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DA MATEMÁTICA NATIVA PRESENTE NO PENSAMENTO DAS AUTORIDADES TRADICIONAIS DA TRIBU UMBUNDO COM RESPEITO A FORMA DO ONDJANGO NO CUITO/BIÉ-ANGOLA PARA PROBLEMAS ISOPERIMÉTRICOS DA GEOMETRIA PLANA Of native mathematics in the thinking of the traditional authorities of the Tribu Umbundo with respect to the form of Ondjango in Cuito / Bié-Angola for isoperimetric problems of flat geometry

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Resumo O presente artigo apresenta uma abordagem relativa ao descongelamento de uma matemática nativa e intuitiva presente no pensamento das autoridades tradicionais do município do Cuito cujo processo de interpretação matemática sugere uma atividade motivacional e significativa no ensino-aprendizagem da Geometria plana, baseada no contexto do aluno. O resultado matemático apresentado permite uma descolinização cultural conducente à um possível entendimento por parte do aluno de que a Matemática não é algo completamente estranho importada de fora de África. As ideias matemáticas extraidas na base de uma conversa informal com as autoridades tradicionais do município do Cuito podem contribuir para a otimização do Processo de Ensino-Aprendizagem na cadeira de Geometria Plana. Abstract This article presents an approach related to the thawing of native and intuitive mathematics frozen in the thinking of the traditional authorities of the municipality of Cuito whose mathematical interpretation process suggests a motivational and significant activity in the teaching-learning of flat geometry, based on the student's context. The mathematical result presented allows a cultural decolinization leading to a possible understanding on the part of the student that Mathematics is not something completely foreign imported from outside Africa. The mathematical ideas extracted from an informal conversation with the traditional authorities of the municipality of Cuito can contribute to the optimization of the Teaching-Learning Process in the subject of Flat Geometry. Palavras-chave: Geometria plana; Problema isoperimétrico; Ondjango. 70 | CASSELA, Ezequias Adolfo Domingas INTRODUÇÃO A Matemática é uma ciência dinâmica que desde sempre emergiu de um processo de construção humana, o que faz dela uma obra humana. Ela surgiu através da atividade produtiva do homem e vem sendo desenvolvida através das suas necessidades práticas. Desde muito cedo, ela deu fortes evidências da sua existência em qualquer atividade desenvolvida pelo homem, manifestou-se sempre de forma explicita ou implícita na forma de pensar do homem, influenciando a sua forma de ver o mundo. penetrou em qualquer domínio do esforço científico e desempenhou um papel inestimável na Biologia, na Economia, na Sociologia, na Engenharia e nas várias áreas do conhecimento científico-técnico. O pensamento matemático no homem, parece ser algo que desde sempre se manteve adormecido dentro de si, tendo despertado a partir do momento em que o homem estabeleceu contacto com a Natureza, este ponto de vista tem sido reforçado pela ideia pautada no argumento de Rogério S. Mol (2013. p.13), ao afirmar que "o ser humano possui habilidades naturais para pensar noções quantitativas rudimentares: muito e pouco, grande e pequeno, lento e rápido". Este pensamento remete-nos à ideia que associa a origem da matemática com a origem humana. É dizer, a matemática aparece com o homem. Desde os primórdios das civilizações humanas que o homem deu conta de um mundo criado por Deus na base de uma linguagem matemática cuja forma planetária e a sua constituição são completamente cognoscíveis e dignas de matematização. Se quer promover com este artigo a ideia de que a matemática surge pela abstração desta realidade criada, e que há nexos entre o seu desenvolvimento e o desenvolvimento sociocultural da sociedade. Esta ideia é reforçada por vários investigadores que conduziram estudos que visam divulgar a existência da matemática em determinadas culturas específicas, como é o caso de Rosa e Orey (2010, p. 869), ao afirmarem que "(...) A Matemática é um empreendimento cultural enraizado na tradição. Ela não foi concebida como uma linguagem universal, porque seus princípios, conceitos e fundamentos foram desenvolvidos de maneira diferenciada pelos membros de grupos culturais distintos". (...) Por isso a Escola e em particular as instituições de ensino superior devem ser capazes de contribuir para a formação integral dos cidadãos, pelo que é necessário que o processo de ensino-aprendizagem se relacione com o contexto sociocultural e produtivo do aluno, de tal forma que se possam levar discussões nas aulas relativas aos problemas da prática social (Cassela,2020, p.2). Da matemática nativa presente e a resolução problemas isoperimétricos da geometria plana | 71 Em concordância com o descrito anterior, num artigo da Revista Online PRIMUS (2015), dois Professores da Universidade Estadual de San Diego Na Califórnia, defendem a integração da Arte no programa de uma disciplina de licenciatura de Fundamentos de Geometria. Nos seus argumentos sublinham que "uma das grandes ambições da Matemática é o visionamento de entidades e espaços intangíveis, mas que se podem expressar por símbolos e aproximações materiais". Neste sentido, as escolas devem primar por um Processo de Ensino-Aprendizagem que abre a mente do aluno, de tal forma que se possam elevar no mesmo as capacidades da criatividade, da independência e do raciocínio lógico com base a resolução de problemas da sua realidade, isto porque o aluno, o seu ambiente e a sua cultura não existem isoladamente. A aprendizagem da Matemática torna-se interessante quando corresponde às necessidades práticas que emergem da cultura do aluno, ou seja aquela construída a partir da ação do homem na satisfação das suas necessidades. No contexto angolano, por exemplo é notória esta preocupação, uma vez que os programas de ensino-aprendizagem concebidos a partir da política educacional do estado, são definidos com base a determinadas tendências pedagógicas que exploram a criatividade cultural do aluno direcionadas no sentido de se elevar o grau motivacional para a sua aprendizagem partindo da visão da criação de um clima favorável entorno do estudo da Matemática, com a utilização de recursos disponíveis que fazem parte do contexto sociocultural do aluno. Além do mais, se considera o relativo desenvolvimento da autonomia na aprendizagem baseada na criatividade. Neste sentido se assinala que o aluno deve aprender a analisar os problemas, encontrar por si mesmo os meios para resolvê-los, cuja resolução não se converta na realização de exercícios rotineiros que não estimulam a iniciativa, independência e a criatividade. Motivado por esta linha de pensamento, o autor procura desenvolver neste artigo uma abordagem inerente a matemática no pensamento de autoridades tradicionais da tribu umbundo com respeito a forma dos ondjango no Cuito-Bié/Angola, tendo como base um problema isoperimétrico estudado do ponto de vista da Geometria Plana. Face a esta descrição, apresenta-se, em seguida, um breve enquadramento significativo de problemas isoperimétricos na base da Geometria plana, seuindo-se do significado do ondjango na tribu umbundu e na sequência apresenta-se a metodologia terminando com a análise e resultado bem como as considerações finais. 72 | CASSELA, Ezequias Adolfo Domingas 1. PROBLEMAS ISOPERIMÉTRICOS COM BASE NA GEOMETRIA PLANA
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© EUROPEAN REVIEW OF ARTISTIC STUDIES 2020, vol. 11, n. 2, pp. 69-80 ISSN 1647-3558
https://doi.org/10.37334/eras.v11i2.232
ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE
DA MATEMÁTICA NATIVA PRESENTE NO PENSAMENTO DAS
AUTORIDADES TRADICIONAIS DA TRIBU UMBUNDO COM RESPEITO A
FORMA DO ONDJANGO NO CUITO/BIÉ-ANGOLA PARA PROBLEMAS
ISOPERIMÉTRICOS DA GEOMETRIA PLANA
Of native mathematics in the thinking of the traditional authorities of the Tribu
Umbundo with respect to the form of Ondjango in Cuito / Bié-Angola for isoperimetric
problems of flat geometry
CASSELA, Ezequias Adolfo Domingas
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Resumo
O presente artigo apresenta uma abordagem relativa ao descongelamento de uma matemática nativa
e intuitiva presente no pensamento das autoridades tradicionais do município do Cuito cujo
processo de interpretação matemática sugere uma atividade motivacional e significativa no ensino-
aprendizagem da Geometria plana, baseada no contexto do aluno. O resultado matemático
apresentado permite uma descolinização cultural conducente à um possível entendimento por parte
do aluno de que a Matemática não é algo completamente estranho importada de fora de África. As
ideias matemáticas extraidas na base de uma conversa informal com as autoridades tradicionais do
município do Cuito podem contribuir para a otimização do Processo de Ensino-Aprendizagem na
cadeira de Geometria Plana.
Abstract
This article presents an approach related to the thawing of native and intuitive mathematics frozen
in the thinking of the traditional authorities of the municipality of Cuito whose mathematical
interpretation process suggests a motivational and significant activity in the teaching-learning of
flat geometry, based on the student's context. The mathematical result presented allows a cultural
decolinization leading to a possible understanding on the part of the student that Mathematics is
not something completely foreign imported from outside Africa. The mathematical ideas extracted
from an informal conversation with the traditional authorities of the municipality of Cuito can
contribute to the optimization of the Teaching-Learning Process in the subject of Flat Geometry.
Palavras-chave: Geometria plana; Problema isoperimétrico; Ondjango.
Key-words: Plane geometry; Isoperimetric problem; Ondjango.
Data de submissão: março de 2020 | Data de publicação: junho de 2020.
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EZEQUIAS ADOLFO DOMINGAS CASSELA Escola Superior Pedagógica do Bié,
ANGOLA. E-mail: ezequiasadolfo@hotmail.com
70 | CASSELA, Ezequias Adolfo Domingas
INTRODUÇÃO
A Matemática é uma ciência dinâmica que desde sempre emergiu de um processo
de construção humana, o que faz dela uma obra humana. Ela surgiu através da atividade
produtiva do homem e vem sendo desenvolvida através das suas necessidades práticas.
Desde muito cedo, ela deu fortes evidências da sua existência em qualquer atividade
desenvolvida pelo homem, manifestou-se sempre de forma explicita ou implícita na
forma de pensar do homem, influenciando a sua forma de ver o mundo. penetrou em
qualquer domínio do esforço científico e desempenhou um papel inestimável na Biologia,
na Economia, na Sociologia, na Engenharia e nas várias áreas do conhecimento científico-
técnico.
O pensamento matemático no homem, parece ser algo que desde sempre se
manteve adormecido dentro de si, tendo despertado a partir do momento em que o homem
estabeleceu contacto com a Natureza, este ponto de vista tem sido reforçado pela ideia
pautada no argumento de Rogério S. Mol (2013. p.13), ao afirmar que “o ser humano
possui habilidades naturais para pensar noções quantitativas rudimentares: muito e pouco,
grande e pequeno, lento e rápido”. Este pensamento remete-nos à ideia que associa a
origem da matemática com a origem humana. É dizer, a matemática aparece com o
homem. Desde os primórdios das civilizações humanas que o homem deu conta de um
mundo criado por Deus na base de uma linguagem matemática cuja forma planetária e a
sua constituição são completamente cognoscíveis e dignas de matematização. Se quer
promover com este artigo a ideia de que a matemática surge pela abstração desta realidade
criada, e que há nexos entre o seu desenvolvimento e o desenvolvimento sociocultural da
sociedade.
Esta ideia é reforçada por vários investigadores que conduziram estudos que
visam divulgar a existência da matemática em determinadas culturas específicas, como é
o caso de Rosa e Orey (2010, p. 869), ao afirmarem que “(...) A Matemática é um
empreendimento cultural enraizado na tradição. Ela não foi concebida como uma
linguagem universal, porque seus princípios, conceitos e fundamentos foram
desenvolvidos de maneira diferenciada pelos membros de grupos culturais distintos”.
(...) Por isso a Escola e em particular as instituições de ensino superior
devem ser capazes de contribuir para a formação integral dos cidadãos,
pelo que é necessário que o processo de ensino-aprendizagem se
relacione com o contexto sociocultural e produtivo do aluno, de tal
forma que se possam levar discussões nas aulas relativas aos problemas
da prática social (Cassela,2020, p.2).
Da matemática nativa presente e a resolução problemas isoperimétricos da geometria plana | 71
Em concordância com o descrito anterior, num artigo da Revista Online PRIMUS
(2015), dois Professores da Universidade Estadual de San Diego Na Califórnia, defendem
a integração da Arte no programa de uma disciplina de licenciatura de Fundamentos de
Geometria. Nos seus argumentos sublinham que “uma das grandes ambições da
Matemática é o visionamento de entidades e espaços intangíveis, mas que se podem
expressar por símbolos e aproximações materiais”.
Neste sentido, as escolas devem primar por um Processo de Ensino-Aprendizagem
que abre a mente do aluno, de tal forma que se possam elevar no mesmo as capacidades
da criatividade, da independência e do raciocínio lógico com base a resolução de
problemas da sua realidade, isto porque o aluno, o seu ambiente e a sua cultura não
existem isoladamente. A aprendizagem da Matemática torna-se interessante quando
corresponde às necessidades práticas que emergem da cultura do aluno, ou seja aquela
construída a partir da ação do homem na satisfação das suas necessidades.
No contexto angolano, por exemplo é notória esta preocupação, uma vez que os
programas de ensino-aprendizagem concebidos a partir da política educacional do estado,
são definidos com base a determinadas tendências pedagógicas que exploram a
criatividade cultural do aluno direcionadas no sentido de se elevar o grau motivacional
para a sua aprendizagem partindo da visão da criação de um clima favorável entorno do
estudo da Matemática, com a utilização de recursos disponíveis que fazem parte do
contexto sociocultural do aluno. Além do mais, se considera o relativo desenvolvimento
da autonomia na aprendizagem baseada na criatividade. Neste sentido se assinala que o
aluno deve aprender a analisar os problemas, encontrar por si mesmo os meios para
resolvê-los, cuja resolução não se converta na realização de exercícios rotineiros que não
estimulam a iniciativa, independência e a criatividade.
Motivado por esta linha de pensamento, o autor procura desenvolver neste artigo
uma abordagem inerente a matemática no pensamento de autoridades tradicionais da tribu
umbundo com respeito a forma dos ondjango no Cuito-Bié/Angola, tendo como base um
problema isoperimétrico estudado do ponto de vista da Geometria Plana. Face a esta
descrição, apresenta-se, em seguida, um breve enquadramento significativo de problemas
isoperimétricos na base da Geometria plana, seuindo-se do significado do ondjango na
tribu umbundu e na sequência apresenta-se a metodologia terminando com a análise e
resultado bem como as considerações finais.
72 | CASSELA, Ezequias Adolfo Domingas
1. PROBLEMAS ISOPERIMÉTRICOS COM BASE NA GEOMETRIA PLANA
Segundo Klaser e Telichevesky (2016, p. 1) “problema isoperimétrico no plano
consiste em: dado um comprimento   , encontrar, dentre todas as curvas do plano de
comprimento , aquele que engloba a maior área”.
Na pesrpectiva dessas autoras, trata-se de um problema muito antigo, mas que
ainda tem sido o centro de atenções de vários matemáticos ao nível mundial. Na sequência
as mesmas autoras afirmam que existem várias áreas ligadas a Matemática que dão espaço
ao estudo de problemas isoperimétricos, são exemplos disso: a Geometria Diferencial,
Geometria Discreta e Convexa, Probabilidade, Teoria de Espaços de Banach, Equações
Diferenciais Parciais, Teoria da Medida, etc.” (idem, 2016, p.1).
Embora as autoras referidas não tenham mencionado a Geometria Plana,
conhecida como a área da Geometria que estuda as figuras geométricas planas, isto é,
aqueles que não possem volume, o foco desta abordagem espaço a resolução de um
problema isoperimétrico buscando recurso a esta área da Geometria, dado que:
"(...) O Problema Isoperimétrico foi inicialmente formulado no plano
Euclidiano provavelmente na Grécia Antiga, ou ainda antes. Segundo
Blasjo (2005) sua primeira solução foi exibida quando Zenodorus
demonstrou que a circunferência de comprimento tem área maior do
que qualquer polígono plano de comprimento . (Klaser &
Telichevesky, 2016, p.1).
Se quer com esta perspectiva buscar recurso a Geometria plana para a
demonstração de um teorema relacionado a desigualdade isoperimétrica que diz que
toda curva fechada de cumprimento cerca uma área menor ou igual a
, e este valor
só é atingido se a curva em questão for uma circunferência de raio
. Este estudo é
motivado pelo contexto através de uma estrutura com relevante valor cultural na tribu
umbundu, denominada ondjango.
Da matemática nativa presente e a resolução problemas isoperimétricos da geometria plana | 73
2. SIGNIFICADO DO ONDJANGO NA TRIBU UMBUNDO
O Ondjango é uma designação de origem umbundu (in Dicionário infopédia,
2003). Paulo Dias (2014), inspirado nos escritos de Martinho Kavaya (1980) afirma que:
(...) Onjango é um lugar sociocultural central na vida comunitária das
sociedades angolanas tradicionais é, antes de tudo, casa de ekongelo
(reunião). Trata-se de assembleia exclusiva masculina; o Onjango
parece radicar nas antigas sociedades secretas de homens. As mulheres
cujos maridos se reúnem no Onjango intervêm apenas preparando a
comida a ser partilhada entre todos. Nesse espaço são discutidos
diferentes assuntos da comunidade através do diálogo de igual para
igual, mediado por olosekulu (anciãos), valendo-se essa conversa de
diferentes formas de enunciação: palavra cântico, palavra música,
palavra provérbio (Dias, 2014, p.345).
De realçar que face ao valor cultural do Onjango na comunidade umbundu, existe
uma ideia isoperimétrica na escolha propositada da sua forma (circular) pelas autoridades
tradicionais do Cuito-Bié.
Fig. 1 Estrutura do Ondjango | Fonte: Própria.
3. METODOLOGIA
A metodologia usada inclui conversa informar com os sobas, suportes escritos,
áudios, fotografias bem como a revisão bibliográfica dos referentes teóricos que
sustentam os problemas isoperimétricos com base a Geometria plana e o significado do
ondjango na tribu umbundu.
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4. ANÁLISE E RESULTADO
Conversa informal com os sobas do Cuito relativamente a forma do Ondjango.
Fig. 2 Autoridades tradicionais | Fonte: Própria.
O registo que se segue é a parte do diálogo que se teve com 4 sobas de zonas
diferentes do Bairro Cambulucuto no municípo do Cuito. A conversa informal foi
desenvolvida com base na língua umbundo. Foi feita uma única questão cujas respostas
concorrem para um ponto comum.
Investigador: Porquê que todos Ondjangos têm esta forma (circular) e não outra?
Sobas: Risos..."Momo oyo ya tandavala enene okuti vosi vasuamõ" o que significa que é
a mais espaçosa (tem maior área) congregadora de um maior número de pessoas.
Interpretação matemática da conversa informal
A resposta dada pelos sobas está em conformidade com um problema muito antigo
associado a seguinte questão: de entre as curvas de perímetro qual é a que encerra maior
área? A razão da discussão promovida em torno deste problema está ilustrada na lenda de
Dido e da fundação da cidade de Cartago que aparece referida no cântico da obra épica
"Eneida", escrita pelo poeta romano Virgílio (70 a.c. a 19 a.c). Como foi referido, desde
a antiguidade que se sabe que esta curva é a circunferência, no entanto, a demonstração
rigorosa deste resultado é relativamente recente (apresentada pela primeira vez por H. A.
Schwarz em 1890). Não é a demonstração de Schwarz que vamos apresentar, mas sim
um método introduzido por J. Steiner e explicado em Urakawa (1990, pp.117-119),
Da matemática nativa presente e a resolução problemas isoperimétricos da geometria plana | 75
chamado de simetrização. Efetivamente, este método é ainda hoje aplicado na resolução
de muitos problemas variacionais. O argumento de Steiner (em traços gerias) reside no
seguinte:
Seja um domínio plano e a curva que o encerra. Considera-se uma reta .
Pretendemos obter uma curva , simétrica relativamente a e com o mesmo perímetro
de . Esta curva é obtida do seguinte modo: tomemos uma perpendicular  a ; seja
a interseção entre e e considerem-se os pontos 1 e 2, em , de tal modo que
seja o ponto médio do segmento 
e cujo comprimento é igual ao da interseção de
com a curva . Repetindo este processo para as várias retas perpendiculares a e
secantes à curva obtemos o domínio plano cuja curva que o encerra é a , tal como
se ilustra na seguinte figura.
Fig. 3 Domínio plano e
Fonte: Elaborado no Geogebra.
Pelo princípio de Cavalieri, que diz que: (...)" se duas porções planas são tais
que toda reta secante a elas e paralela a uma reta dada determina nas duas porções
segmentos de reta cuja razão é constante, então a razão entre as áreas dessas porções é a
mesma constante" (Lula 2013, p.22)}, a curva , encerra a mesma área que a curva ,
mas o comprimento da curva é menor do que o comprimento de .
Demonstraremos em seguida que   . Consideremos os dois trapézios
, ilustrados na figura abaixo.
76 | CASSELA, Ezequias Adolfo Domingas
Fig. 4 - Trapézios
Fonte: Elaborada no Geogébra
Na figura temos   e  . Por simetria, temos
também  . Aplicando a desigualdade triangular, resulta que

Fazendo  e  "muito próximos" de e , respetivamente, e tomando a
soma do comprimento de todos esses segmentos, (método de exaustão) obtemos  
. Procedendo do mesmo modo relativamente ao domínio plano e a curva ,
tomando uma outra reta não paralela a , vamos obter uma nova curva com um novo eixo
de simetria. Se repetirmos recursivamente o processo, no limite, vamos obter uma curva
com infinitos eixos de simetria, isto é uma circunferência com a mesma área da superfície
original, mas com menor perímetro. Mais à frente mostraremos que isto é suficiente para
concluir que, de entre todas as curvas com comprimento fixo, a circunferência é a que
encerra maior área.
Partindo de uma curva que encerra a área e perímetro . Aplicando
sucessivamente o processo de simetrização em relação as diferentes retas , , ,
,...,, obtemos curvas fechadas , , ,...., no limite vamos obter uma
circunferência e todas as curvas limitam a mesma área, enquanto o perímetro diminuirá
progressivamente.
    
      
Da matemática nativa presente e a resolução problemas isoperimétricos da geometria plana | 77
Consideremos uma circunferência de perímetro e área , a área da
circunferência de perímetro é obtida da seguinte forma:
sabendo que
  
 
isolando o raio em (1) vem:
 

substituindo em (2) temos:



    
Assim a curva limita uma área menor do que a circunferência com o mesmo
perímetro .
Logo dentre as curvas de perímetro a circunferência é a que encerra maior área.
Assim fica demonstrada a ideia partilhada pelas autoridades tradicionais que a
circunferência encerra maior área de entre as curvas de igual perímetro. De ressaltar que
o enquadramento da ideia de perímetro fixo na construção do Ondjango, tem relação com
problemas de otimização.
O método utilizado por J. Steiner na obtenção do resultado anteriormente
apresentado, pode ser aplicado em outros problemas de contexto. Por exemplo, como
obter área aproximada do território angolano por um processo de simetrização que
compara o território angolano com polígonos com a mesma área e, no limite, com um
circunferência?
78 | CASSELA, Ezequias Adolfo Domingas
O mapa de Angola constitui a imagem bastante visualizada no seio dos alunos
angolanos, entretanto a sua linha de fronteira lhes é muito familiar.
Fig. 5 Mapa de Angola
Fonte: Internet
2
.
Por se tratar de curvas fechadas, vamos obter a curva desejada sem olhar para a
província de Cabinda. Com um número relativamente baixo de iterações deste processo
podemos encontrar um minorante e um majorante do raio relativamente próximos um do
outro. Podemos trabalhar por exemplo 4 eixos de simetria correspondentes à Rosa dos
Ventos: , cujo processo é ilustrado nas imagens que se seguem.
Fonte: Própria.
2
Disponível em: http://www.angop.ao/angola/pt_pt/noticias/sociedade/2000/8/38/,07573950-2526-4a8b-
9656-9d92bb5e9eb5.html
Da matemática nativa presente e a resolução problemas isoperimétricos da geometria plana | 79
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As ideias apresentadas neste artigo dão conta de uma matemática nativa e intuitiva
congelada no pensamento das autoridades tradicionais do município do Cuito cujo
processo de interpretação matemática sugere uma atividade motivacional e significativa
no ensino-aprendizagem da Geometria plana, baseada no contexto do aluno. O resultado
matemático apresentado permite uma descolinização cultural conducente à um possível
entendimento por parte do aluno de que a Matemática não é algo completamente estranho
importada de fora de África, pois através dele os alunos podem identificar outros
problemas semelhantes nos seus contextos e resolvê-los utilizando o mesmo
procedimento, como por exemplo, dado um polígono não convexo, sempre é possível
encontrar um polígono convexo de mesmo perímetro e com área maior. A metodologia
usada permitiu a eficácia dos procedimentos para a recolha da informação necessária nas
autoridades tradicionais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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nas cabeças das mulheres angolanas. Um recurso didáctico para aprendizagem da função
seno e da sua inversa. European Review of Artistic Studies, 11(1), 1-14. doi:
10.37334/eras.v11i1.218.
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Klaser, P., K., & Telichevesky (2016). O problema isoperimétrico. IV Colóquio de
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êmica, ética e dialética. Educação e Pesquisa, 38(4), 865-879. doi: 10.1590/S1517-
97022012000400006.
80 | CASSELA, Ezequias Adolfo Domingas
Rosa, M., (2010). A mixed-methods study to understand the perceptions of high school
leader about English Language Learnears (ELL). The case of mathematcs. (Thesis
Doutorado). College of Education, California State University, Sacramento.
Santos, M., R. (2013). Introdução à História da Matemática. Belo Horizonte:UEPB.
Urakawa, H., (1990). Calculus of Variations and Harmonic Maps, Translations of
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... As a science, Mathematics is in vitality having contributed to society since ancient civilizations, it is still present today in the highest spheres of scientific thought, as well as in various technological applications [1]. As an area of knowledge, it emerged in an intuitive way, through the satisfaction of the practical needs of man, as well as the analysis of the problems of objective reality. ...
Article
Full-text available
This article aims to study the ellipse from the perspective of pure or synthetic geometry to the representation of points on a plane through the use of real numbers, as well as the representation and classification of this conic curve through the use of equations. The perspective developed in this article is based on the view of René Descartes, in considering that "the algebraic steps in a demonstration should really correspond to a geometric representation." The relevance of this article is to bring a reflection that eliminates the study of Analytical Geometry through ready-made and finished formulas, without satisfactory justification and without a logical chain that gives a greater meaning to the studied concepts. In general, the study developed in this article emphasizes the demonstration of results based on propositions adapted a priori, whose ability to be developed is aimed at establishing an "if...then" type of reasoning, making conjectures involving various knowledge already acquired and confirming such truths from a logical system, using definitions and propositions. Therefore, the demonstrations made in the scope of Synthetic Geometry will help to establish a connection with the equations obtained from the perspective of Analytical Geometry, serving as a consultation for students and professors of Analytical Geometry, thus avoiding sudden transitions between contents of degrees of distinct difficulties.
Article
Full-text available
O presente artigo explorou o potencial de uma arte inerente ao enrolar e desenrolar de lenços nas cabeças das mulheres angolanas, com o objetivo de extrair ideias matemáticas na respetiva arte, para aferir um recurso didático que desperte a motivação dos alunos na aprendizagem da função seno e da sua inversa. Foi seguida a abordagem relacionada com a Educação Matemática Realística (EMR). O mesmo está encaminhado a responder a seguinte questão científica: qual é o potencial das ideias matemáticas escondidas na arte de enrolar e desenrolar lenços nas cabeças das mulheres angolanas? Para tal, aproveitam-se algumas experiências, através de equações e transformações geométricas bidimensionais, motivadas por duas questões importantes levantadas por Apostol num estudo relativamente recente, sobre enrolar e desenrolar de curvas em superfícies cilíndricas, com o objetivo de sedimentar o rigor científico na atitude do investigador-observador. The present Article explored the potential inherent of an Art when rolling and unrolling headscarves on Angolan women's heads, with a aim to extract mathematical ideas on the respective arts, to access an didactic resource which awakens students motivation when it comes to learning about sine function and it's inverse. It was followed an approach related with Realistic Mathematic Education (RME). The Same is forwarded to answer the following scientific questions : what is the potential of Mathematics ideias hidden on the rolling an unrolling Art headscarves on Angolan women's? for such ,take vantage of some experiences ,because of Equations and two-dimensional geometrical transformations, motivated with two important questions raised by Apostol study relatively recent ,about roll and unrolling of curves of the cylindrical surfaces with a sedimentary aim with scientific accuracy on the attitude of the observant researcher. Palavras-chave: Enrolar e desenrolar lenços; Educação Matemática realística; Função seno e sua inversa.
Article
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The word jongo denotes an Afro-Brazilian popular tradition which incorporates music, dance and poetry. However, the same term occurs, with different meanings, among negro comunities not related with jongo performance, which points out it's broader semantic range. The speculative confrontation of different aspects of jongo tradition with similar structures found in onjango, comunity council of the ovimbundu of Angola (such as the practice of collective speech, the use of metaphoric wordings, the existence of different dialogical modalities ) led to the comprehension of jongo as the place of speech, consonant with African civilization principles. Could jongo represent a diasporic rebuilding of African institution of spoken word, shaped by the restrictive conditions of slavery?
O problema isoperimétrico. IV Colóquio de Matemática da Região Sul -Rio Grande
  • P Klaser
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Klaser, P., K., & Telichevesky (2016). O problema isoperimétrico. IV Colóquio de Matemática da Região Sul -Rio Grande. Brasil.
Aplicações do princípio de Cavalieri ao cálculo de volume e áreas
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Lula, K., P., (2013). Aplicações do princípio de Cavalieri ao cálculo de volume e áreas. (Master's Thesis). Universidade Federal de Goiás, Brasil.
O campo de pesquisa em etnomodelagem: as abordagens êmica, ética e dialética
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Rosa, M., & Orey, D. C., (2010). O campo de pesquisa em etnomodelagem: as abordagens êmica, ética e dialética. Educação e Pesquisa, 38(4), 865-879. doi: 10.1590/S1517-97022012000400006.
A mixed-methods study to understand the perceptions of high school leader about English Language Learnears (ELL). The case of mathematcs. (Thesis Doutorado). College of Education
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Rosa, M., (2010). A mixed-methods study to understand the perceptions of high school leader about English Language Learnears (ELL). The case of mathematcs. (Thesis Doutorado). College of Education, California State University, Sacramento.
Introdução à História da Matemática
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Santos, M., R. (2013). Introdução à História da Matemática. Belo Horizonte:UEPB.
Calculus of Variations and Harmonic Maps, Translations of Mathematical Monographs
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Urakawa, H., (1990). Calculus of Variations and Harmonic Maps, Translations of Mathematical Monographs. Japan: Kawauchi Tohoku University, Sendai.