículo, o destaque foi dado à parte prossionalizante de
aprendizagem. Assim, o professor teria salário correspondente ao seu nível
de formação. Por essa razão, a reforma do ensino a ser implantada até 1972,
deveria obedecer às peculiaridades – ou à realidade – de cada estado dessa
região. Os currículos estaduais a serem elaborados receberiam aprovação
nal do Conselho Nacional de Educação (Diário da Noite, 13.08.1971).
Então, como foram elaborados os currículos de todo o país, como se deu
51 Fizeram parte dessa equipe: Maria Graziela Peregrino, Maria Angela G. de Melo, Carlos
F. Maciel, Ruy A. Bello e José C. Sá Barreto.
esse processo uma vez que a lei traçou o ensino em linhas gerais? Como
se deu a estruturação ou reestruturação desses currículos plenos? E quem
anal participou desse processo? No próximo tópico abordaremos essas
questões.
Imposição ou participação coletiva?
Entre 1972 e 1974, o MEC, através do Departamento de Ensino Fundamental,
organizou uma comissão nacional de currículo e, em nível estadual devia
estabelecer elementos para que se criassem tantas quantas equipes de
currículo fossem necessárias, em função das Unidades da Federação. A
equipe nacional, composta por três membros52, estabelecia diretrizes de
trabalho, mas ia colaborar com as equipes dos Estados no sentido que
cada uma construísse ou desenvolvesse o seu planejamento de currículo
conforme três elementos: necessidades, interesses e possibilidades de cada
unidade federada. Não se delimitou, de acordo com Menezes (1977), o
número de membros na composição das equipes estaduais, de forma que
havia estados com 3 e outros com 40 membros. Assim, de 1972 a 1974,
conseguiu-se ter 25 modelos de currículo para o primeiro grau. Esses
seriam o norte, ou seja, o guia de organização, de orientação do processo
ensino-aprendizagem para os estabelecimentos de ensino daquela unidade
federada, relevando as possibilidades em termos nanceiros, em termos
de recursos humanos e de materiais. Esses dados revelam a diversidade de
propostas educacionais e a riqueza, mas, da mesa forma, a complexidade na
gestão e administração em um país com dimensões continentais.
Procurou-se oferecer inteira liberdade de escolha, de método de trabalho,
de solução, tanto de escola para escola, quanto de estado para estado.
A lei não construiu um modelo único para que todos usassem. Houve
apenas a preocupação de se xar um núcleo comum de âmbito nacional
com o objetivo de permitir a transferência de alunos de região para região
(ALMEIDA, 1974).
52 Os membros dessa equipe estabelecida pelo MEC foram: Gildásio Amado, Ana
Bernardes da Silveira Rocha e Consuelo Garcia Menezes.
Após essa primeira etapa, cada unidade federada devia encontrar o seu
modo de orientar as equipes dos estabelecimentos de ensino para realizar
essa transformação. Era preciso que os educadores de cada escola zessem
um bom diagnóstico do contexto social em que se encontrava a escola, as
possibilidades em termos de recursos humanos, em termos de ambientes,
de recursos materiais, de recursos de ensino e do público que frequentava
a mesma, caracterizando-o.
Para Menezes (1977) a sistemática de elaboração do currículo pleno é o
ajustamento do padrão da Unidade da Federação à situação especíca de
contingência ambiental, de recursos humanos, materiais, sócio, econômico
e culturais daquele estabelecimento de ensino.
Vale salientar que, como o ano letivo determinado pela lei seria no mínimo
180 dias de trabalho escolar efetivo, nas áreas urbanas era mais fácil ser
respeitado, mas nas áreas rurais não foi possível estabelecer diretrizes ou
operacionalização trazendo, assim, problemas muito sérios no período
determinado para elaboração dos currículos, conforme a autora.
Inicialmente, em Pernambuco, foi instituído um GT responsável pela
elaboração do anteprojeto do currículo e foram determinadas áreas de ação
onde seria experimentado o novo currículo nas unidades de ensino que
entraram no esquema de implantação do sistema proposto na nova LDB.
As áreas de ação em Recife foram Casa Amarela, Brasília Teimosa e Ibura.
Outras cidades do estado foram Camaragibe, Nazaré da Mata, Garanhuns,
Petrolina e Arcoverde.
O currículo devia ser ordenado em séries anuais de atividades ou áreas
de estudo, enquanto os conteúdos programáticos seriam estruturados
em níveis permitindo-se que os alunos se agrupassem de acordo com
seu adiantamento, em cada área do conhecimento. Os objetivos gerais do
currículo deveriam ter em vista as necessidades bio-psico-sociais de alunos
nas atividades educativas propostas favorecendo o desenvolvimento das
potencialidades como elemento de auto-realização, oferecendo condições
de ajustamento social através de uma iniciação para o trabalho e o preparo
para o exercício consciente da cidadania. Devia, também, ser preocupação
da escola oferecer ao educando oportunidade de desenvolvimento da
capacidade de comunicação e expressão através da sensibilidade para os
valores estéticos.
Foi elaborado um plano de implantação do regime instituído pela lei
5692/71 o qual foi sendo implantado em Pernambuco atendendo a critérios
racionais quanto a sua estrutura administrativa e pedagógica de modo a
suprir gradativamente as exigências sociais sobre educação. Por isso
apenas algumas unidades de ensino entraram no esquema de implantação
proposto pela nova LDB. Assim, mediante a existência de diculdades de
ordem diversas, acarretando a impossibilidade de se implantar automática
e integralmente a nova sistemática, houve a necessidade de se indicar
algumas diretrizes baseadas num estudo sumário de pesquisa sobre as
unidades escolares de certas áreas comunitárias da capital e do interior do
estado a m de se determinar uma metodologia de implantação do ensino
de 1º e 2º graus. Essa metodologia encontra-se exposta no documento
denominado Diretrizes para implantação do ensino de 1º grau (1972). Nele
encontra-se no quadro curricular, a partir da sexta série, que seriam opções
do aluno: Artes Plásticas, Artes Grácas, Artes Dramáticas.
No referido documento foram também elaborados vários itens para as
atividades artísticas. Assim, dentro das Artes Plásticas se contemplavam o
desenho, a pintura, a modelagem, o recorte e a colagem e, ainda, a gravura.
Foram sugeridas várias técnicas com materiais diversos a serem trabalhadas,
mas não existia nenhum referencial losóco, pedagógico, psicológico ou
metodológico, apenas sugestões de atividades. Note-se que a nova reforma
educacional estava centrada no tecnicismo e não se tornava necessária a
presença de fundamentações pedagógicas, nem psicológicas e muito menos
losócas. O que importava era a técnica, o fazer sem estabelecer relações
reexivas mais profundas.
Nas Artes Dramáticas encontra-se o teatro de fantoche, de sombra, de
máscara, de marionete e humano.
Na Música, canções de formação53, canções relativas à vida do aluno na
escola, associadas com danças, rodas e brinquedos e que transmitissem
53 Essas canções referem-se à conduta, higiene, hábitos.
conhecimentos patrióticos, comemorativos a datas e folclóricos. Mais
uma vez torna-se sutil o objetivo do novo sistema de governo, pois aqui
percebemos como vem à tona a questão nacionalista, o patriotismo,
o folclore, as datas comemorativas, que discretamente revestem-se do
interesse em uma conduta desejada para se manter a boa ordem no país.
Após o plano de implantação do regime instituído pela Lei 5692/71
outro documento foi elaborado e marcou a década de 1970, conforme
Britto (1993). Estamos tratando da Proposta Curricular do Ensino – 1º
grau, que todos os estados, em grupos de trabalho, deveriam elaborar. Os
idealizadores da Proposta, no caso pernambucano54, pretendiam que os
diversos documentos representassem, para os seus usuários, exatamente o
que seu nome indicava – uma proposta – a qual poderia ser aceita ou não
e alterada de forma a se adequar às necessidades e possibilidades de alunos
e professores. A elaboração desses documentos foi uma tarefa partilhada
por técnicos da Secretaria de Educação, professores da Rede Estadual de
Ensino Médio, bem como professores da UFPE e de outras instituições. A
professora Rosa Vasconcelos55 relatou sobre a formação desse grupo:
Eu comecei a participar porque eu fazia parte da equipe técnica
da Secretaria de Educação e eu era uma das responsáveis pela
área de Educação Artística na escola, não é? Eu tinha a função
de orientar as pessoas das DERES, que hoje são GERES, no
trabalho com arte. E eu sugeri o nome das outras pessoas (...).
(...) só que esse grupo de trabalho era um apêndice do grupão
da área de Linguagem, da área de Comunicação e Expressão,
entendeu?
E enfatizou:
A gente era um grupinho ligado a um grupo maior que era
justamente da área de Comunicação e Expressão. Aí você já
tá sentindo, não é? Veja bem o grande, o grande era, a atenção
54 Fizeram parte do GT de Educação Arsca: Eliziete Cassimiro de Freitas, Paula
Frassine Ferraz Moraes, Rosa Maria Bezerra de Vasconcelos, Ana Maria Lucena de
Oliveira Cavalcan, Clara Maria de Andrade do Nascimento Cavendish, Helane Vieira Sales.
O GT de Educação Arsca estava dentro do GT de Comunicação e Expressão.
55 Entrevista concedida em 09.10.03.
era voltada para a área de Comunicação e Expressão e lá no
cantinho entrava Educação Artística, isso por uma luta muito
grande das pessoas envolvidas com Arte-Educação, não foi
fácil entrar nesse grupo, fazer esse grupo na época, né?
A reforma educacional de 1971 foi baseada no currículo americano e a
ideia inicial de inserção da arte no currículo escolar, proposta pelo Estado,
era que a arte entrasse como reforço para o ensino de outras disciplinas e
não como uma atividade. Por esse motivo a professora Rosa Vasconcelos
comentou a diculdade na conquista da formação desse grupo e armando
que a inserção da arte não foi simplesmente uma decisão tomada pelo
Estado:
Isso sempre foi um luta de pessoas que acreditavam no ensino
da arte. Não foi uma coisa que veio assim bonitinha do governo
não. (...) a arte fazia parte do currículo americano. (...) e
entrou de uma forma muito..., foram muitas brigas, muitos
questionamentos. Brigas internas de luta pra manter isso aí.
Porque o pessoal queria arte não como atividade, mas como
reforço pra ensino de outras disciplinas como atividade de lazer.
Por exemplo, o menino acabou primeiro de escrever seu texto
de linguagem, aí quem acabou primeiro era recompensado
com papel para desenhar. Ele ia ilustrar aquele texto e não era
isso que o grupo queria.
E continuou explicando qual era a proposta do grupo que conseguiu o
espaço no GT:
A gente queria que a arte entrasse com um destaque, como uma
coisa importante para o desenvolvimento cognitivo, afetivo. (...)
a luta era para que ela tivesse a mesma importância das demais
disciplinas e não só servisse para clarear conceitos das outras
áreas, entende? Porque a grande luta era que a arte estava
presente em todas as disciplinas, por exemplo, os meninos
estavam estudando os continentes, então pega papel machê,
vamos construir o rio, o lago, a montanha, a ilha eu tô fazendo
arte. Aí eu estava usando uma técnica para demonstrar o que
eu aprendi sobre o estudo da Geograa, não é? Não tinha nada
a ver com arte, mas ela era concebida desse jeito.
Na nova Proposta Curricular a Arte encontra-se incluída dentro da
Comunicação e Expressão que fazia parte do núcleo comum. Dentro dessa
matéria56 o aluno seria levado a expressar-se criativamente participando de
atividades físicas, atividades artísticas e através da língua nacional. Essas
atividades iriam contribuir para a saúde física e mental e o desenvolvimento
de habilidades sociais desejáveis.
No referido documento, a inclusão da Arte nessa matéria não signicava
que se queria produzir especialistas ou artistas porque elas satisfazem às
necessidades individuais e sociais do aluno, pois pelas experiências artísticas
o aluno constrói o seu mundo ou o reconstrói à sua imagem. Assim, também,
a Música e as Artes Plásticas têm signicativas contribuições em relação à
herança social e provisão dos meios de ajustamento às condições de vida
futura. Elas contribuem de maneira original para o crescimento estético, o
uso produtivo das horas de lazer, o desenvolvimento sócio-emocional e de
valores culturais. Ainda, proporcionam uma base de experiências que serve
de alicerce para toda e qualquer aprendizagem.
56 Quando se trata da lei, três termos disntos são abordados: matéria, disciplina e práca
educava ou avidade. Esses termos encontram-se tanto na LDB de 1961 quanto na de
1971. Resta saber o que se entende por esses termos. Por que o termo matéria, de onde ele
vem? Conforme Barros (1974) o conhecimento constui a matéria-prima das habilidades e
as atudes boas ou más têm sua base no conhecimento. Os valores orientam o indivíduo
sobre o uso que fará de seus conhecimentos e habilidades. As matérias do currículo
permitem, de acordo com os dados de cada situação didáco-psicológica, que os objevos
ganhem ênfase ora no domínio cognivo, ora no afevo, ora no psicomotor. No Parecer
853/71, matéria é todo campo de conhecimento xado ou relacionado pelos Conselhos
Estaduais, e em alguns casos acrescentado pela escola, antes de sua reapresentação nos
currículos plenos sob a forma “didacamente assimilável” de avidades, áreas de estudo
ou disciplinas. É, sobretudo de grau a disnção que se estabelece entre avidade, área
de estudo e disciplina. No início da escolarização as ciências só podem ser tratadas em
termos de “avidades”, isto é, como vivência de situações e exercícios de manipulação para
explorar a curiosidade, que é a pedra de toque do método cienco. À medida que estas
experiências tornam-se sistemazadas, pelo amadurecimento natural do educando, se
tem a “área de estudo” (ciências exatas e biológicas) e nessa programação se chegará à
visão cada vez mais nída de cada subárea ou “disciplina” (Matemáca, Física, Química,
etc). No documento “A Lei 5692 de 1971 e o Ensino de primeiro grau”, o termo avidade será
expressão em que se pode associar, de forma ainda mais ampla, ao esforço de pensamento,
a ação sob variados aspectos. Avidades que reúnam, total ou parcialmente, ação sica,
inter-relação social, idencação, interpretação e criação. Conforme o documento, não
haverá diferença formal entre disciplina, áreas de estudo e avidades como componentes
do currículo, não se juscando, portanto, disngui-los em seu valor educavo.
São consideradas como uma oportunidade para o aluno desenvolver suas
habilidades inatas e contribuir para a melhoria da vida em sociedade desde
que a educação artística proporcione um meio de expressão de ideias,
sentimentos e emoções, ajudando-o a apreciar o que há de belo despertando-
lhe a conança em si mesmo, encorajando a experimentação e promovendo
a saúde mental, contribuindo ainda para que ele se comunique de modo
mais eciente através da própria língua.
Note-se a presença de elementos norteadores do Movimento Escolinhas
de Arte onde o indivíduo está no centro e se volta para o social, ou seja, o
desenvolvimento do indivíduo é fundamental para que haja o equilíbrio e
harmonia sociais.
Encontramos nesta abordagem os valores mais amplos da área artística
inclusive na contribuição que a arte pode favorecer para a saúde física
e mental do indivíduo, porém um detalhe é exposto ao deixar explícito
o desenvolvimento das atividades artísticas para “habilidades sociais
desejáveis”. Nessa direção, o período político e histórico do sistema
governamental parecia ser exatamente o contrário, não interessando
levar o educando a construir ou reconstruir o seu mundo, pois assim
tornaria efetiva a prática do exercício crítico, provocaria o pensar e o
refletir.
No tópico que trata a caracterização da Educação Artística encontram-se
as artes como um dos mais nobres meios de comunicação e expressão, um
meio natural de cultura, por desenvolver valores e disciplinas essenciais;
graças a sua ação unicadora, pode-se chegar a estabelecer a paz universal.
E o próprio Anísio Teixeira, citado no referido tópico, arma que nenhuma
atividade é capaz de, como a artística, dar ao ser humano o sentido de
integração, conscientização e incorporação ao seu “eu” e ao seu “meio, isto
é, anal a própria essência da educação (p.81).
Na Proposta Curricular, especicamente sobre a Educação Artística, os
autores da mesma se basearam nos métodos e processos de Arte/Educação,
decorrentes de estudos realizados pelo Movimento Escolinhas de Arte e
nas etapas de desenvolvimento da criança propostas por Piaget. Aqui
encontramos a presença inuente do MEA no processo de inserção da arte
no currículo e na elaboração da nova proposta de ensino. Rosa Vasconcelos
conrma esta inuência57 :
A base foi a Escolinha de Arte, as experiências da Escolinha
de Arte e algumas experiências isoladas que aconteciam no
estado com professores que faziam o trabalho, que tinham
sido treinados pela Escolinha e que faziam nas suas salas de
aula. (...) Em cima da experiência do Colégio de Aplicação, em
cima da experiência da Escolinha e do curso que nós zemos
na Escolinha. Porque todas do grupo de Educação Artística
tinham a mesma formação na Escolinha de Arte.
No documento abordado explicita-se a opção por elaborar o documento
com uma programação de objetivos que integrassem seu “eu” e
proporcionassem seu relacionamento com o grupo social a que pertencem.
No entanto, a professora Rosa Vasconcelos explica como se deu esta opção:
Aquilo era toda a orientação, você não podia fazer aquilo de
forma diferente. Porque aquilo a gente escrevia em cima da
orientação que era dada porque era um currículo centrado nos
objetivos e nas atividades, entende? E essa orientação era toda
americana.
Assim, o documento está composto pela caracterização da Educação
Artística; pelos objetivos gerais e especícos; por um rol de sugestões de
atividades nas três áreas: plástica, cênica e música; por uma orientação
metodológica e uma bibliograa composta por 103 indicações.
Com relação aos objetivos do referido documento, buscou-se integrar
sensibilidade e razão, arte e técnica, a máquina e homem, o mundo interior
e o mundo exterior, de maneira que cada grupo, dentro dos seus limites,
conseguisse um máximo de desenvolvimento.
O MEC também elaborou um documento intitulado “Bases para a
reformulação de currículos e programas para o ensino fundamental”.
Nele percebe-se a transferência de responsabilidade para o professor na
adequação à nova lei. Esse documento diz que a implantação da Lei 5692/71
57 Entrevista realizada para esta pesquisa em 09.10.03.
supõe uma mudança na mentalidade do professor e que este deverá não só
utilizar métodos e recursos mais adequados, mas buscar novos objetivos,
uma vez que a reformulação que se impõe é muito ampla, alterando as
próprias nalidades visadas.
É nítida a responsabilidade atribuída ao professor, mas o Estado brasileiro
não favoreceu oportunidades de atualização, de aprofundamento, de
especialização no campo prossional como também não forneceu “recursos
mais adequados”. Sem sombra de dúvida, todo e qualquer prossional
precisa buscar constantemente o aperfeiçoamento do seu trabalho, a
atualização frequente na área em que atua, acompanhar o desenvolvimento
da sociedade como um todo, especialmente aqueles que trabalham com
educação, pois a mesma é um processo dinâmico contínuo, não é um
produto estático. Mas, para tanto é necessário proporcionar o mínimo para
que essa atualização, essa mudança aconteça, pois como se pode utilizar
métodos e recursos mais adequados se não há oportunidade para isso?
Como melhorar a qualidade de ensino se não se melhora a qualidade
prossional dos educadores oportunizando, ao menos, espaços para isso?
Será que o educador é um prossional pronto, acabado e preparado para
todas as transformações sociais ocorridas na dinâmica da vida cotidiana?
Aspectos sutis foram elucidados, no referido documento, no que se refere
à seleção de experiências que inuiriam mais de perto na formação e
aperfeiçoamento da personalidade humana como também na tradução de
comportamentos desejáveis.
Assim expressou o legislador no documento, citado anteriormente:
(...) os aspectos relativos à expressão pessoal, à criatividade, ao
preparo para as horas de lazer, essenciais se desejarmos dar à
educação um sentido de valorização do que é pessoal em cada
um de nós, de aproveitamento e desenvolvimento da riqueza
interior, o que exige adequada seleção daquelas experiências
que inuirão mais de perto na formação e aperfeiçoamento
da personalidade humana (grifo nosso). Nesse sentido,
deve-se dar especial atenção às experiências artísticas e de
expressão em geral (grifo nosso), bem como às oportunidades
de participação social que valorizem o esforço conjunto, a
iniciativa em prol do bem comum, a solidariedade humana e
os laços afetivos. A recreação sadia, o esporte bem orientado, os
grupos artísticos – orfeões, corais, teatros, clubes literários – a
organização de cooperativas e de campanhas em benefício
de grupos necessitados (grifo nosso) ou, mesmo, de pessoas,
obtidos os recursos por trabalho dos alunos – constituirão
algumas das atividades para alcançar aqueles resultados e são
essenciais como núcleo comum da educação. Não se deverá
perder de vista que o núcleo básico do currículo visa assegurar
a consecução dos objetivos próprios da educação fundamental
para o homem brasileiro, na época atual, e que se devem
traduzir em comportamentos desejáveis” (grifo nosso).
Note-se a sutileza na exposição desses argumentos que seriam as bases para
a reformulação dos currículos. Abrange os valores mais amplos como o
espaço para a liberdade de expressão pessoal, a criatividade, a valorização
da riqueza interior e a solidariedade, porém sutilmente deixa em evidência
as regras para atingir tais valores. Para tanto serão necessárias “adequadas
experiências”, “especial atenção, “o trabalho voluntário para obtenção de
recursos” e o reforço constante dado aos “comportamentos desejáveis”.
Percebemos aqui que o legislador não só engloba princípios do MEA como
a expressão pessoal, a criatividade, o desenvolvimento da riqueza interior,
que se aproximam também das propostas iniciais da DECA, como também
aborda algumas das ideias que também eram do MCP como a organização
social em grupos cooperativos e artísticos. No entanto, desvirtua
completamente os ideais e as propostas desses movimentos.
No mesmo documento encontram-se, no tópico II, os objetivos e a amplitude
a ter em vista nas várias matérias do núcleo comum. Com referência à arte
o objetivo primordial seria o desenvolvimento do equilíbrio emocional, o
enriquecimento de interesses, o preparo para as horas de lazer e a capacidade
de auto-expressão de maneira criadora através de técnicas e materiais
variados. Abrangia artes plásticas, teatros de todos os tipos, música, etc.
Deveriam ser desenvolvidas as atividades mais adequadas tendo em vista a
idade dos alunos, os recursos e as condições locais, valorizando o engenho
no aproveitamento dos materiais e as formas artísticas locais e evitando-
se o uso de materiais caros e pouco comuns no meio. Valorizar-se-iam as
atividades que envolvessem capacidade de aproveitamento de materiais, de
substituição de uns por outros, de improvisação eciente, de originalidade
e criação.
Algumas sugestões foram propostas a atividades desenvolvidas com o
desenho. Dentre essas, atividades de cópia do natural como documentação,
de desenho decorativo dentro de nalidades signicativas para o aluno,
ligadas, por exemplo, às artes práticas ou à educação para o lar e, ainda,
desenhos de cunho prático como plantas, grácos, desenho de projetos
ligados às atividades da turma.
A nalidade principal da música era levar o educando a amá-la, cultivar
o canto conjunto, visando à ampliação dos interesses do mesmo e ao
equilíbrio emocional. À tona estava o nacionalismo, o amor à pátria e a
valorização das características regionais. O aluno deveria desenvolver um
repertório de músicas ao seu alcance de tipos variados e, especialmente,
as típicas de sua região. A elevação do gosto musical seria também visada
através de atividades várias, como a audição e a apreciação musical. Ainda
referindo-se à música, não se prejudicaria o objetivo de desenvolver o
amor pela música com a preocupação do ensino de teoria e de perfeição
da execução, recomendando-se por isso, o desenvolvimento do ensino,
independente da existência do professor especializado.
O discurso explicita a ausência de uma preocupação com a necessidade do
conhecimento especíco na área de artes com relação ao professor e ainda
a aprendizagem que, no ponto de vista apresentado, não necessitava de
estudos teóricos, mas apenas a prática, a técnica sem fundamentação para
não levar o educando a reexão, a observação. Supunha-se ou, até mesmo,
acreditava-se que qualquer professor de qualquer área tivesse domínio
suciente e formação ampliada e atualizada dentro dos moldes exigidos
ou exatamente o contrário, pois deixando clara a ausência do professor
especializado não se corria o risco de levar os indivíduos à reexão, a
observação, ao desenvolvimento do raciocínio possibilitados pelo estudo e
experiência da/com/na arte.
Percebemos o quanto no decorrer da história da educação brasileira foi se
abrindo mão de valores importantes com referência aos prossionais da
educação. Referimo-nos à formação especíca do professor, que neste caso,
como no da arte em geral, não se exigia essa formação, pois a própria Lei
5692/71 deixou lacunas e abriu espaço total para isso. Esse fator contribuiu
para uma descaracterização da área, a acentuação do estigma de que arte
não tem importância na formação do indivíduo, pois é apenas um adereço
e que, portanto, pode ser posta num segundo ou último plano. Ao abrir esse
espaço, um grande número de prossionais passaram a ter a disciplina como
complemento de carga horária. Com relação a este aspecto a professora
Rosa Vasconcelos comentou:
(...) a gente tinha uma grande diculdade porque não tinha
ainda pessoas qualicadas para o ensino da arte. Existia um
número muito reduzido que eram justamente pessoas que
tinham a formação recebida através dos Cursos Intensivos da
Escolinha de Arte do Brasil. Era um grande curso formador
de professores para o Brasil inteiro e para alguns países da
América Latina.
E continuou:
(...) o grande professorado que ia receber esse currículo era
o professorado oriundo da Educação para o Lar que tinha
sido extinta, esses cursos tinham sido extintos. Ainda hoje
você encontra na rede gente colando latinha, fazendo objetos,
fazendo cópia porque essa tradição, essa cultura foi incorporada
e ainda hoje você observa isso em algumas escolas.
Não queremos, entretanto, desvalorizar ou menosprezar o trabalho e
empenho daqueles que assumiram com responsabilidade essa área, mas
podemos armar que, certamente, uma formação especíca favorece uma
melhor qualidade de trabalho e, consequentemente, o prazer e a realização
prossional que envolvem uma série de outros requisitos necessários para tal.
O MEC deixou claro que isso não era uma preocupação primordial. Assim,
o então Ministro da Educação e Cultura, Jarbas Gonçalves Passarinho,
na Exposição de Motivos n.º273 de 30 de Março de 1971, armou que a
integralização curricular far-se-ia, principalmente, por “disciplinas, áreas
de estudo ou atividades, sem o que seria impraticável a multiplicação
das habilitações prossionais (grifo nosso). A preocupação dominante,
conforme o Ministro, era, pois, o aproveitamento máximo das potencialidades
institucionais e individuais. Dessa forma pode-se compreender claramente
que não havia uma preocupação com a prossionalização, a qualicação do
professor e sim um acréscimo de disciplinas, funções ou atividades ao seu
trabalho e às instituições.
Para compreender quais eram os objetivos traçados para o ensino de 1º grau,
observem-se os referentes ao conteúdo comum58, entre outros: o interesse
em desenvolver a capacidade para se expressar criativamente em termos
visuais e musicais; conhecimento e capacidade para empregar os princípios
básicos de desenho, incluindo composição, cor, forma, massa, etc.; gosto
pela música e conhecimento de seus elementos: melodia, harmonia,
forma, tempo e sonoridade; experiências em diversas atividades musicais
planejadas incluindo o canto, o uso de instrumentos, a leitura e a audição
de trechos musicais diversos; experiências em diversas atividades artísticas
planejadas. Aqui, voltamos a mesma problemática e nos questionamos
como se poderia ter um professor capacitado, formado, especializado
em tão diversas áreas de conhecimento para atingir tais objetivos, ainda
mais sabendo que, utilizando as palavras do Ministro da Educação, a
preocupação dominante era o aproveitamento máximo das potencialidades
institucionais e individuais?
Percebemos, no entanto, que o objetivo era exatamente o contrário. Não
se pretendia ter um professor capacitado, formado, especializado, pois
dessa forma contribuiria para a formação de pessoas críticas, reexivas. A
intenção era desarticular tudo que já existia, os movimentos que favoreciam
o ensino da arte e as experiências, em meio à sociedade, que tornavam
visível a importância da arte no processo de formação dos indivíduos. A
professora Rosa Vasconcelos abordou essa questão59 :
Exatamente, exatamente. Porque ninguém queria, não se
objetivava desenvolver o senso crítico das pessoas porque
desenvolvendo isso, esse grupo caía, não é?
58 O currículo abrangia uma parte nuclear ou núcleo comum, de âmbito nacional, outra
de alcance regional e uma terceira do estabelecimento de ensino.
59 Entrevista concedida em 09.10.03.
E explicitou o espaço que era aberto para a formação dos professores:
(...) Havia na época um programa chamado USAID que era
justamente nanciado pelo governo (...), é de lá que vem toda
nossa, o nosso grande débito que foi crescendo. Então, toda
a formação, eu posso até dizer isso, na época dos técnicos da
Secretaria de Educação, era oriunda dos Estados Unidos,
eles iam fazer Mestrado lá nos Estados Unidos e voltavam, se
integravam à equipe da Secretaria.
Havia uma intencionalidade nesta abertura dos Estados Unidos em
promover cursos de formação para os professores e o retorno dos mesmos
à Secretaria de Educação. Rosa Vasconcelos comentou:
Claro, claro. Por exemplo, eu fui prejudicada de não ir fazer o
Mestrado porque eu tinha umas ideias diferentes, entendeu? Eu
tinha umas ideias diferentes do grupo e por isso eu fui colocada
de lado discretamente. E outras pessoas que tinham menos
tempo de estudo do inglês, muito menos tempo foram. Porque
eu não comungava dos mesmos ideais. Essa marca cou.
A professora fez referência à intenção de desarticulação dos movimentos
que favoreciam o ensino da arte. Referiu-se, especicamente, ao MCP que
promovia uma arte engajada, o ensino da arte voltado à consciência crítica e
política. O Estado, por sua vez, não pretendia dar oportunidades as pessoas
que tinham ou tiveram algum vínculo com esses movimentos:
Por isso é que eu não segui (risos). Por isso que eu não segui.
Porque eu era uma pessoa que me relacionava com esse pessoal.
Fui do MCP, passei pouco tempo porque veio o golpe, né?
A Educação Artística apareceu como componente do currículo de 1ª a
4ª série integrando a área de Comunicação e Expressão, mas não como
disciplina e sim como suporte para a aprendizagem das outras áreas. De 5ª
a 8ª série integrou a área de Comunicação, Língua Portuguesa, Educação
Física e Língua Estrangeira, por m, gurou como disciplina da educação
geral do 2º grau. A implantação da disciplina compreendeu a fusão das
áreas plásticas, musical e cênica a serem desenvolvidas no decorrer do 1º
e 2º graus.
No texto da lei cou reservado um artigo especíco que tornou a inserção
da Educação Artística e outras disciplinas obrigatórias no ensino de
1º e 2º graus e conforme o legislador, a intenção em determinar um
artigo especíco para as novas disciplinas que deveriam ser inseridas no
currículo, era garantir a presença das mesmas no currículo e, assim, não
se correr o risco de omiti-las por opção das instituições escolares. Dessa
forma, deixando explícita sua obrigatoriedade, não se poderia excluí-las do
currículo.
Havia uma distinção na importância dada a esta e as outras disciplinas do
currículo. Assim esclareceu Leopoldina Britto em entrevista60 concedida
para este estudo:
(...) as outras disciplinas elas eram importantes pelo seu caráter
instrutivo e essas outras pelo caráter formativo (refere-se
às disciplinas do art.7º da lei 5692/71). Aí é que vem a arte
começar a ser pela formação, a arte não era pra ensinar o
aluno a ser artista, não era pra aproveitar os gênios, aqueles
que já tinham porque estudaram violão ou piano não sei onde,
estudaram balé, aqueles eram aproveitados também na escola,
mas que a Educação Artística era para desenvolver o gosto, o
caráter, foi isso.
O Ministério da Educação e Cultura durante a década de 1970 elaborou vários
pareceres no intuito de esclarecer e tirar dúvidas dos diversos Conselhos
Estaduais do país que reuniam também questionamentos vindos das escolas
e de seus professores no que se referia à interpretação e compreensão da lei.
Por exemplo, o Parecer nº4833/75 (MEC,1975) discorre que os órgãos dos
diversos sistemas deveriam orientar os professores sobre o conteúdo mínimo
a explorar, por área de conhecimento e por série, a m de garantir o nível
mínimo de conhecimentos e habilidades que serviriam de pré-requisito
para a série subsequente. Com referência aos conteúdos que deveriam ser
trabalhados em Educação Artística, dentro da matéria Comunicação e
Expressão, exigiu-se a expressão de forma criativa de ideias, sentimentos e
emoções através de recursos linguísticos, sonoros, plásticos e corporais.
60 Entrevista concedida em 14.07.03.
Outro exemplo desses esclarecimentos realizados pelo MEC pode ser
encontrado no relatório que introduz o Parecer nº540/77 (CFE, 1977).
Esse parecer refere-se ao tratamento a ser dado às novas disciplinas
do currículo. Assim, ao enumerar os elementos do art.7º da lei, não os
encarou nem como “matérias”, nem como “disciplinas”, mas como uma
preocupação geral do processo formativo, intrínseca à própria nalidade
da escola porque são partes constitutivas da educação do homem comum.
Neste relatório armou-se que esta não era a compreensão da maioria
das escolas, pelo que se podia depreender da quase generalidade dos
planos curriculares, que tinham a preocupação com o cumprimento
formal dos dispositivos legais, e que as escolas vinham consignando em
seus planos a presença dos elementos do art.7º aos quais atribuíam cargas
horárias semanais que deixavam claro a incompreensão do papel desses
componentes no contexto curricular e revelavam a inviabilidade de serem
alcançados os objetivos desejados.
O relatório armou ainda que, frequentemente, se atribuía uma aula
semanal à Educação Moral e Cívica, Educação Física e Educação Artística
e que essa colocação presumia o cumprimento de um dever, de certo modo
burocrático, a ser cumprido o mais depressa possível, a m de que se
destinassem cargas horárias mais substanciais a outros estudos talvez tidos
como mais importantes.
O legislador citou algumas lacunas que levaram as escolas e os prossionais
de educação a essa compreensão como por exemplo, a inexperiência; a falta
de questionamentos; a inexistência de recursos humanos devidamente
preparados e em número suciente para atender à demanda. Enfatizou,
ainda, que a Educação Artística, a Educação Moral e Cívica e a Educação
Física não correspondiam a campos de conhecimento, a matérias, ao
contrário do que a palavra “Ciências” logo identicava. Eram antes
“preocupações” essenciais que foram do legislador e deveriam ser dos
educadores.
Ora, o referido relatório criticou a interpretação dada pelas escolas aos
elementos do art.7º e ao mesmo tempo enfatizou que esses elementos eram
apenas “preocupações”, não áreas de conhecimento, não estavam no mesmo
patamar das ciências. Observe-se a dubiedade de compreensões que já
partia do próprio legislador. Porém, na prática da instituição escolar esses
elementos deveriam fazer parte do currículo e fazendo parte do currículo
o conhecimento deveria ser sistematizado e sendo sistematizado deveria
ter um tempo especíco na carga horária escolar. Daí, como fazer para
transformar “preocupações” dentro do currículo escolar em conhecimento
sistematizado? É uma questão bastante complexa ainda levando em
consideração algumas defasagens, já localizadas e explícitas pelo próprio
legislador, com referência aos recursos humanos e pedagógicos.
Não se pode negar, no entanto, que o tratamento dado pelo legislador possuía
uma visão ampliada, no contexto geral da educação e, mais ainda, no que
se refere à importância da arte na formação do indivíduo. Mas, uma coisa é
colocar ideias e visões no papel e outra é colocá-las em prática num país de
proporções continentais que ainda não tinha sequer cursos universitários,
no caso da Educação Artística, especicamente em Pernambuco, no período
em que a lei foi sancionada, que formassem prossionais sucientes para
suprir a demanda das novas exigências propostas pela lei. Foram lacunas
que permaneceram abertas. A lei avançou em alguns aspectos, mas em
outros não deu suporte para de fato ser posta em prática. No caso especíco
da arte, foi um avanço garantir um espaço obrigatório no currículo, uma
vez que a garantia desse espaço possibilitava a democratização da mesma
dentro da escola, mas em termos de qualidade de ensino da arte não se
favoreceu as condições necessárias para isto.
Podemos perceber que colocando a arte no currículo escolar o Estado
satisfazia, em parte, os movimentos de arte/educadores, educadores e
outros prossionais que lutavam por um espaço para ela no currículo,
amenizando as pressões e, assim, “democratizando” o acesso à arte em todo
o país. Por outro lado, o Estado tinha consciência da defasagem de recursos
humanos e técnicos e, intencionalmente, satisfazendo as reivindicações
daqueles prossionais, não só não corria o risco de favorecer a articulação
e organização dos prossionais, como também não favorecia a formação
através da arte aos indivíduos do senso crítico e estético, uma vez que
os prossionais que assumiram a disciplina não tinham a formação, o
conhecimento especíco dos pressupostos teóricos, metodológicos,
psicológicos e losócos da área e ainda mais vinham das mais diversas áreas
de conhecimento, fato que favorecia a desarticulação e, consequentemente,
dicultava a constituição da arte como campo de conhecimento. Além
disso, a formação especíca pressupunha o nascimento de cursos superiores
que, por sua vez, necessitavam de verbas destinadas para sua existência
e funcionamento. No entanto, lembre-se, que estava posto em cheque o
interesse na otimização da força de trabalho já existente e não o objetivo em
ampliar a formação e suas especicidades.
No caso pernambucano, a arte já estava muito presente antes da lei,
inclusive na escola, como vimos a Escola de Belas Artes, as atividades
promovidas pela DECA. No entanto, ganhava contornos políticos muito
claros, como por exemplo, no MCP onde a arte era engajada, voltada ao
social, ao crescimento e desenvolvimento dos grupos sociais, da cidadania.
Já no MEA fundamentava-se na liberdade de expressão, no espaço aberto
para o desenvolvimento da criatividade, da observação, do senso crítico e
estético, da individualidade, da personalidade.
Com a inserção obrigatória da arte no currículo o novo regime precisava
absorver o que a arte tinha de mais apolítico, contribuir na formação
da individualidade, da personalidade. Enfocava o folclore, salientando
o nacionalismo, o patriotismo e não a cultura popular que favorecia a
organização dos grupos, a reexão e conscientização sócio-política e
histórica da população. Para isto os movimentos que se desenvolveram
em Pernambuco, e em todo o país, tiveram uma importância crucial para
tornar visível em meio à sociedade a relevância da arte no processo de
educação, conscientização e articulação da população.
Na visão dos atores houve, realmente, diculdade na compreensão da função
da arte no currículo, talvez porque colocar em prática valores subjetivos
fosse o maior empecilho. Em Pernambuco a professora Leopoldina61 se
remeteu também a este aspecto:
(...) pouca gente entendeu, até quando eu ensinava a lei. Ah!
Que aperreio! Eu disse minha gente eu não z a lei, eu não sou
(risos) pago por ela. Mas, eu estou entendendo, estou querendo
passar pra vocês. Quando você estuda Matemática ajuda seu
61 Entrevista concedida para esta pesquisa em 14.07.03.
caráter, todo estudo ajuda a constituir sua personalidade,
mas você vai estudar Matemática para aplicar, você vai
precisar na ativa, você precisa conviver. Mas, as outras você
não precisa delas para uma aplicação direta, elas são para o
desenvolvimento maior da personalidade.
E se compreende aqui os motivos pelos quais difundiu-se a ideia de que a
arte não reprova:
(...) tanto que não se dava nota a elas, o professor não podia
botar a nota, mas o professor enganava ao aluno e alguns nem
sabiam, era como se fosse a disciplina e não sabiam que não
era pra colocar a nota porque justamente se ela era com esse
caráter (...) o aluno poderia ser reprovado(...) por falta ou por
não cumprir as tarefas (...), mas ele não seria porque ele não
teve jeito.
De um lado questionamos se um aluno não “tivesse jeito” para português,
matemática, geograa, história, língua estrangeira por que não se poderia
adotar o mesmo critério? De outro lado, seria o foco da educação, em
qualquer área de conhecimento, a reprovação ou a aprendizagem dos
conhecimentos acumulados e socializados pela escola? O fato de uma
disciplina escolar reprovar o aluno era o que demonstrava a importância
da mesma?
Outro Parecer de nº540/77 (CFE, 1977) tratou sobre o que deveria ser dado
aos elementos do art.7º da lei 5692/71.
No que se refere à Educação Artística o parecer apontou que era preciso
considerá-la não como “derivativo ou adorno da existência humana, mas
tendo a arte “como condição da vida e da sociedade”. A Educação Artística
não deveria ser dirigida a um determinado terreno estético, mas antes de
tudo, na expressão e na comunicação, no aguçamento da sensibilidade que
instrumentaliza para a apreciação, no desenvolvimento da imaginação, em
ensinar a sentir, em ensinar a ver como se ensina a ler, na formação menos
de artistas do que de apreciadores da arte, o que tem a ver diretamente
com o lazer, preocupação colocada na ordem do dia por sociólogos de todo
o mundo, e com a qualidade da vida. O parecer prosseguiu armando a
importância da Educação Artística “que não era uma matéria, mas uma
área bastante generosa e sem contornos xos, utuando ao sabor das
tendências e dos interesses” (grifo nosso). Não se estimava que todas as
manifestações artísticas se transformassem em atividades escolares para
todos. Entretanto, a formação geral, estética, indispensável se completaria,
em cada caso, com alguma atividade especíca, ou seja, ou o desenho, ou a
música, ou o teatro, ou o balé ou outra enm. Essa formação geral estética
deveria ser o produto de uma atitude contínua da escola, que assinalasse a
cada momento todas as experiências curriculares.
O referido parecer deixou claro que o trabalho deveria se desenvolver
sempre que possível por atividades e sem qualquer preocupação seletiva.
Enfatizou, ainda, que a vericação da aprendizagem nas atividades, que
visassem, especicamente, à Educação Artística nas escolas de 1º e 2º graus,
não se harmonizavam também com a utilização de critérios formais. Aqui
conrma-se o entendimento de que a arte não reprova. Essas atividades
não visavam à formação de artistas. Não faria sentido, pois, manter-se o
aluno preso a uma opção na qual o seu desempenho não revelava seu maior
interesse, negando-lhe a oportunidade de outras experiências, e muito
menos impedir a promoção de série àquele que não apresentasse resultados
satisfatórios em termos de produto, como por exemplo, o desenho feio, a
dança canhestra, a representação dissonante no grupo, o canto desanado
no coro. Isto porque a importância das atividades artísticas na escola residia
no processo e não nos seus resultados.
Conforme o parecer, a Educação Artística poderia prescindir de um
horário rígido preestabelecido, ou seja, era possível dispensar, abrir
mão de um tempo especíco para este novo elemento a ser inserido
obrigatoriamente no currículo. Daí compreende-se o porquê da Educação
Artística ter a menor carga horária no currículo escolar, pois o próprio
parecer deixou clara a dispensa de um tempo especíco para a mesma.
E destacou que convinha aproveitar as oportunidades, sobretudo as que
a comunidade oferecia, como exposições, museus e concertos públicos,
quando cabíveis no plano das escolas. Note-se a ênfase no consumo
da “alta cultura”, descartando a cultura popular. Trata-se de usufruir
cultura e habituar crianças e adolescentes a frequentarem instituições e
iniciativas que visavam justamente sua comunidade. O legislador armou
que “alguém” na escola deveria ser o encarregado de coordenar essas
atividades, não deixando clara e explícita a necessidade de um prossional
com formação na área, questão que já abordamos anteriormente e que
“justica” a presença de um prossional de qualquer área de formação na
docência da arte.
A partir desses registros compreendemos algumas questões postas no
início da presente pesquisa. Por exemplo, o estigma criado no meio
escolar que a Educação Artística não reprova; o fato dela estar relegada
sempre a um segundo plano no currículo escolar, fato abordado não só
na “diculdade de compreensão” do signicado da arte para a formação
do indivíduo como também na grande ausência de prossionais formados
na área e nos próprios pareceres do MEC, como acabamos de ver; o grau
de importância estabelecido entre os prossionais da instituição escolar, a
menor carga horária no currículo entre todas as disciplinas e ainda o fato
de que qualquer prossional de qualquer área poderia lecioná-la, o que
cou bastante evidente no parecer que citamos há pouco.
Concordamos que é necessário e importante considerar o processo
e não só o produto nal nas atividades artísticas, mas para realizar, pôr
em prática as observações, determinadas no parecer citado acima, seria
necessário que todos os prossionais de todas as escolas de todo o Brasil
possuíssem uma formação estética, tivessem a possibilidade, também, de
usufruir a “alta cultura, como proposto, e fossem, ainda, habituados a
frequentarem ambientes culturais seja museus, teatros, cinemas, concertos
musicais ou mesmo apresentações folclóricas regionais realizadas nas
diversas comunidades, além de ter, constantemente, acesso ao que se estava
realizando em termos de arte em nível mundial e na produção literária sobre
a mesma. Fato que podemos considerar impossível por diversas outras
razões que não são objeto de nossa pesquisa, mas que abrem questões a
serem aprofundadas.
Várias reexões e críticas acentuadas não faltaram e foram realizadas à
nova lei, seja no que se refere ao avanço e modernização proposto por ela,
seja pelos impasses e entraves em sua implantação ou mesmo em questões
polêmicas que vieram à tona com referência à sua interpretação. É o que
veremos a seguir.
Impasses e entraves na implantação da lei
O saldo do golpe civil-militar de 1964 para a educação foi a ampliação
de problemas, armou Colares (2003) como a reprovação, a evasão e
má qualidade do ensino, evidenciada, principalmente, com o fracasso
da prossionalização do 2º grau. É inegável, continua o autor, que houve
ampliação na oferta de vagas; em contrapartida, nunca foi tão evidente o
número dos que caram fora da escola. Isso porque, diferentemente das
décadas anteriores, havia uma expectativa criada na população quanto
à capacidade da escola promover substanciais transformações, tanto na
sociedade quanto no indivíduo.
Conforme Almeida (1974), a LDB foi uma lei avançada talvez até demais
para o tradicionalismo de nossa educação clássica. Tinha como uma de
suas principais características a da ampla autonomia que concedeu aos
estabelecimentos de ensino. Aproveitou-se, entretanto, esta liberdade,
não para melhorar o ensino e, sim, para aviltá-lo, oferecendo uma série
de facilidades. A lei conforme o autor, sofreu uma oposição grande, já que
não convinha à maioria alterar o que vinha fazendo. Como a lei exigia
inventiva e uma tomada de posição mais consciente, esta qualidade e
atitude não eram ou não se encontravam com regularidade em nossas
escolas nem nas repartições encarregadas de orientar e scalizar o
processo educacional.
Já Prado (1975) reetiu sobre sua inviabilidade histórica. Assim, ele armou
que uma lei sábia leva em conta as condições reais de sua aplicabilidade.
Nenhuma lei ou regulamento tem direito de ser suicida. Para o autor se
espalha na área da legislação o perigoso maquiavelismo de pensar que
é sadio introduzir inovações, forçar reformas, prescrever métodos e
processos modernos ou modernosos, sem se preocupar com o tumulto e
o caos que tudo isso vai gerar, acreditando que a escola ressurgirá límpida,
bela e estuante de vida, como a fênix renascida das próprias cinzas. Quem
quer que tenha a experiência de manter uma escola sabe como é difícil ter o
professor certo para o lugar certo, ter o equipamento adequado e mantê-lo
funcionando. Sonha-se com uma escola polimorfa. Onde está o professor?
Onde está o equipamento? Onde está o dinheiro para isso? Acrescente-
se ainda que, para o moderador da coisa pública, deve ser inteiramente
impensável a ideia de ter a escola X para mil brasileiros, à custa de deixar
10.000 sem escola.
A postura do professor não se alterou, segundo Neves (1996). Não houve
mudanças em relação à sua maneira de ver e desenvolver atividades
artísticas e nem quanto à forma de avaliar o educando. Tampouco o
contato com o guia curricular de Educação Artística contribuiu para
alterar a situação do ensino na área. A única modicação observada diz
respeito à troca de nomenclatura: o que anteriormente era conhecido por
Artes Industriais, Música ou Desenho passou a denominar-se Educação
Artística.
Ao mesmo tempo questionamos como poderia haver mudança na postura
do professor se o mesmo não tinha formação especíca na área, como já
comentamos anteriormente? Como poderia haver mudança substancial
se qualquer prossional de qualquer área poderia assumir sua docência?
Como se pode pensar numa qualidade efetiva de ensino se não se pensa
na formação efetiva e continuada do educador? Seria o professor o único
responsável pelo sistema e processo educacional de qualidade? Em
absoluto! É preciso destacar que o professor é um sujeito fundamental para
a educação escolarizada em qualquer país do mundo, mas jamais pode ser
responsabilizado por todas as problemáticas e complexidades existentes no
sistema educacional.
A implantação da Lei 5692/71, conforme Mermelstein e Sales (1982) trouxe
problemas inerentes às decisões vindas como pacotes. Não foi feita uma
vericação ampla das condições existentes nas escolas, especialmente as
públicas, quanto a recursos humanos e instalações/equipamentos. Também
não se planejou a implantação dessas disciplinas de modo a prever os prazos
necessários à criação daquelas condições. A própria inclusão da formação
artística, na mesma lei, mostrou que o verdadeiro objetivo dessa inclusão era
de um duvidoso humanismo. O ensino que a Educação Artística poderia ter
como mais uma forma de aprendizagem e como desenvolvimento integral
do educando, foi deslocado para um ensino medíocre e empobrecedor
desgurando os propósitos e a natureza criadora da arte.
É certo que não podemos descartar todas essas observações destacadas pelos
autores, mas é certo também que nem tudo pode ser considerado apenas
como negativo, pois como sabemos toda e qualquer lei apresenta aspectos
positivos e deixa sempre lacunas abertas. As instâncias e movimentos
abordados nesta pesquisa fazem parte da história e desempenharam um
papel fundamental em meio à sociedade, no caso pernambucano, no
processo de disseminação da arte, de ensino da arte, de promoção, de
divulgação da arte e tornaram visível a importância da mesma no processo
educativo inuenciando um olhar mais acurado à arte por parte do Estado.
Assim como inúmeras outras iniciativas no campo artístico que também
se disseminaram por todo o país na época e, que abrem inúmeras outras
possibilidades de pesquisas e investigações mais profundas, também
contribuíram de uma forma ou de outra para que o Estado voltasse o
seu olhar para a arte. Mesmo se desvirtuando os princípios e ideais dos
movimentos que se desenvolviam na sociedade relacionados à arte, pois
era um objetivo do novo regime, garantiu-se um espaço obrigatório para
a arte no currículo, mesmo com uma carga horária irrisória e ainda com
um quadro acentuado de prossionais de outras áreas. O fato de garantir
um espaço no currículo pode ser considerado uma conquista importante,
mas existem inúmeras outras a serem alcançadas: a formação continuada
dos prossionais, a qualidade do ensino da arte, espaço físico e temporal
mais apropriado para seu desenvolvimento dentro das escolas etc., etc. O
próprio Kant já dizia que a educação é uma arte que deve ser aperfeiçoada
por muitas gerações.
Como podemos perceber a história não se faz apenas de vitórias ou derrotas,
mas também de tentativas e de reexões mais consistentes sobre os aspectos
positivos e negativos de nossas atitudes e decisões como seres humanos,
construtores das sociedades e cabe a cada um de nós contribuirmos para
que ela seja aprimorada como um todo.
É interessante perceber a observação de quem viveu no período como a
professora Leopoldina62 que foi também da equipe técnica da Secretaria de
Educação em Pernambuco:
62 Entrevista realizada em 14.07.03.
Houve muito trabalho, de muita gente que, certamente,
procurou fazer o melhor para a época e por isso não podemos
armar simplesmente que tudo foi imposto, que tudo veio de
cima para baixo”. (...) acho que é um Brasil, assim, que não
valoriza a sua história e ca dizendo que tudo foi errado, que
tudo foi feito de cima pra baixo. Não foi! Tem muita coisa
bonita e houve muita liberdade.
A professora armou que “houve muita liberdade, mas a sociedade em
geral estava “de olhos abertos” para denunciar “os ditos subversivos.
Portanto ter ideias mais reexivas, despertar o senso crítico, falar de senso
crítico e político, falar de democracia em sala de aula eram motivos para
prisão e tortura. Os “olheiros” eram os colaboradores para a manutenção
da unidade e da segurança nacional. Com referência à “liberdade” dada ao
professor citada por Leopoldina, a professora Rosa Vasconcelos comentou63,
especicamente, com relação a arte:
Sim, mas que liberdade ia ter o professorado de arte se
desconhecia a linguagem da arte? Olha a contradição! É
como eu disse a você das outras áreas porque o professor de
Matemática ensina Matemática, o professor que é formado em
Estudos Sociais ele ensina Estudos Sociais, mas que condições
tinha esse professor de dar sugestões, de participar de um debate
se ele desconhecia? (...)Que liberdade? Você tem liberdade
quando você tem conhecimento é ou não é? Se você não tem,
você não pode ter liberdade. Se essas pessoas não viam arte,
não tinham poder aquisitivo pra tá frequentando os grandes
espetáculos porque só aparecia assim os grandes espetáculos,
não é? Porque depois do golpe a gente sabe que tudo foi muito
censurado, não é? Aí é uma controvérsia com relação à arte
porque como eu vou sugerir coisas que eu não conheço?
Havia a sutileza intencional que estava por trás desta suposta “liberdade,
pois como o professorado que lecionava a Educação Artística não tinha o
acesso ao conhecimento da arte então, dicilmente, poderia contribuir na
formação de novos cidadãos críticos, conscientes e criativos.
63 Entrevista concedida em 09.10.03.
A presença dos EUA se fez notar, sobretudo, porque o deslanche do
capitalismo no mundo ocidental acentuava-se e o próprio Brasil abriu as
portas para o capital internacional. Leopoldina Britto64 comentou que na
época eram os EUA quem abria as portas para as pessoas fazerem cursos
e algumas mudanças ocorridas em nosso sistema educacional, no caso
pernambucano, não receberam apenas inuências norte-americanas.
Vejamos o que ela nos disse:
(...) as pessoas quando viajavam pra fazer cursos fora,
começavam pelos EUA. Foi quem abriu os braços pra dizer
venham aqui se especializar. Eu mesma fui produto disso (...).
(...) tinha muita gente do mundo inteiro, pobre, né? Pobre
porque o rico não precisa sair da Europa(...). É lógico. Se você
sai pra fazer um curso fora e vê alguma coisa diferente você é
inuenciado. (...) Os programas da Secretaria de Educação de
Pernambuco tiveram muita participação dos professores (...)
o programa da década de 50 baseou-se muito no programa
da Argentina (...) na década de 60 a ideia seguiu os EUA (...)
o que foi produzido estava antenado à literatura da época,
estava conectado ao que de mais moderno e atual existia,
era a vanguarda. Agora, pronto, estão com a ideia de que o
programa deve ser montado em cima das competências.
É certo que as inuências ocorrem quando se tem a possibilidade de
vivenciar outras experiências, sobretudo com outras culturas, mas é certo
também que era interesse exclusivo dos EUA em facilitar, em abrir as
portas para que os educadores brasileiros fossem especializar-se em terras
americanas. Sutilmente, a generosidade estava imbuída de inúmeros outros
interesses, já comentados anteriormente.
O período decorrido entre 1964 e 1975, embora tenha signicado a
inserção obrigatória da Educação Artística no currículo escolar, não
foi particularmente relevante em termos de atuação governamental
na promoção da Educação Artística na escola pública, pois com o
golpe iniciou-se o processo de esvaziamento da DECA. A DECA cou
subordinada à Diretoria de Serviços Educacionais passando a denominar-
64 Entrevista realizada em 14.07.03.
se Departamento de Cultura (DEC). No ano de 1972, por exemplo, das
atividades do DEC mencionam-se apenas cursos de reciclagem em artes,
técnicas para o ensino de Hinos Cívicos e Cursos de Dança. Outro item
refere-se à comemoração de datas festivas, mencionando-se apenas
o Descobrimento do Brasil e o Sesquicentenário da Independência
(CAVALCANTI, 1986). Note-se o quanto foram reduzidas as atividades da
DECA, pois se tornaram desnecessárias, ou seja, não condizia mais com os
princípios do novo sistema.
Vimos também que as atividades que o MCP vinha realizando foram
encerradas completamente. Não se podia desenvolver atividades que
levassem o indivíduo ao engajamento político, a reetir, a pensar, a criticar,
a se organizar coletivamente.
O golpe militar deixou feridas profundas na área cultural que persistiram
durante longo tempo, além das prisões e posterior exílio de artistas e
intelectuais. Por outro lado, veremos que mesmo no regime militar surgiu
outro movimento, também em Pernambuco, que buscou ênfase nas raízes
populares procurando favorecer o conhecimento da própria história, da
própria raiz do povo nordestino. Esse movimento denominou-se Armorial.
No início da década de 1970, em Recife, ressurgiram discussões em
torno da cultura brasileira. Sob o signo de Armorial, um grupo de
intelectuais pernambucanos pensava na construção de uma arte brasileira
fundamentada nas raízes populares (DIDIER, 2000).
Criado e liderado por Ariano Suassuna65, este movimento surgiu como uma
bandeira de resistência contra o servilismo cultural brasileiro perante os
países hegemônicos, especicamente os EUA, sobretudo durante a década
de 1970 que foi marcada pelo início da industrialização da comunicação
no Brasil. Conforme Oliveira (1991) desde 1965 foi criada a Embratel e
em 1967 o Ministério das Comunicações. O governo militar foi criando
uma infraestrutura indispensável à instalação das redes nacionais de TV
deixando sempre muito clara a sua política de integração nacional, o seu
projeto de interligar o Brasil através de sistemas conáveis de telefonia,
65 Ariano Vilar Suassuna, escritor, teatrólogo, arsta plásco e ex-professor de Estéca da UFPE.
telex e televisão. As anidades entre e Rede Globo e o regime militar eram
indisfarçáveis, pois o vertiginoso crescimento da TV no país era condição
essencial para o sucesso do modelo econômico adotado a partir de 1964.
A década de 1970 foi uma época em que a cultura americana descartável
e massicada invadiu os olhos, os ouvidos e os domicílios da classe alta,
média e baixa. Essa década foi fortemente marcada pela censura prévia e
o servilismo de todas as emissoras de televisão ao regime militar. Assim,
Oliveira (1991) comentou que somente fortalecendo o tronco cultural
popular era que as inuências estrangeiras ao invés de ser uma inuência
que nos esmagariam e descaracterizariam passariam a ser uma incorporação
a nos enriquecer.
O Movimento Armorial pretendia valorizar a cultura popular ou a cultura
dos artistas e escritores que se ligam ao popular. Assim, Ariano Suassuna
(OLIVEIRA, 1991) acreditava na luta pela emancipação política, econômica,
social e cultural do Brasil, através da valorização da arte e do artista popular.
A procura de uma essência cultural brasileira, armou Didier (2000),
nos remete a sua vinculação com a busca de identidade nacional. Dessa
forma, a preocupação centrava-se no resgate da cultura nacional, em suas
raízes, na sua história e, sobretudo, na unidade das raças que marcaram a
miscigenação brasileira: o índio, o negro e o branco. A estética armorial
revelou de maneira enfática aspectos do universo artístico popular
nordestino e as inuências ibéricas medievais.
Enquanto o Movimento Modernista, em 1922, procurou lutar pela criação
de uma arte nacional brasileira, rompendo com a supervalorização da arte
estrangeira e europeia, o movimento armorial evidenciou-se numa luta
política para dissipar as resistências e preconceitos nas mentalidades da elite
em torno das artes populares. Dessa forma, o movimento atingiu diversos
campos artísticos entre esses, a pintura, o teatro, a dança, a música, o cinema,
a gravura, a cerâmica e a tapeçaria. A partir desse movimento nasceu
a Orquestra Armorial, o Balé Popular do Recife. Inúmeras exposições,
concertos e publicações foram realizados. Por exemplo, em 01 de agosto de
1971, o Jornal do Commercio publicou a programação do “Concertos para a
Juventude realizado pela Orquestra Armorial todos os domingos.
O Movimento Armorial desempenhou um papel original na cultura brasileira
reunindo poetas e gravadores, músicos e escritores, pintores e artistas de
teatro, ceramistas e bailarinos num projeto cultural. Ele estava delimitado,
no espaço, ao quadro nordestino, particularmente, rural e sertanejo. Assim,
o elemento popular tornou-se a referência exclusiva da arte armorial.
Sob o inuxo do Movimento Armorial a proposta de governo para o período
de 1976 a 1979, em Pernambuco, no âmbito da Secretaria de Educação
estava voltada para a preservação das tradições culturais (CAVALCANTI,
1986). Isto porque a política nacional de cultura outorgou ao poder estatal
a missão de preservar a espontaneidade da criação popular. Estabeleceu,
de acordo com Didier (2000), como uma de suas metas proteger e apoiar o
folclore e as atividades artesanais, compreendendo-as como fontes culturais
de cada região.
As atividades do Departamento de Cultura foram agrupadas em diferentes
programas. Estes eram: os Centros Culturais, o de promoções Culturais, o
de publicações de obras de interesse para Pernambuco, o de recuperação
do Patrimônio Histórico e Artístico e o de Bibliotecas Escolares. Foram
realizadas 49 Semanas Culturais. No mês de Agosto eram promovidas
anualmente as “Semanas do Folclore” e as “Feiras de Conhecimentos
Folclóricos, nas cidades do interior, conforme Cavalcanti (1986).
O Programa de Incentivo às tradições culturais foi desenvolvido através
de um trabalho realizado nas escolas junto a professores e alunos visando
motivá-los para o fato cultural pernambucano. Assim, o DEC, antiga
DECA, promoveu palestras e debates para professores e desenvolveu um
grande número de projetos para estudantes. Tais como: PRODIARTE,
Banda Sinfônica Juvenil, Projeto Espiral, Escola de Danças Pernambucanas,
além de apresentações musicais e teatrais nas escolas da rede ocial
(CAVALCANTI, 1986).
O Projeto de Desenvolvimento Integrado de Arte na Educação
(PRODIARTE), em convênio com o Ministério da Educação e Cultura,
objetivava propiciar ao aluno a oportunidade de aprendizagem direta com
o artesão que, deslocando-se de seu ambiente de trabalho, demonstraria a
sua técnica de confecção durante as aulas de Educação Artística.
A Música foi uma das atividades do Movimento Armorial que teve maior
repercussão nacional, alguns participantes do Movimento, por exemplo,
viajaram por regiões do Brasil divulgando uma música erudita brasileira
baseada nas raízes populares. Para o Movimento Armorial era fundamental
resgatar o passado, as origens, pois isto era a garantia para a realização de
uma autêntica cultura brasileira.
Com a abertura política e o m do regime civil-militar, durante a década
de 1980, houve um crescimento não só na publicação de documentos
especícos na área de arte como um projeto de capacitação continuada,
promovido pelo governo Miguel Arraes, no caso pernambucano, onde
objetivava levar o professorado a reetir criticamente sobre sua própria
prática e transformá-la de acordo com esta reexão.
O primeiro encontro de professores de Educação Artística aconteceu em
agosto de 1981, numa tentativa de melhoria da educação pela arte no
estado de Pernambuco. Daí em diante há outro caminho de investigação
a ser percorrido.
Algumas considerações
A presente pesquisa foi iniciada com algumas inquietações provocadas
no decorrer de nossa prática docente. Por meio deste estudo pudemos
compreender, aprofundar e mesmo conhecer parte da história da inserção
da arte no currículo escolar.
Percebemos que o ensino da arte no Brasil esteve presente, inicialmente, no
ensino superior voltado para a aristocracia da época e, sobretudo, para os
que tinham “talento ou dom inato, sendo reservado, assim, a uma pequena
parcela da sociedade.
Nas escolas primárias e secundárias o desenho geométrico fazia parte do
currículo.
No nal do século XIX encontramos uma visão diferenciada, com Rui
Barbosa, que pontuava a importância da arte no processo educativo e
que dava força para os movimentos reivindicatórios de um espaço para a
arte no currículo escolar brasileiro. Rui Barbosa recebeu inuência norte-
americana, pois parte de sua formação foi realizada nos EUA.
No caso pernambucano a importância da Reforma Carneiro Leão foi
enfatizada também pela contribuição de Aníbal Bruno para colocar em
prática a programação artística e cultural ali prevista.
Na década de 1940 a DECA desenvolveu um papel fundamental de orientação,
promoção e divulgação das atividades artísticas no estado de Pernambuco
centrando-se, sobretudo, no cuidado com a orientação continuada do
professor no campo artístico, promovendo frequentemente cursos, palestras
e eventos artísticos que receberam destaque em meio à sociedade, como foi
o caso dos Salões de Arte Infantil. Além disso, estabeleceu parcerias com a
Escola de Belas Artes e o Movimento Escolinhas de Arte.
Até aquele momento a arte, ocialmente, não possuía um espaço obrigatório
reservado no currículo escolar, mas percebemos que ela já estava presente e
ativa em vários processos educativos. A DECA não só contribuiu para que
as atividades artísticas estivessem presentes e vivas na escola vinculando-
as também à sociedade, como preocupou-se fundamentalmente com a
orientação e atualização continuada do professor no campo artístico.
O Movimento Escolinhas de Arte, que surgiu contemporaneamente a
DECA, teve um crescimento extraordinário em nível nacional atingindo
também outros países. Foi uma nova forma de voltar o olhar para a criança
e o adolescente, mas não só. Abriu espaço também para o adulto e para a
formação de arte/educadores com os Cursos Intensivos, o que, até então,
não se via na sociedade, exceto na Escola de Belas Artes. A Escolinha de
Arte exerceu uma força considerável de norte a sul do Brasil tornando-se um
espaço de organização, de encontro, de troca de ideias e experiências entre
os arte/educadores. Estava conectada às discussões, ao que se produzia e
desenvolvia em termos de arte na atualidade e, de modo especial, inuenciou
as autoridades educacionais da época despertando um olhar mais acurado
à arte por parte do Estado, além de contribuir, consideravelmente, na
concepção de arte que foi estabelecida no processo de inserção da arte no
currículo escolar. Esta concepção se direcionou à livre-expressão, formação
da personalidade, apreciação, gosto estético e criatividade.
Nos anos 1960 o MCP, em Recife, foi outro movimento que além do apoio
político recebeu contribuições do comércio, da indústria e da imprensa.
Esse movimento atingiu um número signicativo de participantes de
crianças a adultos tendo um desenvolvimento considerável na área artística,
englobando não só a plástica, mas também a música, o teatro, o cinema, o
artesanato. Foi um movimento que, literalmente, democratizou o acesso
da população à arte, além de elevar o nível cultural e crítico das camadas
populares e trouxe consigo a concepção da arte engajada, de expressão
crítica e política voltada à transformação social.
Como podemos perceber houve um movimento gradativo, crescente de
observação, de articulação, de organização por parte de artistas, intelectuais
e educadores que zeram notar, que tornaram visível a importância da
presença da arte no processo educativo. Essa movimentação envolveu a
sociedade e, sobretudo, despertou o interesse e o olhar nos meios políticos.
A década de 1970 foi marcada pela reforma educacional do ensino de 1º
e 2º graus que trouxe o símbolo de modernização e representou alguns
avanços para a época, pois além da extensão obrigatória da escolaridade,
generalizou o ensino prossional no nível médio ou 2º grau. A nova reforma
educacional trouxe consigo a concepção tecnicista onde não importava a
fundamentação teórica, a reexão, o desenvolvimento do raciocínio, mas
o fazer e simplesmente a técnica repetitiva. Entretanto, como percebemos,
entre a teoria e a prática há um abismo. Teoricamente a lei apresentou
avanços, mas na prática não houve e não se favoreceu uma estrutura técnica
e humana adequada para torná-la efetivamente possível.
Em linhas gerais, o conteúdo da reforma educacional trouxe inuência
norte-americana, mas a elaboração dos currículos e dos programas
especícos foi realizada pelos educadores de cada estado. Houve de fato
uma participação acentuada e coletiva de educadores de norte a sul do país.
No que se refere à arte, que recebeu um lugar especíco e obrigatório no
currículo e o título de Educação Artística, percebemos que a sua presença
não deixou de ser um avanço, no sentido de garantir um espaço para ela no
currículo, democratizando o acesso ao ensino da arte, mas por outro lado
encontrou-se a enorme lacuna nos recursos humanos especícos para a área.
Na sociedade brasileira, da época, não existia sequer cursos universitários
que formassem arte/educadores o que deixou a desejar qualitativamente
o ensino da nova disciplina. Encontramos diversas outras lacunas como a
ausência nas escolas públicas, em geral, de ambientes adequados para se
trabalhar com o novo conhecimento, salas inapropriadas, excesso de alunos
por turma, ausência de material, ausência bibliográca especíca nas escolas
que auxiliassem o trabalho do professor, além da carga horária que para o
professor cumpri-la precisava assumir no mínimo mais de 15 turmas.
Sutilmente percebe-se que o MEC tinha consciência de todas essas
lacunas, como vimos em alguns documentos, mas o que parece é que
a intencionalidade estava centrada na desarticulação, na ausência de
professores capacitados e formados na área artística e otimização da força
de trabalho presente na escola, independente da necessidade de formação
especializada.
Percebemos que a própria lei deixou lacunas no tratamento dado ao
professor para a área deixando aberto o ensino a qualquer prossional. O
próprio MEC, quando elaborou os diversos pareceres durante a década de
1970 para esclarecimento do tratamento que deveria ser dado à disciplina
de Educação Artística, deixou claro a não necessidade de um prossional
especíco para a área, fato que colaborou para a descaracterização da
disciplina e acentuou o estigma de que a arte serve apenas para decoração
do ambiente escolar e comemoração de datas festivas. Visava-se a
despolitização ou repolitização no sentido de direcionar o ensino da arte
ao patriotismo, ao nacionalismo com a comemoração das datas cívicas, dos
personagens históricos, do folclore etc., desvirtuando completamente o que
se desenvolvia em termos de arte na sociedade, sobretudo, nos movimentos
e instâncias que trabalhavam mais diretamente com a arte.
Foi aberto o espaço total para qualquer prossional assumir a docência da
disciplina. De um lado, não se corria o risco de contribuir na formação de
indivíduos reexivos, observadores, críticos por meio da arte. Até então, se
tinha visto em meio à sociedade o efeito que a arte causava na população como
um todo através dos diversos movimentos e instâncias que desenvolveram o
ensino, promoveram o acesso e divulgação da arte. Certamente, a presença
de prossionais que desconheciam os fundamentos de um conhecimento
especíco favorecia a descaracterização da área, dicultava a articulação
e organização dos prossionais e, consequentemente, favorecia o ensino
de conteúdos diluídos e desarticulados. Por outro lado, o foco no discurso
de otimização da força de trabalho docente, maquiava a necessidade de
investimento na educação brasileira seja no que diz respeito à formação
docente, seja nos equipamentos educacionais.
Ora, constatamos, até aqui, que o objetivo do novo regime foi alcançado, pois
além de encerrar as atividades que se desenvolviam no campo artístico na
sociedade, no caso pernambucano a DECA, o MCP e o próprio MEA que não
foi encerrado, mas sofreu consequências, conseguiu diluir completamente o
ensino e acesso ao conhecimento da arte por parte da população.
No caso pernambucano, a ausência de prossionais da arte comprova-se
com uma pesquisa realizada pela própria Secretaria de Educação do Estado,
na década de 1980, período de redemocratização do país, que identicou
a presença de apenas 14% dos prossionais que lecionavam a disciplina
com formação artística, ou seja, 86% de todos os professores de Educação
Artística do estado lecionavam a disciplina como complemento de carga
horária. Este fato trouxe uma série de problemas, pois, além da ausência,
em geral, dos conhecimentos especícos, losócos, metodológicos e
psicológicos da arte impedia o acesso dos arte/educadores ao sistema
público, uma vez que nos concursos públicos o número de vagas para a
área era/é extremamente reduzido, pois burocraticamente o quadro está
completo porque o espaço está preenchido por diversos outros prossionais,
de diversas outras áreas.
São questões a pensar.
Outra inquietação diz respeito à ausência do conteúdo programático.
Durante a elaboração dos programas das diversas disciplinas redigiu-se
um documento chamado Proposta Curricular. Este documento, elaborado
com o objetivo de pontuar os aspectos mais importantes que deveriam
ser abordados no ensino da disciplina de arte, contém um rol de objetivos
e um conjunto de técnicas para desenvolver atividades artísticas. Não
contempla, no entanto, um programa formado por conteúdos e distribuído
por séries escolares.
A tendência tecnicista imperava no período, portanto, não havia interesse
em elaboração de conteúdos formais e fundamentações teóricas, em especial
também, no campo da arte, embora a Proposta Curricular contemple
aspectos referentes ao MEA e aborde aspectos do desenvolvimento infantil
trazidos por Piaget. Dessa forma o campo permaneceu aberto para se
ensinar qualquer coisa e se elaborar qualquer programa como atividades
manuais, práticas do lar etc. Mas, como se podia elaborar um programa com
conteúdos e linguagens especícas para a disciplina sem ter a necessária
formação para desenvolver essas reexões?
É interessante notar que durante a entrevista concedida para esta pesquisa,
Noemia Varela66 armou que:
(...) a gente pensava que ia realmente melhorar o nível do
ensino de arte. Melhorou? Em certo sentido ele penetrou nos
programas, faz parte, porque antigamente nem existia na
escola arte da forma que a gente pensava, assim, na medida
do possível de uma educação enriquecida e atualizada
acrescentando experiências que elevasse o nível do professor,
isso não aconteceu até hoje. Os cursos universitários deixam
a desejar, o seu deixa? (...) faz falta instituições que possam
apresentar cursos com dinâmicas novas, com propostas novas
de desenvolvimento cientíco do processo de uma educação
pela arte.
Podemos armar que foi uma conquista garantir um espaço para a arte
no currículo escolar, após quase um século de reexões, de tentativas
dos educadores que precederam esta geração. Mas, permanecem como
conquistas a serem alcançadas: a qualidade efetiva do ensino da arte; a
formação continuada dos professores de arte; espaços para troca de ideias,
de experiências, enm, de discussões acerca da importância e do papel
da arte no processo de formação do indivíduo. Anal de contas, qual o
sentido da educação senão colaborar na formação de cidadãos capazes
de construir uma nova sociedade? O próprio Platão já dizia que se deve
educar a todos para encontrar a ideia do Bem, do contrário, serão nocivos
para toda a sociedade.
66 Entrevista concedida em 25.07.03.
Não basta falar, discutir, criticar negativamente o que foi feito ou não foi
feito, quem fez e quem não fez. É preciso exercer, desenvolver, aprimorar
críticas que construam, que busquem, que apontem novos caminhos, novas
possibilidades, pois assim podemos acreditar nas utopias humanas. E o que
seria da vida se não houvesse as utopias? Se como educadores e professores
de arte acreditamos que a educação pode contribuir e que tem um papel
fundamental na mudança, na transformação, enm, na construção de
seres humanos mais justos e honestos, cabe a cada um de nós exercer a
coerência entre a teoria e a prática, pois como diz Gennadio di Marsiglia,
um pensador italiano: “Occorre provare con le opere ciò che credi col cuore
(p.13). Podemos ainda nos referir ao próprio imperativo categórico de Kant
quando ele diz: Age de tal maneira que o motivo que te levou a agir possa ser
convertido em lei universal”.
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A Inserção da Arte no Currículo Escolar
Maria Betânia e Silva
Denise Simões
Título: Movimentos Rizomáticos
Técnica: Fotograa com manipulação digital
Autora: Maria Betânia e Silva
Maria Betânia e Silva
15,5 x 22,0 cm
Minion Pro, Swis 721 Cn BT
Ocina Gráca | EdUFPE
Títul o
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... Dalcroze também registrou uma preocupação legítima com a reforma do ensino de música nas escolas, indicando que "[...] a música exerce, na escola, um papel desbotado e secundário" (Jaques-Dalcroze, 1920, p. 13). Viñao (2012, p. 198) (Silva, 2003). ...
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Apresentação crítica seguida de tradução da ‘Au jardin d’enfants’ e ‘Enfants d’hier, d’aujourd’hui, de demain’, dois textos escritos pelo compositor e pedagogo Émile Jaques-Dalcroze (1865-1950) e publicados em 1942 na obra Souvenir, notes et critiques (capítulos VII e VIII). Nesses textos selecionados e aqui traduzidos para o português pela primeira vez, Dalcroze discute o papel da Rítmica na formação integral da criança em idade pré-escolar (educação infantil) e expõe uma leitura bastante original e instigante sobre a infância, apontando caminhos e colocando em xeque os ortodoxos métodos aplicados por seus contemporâneos. Esta produção tornou-se possível na medida em que a vasta obra didático-teórica de Dalcroze entrou em domínio público no ano de 2020.
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ResumoO texto reúne dados de pesquisas realizadas sobre a arte/educação no Brasil, disponíveis em três plataformas digitais, com o objetivo de apresentar um mapeamento quantitativo dos estudos, apresentados e publicados, nos eventos nacionais da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas (ANPAP) e Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd). Além disso, aponta também um levantamento realizado na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD). O trabalho mostra que há um crescimento vertiginoso da produção e divulgação de conhecimento, disponível nas plataformas digitais, que tem colaborado para a democratização do acesso à produção científica/artística brasileira. Posso dizer que ela contribui para estabelecer um lugar da arte/educação permanente e em contínuo desenvolvimento. Além disso, explicita a construção de uma cultura arte/educativa/artística no país, expandindo os olhares para os diversos espaços educativos, seus públicos e profissionais envolvidos.AbstractThe text gathers data from research carried out on art/education in Brazil, available on three digital plataforms with the objective of presenting a quantitative mapping of the studies, presented and published, in the national events of the National Association of Researches in Fine Arts (ANPAP) and National Association of Postgraduate and Research in Education (ANPEd). In addition, it also shows a survey carried out in the Digital Library os Theses and Dissertations (BDTD). The work shows that there is a vertiginous gowth in the production and dissemination of knowledge, also available on digital plataforms that have contributed to the democratization of access to Brazilian scientific/artistic production. We can say that it contributes to establishing a place of artqeducation that is permanente and in continuous development. In addition, it explains the construction of na arte/education/artistic culture inthe country, expanding the perspectives for the diferente educational sapaces, their publics and professionals involved.
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O texto aborda memórias e histórias do ensino de arte em Pernambuco com base em narrativas construídas a partir dos resultados de duas pesquisas que objetivaram compreender o processo de inserção da arte no currículo escolar e que arte passou a ser ensinada na escola após esta inserção. O foco está centrado nas três décadas posteriores a segunda metade do século XX e o trabalho busca contribuir, também, para identificar permanências e rupturas nos processos educativos contemporâneos.
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O texto que apresentamos traz algumas discussões de concepções atribuídas à arte naeducação como técnica, expressão, atividade, dom, talento inato e vocação. Trata-se departe de nossa pesquisa de doutorado, em andamento, que busca investigar quais asconcepções de arte que tinham os professores, entre os anos 60 e 80 do século XX, quetrabalhavam diretamente com a disciplina escolar da arte.
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Este artigo analisa a recente revisão historiográfica sobre a Academia Imperial de Belas Artes no Rio de Janeiro e delineia o estado da questão nas principais instâncias em que a Academia se oferece para estudo: como estrutura de ensino, como instituição normolizadora do campo artístico e participante do projeto político de construção do imaginário nacional.
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A questão central deste estudo situa-se basicamente em tomo da formulação de uma análise críticasobre o processo histórico do ensino de arte no Brasil desde a instalação da Academia Imperial de Belas Artes, em 1816, até os nossos dias. O eixo principal desta análise é a Escola Nacional de Belas Artes da UFRJ, primeiro estabelecimento do gênero no Brasil e que, durante mais de um século, foi o modelo para as demais escolas de arte. A presente investigação desenvolveu-se através de análises do conjunto de regras acadêmicas, que se tomaram um paradigma para o ensino, definindo o estatuto oficial para a formação do artista brasileiro. Os primeiros sinais de ruptura do modelo imposto pela Escola Nacional de Belas Artes têm origem nos conflitos entre os acadê­micos e modernos no interior da Escola, após 1931. A partir de então, apresentou-se uma defasagem crescente entre a realidade da produção artística e o ensino de arte. As questões que a arte moderna trouxe para o ensino artístico modificaram o panorama institucional, criando um "desajuste para o ensino da arte acadêmica, abrindo novos caminhos para a renovação do ensino artístico e exigindo um outro instrumental analitico capaz de assimilar as novas formulações didáticas. A Escola toma-se atuante quando colocada em sintonia com o restante do sistema de arte, buscando, na aproxi­ mação constante com essas outras fontes geradoras do saber, a sua própria dinâmica de renovação.
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Neste artigo pretende-se indicar um conjunto de procedimentos oficiais, institucionais e profissionais, que produziu uma nova forma de conceber a educação física no interior da instituição escolar no Brasil, desde o final dos anos 1960, com base em um diálogo crítico com a recente produção historiográfica da educação e da educação física no Brasil. Aqueles procedimentos foram orientados no sentido de dotar essa prática escolar de uma maior legitimidade acadêmica por meio de um amplo programa de massificação de seus conceitos e práticas, de maciços investimentos estatais em pesquisa nessa área, da necessidade de formação de especialistas mediante a expansão dos cursos de formação superior, e de um aparato legislativo que definia com rigor padrões de referência para a sua prática escolar. Para tanto, suas fontes principais são: a série total da Revista Brasileira de Educação Física e Desportos (1968-1984), editada pela Divisão de Educação Física do MEC, os Programas de Educação Física da Prefeitura Municipal de Curitiba entre 1970 e 1984 e os depoimentos de professores da rede municipal de ensino de Curitiba. Partindo do pressuposto de que o processo histórico se define como uma síntese de continuidade e ruptura, recorre à obra de Edward Palmer Thompson para demonstrar como aquele se desenvolve a partir da experiência dos agentes da história e do diálogo entre o ser social e a consciência social, sem negligenciar a análise da influência dos fatores estruturais sobre esse mesmo processo, aspecto privilegiado pela historiografia criticada.
Lei 5692 de 1971 e o Ensino de primeiro grau -Série Ensino Fundamental -MEC
  • Brasil
BRASIL. A Lei 5692 de 1971 e o Ensino de primeiro grau -Série Ensino Fundamental -MEC.
Bases para a reformulação de currículos e programas para o ensino fundamental -MEC
  • Brasil
BRASIL. Bases para a reformulação de currículos e programas para o ensino fundamental -MEC. Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, vol.10. Impresso por Gráfica Editora do Livro LTDA, Rio de Janeiro.
Consolidação da Legislação do Ensino Secundário após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
  • Brasil
BRASIL. Consolidação da Legislação do Ensino Secundário após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. MEC -CFE.
Ensino de 1º e 2º graus -Exposição de Motivos n.º273, de 30 de Março de 1971, do Exmo. Sr. Ministro da Educação e Cultura -MEC -Brasília
  • Brasil
BRASIL. Ensino de 1º e 2º graus -Exposição de Motivos n.º273, de 30 de Março de 1971, do Exmo. Sr. Ministro da Educação e Cultura -MEC -Brasília.
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº4024
  • Brasil
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº4024, 20.12.1961. Ministério da Educação e Cultura -Conselho Federal de Educação.