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As reconfigurações do
imperativo da inclusão
no contexto de uma
governamentalidade
neoliberal conservadora
Fecha de recepción: 17 de octubre de 2019
Fecha de aprobación: 20 de noviembre de 2019
Para citar este artículo:
Lockmann, K. (2020). As reconfigurações do imperativo da inclusão no contexto de uma governamentalidade neoliberal
conservadora. Pedagogía y Saberes, 52, 67–75. : https://doi.org/10.17227/pys.num52-11023
* Profesora de la Universidade Federal do Rio Grande, . Doctora en educación e investigadora del grupo de Estudos
e Pesquisa em Inclusão–Unisinosy del Grupo de Estudos e Pesquisas em Currículo e Pós-modernidade
- da .
Correo electrónico: kamila.furg@gmail.com
Código : http://orcid.org/0000-0002-1993
Pedagogía y Saberes n.º 52
Universidad Pedagógica Nacional
Facultad de Educación. 2020. pp. 67–75
Las reconguraciones del imperativo
de la inclusión en el contexto de una
gubernamentalidad neoliberal conservadora
The Recongurations of the Imperative of
Inclusion in the Context of a Conservative
Neoliberal Governmentality
Kamila Lockmann*
Artículo de investigación
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Resumen
En este artículo de investigación se sustenta el argumento de que vivimos, en el contexto brasi-
leño actual, una reconfiguración de la inclusión como imperativo de Estado. A partir de la instau-
ración de una gubernamentalidad neoliberal conservadora, la inclusión parece no constituirse
más como regla máxima del neoliberalismo, y la exclusión reaparece como una de las estrategias
del gobernamiento de la población. El texto presenta un breve análisis de documentos sobre el
proyecto de ley, en trámite en Brasil, que autoriza la enseñanza en casa para la educación básica.
Los argumentos usados presentan la exclusión transformada en un derecho: el de las familias de
optar o no por la educación en casa. Frente a este cuadro, se argumenta que el principio político
de lo común puede configurarse en una estrategia de resistencia al neoliberalismo posibilitando
otras formas de ser y vivir en el mundo.
Palabras clave
educación; exclusión; gubernamentalidad; principio político de lo común
Resumo
Este artigo de investigação sustenta o argumento de que vivemos, no contexto brasileiro atual,
uma reconfiguração da inclusão como imperativo de Estado. A partir da instauração de uma gover-
namentalidade neoliberal conservadora, a inclusão parece não se constituir mais como a rega
máxima do neoliberalismo e a exclusão reaparece como uma das estratégias de governamento
da população. O texto apresenta uma breve análise documental sobre o PL 3261/2015, projeto
de lei em tramite no Brasil, que autoriza o ensino domiciliar na educação básica. Os argumentos
apresentados sustentam que a exclusão é transformada num direito: o direito das famílias de
optarem ou não pela educação domiciliar. Diante desse quadro, o princípio político do comum é
pensado como uma estratégia de resistência ao neoliberalismo, possibilitando formas outras de
ser e viver no mundo.
Palavras-chave
educação; exclusão; governamentalidade; princípio político do comum
Abstract
The text supports the argument that we are living, in the current Brazilian
context, a reconfiguration of inclusion as a state imperative. Since the esta-
blishment of a conservative neoliberal governmentality, inclusion no longer
seems to constitute the ultimate rule of neoliberalism, and exclusion reap-
pears as one of the strategies of the population’s governorship. The text
presents a brief discussion on the bill, in process in Brazil, that authorizes
home schooling for basic education. The arguments used present the exclu-
sion transformed into a right: the right of families to choose or not to choose
education at home. Faced with this situation, it is argued that the political
principle of the common can be configured in a strategy of resistance to neo-
liberalism, enabling other forms of being and living in the world.
Keywords
education; exclusion; governmentality; common
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As reconfigurações do imperativo da inclusão no contexto de
uma governamentalidade neoliberal conservadora
Kamila Lockmann
Artículo de investigación
Introdução
Este texto constitui-se num ensaio derivado de
uma pesquisa1 que tem por objetivo atualizar
algumas discussões acerca do que, nos últimos
anos, temos denominado “imperativo da inclusão”. A
produção se ancora nas discussões desenvolvidas por
dois grupos de pesquisa localizados no sul do Brasil,
quais sejam: Grupo de Estudo e Pesquisa em Inclusão,
2 e Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação e
In/Exclusão, 3 Estes grupos, ao longo da última
década, têm afirmado que, considerando o contexto
brasileiro, a inclusão se constituiu em um imperativo
de Estado.
As autoras Lopes, Lockmann e Hattge (2013, p.
42) afirmavam, em artigo publicado em 2013, que “a
inclusão, ao ser entendida como estratégia e transfor-
mada em imperativo do estado brasileiro, tem produ-
zido mudanças substantivas nas formas e condições
de vida da população brasileira”. Em artigo posterior,
também reafirmo essa ideia quando destaco que:
A inclusão tem se constituído como um imperativo
do nosso tempo! Isso significa dizer que a inclusão
se constitui como algo inquestionável, como uma
verdade que se impõe a cada um de nós, produzindo
efeitos em nossas formas de ser e agir no presente.
A inclusão torna-se, assim, um princípio regula-
dor que incide em nossas vidas, pautando nossas
maneiras de nos conduzirmos e de conduzirmos
aos outros. (Lockmann, 2016, p. 19)
Essa produção, estava ancorada em pelos menos
dois pressupostos: o primeiro, referia-se à com-
preensão das práticas de inclusão —e também de
exclusão— como práticas de governamento. Ao
longo da história do Ocidente, inclusão e exclusão
foram estratégias encontradas para agir sobre os
sujeitos, conduzindo suas condutas e gerenciando
os riscos que tais sujeitos poderiam produzir para
a vida social e coletiva.4 Tal compreensão entende a
1 A referida pesquisa intitula-se “A inclusão escolar e os proces-
sos de individualização: problematizações e reflexões sobre
as práticas pedagógicas”, conta com financiamento do Edital
Universal 28/2018 do CNPq e é coordenada pela professora
Dra. Kamila Lockmann.
2 O é um grupo de pesquisa cadastrado no , localizado
na Universidade do Vale do Rio dos Sinos e coordenado pela
professora Dra. Maura Corcini Lopes.
3 O é um grupo de pesquisa cadastrado no , locali-
zado na Universidade Federal do Rio Grande e coordenado
pela professora Dra. Kamila Lockmann.
4 Os riscos produzidos por determinados grupos da popula-
ção estão relacionados a sua suposta improdutividade e/ou
impossibilidade de gerenciar a sua própria vida. Recorren-
inclusão como estratégia de governamento que age
sobre a conduta dos sujeitos gerando determinados
modos de ser e de agir socialmente. Daqui deriva-se
um primeiro pressuposto que sustenta as análises
das pesquisas desenvolvidas: a inclusão é uma estra-
tégia de governamento.
O segundo pressuposto deriva dos estudos refe-
re-se à dimensão múltipla da inclusão. Isso significa
compreender historicamente que ela vem assu-
mindo diferentes ênfases e funcionando a partir de
um modus operandi que difere segundo os grupos
sociais e os momentos históricos. Assim, na atua-
lidade, podemos argumentar que ela opera de um
modo específico e como expressão da racionalidade
própria das formas de vida atuais. Assim, o segundo
pressuposto pode-se formular da seguinte forma: a
inclusão não é um conceito unívoco, mas polissêmico,
pois apresenta aplicabilidades muito heterogêneas e
articula-se às formações políticas que se organizam
ao redor de uma racionalidade5 que orienta as condu-
tas dos indivíduos e suas relações sociais e políticas.
Esses dois pressupostos, apresentados naquele
texto publicado em 2016, ainda me parecem válidos
para pensar a inclusão na atualidade. Porém, naquele
mesmo texto, eu dizia ainda que, na Contempora-
neidade, é possível visualizar o aparecimento de
estratégias de governamento que não operavam tanto
por meio da exclusão dos sujeitos, ou por meio da sua
reclusão em instituições de confinamento, mas pela
sua inclusão e circulação em diferentes instâncias
do tecido social. Assim, sustentava o entendimento
de que a inclusão se constituía em um imperativo
contemporâneo, mas não somente isso. Para além
disso, afirmava que o imperativo contemporâneo
não era simplesmente a inclusão, mas o que chamei
de “inclusão por circulação”. Ou seja, uma estratégia
de governamento onde a inclusão e a circulação das
temente referem-se aos sujeitos pobres, em vulnerabilidade
social, pessoas com deficiência, desempregados, precariza-
dos, estigmatizados socialmente. Trata-se de transformar
um fenômeno social em uma situação individual, centrando
no sujeito a culpa por sua condição de vida. Voltaremos a esta
discussão neste artigo.
5 O conceito de racionalidade como assinala Marín-Díaz (2013),
seguindo a perspectiva arqueogenealógica de Foucault, “supõe
a existência de certa lógica que age tanto nas instituições
quanto na conduta dos indivíduos e nas suas relações sociais e
políticas. A racionalidade age como um programa que orienta
o conjunto da conduta humana, e é por isso que ate nas for-
mas mais violentas da conduta, é possível reconhecer uma
racionalidade que orienta sua ação. Nas palavras de Foucault
(2003), é preciso reconhecer que justamente aquilo que há
de mais perigoso na violência é sua racionalidade e não a sua
ausência nela” [tradução minha].
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pessoas haviam se constituído como regra máxima
que mobilizava o jogo econômico e social de um
Estado neoliberal.
Tal argumento encontrava sustentação nas dis-
cussões desenvolvidas por Foucault, no Curso Nas-
cimento da Biopolítica, ministrado, em 1979. Neste
curso, o autor francês destacava que a regra máxima
do neoliberalismo era a regra da não exclusão. Nas
palavras de Foucault (2008, pp. 277-278):
[...] a sociedade inteira deve ser permeada por esse
jogo econômico e o Estado tem por função essencial
definir as regras econômicas do jogo e garantir que
sejam efetivamente bem aplicadas. [...] cabe à regra
do jogo imposta pelo Estado fazer que ninguém seja
excluído desse jogo” [grifos meus].
Assegurar a participação de todos. Garantir o
acesso de todos. Não permitir que ninguém e nenhum
grupo seja excluído. Esses princípios tornaram-se
os mobilizadores de uma racionalidade neoliberal
que fazia da inclusão a estratégia fundamental para
conduzir a vida dos sujeitos. Isso significa dizer que a
inclusão não opera apenas na ordem do acolhimento
e da benevolência ao outro, assim como também não
se constitui somente como resultado de lutas e movi-
mentos em prol da garantia de direitos sociais, educa-
cionais, de saúde, de assistência e de empregabilidade
dos diferentes sujeitos. Além disso, ou junto a isso,
tais políticas de inclusão pretendem governar todas
os grupos da população e no caso da sociedade bra-
sileira, incluí-las nas redes de consumo, garantindo
espaços de participação no mercado, para que pos-
sam contribuir minimamente para o funcionamento
do jogo econômico. Assim, afastando-se da atmosfera
benevolente que ronda o campo da inclusão, pode-se
compreender que estar incluído era condição sine qua
non para tornar-se alvo das estratégias de condução
da população.
Por essa vertente, entende-se que garantir o
direito à inclusão de todos os sujeitos, seja na escola,
no mercado de trabalho, no mundo do esporte, da
moda e do consumo, é garantir a possibilidade de
que todos se tornem alvo do governo. A constituição
do sujeito de direito é justamente o que permite ao
Estado torná-lo governável. “O cidadão do Estado
democrático é o cidadão governável. Somos consti-
tuídos como cidadãos para que possamos ser gover-
nados” (Gallo, 2017b, p. 1506). Nessa lógica, estar
fora da escola, da assistência social ou do mercado de
trabalho torna-se perigoso, pois mantém os sujeitos
fora do alcance das ações do Estado. Estar incluído,
portanto, é estar numa condição passível de ação
governamental. “Somos constituídos cidadãos para
termos acessos a tais políticas e benefícios sociais;
sermos governados pelo Estado é o preço que paga-
mos” (Gallo, 2017a, p. 1506).
A construção de tais entendimentos somente
foi possível, a partir da análise de um período his-
tórico ancorado numa razão política, que Silvio
Gallo (2017a), denominou de governamentalidade
democrática. Ou seja, travava-se, segundo ele, de
um período histórico “centrado na afirmação e na
promoção da cidadania, evidenciando uma gover-
namentalidade democrática como maquinaria posta
em curso no Brasil desde meados dos anos 80, azei-
tada pela constituição de cidadãos” (Gallo, 2017a, p.
89). O autor afirma ainda que “Na chave de leitura
que estamos utilizando, pode-se dizer: é preciso
constituir a todos como cidadãos para que possam
ser governados. Fora da cidadania não há governo
democrático possível; por essa razão, as pedras de
toque são duas: cidadania e inclusão. Todos devem
ser cidadãos, todos precisam estar incluídos” (Gallo,
2017b, p. 1508). A partir da noção de governamen-
talidade, proveniente dos estudos foucaultianos,
Gallo (2017a, 2017b) demonstra como, num dado
momento histórico, temos uma racionalidade, ou seja,
uma forma de ser do pensamento político, econômico
e social que toma a noção de democracia e, portanto,
a noção de sujeito de direito, como o fundamento da
ação governamental.
Tal análise sempre foi desenvolvida considerando
uma postura analítica e não valorativa, no sentido de
colocar-se contra ou a favor de tais práticas; ou ainda
de compreender esta ou aquela racionalidade como
positivas ou negativas, melhores ou piores. Com-
preendíamos que há produtividade nessas ações de
inclusão, mas também há perversidades. Se por um
lado partia-se do pressuposto de que todos deveriam
estar incluídos, por outro lado, nunca, dentro de uma
racionalidade neoliberal, a igualdade foi uma meta.
Estar incluído nesses jogos significa ocupar espaços
de participação muito distintos, mantendo e refor-
çando as desigualdades.
Foucault (2008, p. 163), afirmava que o neolibe-
ralismo se constitui num “jogo formal entre desigual-
dades”. Segundo ele, essa racionalidade só pode atuar
mediante oscilações, diferenciações e não a partir da
igualdade ou da equivalência. O filósofo assinalava
que é preciso haver pessoas que trabalhem e outras
que não trabalhem, que os salários sejam altos e bai-
xos, que os preços subam e caiam, para que, assim, a
regulação atue. São as desigualdades que permitem
que a concorrência seja produzida e ela é o motor
central da racionalidade neoliberal. Segundo Gadelha
(2009, p. 9), “a desigualdade que implica todo um
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uma governamentalidade neoliberal conservadora
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Artículo de investigación
jogo de diferenciações, está na base da concorrência
econômica, isto é, ela é própria desse mecanismo
normalizador da vida social”.
Foi compreendendo que a inclusão, nesse jogo
formal de desigualdades do neoliberalismo, não
garante condições de igualdade entre os sujeitos, que
os grupos de pesquisa, anteriormente mencionados,
trabalham com a noção de in/exclusão, utilizando
uma palavra para definir duas faces de um mesmo
movimento. Ou seja, nas análises desenvolvidas,
não dissociamos esses dois termos —inclusão e
exclusão—, pois compreendemos que vivemos num
tempo onde a inclusão se sustenta como um impera-
tivo contemporâneo inquestionável e que, por isso,
é por dentro dela que os processos de exclusão são
produzidos. Há, nessa visão, cada vez menos a possi-
bilidade de viver uma condição de exclusão completa
ou permanente, uma vez que o Estado efetivado pela
racionalidade neoliberal, precisa governar a todos e,
por isso, cria uma variedade de políticas e programas
que se direcionam para os mais variados grupos.
Por outro lado, todas essas políticas não garantem o
inverso da exclusão, ou seja, não garantem uma inclu-
são permanente desses sujeitos, como se tivéssemos
cruzado a linha de chegada do verdadeiro projeto
inclusivo. Assim,
[...] torna-se difícil utilizar, em nossas análises, a
caracterização de incluído e de excluído de forma
separada, pois qualquer sujeito, dentro do seu nível
de participação poderá, a todo momento, estar
incluído ou ser excluído de determinadas práticas,
ações, espaços e políticas. (Lopes, Lockmann, Hat-
tge e Klaus, 2010, pp. 5-6)
A in/exclusão define os diferentes níveis de par-
ticipação e gradientes de inclusão que materializam
a condição nômade e movediça que constitui a todos
os sujeitos, nesses tempos incertos. Entretanto, é
justamente por vivenciarmos esses tempos incertos,
que é necessário pensar sobre as novas facetas que
esse imperativo da inclusão e esse movimento da in/
exclusão podem estar assumindo hoje, e especial-
mente, ler as formas particulares que ele tomou no
contexto brasileiro.
Diante desse quadro teórico, talvez possamos
dizer que desde meados dos anos 80 até pelo menos
2016, tínhamos em funcionamento no Brasil, uma
governamentalidade neoliberal democrática que se
ancorou na inclusão como imperativo de Estado,
garantindo direitos aos cidadãos, mas ao mesmo
tempo produzindo desigualdades e, portanto, posi-
cionando os sujeitos em processos de in/exclusão.
Contudo, atualmente, ao que parece, não é mais
possível sustentar o funcionamento de uma gover-
namentalidade neoliberal democrática, que parta da
noção de cidadania e da garantia da inclusão como
direito de todos os sujeitos. Nas inúmeras publicações
de nossos grupos de pesquisa sustentamos a ideia
da inclusão como imperativo do Estado brasileiro,
contudo parece-me que hoje estamos diante uma
transformação que questiona a operação dessa regra
máxima do neoliberalismo, no atual contexto bra-
sileiro. Com todas as críticas que nesses trabalhos
fazíamos a essa regra como um princípio econômico
de manutenção da atividade do sujeito nesses jogos,
ainda assim ela nos parecia importante quando, por
dentro dessa racionalidade, conseguíamos atribuir
outros significados a experiência ao viver juntos e
ao compartilhar formas de vida em comum. Mas as
transformações discursivas nas políticas públicas
atuais, assinalam uma mudança em curso nesse prin-
cípio, e evidenciam que tal regra não mais se mantém
em plena atividade.
Não se trata de dizer, com isso, que a inclusão
simplesmente desapareça do contexto atual brasileiro,
mas de afirmar que ela sofre um amplo processo de
transformação ou metamorfose, para usar a expres-
são de Ulrich Beck (2018). Se por um lado, princípios
neoliberais continuam extremamente presentes em
nossos dias, como por exemplo, a produção de sujei-
tos empresários de si, como um tipo de subjetividade
alinhada ao neoliberalismo; outros princípios parecem
perder a sua centralidade diante desse novo contexto
que articula neoliberalismo e neoconservadorismo. Se
o neoliberalismo tinha como regra máxima a inclusão,
ou seja, a regra da não exclusão, a estratégia movimen-
tada pela aliança neoliberalismo-neoconservadorismo
parece não governar para todos.
Vastas parcelas da população brasileira parecem
não se constituírem em foco privilegiado das ações e
políticas de governo. A governamentalidade neolibe-
ral conservadora, como podemos nomear essa nova
face do neoliberalismo brasileiro, mantém como prin-
cípio a inclusão de certos grupos da população, mas
não de todos. A intolerância religiosa, a imposição
de um modelo de família, a exclusão das discussões
de gênero e sexualidade e até mesmo, projetos de lei
como educação domiciliar demonstram essa nova
face da exclusão, que reaparece e se reconfigura no
cenário contemporâneo, como uma estratégia de
governamento direcionada a determinados grupos.
Diante disso, vale questionar: Será que a inclusão
ainda se constitui em um imperativo de Estado? Ela
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se mantém como a regra máxima que sustenta essa
racionalidade política, ainda neoliberal, mas agora
de face conservadora?
É verdade que nunca sustentamos em nossas pes-
quisas que a inclusão tenha se constituindo em um
imperativo categórico tal como abordara Kant (1980)
em “Fundamentação da metafísica dos costumes”.
Para o filósofo, o imperativo categórico constitui-se
numa lei prática de caráter universal: uma obriga-
ção incondicional. É um mandamento absoluto que
representava uma ação necessária por si mesma, sem
relação com qualquer outra finalidade. Nunca afirma-
mos que esse era o caso da inclusão. No lugar disso,
pensamos a inclusão como imperativo histórico, que
como tal, pode assumir facetas distintas em cada
época, fortalecer-se ou esmaecer-se, dependendo da
racionalidade, das estratégias e das táticas organiza-
das e privilegiadas em cada período e grupo social.
Então, podemos pensar que: Se por um lado, a
governamentalidade neoliberal democrática con-
verteu a inclusão na regra máxima de condução das
condutas, pois todos precisavam estar incluídos para
tornarem-se cidadãos e, portanto, alvo das ações de
governamento, por outro lado, a governamentali-
dade neoliberal conservadora não faz desaparecer
a inclusão, mas junto com ela, aciona também a
exclusão como fundamento de algumas das práticas
de governo, que amparam-se, ainda, no preceito do
direito.
Essa exclusão não se refere as formas de fazer
morrer empreendidas na Idade Média e estudadas
por Foucault, em especial no Curso Em Defesa da
Sociedade. É preciso pensar, contemporaneamente,
como essas práticas de exclusão são desenvolvidas
no interior de uma racionalidade que tem como
premissa “fazer viver”. É por dentro desse biopoder,
ou seja, de um poder que tem como objeto e objetivo
a vida da população, que tais práticas são produzi-
das. Talvez esteja, justamente aqui, a necessidade
de atualizarmos as discussões acerca do biopoder
e, por consequência, das suas formas de exercer o
Racismo de Estado. É importante lembrar que para
Foucault (1999, p. 306) o Racismo era “a condição
da aceitabilidade de tirar a vida numa sociedade de
normalização”. E ele é ainda mais preciso:
[...] por tirar a vida não entendo simplesmente o
assassínio direto, mas também tudo o que pode
ser assassínio indireto: o fato de expor à morte, de
multiplicar para alguns o risco de morte ou, pura
e simplesmente, a morte política, a expulsão, a
rejeição, etc. (Foucault, 1999, p. 306)
Dessa perspectiva teórica, pode entender-se a
existência de uma sorte de racismo de estado contem-
porâneo, aqui materializado pelas práticas de exclu-
são, que não simplesmente faz morrer ou produz
a morte diretamente, mas expõe, constantemente,
determinadas parcelas da população à morte: retira
direitos, minimiza benefícios, corta investimentos
educacionais e sociais, não garante condições míni-
mas de participação, deixa o sujeito a sua própria
sorte, dependendo exclusivamente do seu autoem-
presariamento e vivendo as mazelas da precarização,
cada vez mais acentuada, da sua própria existência.
Assim, a exclusão volta a se apresentar como estra-
tégia de governo diante de alguns grupos que devem
desaparecer socialmente, ou pelo menos, terem suas
participações limitadas e ajustadas ao modelo insti-
tuído de vida e de ordem. Negar suas formas de ser e
de viver, subjugar sua existência e produzir seu desa-
parecimento social, são práticas contemporâneas de
exclusão que colocam em xeque a manutenção do
imperativo de inclusão como forma privilegiada do
governamento atual.
Ao questionar-se a permanência da inclusão como
imperativo de Estado, não se afirma uma inversão, ou
seja, a transformação da exclusão num novo impera-
tivo contemporâneo. Trata-se apenas de reconhecer
uma transformação em curso, uma espécie reconfi-
guração do imperativo da inclusão no contexto de
uma governamentalidade neoliberal cuja ênfase não
é mais a sua face democrática (ainda que a ideia de
direitos se mantenha presente e forte), mas seu viés
conservador.
Então, nessa governamentalidade, não se trata do
desaparecimento da noção de direito, mas talvez da
sua privatização, centrando no sujeito a responsa-
bilidade pelas suas condições de vida. Isso se torna
evidente a partir das discussões desenvolvidas por
Dardot e Laval (2016) em seu livro A Nova Razão
do Mundo. Para os autores franceses, a partir do
neoliberalismo, os direitos universais à vida, isto é,
à saúde, à educação, à integração social e à participa-
ção política, são transformados no resultado de um
cálculo que provém de escolhas individuais erradas.
Ou seja, tornam-se responsabilidade do sujeito. Os
autores destacam que “o obeso, o delinquente ou o
mau aluno são responsáveis por sua sorte. A doença,
o desemprego, a pobreza, o fracasso escolar e a
exclusão são vistas como consequência de cálculos
errados” (Dardot e Laval, 2016, p. 230): trata-se da
“privatização da conduta”. Nessa lógica, “a cidadania
não é mais entendida como a participação ativa
na definição de um bem comum próprio de uma
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uma governamentalidade neoliberal conservadora
Kamila Lockmann
Artículo de investigación
comunidade política, mas como uma mobilização
permanente dos sujeitos” (Dardot e Laval, 2016, p.
239), os quais passam a serem responsabilizados
pela precarização de sua existência.
Assim, a exclusão de determinados grupos da
população passa a ser uma das estratégias mobili-
zadas nessa governamentalidade neoliberal conser-
vadora, não para fazer morrer alguns sujeitos, mas
tampouco para faze-los viver. Não se trata de produzir
a morte, tampouco de cuidar da vida. Ao maximizar
a responsabilidade individual de cada um consigo
mesmo, essa forma de governamento, simplesmente,
deixa-os viver, fazendo-os assumir, por eles mesmos,
os riscos da sua existência, que nada mais são do
que resultado de escolhas individuais. Ao fim e ao
cabo, as práticas de exclusão, que vemos aparecer
nesse contexto contemporâneo, nada mais são do
que a materialização da extrema individualização
dos sujeitos.
Práticas muito concretas podem nos mostrar a
extensão dessa governamentalidade que, como disse
Foucault (2008), não se trata apenas de uma doutrina
econômica, mas estende-se aos mais distintos âmbi-
tos da vida. Um exemplo para pensar uma forma de
materialização dessas práticas de exclusão é a pro-
posta de lei, ainda não aprovada, sobre a Educação
Domiciliar.6 Tal projeto de lei pauta-se no discurso de
que as famílias terão o direito de oferecer educação
domiciliar para as crianças, mediante a construção de
um plano individual proposto pelos pais ou respon-
sáveis. Em entrevista à Radio Gaúcha a Ministra da
Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares
Alves diz que:
Os pais das crianças com deficiência, pais de crianças
com autismo, esse é um grupo muito grande que tem
conversado com esse Ministério, eles gostariam de
educar os filhos em casa. Muitos deles entendem que
os filhos não estão se adaptando na escola, tem criança
com autismo que sofre mais indo para escola do que
ficando em casa, então (a proposta) também vem
para atender essa parcela significativa da população.
(Gaúcha, 2019)
6 No Brasil, está em tramite no Congresso Nacional o projeto de
lei PL 3261/2015 que autoriza o ensino domiciliar na educa-
ção básica e altera Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que
dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei
nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as dire-
trizes e bases da educação nacional.
Tal discurso levanta uma série de problematizações:
a perda do caráter comum e público da educação esco-
lar, ao privar as crianças da frequência à escola e do que
somente ali pode acontecer; a primazia dos processos
de individualização, ao atender exclusivamente interes-
ses privados das famílias e individualizar fenômenos
coletivos; e a desautorização do saber docente e a sua
desprofissionalização, ao permitir que pais e responsá-
veis possam construir um plano pedagógico individual.
Porém, diante de tudo isso há algo peculiar que precisa
ser considerado; trata-se da face excludente dessa pro-
posta, ao permitir que alguns sujeitos não participem
dos processos de escolarização.
Como dito anteriormente, não se trata, simples-
mente, do desaparecimento da noção de direito, mas
de sua transformação: a educação escolar, antes direito
universal, agora transmuta-se no resultado da escolha
individual dos pais ou responsáveis. Com isso, dois
movimentos são perceptíveis: o primeiro é a transfor-
mação da exclusão num direito —o direito das famí-
lias de optarem ou não pela educação domiciliar—; o
segundo é transformar o próprio direito no resultado
de uma escolha individual e, como tal, essa escolha
responsabiliza os sujeitos por seu sucesso ou fra-
casso. Talvez aí resida o maior perigo das práticas de
exclusão contemporâneas. Elas não negam o direito,
mas transformam a exclusão num direito e o direito
numa escolha individual.
Com isso, tal proposta constitui-se num processo de
exclusão de tais sujeitos ao processo de escolarização,
antes considerado um direito universal. Ou seja, corre-
mos o risco de perder o caráter público da educação
escolar. E por público não me refiro a forma como a
escola é dirigida ou financiada. Com autores como
Masschelein e Simons (2013) aprendemos que no
âmago do conceito “escola” encontra-se à democra-
tização do tempo livre caraterístico do pensamento
grego. Para eles “a escola fornecia tempo livre, isto
é, tempo não produtivo, para aqueles que por seu
nascimento e seu lugar na sociedade (sua posição)
não tinham direito legítimo de reivindicá-lo” (Mass-
chelein e Simons, 2013, p. 26). Ou seja, tratava-se
da democratização de um tempo e um espaço para
o estudo e a prática oferecido às pessoas que não
tinham nenhum direito a ele de acordo com a ordem
arcaica vigente na época grega. Parece que essa
ordem volta como sombra nessa governamentali-
dade neoliberal conservadora, ao constituir um novo
direito: o direito à exclusão, o direito a não mais
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Número 52 / Universidad Pedagógica Nacional / Facultad de Educación / 2020 / Páginas 67–75
compartilhar um tempo e espaço comum, o direito
de viver, da forma mais maximizada possível, a sua
individualização.
Como resistir a essa forma de governamentalidade
neoliberal conservadora que produz formas de vida
pautadas por práticas de exclusão, individualização e
responsabilização dos sujeitos? De acordo com Dar-
dot e Laval (2017), uma alternativa diante dessa nova
razão-mundo pode residir no que os autores deno-
minam princípio político do comum. A compreensão
desse conceito sustenta-se em quatro aspectos fun-
damentais: o primeiro, diz respeito a compreender o
“comum” como princípio. Para os autores, princípio é
um começo, é o que vem primeiro e fundamenta todo
o resto. Não pode ser apagado ou substituído com o
que vem depois.
É um verdadeiro começo, um “começo sempre a
começar”, isto é, um começo que rege e domina
tudo o que vem depois. O grego arché tem o sentido
duplo de começo e comando: arché é a fonte da qual
deriva todo o resto. O comum é um princípio polí-
tico no sentido de ordenar, comandar e reger toda
a atividade política. (Dardot e Laval, 2017, p. 10)
Além disso, comum não é apenas um princípio,
mas um princípio político, que tem relação com
fazer algo junto, compartilhado. Esse seria o segundo
aspecto destacado pelos autores: o comum como
princípio político. Para os autores a política é “a
atividade de deliberação pela qual os homens se
esforçam para determinar juntos o que é justo, bem
como a decisão e a ação decorrentes dessa atividade
coletiva” (Dardot e Laval, 2017, p. 10).
O terceiro aspecto enfatiza no caráter do múnus
que compõe o conceito do comum. O múnus refere-se,
ao mesmo tempo, a obrigação e a atividade, ou seja,
compreende que a participação numa mesma ativi-
dade é uma obrigação política. Esse terceiro aspecto
parece mostrar a importância da escola, como algo
que não pode ser substituído por um processo indi-
vidualizante que atenderá a interesses privados. Os
autores salientam que nenhum tipo de
[...] pertencimento —etnia, nação, humanidade
etc.— pode ser em si o fundamento da obrigação
política. Disso resulta também que essa obrigação
não tem nenhum caráter sagrado ou religioso, o que
implica que qualquer fonte transcendente, qualquer
autoridade exterior à atividade deve ser rejeitada.
(Dardot e Laval, 2017, p. 10. Grifos do autor)
Um último aspecto se refere a “inapropriabili-
dade” do comum, ou seja, a forma como o comum
não pode ser apropriada por alguém, como uma coisa
ou um objeto. Segundo Dardot e Laval (2017, p. 13)
“inapropriável não é aquilo do qual ninguém pode se
apropriar, isto é, aquilo cuja apropriação é impossível,
mas aquilo do qual ninguém deve se apropriar, isto é,
aquilo cuja apropriação não é permitida porque deve
ser reservado ao uso comum”.
Ao utilizar o conceito de comum para pensar a
educação parece ser possível sustentar o argumento
de que a escola é esse espaço inapropriável! A escola
é um espaço público e comum, que não deve ser
apropriado. Então a escola mesma é inapropriá-
vel, os processos que ali acontecem não podem ser
reproduzidos em outros lugares, como em casa ou
pela instituição familiar, simplesmente porque eles
se dão num espaço aberto de criação e invenção,
o qual só pode ser produzido quando diferentes
vozes, diferentes sujeitos, diferentes gerações, dife-
rentes etnias, diferentes crenças e formas de vida,
se encontram. Nesse encontro, compreende-se que
a participação na atividade coletiva é uma obrigação
política e como tal é capaz de produzir a escola, senão
como único, mas talvez o mais potente espaço-tempo
capaz de sustentar o comum como princípio político.
Segundo Dardot e Laval (2016, p. 9) “o princípio
político do comum remete a um sistema de práticas
diretamente contrárias à racionalidade neoliberal
e capazes de revolucionar o conjunto das relações
sociais”. Assim, talvez seja justamente por meio desse
princípio político que possamos encontrar forças
capazes de resistir às imposições excludentes dessa
racionalidade de governo neoliberal, que na sua face
conservadora tem enfatizado formas de vida indivi-
dualizadas, onde projetos comuns são cada vez mais
difíceis e menos possíveis.
O princípio político do comum não é, nem pode se
constituir num megaprojeto que vá substituir a racio-
nalidade neoliberal, porém ele pode movimentar e
produzir um conjunto de práticas que possibilitem
outras formas de existência. Formas essas que recha-
cem a individualização, o preconceito, a indiferença
e a exclusão. Que se coloquem como resistência ou
que criem formas outras de re-existência. “Resistir
é re-existir, existir de novo, afirmar as potências da
vida. Re-existir é recusar as subjetivações impostas
e criar novas formas de subjetividade” (Gallo, 2017a,
p. 91). No contexto de discussão que este texto mobi-
lizou, resistir é existir de um modo distinto daquele
preconizado por essa governamentalidade neoliberal
conservadora. Trata-se de criar formas outras de
existência que tomem o princípio político do comum,
como um modo de vida, que nos convoque a viver
junto com o outro, colocando o agir comum como
mobilizador das nossas formas de ser, estar, viver e
existir no e com o mundo.
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As reconfigurações do imperativo da inclusão no contexto de
uma governamentalidade neoliberal conservadora
Kamila Lockmann
Artículo de investigación
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Autor: Guillermo Quintero - Título: Florero de amor - Dimensiones: 80 x 60 cm - Técnica: Óleo sobre lienzo