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A família real no Brasil: política e cotidiano (1808-1821)

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MEIRELLES, J.G. A família real no Brasil: política e cotidiano (1808-1821) [online]. São Bernardo
do Campo: Editora UFABC, 2015, 91 p. ISBN: 978-85-68576-96-0.
https://doi.org/10.7476/9788568576960.
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Reconocimento 4.0.
A família real no Brasil
política e cotidiano (1808-1821)
Juliana Gesuelli Meirelles
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política e cotidiano (1808 - 1821)
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC
Prof. Dr. Klaus Werner Capelle - Reitor
Prof. Dr. Dácio Roberto Matheus - Vice-Reitor
Editora da UFABC
Profª. Drª. Adriana Capuano de Oliveira - Coordenação
Cleiton Fabiano Klechen
Marco de Freitas Maciel
Juliana Gesuelli Meirelles
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política e cotidiano (1808 - 1821)
São Bernardo do Campo - SP
2015
CATALOGAÇÃO NA FONTE
SISTEMA DE BIBLIOTECAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC
Responsável: Roberta Kelly Amorim de França CRB: 7660
981.03
MEIRf
MEIRELLES, Juliana Gesuelli
A família real no Brasil : política e cotidiano (1808-1821) /
Juliana Gesuelli Meirelles — São Bernardo do Campo: EdUFABC, 2015.
92 p.
ISBN: 978-85-68576-26-7
1. História do Brasil 2. Corte Portuguesa no Brasil - política e sociedade
3. Corte Portuguesa no Brasil - reestruturação administrativa da corte I. MEIR-
ELLES, Juliana Gesuelli.
© Copyright by Editora da Universidade Federal do ABC (EdUFABC)
Todos os direitos reservados.
Produção editorial
Maíra Nassil
Capa e projeto gráco
Ana C. Bahia
Diagramação
Luisa Helena Ribeiro
Revisão de textos
Lucas Morais
Impressão
Gráca e Editora Copiart
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A vinda da Corte portuguesa para o Brasil aconteceu em meio a uma
conjuntura política europeia muito delicada: as guerras napoleônicas que
assolavam a paz no Velho Mundo (-). Nesse período, Napoleão não
apenas destituiu dinastias e refez o mapa da Europa, como também insuou
um povo inteiro com a mística da nação. Já nos territórios conquistados,
implantou uma série de valores da Revolução Francesa, cuja contribuição
foi decisiva para o nascimento da política no sentido moderno.
O Bloqueio Continental decretado por Bonaparte, em novembro de
, tinha como meta o enfraquecimento da economia inglesa, um obstáculo
fundamental aos objetivos expansionistas da França. O bloqueio exigia – sob
ameaça de invasão militar – que todos os países da Europa se fechassem ao
comércio britânico a m de que a economia inglesa entrasse em colapso.
Se o Acordo de Tilsit, rmado com o Czar Alexandre I da Rússia em julho
de , garantia a Napoleão o encerramento do extremo leste da Europa,
era mister a conquista a oeste, que circunscrevia os portos das cidades de
Lisboa e do Porto.
Portugal, porém, encontrava-se em uma situação deveras complexa. Se,
por um lado, em setembro de , dom João acatava as ordens de Napoleão,
fechando os portos aos navios ingleses – o que consolidava a ruptura com
a Inglaterra –, por outra via, postergava na prática tal atitude, uma vez que
mantinha com a Inglaterra uma relação de grande dependência econômica,
que o impedia de acatar integralmente as ordens francesas. A forte aliança
com os ingleses colocava a situação do país em xeque.
Portanto, fez-se urgente uma tomada de posição, sobretudo depois
do ultimato de Napoleão que, em outubro de , ordenava a invasão
francesa em território luso. À “medida que os rumores [da invasão] cresciam,
ao longo de novembro de , o governo português buscou entabular
negociações com a Inglaterra, através de uma convenção secreta, em que se
previa a transferência da Família Real para o Brasil, protegida pela esquadra
britânica, em troca da ocupação da Ilha da Madeira, enquanto perdurassem
as operações militares no continente”, contextualiza a historiadora Lúcia
Neves (: ).
Foi diante dessa crise geopolítica do continente europeu que a Dinastia
de Bragança – com D. Maria I, o Príncipe Regente dom João e grande parte
da Corte portuguesa –, embarcou para o Brasil, em  de novembro de .
No dia seguinte, as tropas francesas, sob a liderança de Junot, entravam em
território português. Pouco mais de três meses depois, a realeza pisava em
solo uminense.
A transferência da Família Real para o Brasil não foi uma medida
tomada às pressas. Ao contrário, já era um projeto político arquitetado pela
monarquia portuguesa desde o século XVI, que ganhava força sempre nos
momentos de instabilidade política da Coroa (Schwarcz, : -). Em
, por m, os planos de transladação do governo português para a sua
mais importante colônia se tornavam realidade: o Rio de Janeiro emergia
como nova capital do Império Português, impulsionando, dessa forma,
transformações políticas de grande impacto nos dois lados do Atlântico
durante os treze anos em que a Família Real permaneceu em nossas terras.
As guerras napoleônicas (-), o m do apogeu de Bonaparte
com a restauração do Antigo Regime na Europa (), a elevação do Brasil
a Reino Unido de Portugal e Algarves (), a Revolução Pernambucana
como um movimento contestatório ao poder absoluto de dom João (),
a aclamação de dom João VI no Brasil (), a Revolução do Porto e as
consequências desse processo com a volta do Rei à Europa (-) –
todos esses fatos históricos, descritos e analisados neste livro, foram cruciais
nas grandes mudanças que delineavam a nova ordem política no jogo das
relações luso-brasileiras.
Este livro trata especificamente das interfaces entre a política e
o cotidiano no Rio de Janeiro no período joanino em meio a tantas
transformações políticas e aos muitos conitos e desaos da nova sociedade
que se formava nos trópicos e que, invariavelmente, foram permeadas por
um projeto político de sustentação do Império Português nas duas margens
do Atlântico. Os temas abordados perpassam desde a estruturação das novas
instituições régias que surgiam na América Portuguesa e delineavam a nova
governabilidade da monarquia portuguesa, com sede no Rio de Janeiro, a
partir de , à volta de Dom João VI para Portugal, em , quando as
consequências da crise do Antigo Regime Português já apareciam de forma
mais patente no universo público, ao m do período, mais precisamente
entre  e .
I.
A        
No dia  de janeiro de , o brigue Voador trazia ao porto do Rio
de Janeiro a notícia de que a Família Real estava a caminho do Brasil. Desde
então, os ânimos da sociedade carioca fervilhavam. Três dias depois, em
 de janeiro, o desembarque das sete naus portuguesas e dos três barcos
ingleses no cais do porto despertava a imensa curiosidade da população
que aguardava ansiosamente a chegada do Príncipe Regente e sua corte em
terras americanas. Para desapontamento da maioria da casta real, entretanto,
chegavam apenas as duas irmãs da rainha D. Maria I: d. Maria Benedita e D.
Maria Ana, além das duas infantas, Maria Francisca de Assis e Isabel Maria.
Sem saber o que havia acontecido com os demais membros da dinastia
de Bragança, as nobres senhoras e senhoritas da família real não aceitaram
o convite do conde dos Arcos para aportarem em terra rme. Preferiram
car a bordo dos navios à espera de notícias, que só chegariam ao Rio um
mês depois. Enquanto isso, os demais tripulantes circulavam pela cidade
em busca de acomodação.
Esse momento, ainda tão singelo perto do que viria a ser o dia  de
março, já prenunciava as importantes transformações que ocorreriam na
sociedade luso-brasileira. Novas etiquetas, rituais e solenidades começavam a
ser vivenciados pelas ruas da sede da Colônia que, em  de fevereiro, cava
ciente de que a Família Real – juntamente com a nobre comitiva portuguesa
– encontrava-se em Salvador e, tão logo fosse possível, estariam no Rio de
Janeiro. A tônica das conversas girava em torno da chegada em carne e osso
da Rainha, do Príncipe Regente, seus familiares e acompanhantes. Todos
se preparavam para a pompa que enfeitaria a grande ocasião...
*
Enm, em  de março, a esquadra real aportava no porto da baía de
Guanabara. A cidade estava em festa e o espetáculo da chegada foi um
momento único: as salvas de canhões, os tiros de fuzis e as badaladas dos
sinos das igrejas anunciavam a entrada triunfal da família real que recebia
as homenagens por toda a parte. D. Maria, dom João e Carlota Joaquina
foram recepcionados pela elite política da cidade, composta, sobretudo, pelo
Conde dos Arcos, os membros do Senado da Câmara, além de renomados
eclesiásticos, civis e militares. Com olhares curiosos, o restante da população
se amontoava pelas praias e morros assistindo atentamente ao entourage,
que ganharia contornos mais efusivos no dia seguinte. Em suas memórias,

o padre Luiz Gonçalves dos Santos, mais conhecido como padre Perereca,
registrava sua emoção ao ver a entrada da realeza na América Portuguesa.
Rio de Janeiro, Cidade a mais ditosa do Novo Mundo! Rio de Janeiro, ai tens
a tua Augusta Rainha e o teu excelso Príncipe com a sua Real Família, as
Primeiras Majestades que o Hemisfério Austral viu e conheceu. Estes são os
teus soberanos e senhores, Descendentes e Herdeiros daqueles Grandes Reis
que te descobriram, te povoaram, te engrandeceram ao ponto de serem de
hoje em diante Princesa de América e Corte dos Senhores Reis de Portugal;
enche-te de júbilo, salta de prazer, orna-te dos teus mais ricos vestidos. Sai
ao encontro dos teus Soberanos e recolhe com todo o respeito, veneração
e amor o Príncipe ditoso, que vem em nome do Senhor visitar o seu Povo.
(Santos, : )
Apesar da chegada triunfal, os membros da realeza só desembarcariam
efetivamente em solo carioca no dia seguinte, em  de março, por volta
das quatro horas da tarde. Os júbilos de apreço popular pela presença das
personalidades reais se faziam sentir nas diversas manifestações. Foguetes,
salvas de artilharia e repiques de sinos em meio às chuvas de folhas e ores
atenuavam temporariamente as angústias do príncipe regente por ter deixado
o Reino invadido à mercê dos franceses.
Enquanto dom João se deixava inebriar pelas congratulações de boas
vindas e pela belíssima geograa da Baia de Guanabara, D. Carlota Joaquina
chorava convulsivamente: tinha seu orgulho ferido por ter que aceitar a
condição – para ela degradante – de ser uma princesa e futura rainha de
possessões coloniais.
O amor de dom João e o repúdio D. Carlota pelo Brasil foi uma diferença
central nos olhares e sentimentos que cada um cultivou pelo país ao longo
dos treze anos de permanência nos trópicos. Se essa percepção já se fazia
presente logo nos instantes iniciais da chegada da corte, também foi no
primeiro contato da realeza com seus súditos da Colônia que os rituais
cortesões se manifestavam de modo a marcar a singularidade dos novos
tempos e costumes. “Uma extensa parada militar tomava a praça e formava
alas para a Rua do Rosário e Rua Direita até ao adro da Catedral. O cortejo
progredia com lenta, imponente majestade, expõe Luiz Norton (: ).
Já na Catedral, a missa que os recepcionava enchia de pompa a cidade.
Com grande instrumental, os súditos mais ilustres cantavam entre outras
músicas o hino de Graça, ao mesmo tempo em que suas altezas concediam
um beija-mão geral, um ritual público da realeza que teve importância
central nas relações sociopolíticas entre o soberano e seus súditos no período
joanino. “Era uma cerimônia que punha o monarca em contato direto com o
vassalo, que lhe apresentava as devidas vênias e suplicava por alguma mercê.

Reforçava-se nele a autoridade paternal do soberano protetor da nação,
relata Jurandir Malerba (: ). Finda a recepção, a realeza seguia em
coches próprios para o Palácio, sempre acompanhados da multidão curiosa
para saber o que aconteceria dali em diante.
Se a beleza do cenário geográco da cidade encantava a maioria da
corte portuguesa que desembarcava no porto do Rio, os primeiros dias
mostrariam a precariedade da estrutura da nova capital. “Numa pequena
área espremida entre a praia e a montanha, formada por escassas ruas
paralelas e mais algumas transversais, rodeadas por matas e logradouros
desertos, mais de dez mil pessoas foram alojadas às pressas, com a chegada
da Família Real, transformando a pequena cidade dos vice-reis em capital
do império português na América, descreve a historiadora Leila Mezan
Algranti (: ).
Para acomodar os acompanhantes da corte, o conde dos Arcos
instituiu o sistema de aposentadorias que, na prática, requisitava as casas
dos moradores locais para aconchego da nobreza. Na porta de muitas
casas foram pregadas as letras PR – Príncipe Regente –, interpretadas pela
população como Ponha-se na Rua. “O auxo de uma grande quantidade
de pessoas agravou os problemas urbanos. Além da falta de moradia, havia
carência no abastecimento de água, saneamento, segurança pública, descreve
o historiador Paulo de Assunção (: ). Essa situação causou um enorme
rebuliço tanto para a população que cava desabrigada, quanto para a nobreza
portuguesa que considerava as moradias desconfortáveis, mal construídas
e sem o luxo das suas residências em Lisboa. Já a população mais pobre
cou marginalizada à região norte da cidade, circunscritas aos bairros
de Catumbi e Mata-Porcos. Nesse espaço, as habitações se restringiam a
choças aglomeradas entre os morros e o mar, o que já marcava a profunda
desigualdade social no especo geográco (Lima, : ).
Aos poucos, no entanto, as transformações urbanas foram modicando
a estrutura da cidade. Para além das quatro freguesias já existentes – Sé,
Santa Rita, São José e Candelária –, foi criada o Engenho Velho. Novas
ruas foram pavimentas e as estradas alargadas. A iluminação, saneamento,
abastecimento de água potável e, consequentemente, a higiene também foram
aspectos que sofreram importantes melhorias na cidade. Ou seja, entre os
anos de  e , a área do Rio de Janeiro havia triplicado. Mas como
bem adverte a antropóloga Lilia Schwarcz, “Se a vila se modicou para se
vestir como capital do império português, as permanências são evidentes.
Suas casas e traçados coloniais, suas festas tomadas por costumes africanos,
seus hábitos alimentares orientais... nada permite duvidar de um universo
obrigatoriamente plural” (Schwarcz, : ). A pluralidade de universos

se fez sentir nos mínimos detalhes. A rotina da vida no Rio de Janeiro se
transformava por completo.
A começar pelo crescente número de habitantes entre os anos de 
e . Se até  o Rio de Janeiro era uma cidade com cerca de .
habitantes, o censo de  já apontava para uma população em torno
de . pessoas, contando o alto número de estrangeiros que xaram
residência (em torno de . mil pessoas), escravos, libertos e população
livre (Martins, : ).
Esse aumento populacional está intimamente relacionado às alterações
socioeconômicas advindas da transferência da Família Real para o Brasil.
Porém, se desde o nal do século XVIII, a importância do Rio como
centro importador de escravos já era notável, nos treze anos em que a
Corte permaneceu no Brasil houve a predominância da capital no cenário
internacional, sobretudo devido à abertura dos portos e o processo de
transição de uma economia fechada e monopolista para uma economia aberta.
O porto do Rio de Janeiro se tornava o principal centro econômico do país.
O crescimento da cidade provocou uma ampliação signicativa na
demanda de serviços urbanos, o que reetia diretamente na valorização
do tráco negreiro. “A crescente necessidade de mão de obra fazia com
que os olhos se voltassem para a África. Após , o volume de tráco
de escravos para o Rio de Janeiro aumentou sensivelmente, complementa
Algranti (: ). Por volta da década de , a cidade chegou a ter  mil
escravos por ano, uma estatística bem acima daquela vigente em , que
apontava uma entrada anual do número de negros na cidade entre . e
. (Klein, : -).
População total da cidade do Rio de Janeiro em  e 
Ano Fogos População
Livre Libertos Escravos To t al
 . .  . .
 . . -- . .
(Fontes: : Luccock. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil. Belo
Horizonte, , p. . . Censo de . RIHGB, t., parte., , p. -)
A nova estrutura da cidade despertava os holofotes, senão do
mundo, pelo menos dos europeus, ávidos por receberem as notícias da
Corte portuguesa e conhecerem as transformações implementadas pelo
Príncipe Regente dom João na nova capital do Império. Viajantes, cientistas,

estrangeiros de toda parte chegavam ao Rio de Janeiro senão com o objetivo
de xar moradia, pelo menos de explorar as faces ainda desconhecidas da
América Portuguesa. Tal foi a transformação que, em  de junho de , foi
publicado um edital da Intendência da polícia que já enunciava claramente
a posição adquirida pela cidade como capital do Império Português, agora
com sede nos trópicos.
(...) Havendo se elevado esta cidade a alta hierarquia de ser hoje Corte do
Brasil (...) não pode nem deve continuar a conservar (...) antigos costumes
que apenas podiam tolerar-se, quando era reputada com uma Colônia e que
desde muito tempo não sofrem em povoações cultas e de perfeita civilização
(...) testemunhos da antiga Condição de Conquista e Colônia, concorrendo
para estabelecer a sua Corte e fazê-la mais notável aos olhos das Nações
Estrangeiras. (ANRJ – CÓD., v.. . -v.)
Como bem explicitava Paulo Fernandes Viana, intendente da polícia,
desde  que os novos rituais ditos civilizados passaram a fazer parte do
cotidiano da cidade. O calendário ocial imposto pela realeza colocava em
cena datas comemorativas que se intercambiavam entre os dias santos da
religião católica e os fatos políticos da monarquia. Celebrações religiosas,
cortejos e aniversários reais, paradas militares. Enm, uma ampla gama de
solenidades públicas passou a ocorrer quase todo mês. Cada festejo, contudo,
tinha uma nalidade especíca. “Determinados eventos eram lembrados
com uma missa cantada; outros eram assinalados pelo “beija-mão” no Paço
e havia as grandes comemorações que articulavam uma série de eventos
festivos, como as Aclamações reais”, explica o historiador Emílio Lopes
(: ). Apesar das diferenças, todas as comemorações tinham como
eixo a presença da Família Real, fosse de corpo presente ou por meio de
retratos. “Era fundamental que os signos e sentidos da realez a circulassem pelo
tecido social, fossem comunicados e, de alguma forma, apreendidos”, elucida a
historiadora Iara Lis C. Schiavinatto (: ).
Durante as mais diversas festividades, era valorizada a fé dos
indivíduos que vivenciavam nesses momentos formas diferenciadas de
aprofundamento do espaço destinado à interlocução social e ao debate
político. Nas comemorações que exteriorizavam as práticas monárquicas, os
projetos políticos da realeza se faziam notar com mais intensidade: a aura
paternal e amorosa do Rei para com os seus súditos era exaltada, numa clara
tentativa de minimizar as faces da crise vigente no Antigo Regime Português.
A cidade era o local onde se desenrolavam as grandes cenas da vida cotidiana de
seus habitantes, mas também era o espaço de representação do poder”, arma
Paulo de Assunção (: ).

A    C
Desde , as medidas reais já apontavam para uma mudança de
cenário na Corte. A manutenção e o bom funcionamento da burocracia
estatal da monarquia portuguesa deste lado do Atlântico pressupunham
a transladação de importantes instituições régias cuja lógica, segundo a
historiadora Leila Algranti, “inseria-se na antiga política colonial de fortalecer
no Brasil um Estado extremamente dependente, vinculado às organizações
de Lisboa, sem autonomia ou criatividades próprias” (: ). Apesar
disso, as instituições régias aqui instituídas alterariam signicativamente
a prática das decisões políticas no Império Português e também a vida
cotidiana da cidade.
A Intendência-Geral de Polícia da Corte, uma das principais instituições
que garantiam a segurança pública, foi criada em  de abril de . Com
amplos poderes, o desembargador carioca Paulo Fernandes Viana assumiu
o cargo de intendente, ocupando-o até fevereiro de . Responsável pela
guarda pessoal da família real, também tinha como atribuições scalizar a
construção dos teatros, manter a ordem” das festas públicas, deter escravos
fugidos, prender pessoas “perigosas” ao governo, vigiar a cidade para que
não houvesse badernas ou crimes, registrar a entrada e saída de estrangeiros,
assim como cuidar da reestruturação da cidade, que crescia e se transformava
a olhos vistos.
Houve momentos, no entanto, que a sua autoridade foi publicamente
contestada. Em , ao prender pessoas consideradas inocentes pelo Príncipe
Regente, Viana recebeu um comunicado na seção noticiosa da Gazeta do
Rio de Janeiro que ordenava a soltura dos presos. O aviso foi assinado por
D. Rodrigo de Souza Coutinho, Conde de Linhares, ninguém menos que
o ministro de maior proeminência no governo até .
Com a transladação da Família Real para o Brasil, D. Rodrigo cou
responsável pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, órgão
de suma importância política na estruturação administrativa do Império
deste lado do Atlântico. Entre os anos de  e , o ministro foi febril
na tentativa de implantação de atividades reformadoras a m de consolidar
o seu projeto político de um novo império, que fosse capaz de evitar as
explosões revolucionárias no Brasil. Ao defender tenazmente a aliança com
 Para uma análise mais detalhada sobre a Gazeta do Rio de Janeiro ver: MEIRELLES,
Juliana Gesuelli, Imprensa e poder na corte joanina: A Gazeta do Rio de Janeiro.
Ed. Arquivo Nacional: Rio de Janeiro, ; CARDOSO, Tereza Maria Rolo Fachada
Levy. A Gazeta do Rio de janeiro: subsídios para uma história da cidade (1808-1821),
Dissertação de Mestrado, U FRJ, RJ,  e SILVA, Maria Beatr iz Nizza da, Gazeta do Rio
de Janeiro (1808-1822): Cultura e Sociedade: Rio de Janeiro: Eduerj, .

os ingleses, acreditava primar pela alta consideração de Portugal entre as
nações europeias o que, para ele, garantiria também a unidade do vasto
império colonial, já abalada pelos ventos das novas ideias revolucionárias.
“Construir uma unidade nacional luso-brasileira era a ideia central da nova
política proposta pelo ministro, demonstrando o quanto o governo ilustrado
estava atento às questões cruciais daquele momento vivido, explicita a
historiadora Maria de Lourdes Viana Lyra (: ).
Sua morte súbita, em janeiro de , gerou uma onda de boatos pela
cidade do Rio de Janeiro. Ainda segundo Lyra, esta situação bem demonstrava
o clima de tensão gerada entre os distintos grupos envolvidos diretamente
no processo de implementação do projeto de um novo império lusitano
com sede no Brasil” (Lyra, : ), cujas divergências políticas giravam
em torno da defesa de ideais antagônicos: os interesses nacionais, entre
portugueses que defendiam os interesses do Reino e a parte de um grupo
ilustrado, que defendia a preeminência do Brasil no cenário nacional. Tal
foi a importância de D. Rodrigo que, em  de janeiro de , era publicada
uma pequena biograa do ministro nas páginas da gazeta ocial. A retórica
laudatória do redator o considerava uma das guras mais importantes do
governo, “um dos mais rmes esteios da monarquia portuguesa” que muito
contribuíra para “o aumento e prosperidade da Nação.

(Fonte: Gazeta do Rio de Janeiro,  de Novembro de , n., p.)
Apesar das controvérsias políticas no âmbito imperial, a preponderância
do intendente da polícia – no aspecto local – fazia-se presente em múltiplos
aspectos no governo joanino: das diversas ocorrências da vida cotidiana
às decisões referentes à política imigratória, Viana mantinha um canal de
comunicação direta com D. João, que o encontrava três vezes por semana a
m de ter ciência de tudo o que se passava na cidade. A maioria das pessoas
o considerava uma autoridade terrível, já que a sua gura repressora tinha
o aval e a conança do monarca. Ao deixar o cargo de intendente em ,
 BNRJ. MORÃES, Alexandre José de Melo, Dados sobre a chegada ao Rio de Janeiro

Viana se vangloriava de seus feitos, ressaltando os benefícios que trouxera
para o processo de urbanização do Rio.
Aterrei imensos pântanos da cidade com que se tornou mais sadia
(...), z calçada na rua do Sabão e de S. Pedro, na Cidade Nova: na R. dos
Inválidos (...) z o cais do Valongo (...) Por não haver na cidade abundância
d’água para o uso público consegui (...) conduzir água até para beber em
uma légua de distância... ‘criei’ e fui sempre aumentando a iluminação da
cidade” (Viana, : -.)
Um mês depois da criação da Intendência da Polícia – que marcava sua
centralidade dentre as instituições diretamente relacionadas à vida cotidiana
–, dom João implantava a primeira tipograa na Colônia, denominada de
Impressão Régia. O decreto que ocializava a publicação de papéis públicos
e particulares, em  de maio de , era produzido nos moldes retóricos
do Antigo Regime português:
da Família Real, problemas de habitação para a comitiva, vida social e política, hábitos
da família real, volta para Portugal, falecimento de D, João VI e Pedro I como impe-
rador, S.l, s.d, Original (transcrição feita por Cecília Coelho, maio de ). Divisão de
Manuscritos, II-, , ,.

A data que institucionalizava o nascimento da palavra impressa no Brasil
não foi, de forma alguma, uma escolha aleatória; ao contrário, o decreto era
publicado exatamente no dia do aniversário de dom João, um dia muito
signicativo no calendário da realeza. Marcar as medidas estatais nas datas
natalícias da família real também fazia parte da política absolutista, pois
o “controle do tempo era fundamental para perpetuar uma memória das
ações do Rei e dar legitimidade ao seu poder”, arma o historiador Emílio
Lopes (: ).
Em  de junho de , pouco mais de um mês depois da publicação do
decreto real de  de maio, era divulgado um regimento que delimitava ainda
mais as funções da junta administrativa da Impressão Régia e do intendente
da polícia Paulo Fernandes Viana diante da produção e circulação de papéis
públicos e privados. Dizia o documento que competia aos diretores da
tipograa “examinar os papéis e livros que se mandassem publicar e scalizar
para que nada se imprimisse contra a religião, a moral e os bons costumes”,
tendo o intendente da polícia total autorização para prender aqueles que
transgredissem a “segurança pública, ao veicularem escritos impressos ou
manuscritos que fossem considerados sediciosos pelos censores da realeza,
sobretudo aqueles cujas ideias fossem contrárias ao governo. Quem ousasse
ultrapassar esse limite estava sujeito a pagar uma multa de duzentos mil
réis, que poderia ser cobrada mesmo que o acusado não estivesse ciente
da acusação, já que a polícia admitia e incentivava denúncias em segredo.
Peça-chave no processo de comunicação interatlântica, intimamente
associado à veiculação da propaganda do Estado e, consequentemente, à
sustentação do Império Português nos dois lados do Atlântico, a Impressão
Regia tinha numerosas funções que extrapolavam a impressão exclusiva
de todos os papéis ministeriais e diplomáticos do serviço real de todas
as repartições. Ficava sob a sua responsabilidade também imprimir as
obras de particulares, tanto quanto produzir e fazer circular a Gazeta do
Rio de Janeiro. Mesmo sob constante atuação da censura, como editora a
Impressão Régia publicou até  muitos livros de amplo valor cultural.
Nesse período, foram impressos  títulos que versavam sobre diversas
temáticas: opúsculos, sermões, prospectos, obras literárias e cientícas
 Sobre a importância da Gazeta do Rio de Janeiro, ver: CAMARGO, Ana Maria de
Almeida e MORAES, Rubens Borba de, Bibliograa da Impre ssão Régia do Rio de
Janeiro, Edusp, São Paulo, . MEIRELLES, Juliana Gesuelli, Imprensa e poder na
corte joanina: A Gazeta do Rio de Janeiro.Ed. Arquivo Nacional: Rio de Janeiro, .,
CAR DOSO, Tere za Maria Rolo Facha da Levy, A Gazeta d o Rio de janeiro: subsídios para
uma história da cidade (1808-1821), Dissertação de Mestrado, UFRJ, RJ,  e SILVA,
Maria Beatri z Nizza da, Gazeta do Rio de Janeiro (1808-1822): Cult ura e Sociedade: Rio
de Janeiro: Eduerj, .

sobre matemática, história, ciência política, economia e losoa, teatro,
romances, dramas, entre outros. Já em relação à documentação ocial, no
mesmo período foram contabilizadas . publicações (Schwarcz, : ).
Os censores régios eram personagens importantes nesse processo de
comunicação que cotidianamente delineava a nova sociabilidade da Corte.
Escolhidos a dedo entre os membros da elite, foram nomeados  homens
da órbita seleta da família real. Entre os anos de  e , sete exerciam o
sacerdócio, quase todos tendo alcançado posição de destaque. Quanto aos
leigos, todos eram formados pela Universidade de Coimbra. Dentre eles,
um era membro dos Reais Exércitos; dois eram médicos; e três, advogados.
Posteriormente, alcançaram títulos de nobreza ou, pelo menos, mercês de
ordens militares (Silva, : ). Na dinâmica da vida social, ao ocuparem
cargos públicos cuja função era, antes de tudo, scalizar o bom andamento
da “ordem, esses leais servidores da monarquia conquistavam status e
prestígio, valores que dignicavam os indivíduos em uma sociedade de corte
concebida pela ótica do Estado absolutista, na qual todos eram naturalmente
desiguais perante a lei. As obras de responsabilidade desses homens eram
encaminhadas para a Mesa do Desembargo do Paço – organismo censor no
Brasil responsável por expedir todas as licenças de circulação/proibição das
obras literárias que chegavam à alfândega –, a m de que eles analisassem
o conteúdo considerado pertinente ou não à leitura em sociedade.
Essa atividade, contudo, era altamente complexa. A liberação de uma
obra nem sempre transcorria de forma cristalina, sendo a “ausência de
procedimentos isentos e de normas claras, tanto dos que exerciam a censura,
quanto dos interessados na liberação das listas” um fator intrínseco à prática
da censura (Algranti, : ). Os censores tinham em suas mãos uma
enorme gama de títulos e autores, o que tornava praticamente impossível o
conhecimento do conteúdo de todas as obras. Nesse sentido, esses homens
ilustrados exerciam a censura baseados mais em seus saberes particulares
e em consonância com os valores políticos e religiosos da época do que
em critérios previamente denidos. “Assim, a falta de critérios claros, a
diculdade de acesso aos róis de livros proibidos e as listas mal elaboradas
desencadeavam não apenas dúvidas, mas também desavenças e disputas
entre os homens de conança do monarca, elucida Leila Algranti (: ).
Com o advento da tipograa na Colônia, portanto, há uma crescente
variedade de gêneros e títulos, inclusive com um aumento signicativo do
interesse dos leitores pelas ideias dos lósofos iluministas, como Voltaire,
Rousseau e Montesquieu. Apesar da curiosidade, as obras mais famosas
eram consideradas “sediciosas” pelos censores de dom João que vedavam
constantemente a sua circulação. “O Sistema da Natureza, de Holbach,
best seller entre as obras proibidas na França nessa época, parece também

ter sido desejado pelos leitores da Colônia, pois os livreiros estrangeiros
e portugueses tentavam introduzi-lo com frequência no país” (Algranti,
: ). Inserido nesse complexo movimento, há o orescimento do
romance como gênero literário, fato que contribuiu tanto para a mudança
de sensibilidade dos leitores como para uma estruturação do mercado
editorial no Brasil, nas primeiras décadas do século XIX.
Se, por um lado, os censores tinham especial atenção na entrada dos
livros proibidos, a exemplo das obras francesas, com destaque para Émile, de
Rousseau, Historie philosophique, do abade Raynal e Os direitos do Cidadão,
de Mably, por outro também escolhiam e incentivavam a produção de
livros muito procurados ou populares à época, como os  volumes de A
sagrada Bíblia, traduzida em português pelo padre Antonio Pereira, ao
preço de  mil réis, vendida na loja de Paulo Martin Filho (Gazeta do
Rio de Janeiro, , N° ), a nova edição em prosa da Carta de Heloísa á
Abelardo; vendida por  réis nas lojas de Manoel Joaquim da Silva Porto
e na Gazeta (Gazeta do Rio de Janeiro, , N° ) e também o Índice da ª
parte das Preleções Filosócas, de Silvestre Pinheiro Ferreira, dispostas em
ordem alfabética, vendido nas lojas de livros de Francisco Luis Saturnino,
onde podiam ser facilmente comprados nas casas livreiras da cidade (Gazeta
do Rio de Janeiro, , N° ).
Com o passar do tempo, o anúncio das obras que saíam a público na
cidade se tornou parte da política editorial dos diretores da Gazeta do Rio
de Janeiro, que os inseriam na seção denominada Avis o s . Da mesma forma
que os editores utilizavam esse espaço para divulgar os livros produzidos
pela tipograa real, também a sociedade fez desse espaço um locus ativo
de interação social. Ao anunciarem seus interesses particulares na Gazeta
do Rio de Janeiro a partir de narrações ou relatos do cotidiano, as pessoas
transmitiam suas impressões coletivas no jornal de modo a conquistarem
suas vozes que, pouco a pouco, tornavam-se públicas.
Desde , a educação foi um tema de destaque na sociedade joanina:
na seção de Avisos da Gazeta, muitas pessoas ofereciam seus préstimos
educacionais. Das aulas particulares de alfabetização ao conhecimento da
gramática das línguas portuguesa, francesa, inglesa, latina, perpassando a
fundação de colégios exclusivos para moços ou meninas, vemos o quanto a
preocupação com o enriquecimento cultural se tornava presente no cotidiano
dessa sociedade, agora imersa nas mudanças culturais ocorridas na Corte.
Em , o professor de primeiras letras Jordão Reinaldo, chegado
como sua família de Lisboa, convidava as pessoas a fazer parte de suas aulas
que, segundo ele, ensinariam “tudo o que é preciso para ser um bom hábil
negociante e um útil cidadão. As aulas aconteceriam na rua dos pescadores,
na casa do coronel Manoel Caetano Pinto (Gazeta do Rio de Janeiro, ,

N° ). Ainda em , um senhor de nome Lírio fundava um colégio de
educação pública, no Catete, “onde solidamente se ensinam todas (sic) as
ciências com o método mais fácil [e] novo. O local propunha-se a ensinar
em pouco tempo as “melhores conveniências para a instrução de qualquer
menino bem nascido”, que teria a sua disposição um extenso plano acerca
da solidez da casa, sob a direção de um reitor (Gazeta do Rio de Janeiro,
, N° ).
A prática da escrita e leitura também fez parte dos interesses da
população. Escrever com maior agilidade por meio do aprendizado da
“Stenographia Portuguesa (sic), ou arte de escrever com a rapidez da palavra,
foi um serviço que certamente despertou interesse de muita gente. Segundo
o professor, tal prática era uma convenção adotada em todos os idiomas
e que poderia trazer muitas vantagens para a interiorização da língua e
gramática (Gazeta do Rio de Janeiro, , N° ). Outro aviso inusitado foi
a venda de uma livraria especializada em obras jurídicas, consideradas pelo
anunciante próprias e muito úteis para qualquer advogado ou magistrado
(Gazeta do Rio de Janeiro, , N° ).
Os constantes anúncios literários e as vendas de livros, folhetos e
impressos publicados na Gazeta do Rio de Janeiro nos revelam as possíveis
preferências do público leitor/consumidor da época que estava em
consonância com a tradição literária herdada desde nais do século XVIII,
como as belas letras, teologia, ciências e arte, história e jurisprudência.
O enraizamento do hábito da leitura, assim como as novas formas de
educação nascentes, seja em âmbito público ou privado, marc am o signicativo
processo de transição cultural pela qual passava a sociedade joanina no
início do Oitocentos. Nessa passagem, pode-se vericar o hibridismo nas
formas de leitura que mesclavam as características predominantes no Antigo
Regime – como as exposições de cartazes impressos ou manuscritos nas
ruas e as leituras coletivas feitas geralmente em voz alta – e a formação de
um novo espaço público, cujo centro será a imprensa compreendida como
uma arena de debates já intimamente associada a uma prática de leitura
individual feita em ambientes privados. Essa mudança é tão expressiva que,
ao nal do período joanino, a sociedade já manifestava suas potencialidades
de leitura crítica da realidade também na esfera política.
I     C
A força dessas transformações estava vinculada também à reestruturação
do espaço público imposto pela monarquia portuguesa por meio da criação
de estabelecimentos régios de caráter eminentemente político e cultural. Em

, foram criados o Jardim Botânico, a Academia Real da Marinha e a
Impressão Régia, juntamente com os demais setores político-administrativos
importantes referentes à atuação do Estado, como a polícia, a justiça, a
fazenda e a área militar (Schwarcz, : ). A Casa de Suplicação, o
Desembargo do Paço e a Mesa de Consciência e Ordens também foram
instituições judiciais que se sobrepuseram à antiga estrutura colonial, atos
que marcavam a centralidade do Rio de Janeiro como a nova capital do
Império Português.
A criação do Jardim de Aclimatação (futuro Jardim Botânico), em 
de junho de , foi um momento sui generis na constituição de um espaço
público voltado para o cultivo das ciências naturais. Destinado ao cultivo de
plantas exóticas, esse jardim cou sob a responsabilidade de João Gomes da
Silveira Mendonça. A partir de então foram feitos estudos para determinar
as propriedades úteis das numerosas plantas que adentravam ao território.
O intuito era a aplicação prática desses novos cultivos, culturas e plantações
que criaram raízes na cultura brasileira pela iniciativa do Príncipe Regente.
Com o interesse de multiplicar o alcance do comércio pela fabricação de
substâncias úteis, introduziu-se no Rio árvores de especiarias como canela,
cravo, pimenta, noz-moscada, além do plantio de chá que, vindo diretamente
da China, teve cuidados especiais do monarca.
Em  de julho de , o redator da Corte fazia um comentário
muito curioso na seção Rio de Janeiro, a parte opinativa da folha. O tema
contemplado foi a chegada de plantas exóticas e medicinais no Brasil, vindas
da cidade de Caiena, na Guiana Francesa. Dizia o escrito que as novas plantas
podiam ser cultivadas pelos lavradores que se interessassem em plantar
novos gêneros, considerados muito úteis para o aumento das riquezas do
Brasil. O curioso dessa passagem é que o redator não perdeu a oportunidade
para utilizar o espaço com o intuito de “informar” os leitores do periódico
sobre a situação política da região de Caiena, que já não mais estava sob as
rédeas do “monstro” Bonaparte, assim como exaltava as atitudes “paternais”
de D. João.

(Gazeta do Rio de Janeiro,  de julho de , N. )
Entre  e , os anos das guerras napoleônicas, a Coroa praticou
uma política baseada em um rígido controle sobre a entrada de estrangeiros,
sobretudo de origem francesa e espanhola. Diante dessa conjuntura, a atenção

e atuação dos censores estavam voltadas para proibir a circulação de obras
de origem francesa, consideradas “sediciosas”, razão que muito estimulou
a Imprensa Régia a publicar numerosos livros, folhetos e panetos políticos
de caráter antinapoleônico, como o Manifesto da razão contra as usurpações
francesas, publicado em , Memórias em que se examina qual seria o
Estado de Portugal se por desgraça os franceses o chegassem a dominar, A
verdadeira vida de Bonaparte, ambos de .
Além disso, os diretores da Gazeta praticaram um nítido processo de
edição das notícias francesas, cuja linha editorial não só exaltava a gura
de Napoleão como o Anticristo, como também ressaltava publicamente
as desconanças das informações editadas em periódicos franceses, como
aconteceu em dezembro de , ainda em meio aos conturbados ventos
da guerra peninsular. Ao anunciar as notícias da guerra pela ótica francesa,
o redator comentava com seus leitores:
(...) daremos alguns extratos dos jornais de França bem próprios para mais
e mais nos convencermos do pouco, ou nenhum crédito que merecem as
notícias que nos vem por tão má parte. Como é possível faltar a verdade
com tanto descaramento? Persuadir-se-ão por ventura aqueles noveleiros,
que ainda podem atormentar a Europa com fantásticos e pomposos contos?
Felizmente para ela, já lá vai o lamentável tempo de prestígios! (Gazeta do
Rio de Janeiro, , N. )
Já a partir de , com o m do apogeu napoleônico, Portugal e França
reatavam as relações comercias. Há então uma visível mudança de enfoque em
relação tanto às notícias de origem francesa veiculadas na folha ocial quanto
à política cultural da Coroa no universo luso-brasileiro (Meirelles, :
-). A vinda da Missão Francesa para o Brasil, por exemplo, representava
os aspectos “louváveis ou desejáveis” dos valores que a civilização francesa
representava de positivo nas relações entre os povos europeus. Pouco depois
da chegada da Missão Artística, em meados de , o governo criou a
Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, um projeto que, apesar de não
ter se consolidado, estava em consonância com a nova política cultural da
Coroa. Dois anos depois, em , era fundado o Museu Real que, sob a
direção do Frei José Batista da Costa Azevedo, franciscano e professor de
botânica e zoologia da Academia Real Militar, tinha como objetivo estimular
os estudos de botânica e zoologia no local. Mesmo não possuindo um rico
acervo, dom João in persona doou uma coleção particular “composta de
 Atualmente há uma discussão importante na historiograa se realmente houve um
projeto cultural acerca da vinda da Missão Francesa para o Brasil. Maiores informações
ver Schwarcz ().

peças de arte, gravuras, objetos de mineralogia, artefatos indígenas, animais
empalhados e produtos naturais” (Schwarcz, : -). O Museu
também foi concebido como um local onde a memória da nobreza portuguesa
se perpetuaria ao longo das gerações (Malerba, : ).
Quanto ao cuidado das nanças, a preocupação também foi visível. A
fundação do Banco do Brasil, em , sinalizava o nascimento de novos
tempos: a força de um banco nacional dava à Colônia um novo status político
e econômico não só dentro dos limites imperais da monarquia portuguesa,
mas também diante dos comerciantes internacionais, especialmente europeus
e norte-americanos. Desde o alvará de  de janeiro de , que decretava
a abertura dos portos às nações amigas, o Brasil vivenciava na prática uma
nova realidade: a decisão rompia denitivamente com o Pacto Colonial ou
Exclusivismo Metropolitano, já que a lei permitia a importação de gêneros
e mercadorias estrangeiros, sobretudo das potências que mantinham boas
relações com a Coroa Portuguesa, notadamente a Inglaterra.
Criação do Banco do Brasil.
Alvará do Príncipe Dom João ( out. )
Eu, o Príncipe Regente,
Faço saber aos que este meu Alvará com força de lei virem que, atendendo
a não permitirem as atuais circunstâncias do Estado, que o meu Real Erário
possa realizar os fundos de que depende a manutenção da Monarquia, e o bem
comum dos meus éis vassalos, sem as delongas que as diferentes partes, em
que se acham, fazem necessárias para a sua efetiva entrada: a que os bilhetes
dos direitos das Alfândegas tendo certos prazos nos seus pagamentos, ainda
que sejam de um crédito estabelecido, não são próprios para o pagamento de
soldos, ordenados, juros e pensões, que constituem os alimentos do corpo
político do Estado, os quais devem ser pagos nos seus vencimentos em moeda
corrente; e a que os obstáculos, que a falta de giro dos signos representativos
dos valores põem ao comércio, devem quanto antes ser removidos, animando
e promovendo as transações mercantis dos negociantes desta e das mais praças
dos meus domínios, e senhorio, com as estrangeiras: sou servido ordenar que
nesta Capital se estabeleça um banco público que, na forma dos estatutos que
com este baixam, assinados por Dom Fernando José, de Portugal, do meu
Conselho de Estado, Ministro Assistente ao Despacho do Gabinete, Presidente
do Real Erário e Secretário de Estado dos Negócios do Brasil, ponham em
ação os cômputos estagnados assim em gêneros comerciais, como em espécies
cunhadas; promova a indústria nacional pelo giro e combinação dos capitais

isolados, e facilite juntamente os meios e os recursos de que as minhas rendas
reais e as públicas necessitarem para ocorrer as despesas do Estado.
E querendo auxiliar um estabelecimento tão útil e necessário ao bem comum
e particular dos povos, que o Onipotente conou ao meu zelo e paternal
cuidado: determino que os saques dos fundos do meu Real Erário, e as
vendas dos gêneros privativos dos contratos, e administrações da minha real
fazenda, como são os diamantes, pau Brasil, o marm e urzela (sic), se façam
pela intervenção do referido Banco Nacional, vencendo sobre o seu líquido
produto a comissão de dois por cento, além do prêmio do rebate dos escritos
da Alfândega que em virtude do meu real Decreto de  de setembro do corrente
ano fui servido mandar praticar pelo Erário Régio, para ocorrer ao efetivo
pagamento das despesas de trato sucessivo da minha Coroa, que devem ser
feitas com espécies metálicas.
E atendendo à utilidade, que provém ao Estado, e ao comércio do manejo
seguro dos cabedais e fundos do referido Banco; ordeno que, logo que ele
principiar as suas operações, se haja por extinto o cofre de depósito que havia
nesta cidade a cargo da Câmara dela, e determino que no sobredito Banco se
faça todo e qualquer depósito judicial ou extrajudicial de prata, ouro, jóias e
dinheiro; e que o competente conhecimento de Receita passado pelo Secretário
da Junta do Banco, e assinado pelo Administrador da competente Caixa, tenha
em juízo e fora dele todo o valor e crédito de efetivo e real depósito, para se
seguirem os termos que por minhas leis se não devem praticar sem aquela
cláusula, solenidade ou certeza; recebendo o sobredito Banco o mesmo prêmio
que no referido Depósito da Cidade se descontava às partes. E outrossim
sou servido mandar que os empréstimos a juros da lei, que pelo Cofre dos
órfãos e Administrações de Ordens Terceiras, e Irmandades se faziam até
agora a pessoas particulares da publicação deste Alvará, agora em diante se
façam unicamente ao referido Banco, que deverá pagar à vista nos prazos
convencionados os capitais, e nas épocas costumadas os juros competentes,
debaixo da hipoteca dos fundos da sua caixa de reserva; distratando (sic) desde
logo aqueles cofres as somas que tiverem em mãos particulares ao referido juro
para entrarem imediatamente com elas no sobredito Banco Público debaixo
das mesmas condições.
Em todos os pagamentos, que se fizerem à minha Real Fazenda, ser o
contemplado, e recebidos como dinheiro os bilhetes do dito Banco Público
pagáveis ao portador ou mostrador à vista; e da mesma forma se distribuirão
pelo Erário Régio nos pagamentos das Despesas do Estado.
(...)

E este se cumprirá como nele se contém. Pelo que mando à Mesa do Desembargo
do Paço, e da Consciência e Ordens, o Presidente do meu Real Erário e Conselho
de Fazenda; Regedor da Casa da Suplicação do Brasil, Governador da Relação
da Bahia, Governadores e Capitães-Generais e mais Governadores do Brasil
e dos meus domínios ultramarinos, e a todos os Ministros de Justiça e mais
pessoas a quem pertencer o conhecimento e execução deste Alvará, que o
cumpram e guardem, e façam inteiramente cumprir e guardar como nele se
contém, não obstante quaisquer leis, alvarás, regimentos, decretos ou ordens
em contrário, porque todos e todas hei por derrogados para este efeito somente,
como se deles zesse expresso e individual menção; cando aliás sempre em
seu vigor. E este valerá como carta passada pela Chancelaria, ainda que por
ela não há de passar, e que o seu efeito haja de durar mais de um ano, sem
embargo da ordenação em contrário; registrando-se em todos os lugares, onde
se costumam registrar semelhantes Alvarás.
Dado no Palácio do Rio de Janeiro,  de outubro de .
Príncipe
D. Fernando José, de Portugal
Alvará com força de lei, pelo qual Vossa Alteza Real há por bem criar um Banco
Nacional nesta Capital, para animar o comércio; promovendo os interesses
reais e públicos, na forma que nele se declara.
Para Vossa Alteza Real ver.
João Álvares de Miranda Varejão o fez.
Registrado nesta Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil no Livro , de
Decretos, Leis, Alvarás e Cartas Régias sobre Fazenda a fol. . Rio de Janeiro,
 de outubro de .
Em , foi criada a câmara de registros das Mercês e a Corporação
de Armas, dois espaços que organizavam ecazmente o nascimento de uma
classe nobre deste lado do Atlântico. “A concessão de graças honorícas,
como os títulos e os lugares das ordens militares e religiosas foi fartamente
utilizada pelos monarcas como capital simbólico fundamental para retribuir a
delidade de seus vassalos”, explica o historiador Jurandir Malerba (: ).
Os laços que aproximavam os súditos do Rei também eram
cotidianamente reforçados durante o Beija-mão. O ato de beijar a mão do
monarca era repleto de signicados políticos intrinsecamente associados à
lógica do Antigo Regime Português. Todos os dias, por volta das oito horas

da noite (exceto aos domingos e feriados), dom João recebia seus súditos
em uma sala especial no palácio de São Cristóvão, sua residência ocial.
O palácio de São Cristóvão, da Quinta da Boa Vista, foi uma doação
de Elias Antonio Lopes, um dos mais ricos negociantes do Rio. A alta
consideração desse vassalo para com a monarquia foi recompensada por
dom João, que graticou a sua generosa oferta com a sua nomeação como
comendador da Ordem de Cristo, Fidalgo da casa real e administrador da
mesma Quinta. As “subscrições voluntárias” dos vassalos portugueses e
uminenses também foram uma forma muito ecaz do Estado português
arrecadar grandes fortunas para a sustentação dos cofres públicos. Geralmente,
a generosidade desses súditos éis da Coroa tinha uma meta muito bem
traçada: conquistar as graças de dom João, um status muito caro a uma
sociedade de corte cujos valores como honra e prestígio eram fundamentais.
A cada doação, a visibilidade pública desses ricos negociantes – seja através
da publicação de seus nomes nos folhetos da secretaria dos negócios do
Reino, seja pelas páginas da Gazeta do Rio de Janeiro – era colocada diante
da possibilidade da conquista de novas mercês.
Durante o beija-mão, os trajes e as nobres qualidades eram essenciais.
Quem optasse por cumprir esse ritual tinha plena consciência de que vivia
em uma sociedade de corte rigidamente marcada por uma hierarquia dos
lugares sociais. Aqueles que não tivessem casta de dalguia aguardariam na
segunda sala enquanto os nobres vassalos beijavam as mãos do monarca na
sala principal, onde estavam presentes titulares e ministros reais. Tal era a
importância desse ritual para a sociedade de corte que duas vezes por semana
o ministro Tomás Antonio Vilanova Portugal recebia os pedidos das mercês.
 BNRJ. Relação das festas que se zeram no Rio de Janeiro, quando o príncipe Regente
N.S e toda a sua família chegarão pela primeira vez áquella capital. Ajuntando-se al-
gumas partic ularidades igualmemte curiosas, e que dizem respeito ao mesmo objeto.
Lisboa, Impressão Régia, , p.. Seção de Obras Raras, [,,].


Logo nas primeiras edições da Gazeta, em , era publicada a
subscrição e os valores doados pelos vassalos da Coroa em prol do socorro
dos súditos portugueses que caram no Reino à sorte dos franceses. Esses
mesmos vassalos eram aqueles que cortejavam dom João cotidianamente à
espera de benesses e também aqueles que patrocinavam os projetos culturais
da monarquia nesse lado do Atlântico.
O caso da construção do Teatro de São João é emblemático. Os
comerciantes de grosso trato do Rio se mobilizaram a m de angariar
fundos para que a capital do Império tivesse uma casa de espetáculos à
sua altura. Para o sucesso do empreendimento, criaram um sistema de
loteria – uma contribuição fundamental dos vassalos de dom João para
a construção e sucesso do espaço – que cava sob a responsabilidade de
Fernando Carneiro Leão, proeminente negociante que neste caso respondia
pelas contas e pelos prêmios.
(Gazeta do Rio de Janeiro,  de novembro de , n.)
O Teatro São João, inaugurado em , substituía a Casa de Ópera da
cidade e foi um empreendimento amplamente noticiado na Gazeta do Rio
de Janeiro, que informava sobre as datas do pagamento das loterias. Sob a
direção do músico e mestre de empresas teatrais Bernardo José de Sousa
e Queiroz, a peça O juramento do numes – de autoria de Gastão Fausto
da Camara Coutinho – inaugurava as atividades que ocorreriam a partir
de então no teatro. A peça exaltava a bravura do povo português, ainda
imerso nas complexas consequências das guerras napoleônicas. A cena
nal retratava o tempo de heroísmo desse povo que jurava delidade ao
Príncipe, cujo retrato aparecia ao fundo do palco.

Perante a vossa Efígie augusta e sacra
Vasto Soberano de Nações diversas,
Cujo braço ostentoso alcança, e rege
Os hemisférios dois com as rédeas fulvas;
Perante a vossa Efígie e sobre as aras
Onde o eterno fulgor as nuvens doura
Juramos pelo escuro Estigio lago,
Nós, do grão Rei dos Reis, família e sangue
Que os Povos de Ulisses esclarecidos
Inquietados serão, mas não vencidos.
(apud Malerba, : ).
A partir de , portanto, o gosto do Príncipe Regente pelas
representações cênicas foi sendo popularizado e, aos poucos, tornou-se
acessível a muita gente: peças teatrais, concertos musicais e uma ampla
gama de produções artísticas encenadas por artistas europeus acabavam
por englobar a sociedade uminense, agora em estreito contato com valores
civilizados”. Como bem observou Jurandir Malerba, havia uma continuidade
entre o palco, o púlpito, a rua e o palácio real, uma vez que os mesmos
símbolos circulavam por toda a cidade (Malerba, : ).
Obviamente que o Teatro São João foi um espaço concebido para o
divertimento das classes abastadas intelectual e nanceiramente: por lá
convergiam homens e mulheres da nobreza portuguesa, assim como os
ricos comerciantes cariocas e suas famílias. Aos escravos e aos homens
livres pobres, o ingresso à nova arena de encenações no campo da arte e
da política ainda era um sonho a ser conquistado. Porém, a despeito das
etiquetas e hierarquias da corte, intrínsecas ao Antigo Regime, o fato é
que o teatro já nascia como um ponto de reunião mundana que permitia
a crítica dos costumes pela evocação de múltiplas vozes.
A consolidação desse espaço foi tão forte que a partir de , sobretudo
durante o processo de Independência, já era nítida a teatralização da política
nos palcos. “Sem ser lugar de deliberação das autoridades, nem ponto
predenido para encontros políticos, a sala de espetáculos foi tornando-
se um canal da expressão de diferentes vontades coletivas. Muitas vezes
indiferentes à peça teatral representada, os espectadores podiam chamar
mais atenção do que os atores no palco, esclarece-nos o historiador Marco
Morel (: ).
Ainda em , foi criada a Escola Cirúrgica e, no ano seguinte, era
aberta ao público a Real Biblioteca. Ao institucionalizar o acesso à leitura e a
um amplo universo cultural vigente no Velho Mundo, também a biblioteca
inaugurava novos hábitos e práticas culturais. Mapas, canetas de pena,

tinteiros, estantes recheadas de livros, papelarias passavam a fazer parte
do cotidiano das pessoas. O conhecimento de um novo universo ao alcance
das mãos trazia consigo a possibilidade das ideias de sedição no campo
da política. O raiar desse espaço público fazia agora parte de um mundo
que transcendia o rigor que a proibição das leis e a atuação dos censores
poderiam prever.
Nesse cenário, Silvestre Pinheiro Ferreira redigiu um compêndio
publicado entre  e . Sob o título de Preleções Philosophicas, os
escritos do Ferreira (um dos principais conselheiros de dom João no Brasil,
além de diretor da Gazeta do Rio de Janeiro e ministro régio) difundiam a
importância dada à retórica, concebida como um instrumento cotidiano
de argumentação e convencimento. Os interessados em estudar as Preleções
tinham a oportunidade de cursar as aulas de Ferreira, ministradas no Real
Colégio São Joaquim. O início e conteúdo das aulas foram difundidos na
seção de avisos da Gazeta.
(Gazeta do Rio de Janeiro,  de Abril de , n. )
As Preleções evidenciam um importante avanço no enraizamento da
cultura erudita no Brasil, não só pelo fato de disseminar um conhecimento
mais teórico acerca de novas possibilidades de estrutura de pensamento
losóco, mas justamente porque foi produzida por um dos pensadores
portuguêses de maior destaque do século XIX, segundo a ótica do escritor
e historiador português Alexandre Herculano (: -).
Além dessas instituições de grande importância cientíca e cultural,
vemos ainda o orescimento de outras iniciativas reais que muito contribuíram
para o debate de ideias no espaço público no período. Manuel Ferreira
de Araújo Guimarães, homem de letras de grande expressão do Império
Português, lançava, em , o primeiro jornal literário, O Patriota, que
circulou até ns de . Os artigos de caráter cientíco e literário, publicados
no jornal, tinham como intuito formar os leitores de uma maneira geral,
além de serem direcionados especicamente para agricultores, homens de
ciência e escritores.

Os subscritores e leitores do jornal eram pessoas ilustríssimas da Corte.
Se da realeza contam entre os assinantes a princesa Carlota Joaquina e a
Infanta d. Maria Isabel, da nobreza pululavam os nomes de grande destaque
nos círculos da órbita monárquica, como os barões de São Lourenço e
do Rio Seco, os condes dos Arcos, de Bel Monte, Galvêas, os marqueses
de Borbas e de Torres Novas, entre tantas outras personalidades da alta
nobreza joanina. Mas como bem nos alerta o historiador Marco Morel, o
que estava em jogo era a consolidação de uma camada de homens de letras.
Como leitores, esses sujeitos davam um passo à frente na formação de um
público privilegiado de redatores ou de escritores públicos, como se dizia na
época. “Sábios", "literatos", “ilustrados”, “esclarecidos” se colocavam como
agentes mesmo sem a legitimidade de se constituírem como força moral e
crítica para interferirem nos negócios públicos. Nesse princípio do século
XIX, tal posição era uma espécie de nostalgia da República das Letras que
brilhara no século anterior, mas acenava para um plano efetivo de relações
naquela sociedade” arma Morel (: ). Pelas páginas de O Patriota, esses
ilustrados reetiam sobre os novos (e múltiplos) sentidos da Pátria que nascia
nas duas margens do Atlântico luso-brasileiro, concebida também como
um lócus de discussão e prática de novas posturas singulares inseridas sob
a perspectiva do Iluminismo luso-americano, imerso no universo imperial
português (Kury, : -). No prospecto do jornal, Araújo destacava
o diálogo cultural com a Europa, a nova ordem que desejava constituir no
espaço público. A produção do jornal e a cooperação da sociedade nesse
projeto, arma o editor, “nos vingar[ão] da acusação de ineptos, que nos
fazem autores estrangeiros, e por desgraça alguns nacionais.
Se, por um lado, todas essas iniciativas e transformações também
apareciam no comportamento político da sociedade joanina que, desde
a chegada da corte, tinha um amplo universo cultural ao seu alcance; por
outro, a estruturação e funcionamento dessas instituições régias estavam
estreitamente vinculados a um projeto político administrativo do Império
Português, cujas raízes remontam aos debates do século XVI. Para além
 Ferreira. BNRJ, OR/ DOC , B.
 Para o debat e historiogr áco sobre ess e tema, consu ltar, entre outros: PON DÉ, Francis co
de Paula e Azevedo, “D João VI e a emancipação intelectual do Brasil”, in Revista do
Instituto Histórico e Geog ráco, Rio de Janeiro, tomo , , p.. LIMA, Oliveira,
Dom João VI no Brasil, ª ed., Topbooks, . ALEXANDRE, Valentim, Os sentidos
do Império: questão nacional e questão colonial na Crise do Antigo Regime Português,
Edições Afrontamento, Lisboa, ; LYRA, Maria de Lourdes Viana. A utopia do pode-
roso império: Portugal e Brasil:bastidores da política (1798-1822), Rio de Janeiro, Sete
Letras, . MAXW ELL, Ken neth, Pombal: paradox of the enlightenment, Cambridge
Universit y Press, Cambrid ge, 1995. BITTENCOU RT, José Ne ves, “Ilumina ndo a Colônia
para a Corte: o museu real e a Missão Francesa como marcos exemplares da política de

desse propósito, a real transladação da monarquia no início do século XIX
também desejava atingir metas culturais mais amplas sob a perspectiva de
um “projeto civilizatório” que visava à ocidentalização da América Portuguesa.
A tônica seria a importação de padrões civilizatórios europeus como uma
tentativa de inserir essa parte do mundo no Ocidente, sendo o Rio de Janeiro
transformado em um autêntico laboratório de civilização sob a perspectiva
de uma Europa possível (Santos, : -).
administração portuguesa no Brasil”, in Seminário Internacional Dom JoãoVI: um rei
aclamado na América, Rio de Janeiro, Museu Histórico Nacional, , p. -.

II.
S    R  J 
A nova sociabilidade vigente na Corte, assim como os conflitos
decorridos dessas transformações na organização do espaço público, aparecia
nos múltiplos universos dos atores sociais. Das novas práticas alimentares
às múltiplas formas do convívio entre o universo escravo e a sociedade de
corte que se formava nos trópicos as mudanças são visíveis.
A       
Durante todo o período em que a corte esteve por nossas terras, a
alimentação foi uma temática de muita relevância para a população da cidade
do Rio de Janeiro. Nos anúncios publicados na Gazeta encontramos uma
variedade enorme de venda de alimentos: fosse os importados da Europa
ou aqueles produzidos no Brasil, o fato é que, com a ampliação do universo
culinário, surgiam novos hábitos culturais que delinearam, ao longo dos
anos, novas formas de sociabilidade à mesa.
Preços de Mercadorias no Rio, início do Século XIX
(Fonte: SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Livro e Sociedade no Rio de Janeiro (-).
Separata da Revista de História, n.º, São Paulo, .)
Em  de dezembro de , por exemplo, eram publicados no jornal os
diversos produtos alimentícios que podiam ser encontrados na loja de Luís
Zoveti e Cia., na rua do Ouvidor, n. . Mostarda, conservas inglesas ditas

de “qualidade”, molhos para peixe, azeite engarrafado vindo de Florença,
diferentes vinhos estrangeiros, frutas em aguardente, chás, doces e chocolates
eram gêneros anunciados pelo proprietário do estabelecimento. A venda
de produtos exóticos também já fazia parte do cotidiano da população.
Em novembro de , a Gazeta anunciava a venda de tâmara, fruta até
então desconhecida no Brasil e que tinha grande estima nas mesas de
sobremesas europeias.
O contato cada vez maior com a cultura europeia também estimulava
um novo hábito na Corte: difundia-se o costume de almoçar fora de casa,
nas denominadas casas de pasto, que serviam diariamente diferentes
cardápios pré-estabelecidos com preços também já previamente xados pelo
comerciante. Tais mudanças na prática incentivam a procura por cozinheiros,
um ofício bem remunerado. Em , “um cozinheiro que soubesse trabalhar
de caçarolas e massas ganharia por mês  réis, mais do que muitos
letrados obtinham em suas aulas”, elucida a historiadora Maria Beatriz Nizza
da Silva (: ). A sobremesa teve seu espaço garantido. Em julho de ,
Vicente Ferreira, o ilustre chocolateiro da princesa Carlota Joaquina, abria
uma fábrica de chocolate na rua do Ouvidor, n. . Para além da venda de
todas as qualidades de chocolate, a loja vendia ainda extratos de manteiga
de cacau para a produção de outros doces (Gazeta do Rio de Janeiro, ,
N° ). A diversidade e a quantidade dos gêneros que foram importados
nos Reinos de Portugal e Brasil durante  foram tema de destaque da
folha ocial, tamanha era a preponderância do comércio interatlântico de
alimentos dentro dos limites do Império Português.
“O comércio ambulante, estimulado pelas feiras livres e as negras
quitandeiras, aparecia como modo de abastecimento fundamental nesse
período, permitindo enxergar outros alimentos que compunham um rico
cenário alimentar (...) Tratava-se, de certa forma, de uma alimentação
baseada em tudo o que a terra podia oferecer, embora já adaptada e
reelaborada de acordo com os diversos paladares que por ali conviviam,
analisa a antropóloga Paula Pinto e Silva (: ). As transformações na
vida cotidiana da Corte chegavam para car.

(Fonte: Gazeta do Rio de Janeiro,  de julho de , n..)

O   “”:   ,    
 
Paralelamente à formação desses espaços culturais que garantiam um
novo locus de sociabilidade, o cotidiano da Corte também era marcado por
tensões e conitos sociais que permeavam a vida dos escravos, que viviam
a complexa realidade de habitarem na cidade sob a escravidão urbana.
Ser escravo ou escrava nos centros urbanos do Brasil no raiar do século
XIX signicava viver sob a forma de ganho, prática que lhes conferiam
uma importante – mas relativa – mobilidade pela cidade. O trabalho sob a
condição de ganho era exercido cotidianamente e não tinha a interferência
explícita do senhor: este recebia ao nal do dia ou do tempo xado a quantia
por ele previamente estabelecida.
No dia a dia, ao disporem provisoriamente de sua força de trabalho, os
escravos desempenhavam diversas funções, tais como ama de leite, jornaleiro,
sapateiro, doceiro, padeiro, cozinheiro, vendedor ambulante, marceneiro,
carpinteiro etc., que eram comumente comercializadas na cidade por aqueles
que detinham o seu pátrio poder. Não raro, os proprietários descreviam as
qualidades” de seus escravos quando desejavam vendê-los rapidamente. Em
, por exemplo, era anunciada a venda de um cativo dito bom barqueiro e
canoeiro com amplas habilidades para marinheiro, que não continha vícios,
defeitos físicos ou doenças (Gazeta do Rio de Janeiro, , N° ). Escravas
cozinheiras, engomadeiras, costureiras e amas de leite também adquiriam
grande valor no mercado, já que tinham todos os dotes necessários para
realizarem o bom serviço de uma casa (Gazeta do Rio de Janeiro, ,
N° ). Mas independente de praticarem um trabalho especializado, os
escravos urbanos – na maioria das vezes - passavam o dia longe das vistas
do senhor. “[Essa situação lhes] permitia também um maior contato com
os demais grupos da sociedade, o que lhes facilitava estarem continuamente
informados sobre os acontecimentos e às vezes conhecerem alguns de seus
poucos direitos”, elucida a historiadora Leila Mezan Algranti (: ).
O amplo contato desses cativos com a população livre era um fator
de grande temor social. A constante ameaça de rebelião contra o sistema
escravista amedrontava os demais grupos sociais que concebiam os negros
– cativos ou libertos – como suspeitos ou criminosos em potencial. Apesar
do alto policiamento, uma gama enorme de atentados à ordem pública
era comumente praticada na cidade. A maioria das ocorrências como os
roubos, crimes e assassinatos recaíam sobre os escravos, que não tinham
a quem apelar. Ao contrário, tinham seus passos vigiados pelos juízes
de crime dos bairros que informavam Paulo Fernandes Viana sobre os
distúrbios” cotidianos.

Fugas e revoltas coletivas organizadas era uma realidade que deveria ser
denunciada a m de melhor vigiar, controlar e punir esses sujeitos. Diante
desse cenário, muitos proprietários publicavam anúncios na Gazeta do
Rio de Janeiro com o intuito de reaver “a perda de seus bens”; atitude que
conferia ainda mais visibilidade à situação desses escravos.
Em fevereiro de , saía publicado na Gazeta um anúncio sobre a
fuga de uma preta de nome Manoela. A narrativa detalhava não só a data
da fuga da escrava ( de outubro de ), como também a descrevia por
completo: vinda de Moçambique, Manoela contava com  anos de idade,
tinha feições bonitas, delgadas de corpo, braços longos, pé comprido (sic)
e dentes limados. A vestimenta da escrava no dia da fuga foi vivamente
rememorada: sumira de vestido branco, com roupinhas de folhos. Àquele
que achasse a escrava, José Rodrigues do Orte, seu proprietário, prometia
boas recompensas (Gazeta do Rio de Janeiro, , N° ).
Três anos depois, em , o desaparecimento de cinco escravos de
Moçambique e do Congo, que trabalhavam na fazenda de Santo Antonio, na
freguesia de Jacutinga, também foi motivo para a publicação de um anúncio
na Gazeta. O texto denunciava a estratégia da fuga que parecia ter sido
previamente planejada: os cativos vestiam carapuças encarnadas e mantas
brancas de algodão de Minas, o que supostamente os identicariam como
fujões. O proprietário garantia boas graticações para quem deles dessem
notícia ou os conduzisse à fazenda (Gazeta do Rio de Janeiro, , N° ).
Outro viés muito presente no cotidiano escravista da Corte foi a
capoeira, uma prática de defesa e ataque trazidos pelos africanos ao Brasil
que muito incomodava a sociedade cortesã carioca. Designada na época
como jogo, a capoeira era composta por rápidos movimentos em que o
capoeira golpeava seu adversário com a cabeça ou com as pernas. As mãos
serviam para o apoio no chão quando o “jogador” atirava os pés na direção
do antagonista, atingindo-o em cheio. Foram tantas as inconveniências
causadas pelos capoeiras que d. Pedro, em  de fevereiro de , escreveu
do próprio punho uma carta ao brigadeiro Carlos Frederico Bernardo de
Caula. Ao mesmo tempo em que o documento exigia medidas enérgicas
e violentas contra os capoeiras, também cedia vantagens aos soldados que
conseguissem prender os cativos que estivessem capoeirando.
Meu Caula,
Mande passar uma portaria ao Comandante da Guarda da Polícia em que se
lhe estranhe muito da minha parte, o pouco cuidado que tem tomado, em
prevenir as capoeiragens pelas ruas que tem chegado a ponto de quebrarem
vidros das janelas e na mesma Portaria autoriza-lo para que logo se agarre
qualquer capoeira que seja escravo na ação de capoeirar seja logo conduzido

imediatamente ao moirão mais próximo, e aí surrado com  açoites, e depois
entregue ao Senhor se na tiver feito mais nada que capoeirar, e na mesma
ordenar ao comandante que todo o soldado que apanhar um capoeira terá
quatro dias de licença, e assim na proporção de quantos agarrarem capoeirando.
Deste seu amo e amigo
Pedro (apud Prado, : ).
Geralmente, a habilidade e a rapidez dos golpes era motivo de grande
apreensão por parte dos policiais que, na maioria das vezes, tinham diculdade
de se defenderem, o que causava muita correria e grandes tumultos na cidade.
A notícia que correu pela cidade em  de abril de  mostrava com exatidão
a amplitude desses conitos vividos no cotidiano das ruas. A Intendência
Geral da Polícia tornava público que no Calabouço (prisão da cidade) havia
 escravos fugidos que tinham sido achados em quilombos ou mesmo fora
deles. A lista publicada na secretaria da intendência informava aos senhores
que a partir daquela data já podiam ir vericar se eram identicamente os
próprios, para os receberem no prazo de três meses. Destacava, ainda, que
os escravos que não tivessem seus donos apresentados seriam entregues ao
Magistrado, responsável por arrecadar “os bens”, vendendo-os, sendo que
o produto líquido das despesas deveria ser entregue para os cofres do sco
(Gazeta do Rio de Janeiro, , N° ). Ao cultivarem essas práticas e códigos
culturais intrínsecos ao universo escravo, muitos cativos eram violentamente
reprimidos, o que, por m, era um motivo a mais de aprofundamento dos
conitos intrínsecos ao sistema escravista.
O universo feminino também sofreu muitas transformações durante
o período joanino. Com o estabelecimento da corte, uma ampla gama de
novidades passou a fazer parte da vida cotidiana das mulheres: dos livros
publicados pela Impressão Régia ao oferecimento de trabalho doméstico,
houve um grande incremento nas ofertas de diversos produtos importados
vindos da Europa e nas oportunidades de aprimoramento cultural.
Vendas de novelas com enfoque moral como O bom marido, A boa
mãe, A má mãe, Duas desafortunadas, Triste efeito de uma infelicidade, Amor
ultrajado, Castigo da Prostituição, Infelicidade vingada, As mulheres célebres da
Revolução, ou Quadro enérgico das almas sensíveis etc. eram títulos geralmente
anunciados na seção de Avisos da Gazeta (Gazeta do Rio de Janeiro, ,
N° ). Além de livros com temas femininos, o anúncio de joias, roupas e
utensílios de origem francesa e inglesa recheava as páginas da folha. Em ,
o comerciante Joaquim Martins Pinto, residente na rua Direita, anunciava
a chegada de vestidos de seda de todas as cores, lavrados de ouro, prata e
matiz. Cambraias bordadas, ornamentos para cabeça, muitos xales de lãs e

gargantilhas, eram todos ornamentos chegados da França (Gazeta do Rio
de Janeiro, , N° ). Quanto à oferta de emprego, muitas mulheres livres
eram procuradas para o trabalho doméstico. Em , Antonio Ferreira
da Rocha procurava uma governanta branca ou parda com reconhecida
capacidade doméstica para tratar do asseio da casa onde habitavam um
homem viúvo e seus três lhos (Gazeta do Rio de Janeiro, , N° ).
A chegada de mulheres estrangeiras também se tornava uma realidade.
Por aqui auíram as senhoras da nobreza portuguesa, as esposas e lhas dos
viajantes, as atrizes que vinham encenar peças de teatro e óperas no Real
Teatro, assim como as prossionais liberais. Em maio de , a modista
inglesa Hannah Hairris, que tinha sua loja na rua do Ouvidor n. , anunciava
a “preços cômodos” o recebimento de diversos objetos femininos vindos de
Londres e Paris. Entre aqueles considerados de maior apreço, destacava os
chapéus pretos de palha inglesa, vestidos bordados de ló de ouro e prata,
e rendas de ouro e prata e pérolas (Gazeta do Rio de Janeiro, , N° ).
A multiplicidade de códigos e costumes culturais tão singulares
aparecia de diversas formas no cotidiano do universo feminino. O papel
das mulheres pertencentes às altas camadas da sociedade se restringia ao
universo privado da casa. Como provedora dos alimentos da família, cava
também no comando da escravaria, além de ter em suas mãos a supervisão
da educação de seus lhos. Quanto aos hábitos mais comuns, se ocupavam
dos trabalhos manuais: bordar, ar, costurar e tecer sempre foram atividades
altamente indicadas às mulheres tanto pelos moralistas como por aqueles
que se preocupavam com a educação feminina. Nesse período, havia a
concepção de que a prática do uso das mãos femininas era uma forma
ecaz de se evitar a ociosidade e, por consequência, os maus pensamentos
e ações, razão pela qual elas raramente saíam de casa desacompanhadas de
seus maridos ou escravos (Algranti, : ). Quando saíam, geralmente
era para cumprir um importante ritual religioso: assistiam à missa, que
ocorria às  horas da manhã.
Por outro lado, a valorização da educação feminina em outros espaços
que não fosse o ambiente doméstico começava a ganhar terreno na cidade,
inclusive pelas mãos de senhoras distintas da sociedade. O caso de D. Catarina
Jacob é emblemático: em dezembro de , a senhora informava ao público
a abertura de uma academia para instrução de meninas que privilegiava
justamente o ensino dos bons manejos das mãos e o cuidado com a casa.
O aprendizado das Artes como a dança e a música seriam pagos à parte.

(Fonte: Gazeta do Rio de Janeiro, , Nº ).
Particularmente, no caso das viúvas, essa situação era amenizada: ao
terem que cuidar dos negócios do falecido marido, tinham suas vidas também
voltadas à arena pública. Em ns de novembro de , um caso intrigante
aparecia nas páginas da Gazeta. D. Ana Barbosa de Miranda, testamentária
de seu esposo falecido, com a ajuda de seu pai – o tenente coronel Antonio
José da Costa Barbosa –, avisava a sociedade sobre a demolição das casas
erguidas por Diogo Teixeira de Macedo nos terrenos de sua propriedade. Na
publicação, informava a sentença da justiça a seu favor, que lhes julgou próprio
o terreno, uma vez que ela sofria problemas com Teixeira, já que este queria
vender as casas e mais benfeitorias (Gazeta do Rio de Janeiro, , N° ).
A presença e participação das mulheres também começavam a ser
alvo de comentários na sociedade. A peça A mulher inimiga do seu sexo,
encenada no Real Teatro em junho de , em meio às manifestações públicas
que congratulavam o m da Revolução Pernambucana, teve contornos
interessantes das mulheres que a assistiam. Segundo a descrição do redator da
Gazeta, o espetáculo começava com o hino nacional cantado pelos músicos
da casa que viram também nas senhoras a expressão de espectadoras e
acompanhantes éis do hino, entoando-o sob vivas e lenços, fosse da plateia
ou do camarote (Gazeta do Rio de Janeiro, , N° ).
As profundas transformações socioculturais ocorridas no Brasil durante
permanência da Coroa Portuguesa teriam contornos importantes na
formação de uma nova concepção do espaço público. As ações dos diferentes
sujeitos históricos no universo da política demonstravam claramente que
o tempo da subserviência colonial cara para trás.

III.
A   B  R U   A 
D. J VI
Em dezembro de , Dom João, ainda Príncipe Regente, elevou o
Brasil à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves. Coincidentemente,
 também fora o momento em que Napoleão Bonaparte deixava de ser,
denitivamente, uma ameaça à Europa. Portanto, pela ótica dos súditos
portugueses, não havia razões plausíveis para que o Príncipe Regente e a
família real continuassem a habitar a América. Além disso, o fato de o Rio de
Janeiro ser a capital do Império Português e o Brasil deixar, institucionalmente,
de ser Colônia de Portugal amedrontava os éis vassalos portugueses que,
independente dos seus lugares na sociedade, mostravam-se cada vez mais
insatisfeitos por estarem relegados a um plano político periférico. Em , os
ministros do Reino, Marquez de Borba, Principal Souza, Ricardo Raimundo
Nogueira e João Antonio Salter de Mendonça enviavam uma carta a D. João.
O conteúdo do documento registrava, exatamente, o profundo pesar da
sociedade lusitana pela ausência da realeza.
Não devemos porém, Senhor, ocultar a V. Mage., por nossa honra e obrigação, o
descontentamento geral de todos os seus éis vassalos pela demora de V. Magestade
no Reino do Brasil, depois dos ordinários sacrifícios e heroicidades que zeram,
para conseguirem a salvação da Monarquia e a pronta restituição de V. Mage. à
antiga sede da mesma ... E todos suplicamos a Deus Nosso Sr. que inspire a V.
Mage., que se compadeça da necessidade que temos da Sua Augusta Presença
nestes Reinos para a conservação dos mesmos, e nosso amparo e se digne pela sua
misericórdia dispor tudo de maneira que V. Mage. possa vir com toda a brevidade. (ANT T,
Ministério do Reino. Governadores do Reino. Registro de Cartas ao Príncipe
Regente, Livro , Carta , .., . )
Se os burburinhos e discussões das múltiplas vozes anônimas dos
súditos da monarquia pelas ruas de Lisboa entoavam a canção do retorno
da realeza e sua corte, existiam também aqueles súditos que demonstravam
o desgosto da situação na qual se encontravam, como ocorreu em . Com
uma retórica própria aos moldes do Antigo Regime, o súdito português
dirigia-se a El Rei, intitulando-se seu el vassalo.

Agora por nossa desgraça, estamos vendo os louros voltados, o que vinha do
Brasil, para Portugal, vai agora de Portugal para o Brasil ... e não somos nós por
ventura, vassalos de V. M. para sermos tratados pela mesma maneira que são
hoje os brasileiros? que t ão felizes se acham e nós em tanta desgraça? há muito bem
pode V. M. socorrer-nos, quando não, será por tempos, V. M. Rei de um Povo
mendigo, e desgraçado. (Carta de hum el vassallo a El rei D. João VI, relatando
o estado do Reino de Portugal sob o governo regencial e pedindo a volta se S.
M.Documentos para a História da Independência, : )
Ambos os registros reetiam, em graus díspares, um sentimento coletivo
de angústia e desesperança do povo português, que ganhava cada vez mais força
desde , quando as discussões sobre o (in)evitável retorno da realeza
começaram a germinar em terreno fértil. Desde então, pelas duas margens
do Atlântico os bastidores do alto escalão político da monarquia luso-
brasileira versavam sobre os prós e contras acerca das controvérsias inerentes
à permanência ou ao regresso. Em º de novembro de , em umas das
cartas que, cotidianamente, remetia aos familiares no Reino, o bibliotecário
real Luís Joaquim dos Santos Marrocos reetia sobre a estadia prolongada
da monarquia no Brasil. “Quanto a novidades, a que eu, como povo possa
chegar, devo dizer a V. Mcê. que vai nascer uma fermentação oculta, que
solapadamente vai minando em preparativos nossa ida para Lisboa: no
Arsenal da Marinha se trabalha em aprestos para as embarcações de guerra;
estas estão se concertando e aparelhando. Mais à frente, Marrocos contava
sobre a chegada de ociais na cidade que, segundo ele, vinham ao Rio
para ajudar os poucos ociais que havia e, portanto, xavam residência
por tempo “indeterminado. As notícias ociais ou os boatos que corriam
pela cidade sobre a volta da monarquia eram a sua maior preocupação,
conforme dizia ele: “(...) no Público não há nada de novo: S.A.R não fala,
nem consente que se fale nisso; e é essa a razão porque ninguém se prepara
nem cuida e tal. Uns dizem que a  de dezembro é que vem a publicar-se
nossa retirada, e que esta se verica para março; outros que para todo o
ano futuro; outros nalmente armam que esta não se efetua enquanto
for viva S. Majestade, ou enquanto não se preencher o tempo deste último
tratado com a Inglaterra. Daqui pode V. Mcê. concluir o quanto estamos
às cegas neste ponto.” A carta de Marrocos sinalizava para uma questão
política central do Império Português: Qual deveria ser o lugar hegemônico
do poder no mundo luso-brasileiro?
A necessidade da resposta dessa questão fundamental se fazia urgente.
Os habitantes do Reino, já libertos do domínio francês, ansiavam por reaver
a antiga centralidade de Portugal na conjuntura do Império. Já no Brasil,
os súditos, particularmente aqueles que habitavam a capital do Rio de

Janeiro, viviam sob uma conformação de amplos interesses que englobava
um status político-econômico que não podia ser abolido, revertido ou mesmo
ignorado de uma hora para a outra. Apesar dessa intensa polêmica, em 
de dezembro de  D. João elevou o Brasil a Reino Unido de Portugal e
Algarves, o que sinalizava para a sua permanência em terras americanas.
Elevação do Brasil à Categoria de Reino – Carta de Lei do Príncipe Regente
D. João
( de Dezembro )
Dom João, por graça de Deus Príncipe Regente de Portugal e dos Algarves
daquém e dalém-mar, em África, da Guiné e da Conquista Navegação e
Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia, Etiópia, etc. Faço saber aos que a presente
carta de lei virem, que tendo constantemente em meu real (?) ânimo os mais
vivos desejos de fazer prosperar os Estados, que a Providência Divina conou ao
meu soberano regime e dando ao mesmo tempo a importância devida à vastidão
e localidade dos meus domínios da América, a cópia e variedade dos preciosos
elementos de riqueza que eles em si contêm e outros em reconhecendo quanto
seja vantajosa aos meus éis vassalos em geral uma perfeita união e identidade
entre os meus Reinos de Portugal, dos Algarves, e os meus domínios do Brasil,
erigindo estes àquela graduação e categoria política, que pelos sobreditos
predicados lhes deve competir, e na qual os ditos meus domínios já foram
considerados pelos plenipotenciários das potências que formaram o Congresso
de Viena, assim no Tratado de Aliança concluído aos oito de abril do corrente
ano, como no tratado nal do mesmo congresso: sou portanto servido, e me
praz ordenar o seguinte:
– Que dada a publicação desta carta de lei o Estado do Brasil seja elevado à
dignidade, preeminência e denominação de Reino do Brasil
– Que os meus Reinos de Portugal, Algarves, e Brasil formem dora em adiante um só
e único Reino debaixo do título de Reino de Portugal, e do Brasil, e Algarves.
– Que os títulos inerentes à Coroa de Portugal, e de que até agora hei feito uso, se substitua
em todos os diplomas, cartas de lei, alvarás, provisões, e atos públicos, o novo título
de Príncipe Regente do Reino Unido de Portugal, e do Brasil e Algarves daquém e
dalém-mar (...) Dada no Palácio do Rio de Janeiro, aos dezesseis de dezembro de mil
oitocentos e quinze. ([Carta] Regitrada nesta Secretaria de Estados dos Negócios
do Brasil, L.° .º de leis, alvarás, e Cartas Régias à .. Rio de Janeiro, em 
de dezembro de ).
Esse novo status político do Brasil que, consequentemente remodelava
sua importância e centralidade dentro do Império Português, colocava os
brasileiros em pé de igualdade com os portugueses. Os lusitanos, no entanto,

reagiram mal a essa transformação. Tinha até quem dissesse que uma nuvem
negra de desgosto geral cobriu os corações dos habitantes de Portugal, vendo
no governo todas as disposições de reduzi-lo ao estado de Colônia, quando
se elevava o Brasil à graduação de Reino (Anônimo, : ).
Silvestre Pinheiro Ferreira, funcionário de alta consideração da Coroa,
foi um dos principais conselheiros de D. João nessa delicada questão de
Estado, que estava diretamente ligada à manutenção da integridade imperial.
Reetia o estadista português:
A questão de Estado, que se agita sobre o regresso da Corte de V.A.R para a
Europa e sobre a qual V.A.R (...) se há dignado de ordenar-me, que diga o
meu parecer, é sem dúvida, um dos maiores problemas políticos, que jamais
soberano algum teve de resolver. Porquanto nele se não trata simplesmente de
saber, em qual dos vastos domínios de sua real Coroa convém mais, que V.A.R
se digne de xar sua residência; trata-se de nada menos, que de suspender e
dissipar a torrente de males, com que a vertigem revolucionária do século, o
exemplo dos povos vizinhos, e a mal entendida política que vai devastando a
Europa, ameaçam de uma próxima dissolução, e de total ruína dos estados de
V.AR., espalhados pelas cinco partes do mundo, quer seja pela emancipação das
colônias, no caso de V.A.R regressar para a Europa: quer seja pela insurreição
do Reino de Portugal, se aqueles povos, perdida a esperança que ainda os anima.
De tornar a ver o seu amado príncipe, se julgarem reduzidos à humilhante
qualidade de Colônia.
(Proposta autografada sobre o regresso da Corte para Portugal e providencias
convenientes para prevenir a revolução e tomar a iniciativa na reforma política,
In: RIHGB, tomo , parte I, p..)
Silvestre Pinheiro Ferreira defendia a posição de que D. João deveria
permanecer na América sob o título de “Imperador do Brasil. Porém, o
ministro atentava para os perigos dos descaminhos de uma possível separação
política: impunha, no que se referisse ao poder executivo, que este deveria
ser exercido exclusivamente por D. João, nos dois lados do Atlântico. A
fragilidade do sistema imperial, contudo, escancararia suas ssuras durante
o ano de .
A R P ()
Entre os meses de março e maio, a província de Pernambuco viveu uma
importante insurreição política, denominada pelos revoltosos de revolução
pernambucana.

A composição do movimento era de natureza absolutamente heterogênea.
Negociantes de grosso trato, diversos proprietários de terras, homens do
clero (muitos deles formados no Seminário de Olinda), pequenos sitiantes,
homens livres, boticários e, inclusive, escravos e negros se opunham à opressão
e, consequentemente, às diculdades nanceiras impostas pela Corte desde a
sua instalação, através do aumento dos tributos pagos por Pernambuco. Além
disso, a péssima condição das tropas militares – mal pagas e mal alimentadas
–, eram fatores que contribuíam para que os habitantes da província tivessem
uma imagem despótica do Príncipe Regente. A ala de negociantes contrária à
revolução era, na maioria, composta por portugueses residentes em Pernambuco,
vinculados ao comércio lusitano, que detinham o monopólio de suas produções
como o açúcar e o algodão.
Ao conseguirem dominar o Governo Provincial, os líderes do
movimento – o negociante Domingos José Martins, Antônio Carlos de
Andrada e Silva, Padre João Ribeiro, o magistrado José Luís Mendonça, o
representante da agricultura Manuel Corrêa de Araújo, o militar Domingos
eotônio Jorge Martins Pessoa – instalaram um governo provisório cujas
propostas básicas eram a proclamação da República, abolição de alguns
impostos e a elaboração de uma constituição que estabelecesse a liberdade
religiosa e de imprensa, bem como a igualdade de todos os proprietários
perante a lei. No tocante à abolição do regime escravista, acenava-se para
o m gradual da escravidão, que ocorreria em um futuro ainda incerto. Ou
seja, entre as noções de igualdade e propriedade, os revoltosos defendiam
mais veementemente a segunda. Tal viés, contudo, apontava para outra
questão de suma relevância: a noção de igualdade colocava em prática o
rompimento dos laços de delidade com o rei. Em Preciso, nota escrita
pelo líder José Luís de Mendonça, no dia  de março de , em meio
ao movimento, o magistrado reetia sobre as razões da queda do governo
provincial: “Depois de tanto abusar da nossa paciência por um sistema
de administração combinado acinte para sustentar as vaidades de uma
corte insolente sobre toda a sorte de opressão de nossos legítimos direitos,
restava caluniar agora a nossa honra com o negro labéu de traidores, aos
nossos mesmos amigos, parentes e compatriotas naturais de Portugal; e
era esta por ventura, a derradeira peça que faltava de se pôr à maquina
política do insidioso governo extinto de Pernambuco. Ao relatar todos
os acontecimentos ocorridos entre os dias  e  de março, Mendonça
encerrava o escrito felicitando a nova pátria, os patriotas e exaltando, por
m, que acabasse “para sempre a tirania real”. Já no poder, os insurgentes
conquistaram o apoio das províncias de Paraíba e Rio Grande do Norte
que, juntamente com Pernambuco, viveriam por mais de setenta dias sob

um governo provisório que proclamava a independência da região, mola-
mestra do movimento.
A República criava um novo contrato social, cujas representações,
inclusive na mudança de tratamento pronominal das pessoas – introduziam-
se o uso de vós entre todos, o que os “igualava” e muito assustava os
proprietários de terras –, apontava para a inauguração de um novo tempo
histórico. O signicado da bandeira republicana, nesse contexto, foi de
grande simbologia.
Bandeira da Revolução de 
A bandeira “era dividida ao meio, horizontalmente em duas cores, azul
e branco. Tinha no branco uma cruz vermelha, sinal da religião cristã, uma
alusão ao primeiro nome do Brasil – Terra de Santa Cruz –, e apontava o
caminho da redenção, explica a historiadora Iara Lis Schiavinatto (: ).
Ainda sobre as cores e signicados da bandeira, Schiavinatto ressalta que
“na parte azul da bandeira, um sol esplendoroso vinha acompanhado de um
arco-íris de três estrelas que simbolizavam as três províncias rebeldes. O sol
signicava os habitantes de Pernambuco que sob ele viviam e lembrava a
justiça do astro que rege todo o universo” (Schiavinatto, : ).
O governo central não tardou em reprimir a revolução. As forças do
Rio de Janeiro, comandadas por Luiz do Rego, sob a direção do presidente
da capitania da Bahia, o Conde dos Arcos, articularam um forte bloqueio
naval em Pernambuco. Ao adentrarem em Recife – dominando-a –, os
representantes de D. João não hesitaram em ordenar aos homens da tropa
real que adentrassem pelos caminhos da política do ferro e fogo. Uma das
proclamações das tropas reais exigia que nenhuma reivindicação fosse
atendida “sem que preceda como preliminar a entrega dos chefes da revolta,

ou a certeza de sua morte”, sendo, para isso, lícito “atirar-lhes a espingarda
como a lobos”.
A Revolução, no entanto, perdia força devido a fatores internos e externos
que, pouco a pouco, minavam-na. Internamente, elementos conservadores e
populares da capitania ajudavam a desmoralizar militarmente o movimento.
Segundo as observações de Tollenare, viajante francês que se encontrava na
província pernambucana durante a revolução, o povo vivia sem entusiasmo
diante do ensaio democrático que se desenhava diante de seus olhos, pois
percebia claramente que a sua situação não tinha melhorado como havia
anunciado os líderes. Com o passar do tempo, as atitudes das lideranças
republicanas passaram a ser questionadas, tanto que Domingos eotônio já
era considerado por muitos um ditador. A perda do idealismo da revolução
colocava em cena outra perspectiva: o essencial era a salvação de cada um.
Quando houve a entrada de cerca de  mil homens realistas em Recife, em
 de abril, o desânimo já reinava na província. Em  de maio, exaltava-
se a vitória da contrarrevolução. Mais de  mil patriotas, contando-se aí
escravos e libertos, retiraram-se para Olinda, deixando Recife deserta. Era
dado restituir o poder monárquico à província rebelde, sob o comando de
Luiz do Rego, novo governador da Pernambuco.
No mês de junho, enquanto Rego rearmava o contrato soberano com
a monarquia portuguesa, através da exposição pela cidade das cabeças e
parte dos corpos dos conjurados, como ocorreu no caso da morte do Padre
João Ribeiro, muitos súditos reais cumprimentavam o Príncipe Regente nos
salões de São Cristóvão, felicitando-o – entre repiques de sinos, iluminações
gerais e foguetes – pelo restabelecimento da ordem.
A Revolução Pernambucana foi destaque das notícias da Gazeta do
Rio de Janeiro apenas em  de maio de , quando as tropas realistas de
D. João já estavam à frente do movimento.
Temos demorado por longo tempo a comunicar os nossos leitores quanto
nos constava dos desastrosos sucessos, acerca da revolta de Pernambuco, não
tanto pelo horror que sentíamos em semelhante acontecimento, ainda que
bem desejaríamos não manchar com tal atrocidade as páginas da História
Portuguesa, tão distintas pelo testemunho de amor, e respeito que os vassalos
desta nação consagrarão ao seu Soberano nas ocasiões de maior apuro, e
em distâncias muito remotas; mas para não adiantar fato, ou circunstância
alguma em coisa por sua natureza tão odiosa de que não tivemos completa
informação; e porque demais estando convencidos, assim como todos, de
que os habitantes de Pernambuco, não podiam ter-se alienado até o ponto
de perderem os sentimentos de delidade e obediência, que noutro tempo
realçarão o seu caráter, não acertávamos, como pôde vericar a escandalosa
ingratidão, que acabavam de manifestar. As notícias mais individuais, que

ultimamente têm chegado, nos tiram desta incerteza, mostrando que na funesta
rebelião de Pernambuco não teve parte a maioridade de seus habitantes; e
não nos arrependemos por isso de uma demora que serviu para conrmar a
persuasão em que estávamos e que tínhamos tanto a peito: sabe-se já com toda
a evidência, que foi unicamente o resultado da trama de alguns malvados, que
tomarão este expediente, para fugir à justa punição de seus crimes. (Gazeta
do Rio de Janeiro, , N. º ).
Paralelamente, em Lisboa, ocorria a descoberta da conspiração militar
Gomes Freire contra a Dinastia de Bragança que fora abortada no mês de abril,
antes mesmo de sua conagração. A revolta tinha como objetivo a derrubada
da supremacia militar inglesa sob o comando do Marechal Beresford e a
implantação de uma monarquia constitucional que, na prática, desejava a
restituição da gura real através de um Rei presente, justo e identicado
com os anseios do seu povo, uma vez que D. João já era considerado por
muitos “o mais perverso, e abominável subversor da pátria” (Memória
sobre a Conspiração de , vulgarmente chamada A Conspiração Gomes
Freire; escrita e publicada por um português, amigo da justiça e da verdade,
: -).
Um dos panfletos apreendidos contra o governo sintetizava as
insatisfações dos revoltosos, que desejavam afastar os ociais ingleses do
poder e reorganizar a administração do Estado e das tropas portuguesas.
Assim, conspiravam:
Espírito Nacional
Quem perde Portugal? O Marechal
Quem sanciona as Leis? O Rei
Quem são os executores? Os Governadores
Para o Marechal: hum punhal
Para o Rei: a Lei
Para os Governadores: os executores.
(Fonte: ANTT. Casa Forte. Ministério dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça,
M., . ).
Beresford e os governadores do Reino exigiram a prisão dos revoltosos,
abriram processo contra os envolvidos e enforcaram onze dos acusados, entre
eles o general Gomes Freire de Andrade, considerado o líder do movimento.
Embora os movimentos ocorridos em  contra o regime absolutista
português vivenciassem universos e ideais políticos distintos entre si, em
ambos se destacou a forte participação da Maçonaria, um fator preponderante
e de grande importância na organização e desenrolar dos eventos políticos
contestatórios que muito incomodavam o poder central. Porém, por mais

que a monarquia luso-brasileira tivesse saído vitoriosa nos dois movimentos
que contestavam o poder real, a partir de , cava patente a crise do antigo
regime português em ambos os lados do Atlântico que, três anos mais tarde,
escancararia seus conitos de forma irreversível, a partir de agosto de ,
com a Revolução do Porto. A situação era tão delicada que escritos literários
de vassalos de renome – como Estanislau Vieira Cardozo, segundo escriturário
do Banco do Brasil e secretário do º Regimento de Cavalaria de Milícias
da Corte –, circularam pela cidade como uma forma de demonstração de
delidade ao monarca.
Mas não te penes, Príncipe! Um momento
De perfídia, e desdouro não faz vulto
No quociente do século de glória.
Troveja o claro céu; benigno é sempre.
Cumpre porém olhar atento a esfera:
São das exalações os raios prole.
Enunciada esta insólita ousadia,
Tua alma nobre por extremo aita,
Mais pelo que urge o nacional decoro
Que pelo que é de ti, que em m és grande
Há de nadar de júbilo em torrentes,
Quando à pora em turmas acorrerem
Povos éis ingênuos a oferecer-te
Os mais prezados bens – fortunas – vidas.
A   D. J VI ()
O ano de  se mostraria bem diferente do anterior. Apesar de envolto
em nuvens que desenhavam uma complexa situação política, o fato é que pela
primeira vez na história do Velho Mundo um Rei era aclamado na América.
A festa de aclamação de D. João VI, ocorrida no dia  de fevereiro, na Corte,
foi uma das mais importantes manifestações do poder real no período
joanino. Tratava-se de um momento sui generis marcado por simbologias
e conexões políticas cuidadosamente arquitetadas pela elite luso-brasileira,
cuja meta política era a consolidação de um Império luso-brasileiro com
sede na América.
A cerimônia foi concebida como um espaço de legitimação do poder
real que renovava a relação entre o Rei e seus súditos. O alcance da adesão
maciça de todas as camadas da sociedade era um fator de fundamental
relevância, sobretudo depois de a monarquia ter vivenciado momentos de

grande fragilidade política em decorrência dos movimentos revolucionários
de . Dia  de fevereiro, quatro dias depois das festividades públicas,
o redator da Gazeta Manuel Ferreira de Araújo Guimarães produzia o
discurso da folha ocial com o objetivo de xar a imagem de um povo
que abençoa, apoia e adora o seu rei, irrestritamente. “Então salvaram as
fortalezas e os navios surtos nesse porto, e se elevaram muitos fogos de
artifícios, que arremedavam um regular fogo rolante com perto de dois
mil tiros. Foi nesse afortunado momento que o imenso concurso de povo,
que estava em frente à Varanda, e que atulhava as ruas contíguas, rompeu
em unânimes vivas, que mostravam da maneira mais evidente o prazer que
transbordavam no coração de todos.
As celebrações começaram às  horas da manhã, com todas as pompas
dignas de uma festa da realeza. Os tiros de canhões e os repiques dos sinos
indicavam a importância da data. “Toda a família real estava resplandecente
de diamantes e de todas as vestimentas da Corte eram notáveis pela riqueza e
elegância, obser vava o pintor e viajante francês J. B. Debret, ao acompanhar
a chegada dos membros reais à missa solene, na Capela Real, que selava
a magnitude do evento digno das circunstâncias, segundo o francês, pela
eloquência política e religiosa (Debret, : ).
A questão central da aclamação, no entanto, estava intimamente
associada a dois fatos políticos de suma importância para a manutenção
da integridade da monarquia luso-brasileira. No que se refere à elevação do
Brasil a Reino, consumada em dezembro de , o festejo visava rearmar a
autonomia do Brasil dentro do Império Português, assim como imortalizar a
gura de D. João VI como o monarca responsável por trazer a prosperidade
e a civilização ao vasto continente do Brasil.
A escolha do dia  de fevereiro como data que ocializava sua coroação
também foi um aspecto particularmente arquitetado por D. João. A
associação com a fundação do Reino de Portugal rememorava as antigas
tradições enraizadas em torno do princípio que legitimava a autoridade
do direito divino dos reis em contraposição à concepção de soberania
popular defendida pelos revolucionários na sedição pernambucana de
. Na prática, portanto, para além de a data da cerimônia se tornar uma
resposta aos princípios republicanos dos revolucionários, ainda perpetuaria
no calendário monárquico uma versão vitoriosa da história que solapava
a visão dos “vencidos”.
A festa de aclamação foi maciçamente nanciada pelos negociantes de
grosso trato como Fernando Carneiro Leão, Amaro Velho da Silva, Francisco
José Guimarães, Francisco Pereira de Mesquita, João Rodrigues Pereira de
Almeida entre outros. O grande dinheiro despendido nos festejos tinha como
estratégia enaltecer a gura do rei, para assim, consolidarem suas órbitas de

inuência junto a D. João VI. Um dos arcos construídos – o arco do triunfo
– realçava a imagem de um Rei ilustrado, cujo projeto era proteger e avançar
as atividades comerciais e artísticas do Brasil, agora elevado a uma porção
fundamental e civilizada do Império. Luís Gonçalves dos Santos, o Padre
Perereca, descreveu com riqueza de detalhes as comemorações em torno da
cidade, que toda iluminada, celebrava a coroação pelas igrejas, conventos
e casas todas iluminadas cujas chamas e fogos de artifício demonstravam
o amor e o prazer de seus éis vassalos (Santos, : ).
As luminárias e iluminações construídas por numerosos personagens
endinheirados da cidade davam as diversas nuanças do regozijo que marcava
o momento. O comendador Luís de Sousa Dias mandou construir um
arco na porta da Alfândega que registrava a imagem da elevação do Brasil
a Reino. Já a iluminação feita pelo tenente general José d’Oliveira Barbosa
rearmava o poder divino do Rei com os dizeres “Deus e o meu Rei. Porém,
as manifestações de apoio e delidade a D. João não chegavam apenas
da parcela mais rica da sociedade. Bernardo Avelino Ferreira de Souza,
um contemporâneo dos fatos, arma que os mais pobres que viviam nos
subúrbios também realizavam suas comemorações de acordo com suas
possibilidades.
Apesar de tantas solenidades durante os três dias em que duraram os
festejos, nem tudo foram ores. Quase um ano depois das sedições ocorridas
em , D. João ainda desconava da audácia das classes médias e populares,
colocando em dúvida a lealdade de seu povo. “No primeiro e no segundo
arco, onde eu me achava quase rente dele [D. João], pareceram–me provir de
vagas suspeitas originadas de maus dizeres, que continuamente se estiveram
a segredar em seu ouvido. Tive uma semelhante oportunidade de o observar,
cerca de meia hora antes de seu início da cerimônia, comentava o viajante
inglês John Luccock. O contato de Luccock com as classes médias e populares,
no entanto, convencia-o de que não havia a menor razão para o temor, já que
estava convicto “de que nunca houvera capital mais afeiçoada do que o Rio
de Janeiro deste tempo” (Luccock, : ).
Para garantir a segurança pessoal do monarca e do cerimonial, a
Intendência da Polícia distribuiu os soldados reais pela cidade. Munidos de
cartuchos de pólvora, muitos deles se inltravam em meio à gente miúda e
cercavam o palácio para evitar possíveis badernas. Na multidão também foram
implantados espiões para vigiarem os “elementos suspeitos” que poderiam
atentar contra a vida do Rei. O olhar privilegiado e crítico de Luccock destacava
os meios repressivos com que as tropas reais se precaviam diante do povo e,
sobretudo, contra os estrangeiros. “Não era permitido a ninguém falar língua
estrangeira em meio do povo. No momento em que um senhor natural de

Veneza se dirigiu a mim em inglês, um soldado lhe ordenou rudemente que
falasse português ou calasse a boca” (Luccock, : ).
A grande participação popular nessa festividade tão marcante não
escondia as normas e etiquetas vigentes na sociedade de corte, há séculos
enraizada e perpetuada pela monarquia portuguesa em datas comemorativas.
O início da aclamação se dava com a entrada do Rei e seus acompanhantes
que assistiam a uma oração pronunciada por um eclesiástico, responsável
pela explicação dos motivos da realização da cerimônia. Na sequência, o
Rei fazia seu juramento perante os dignitários, considerados testemunhas
do ato, seguido pelo juramento dos presentes e, posteriormente, realizava-
se o beija-mão do soberano.
Todo esse cerimonial era regido por uma ordem hierarquia de acesso
ao monarca. Primeiro, tinham vez os maiores representantes da nobreza
portuguesa, em seguida tinham espaço os procuradores das cidades e vilas
– sempre determinados por graus de importância – e, por último, era a vez
do clero que, diferentemente dos demais estamentos, não tinha o privilégio
de tomar a mão do Rei entre as suas; o que delineava os graus de inuências
e consequências políticas.
A aclamação popular, por outro lado, também marcava um momento
importantíssimo da celebração. Era a ocasião em que acontecia a ovação dos
súditos do Rei que, amontoados no Terreiro do Paço, legitimavam os laços
políticos existentes entre o povo e o soberano. Logo após, o monarca e a
Corte seguiam para a Capela Real, saudando o povo como exigia a tradição.
Finalmente, às quatro horas da tarde, era chegada a hora da majestade
aparecer publicamente pela primeira vez para os seus vassalos em todo o
seu esplendor real.
Os lugares e hierarquias tanto dos súditos ao redor de El Rei quanto das
instituições em destaque – como o senado da Câmara do Rio de Janeiro e os
representantes da Universidade de Coimbra –, estavam bem delimitados e
demonstrava a inuência de cada um dos atores sociais nesse jogo de poder
permeado por inúmeras representações e construção da memória coletiva.
Enquanto no Rio de Janeiro as iluminações pela cidade durante os
festejos da aclamação demonstravam as manifestações de adesão do “povo
ao Rei e ao seu projeto político, em Portugal o silêncio, a indiferença ou as
ausências nos festejos marcavam a revolta e a resistência ao mesmo momento.
Houve até destruição de luminárias. Segundo o relato do português José
Ribeiro Pinto, em Lisboa não se ouvia os vivas quando foi mostrado o
retrato de D. João VI.

I V.
R  P     F R 
P
Ao nal de , era traduzido na Bahia um folheto anônimo em francês
cuja autoria foi atribuída a Cailhé de Geine, informante da intendência da
polícia baiana, Intitulado Le Rói et la Famille Royale de Bragance Doivent-
Ils, dans lês Circonstances Presentes, Saourner à Portugal, ou Bien Resterau
Brésil? O tema do folheto colocava em cena uma polêmica que extrapolava
o universo particular das discussões dos ministros de D. João VI desde
. O Rei e a família real deveriam car no Brasil ou voltar para Portugal?
O folheto teve grande impacto na Corte, onde gerou importantes
discussões, uma vez que defendia a permanência denitiva da Corte no
Brasil, a construção de um Império Brasileiro e o abandono de Portugal, em
uma clara reação às consequências advindas da Revolução do Porto. Entre
as reivindicações dos revolucionários, existia uma proposta que defendia a
preservação do Antigo Regime no Brasil ou, em outras palavras, propugnava
a manutenção do status de Colônia deste lado do Atlântico.
A reação a essas ideias foi de tal envergadura que as autoridades reais
apreenderam os exemplares em circulação. Porém, por mais que o Brasil ainda
vivesse sob um aparato censor, que estruturava um dos alicerces do poder real,
tal fato já apontava para uma nova realidade: dava-se início à discussão pública
de temas políticos verdadeiramente relevantes para o destino da Nação, em que
a pluralidade de opiniões se tornava a tônica principal do debate. “Ao contrário
do que pretendia o autor, o escrito ampliou o desejo dos luso-brasileiros de agir
em uníssono com os constitucionalistas de além-mar”, relata a historiadora Lúcia
das Neves (: ).
Surgiam as mais diversas formas de julgamento sobre o tema, sobretudo
diante de uma proposta tão radical. A ideia de separação entre Brasil e Portugal
estava longe de ser um consenso entre a elite luso-brasileira. O conito político,
no entanto, chegava ao seu limite: em agosto de  eclodia na cidade do Porto
uma revolução liberal que defendia a bandeira de uma monarquia constitucional.
As notícias desse fato político, no entanto, só seriam ocialmente noticiadas no
Brasil em novembro do mesmo ano.

R  P     (-)
Em  de novembro de , a Impressão Régia publicava uma edição
extraordinária da Gazeta do Rio de Janeiro. Naquela quinta-feira, a sociedade
carioca soube ocialmente sobre a Revolução do Porto - um movimento
político liberal – que desde  de agosto mantinha a sociedade portuguesa
sob constante tensão e conitos de interesses. No Porto, os revolucionários
defendiam uma bandeira patriótica: proclamar a liberdade e a independência
nacional, através da necessária Regeneração que, por essa ótica, seria
responsável pelo término dos males pretéritos. Porém, a regeneração não
foi interpretada pelas elites ilustradas e revolucionárias portuguesas como
uma ruptura radical com o passado monárquico, mas como um resgate
do “constitucionalismo da monarquia lusitana que se opunha à ideia de
um Estado absolutista superdimensionado em suas funções e visto como
responsáveis pelos males que assolavam o país” (Silva, : ). Agora
era a existência de uma Constituição, uma lei fundamental, que passaria a
assegurar ao povo os laços tradicionais existentes entre eles e o Rei soberano.
As notícias da Revolução chegaram ao Rio cerca de quarenta dias
depois e se propagaram como rastilho de pólvora pelas ruas da cidade. A
questão, porém, é que esse fato histórico de tamanha relevância para a
sustentação do Império luso-brasileiro não parecia ser uma novidade para
a elite econômica e política da Corte. Segundo atestava uma folha inglesa
traduzida e publicada no Correio do Porto, no dia  de outubro, os brasileiros
já estavam informados sobre o andamento de um projeto revolucionário
em Portugal. “O Brasil está muito inquieto, não sendo improvável que
a Revolução de Portugal se estenda além do Atlântico. Cartas da Bahia,
Pernambuco, e outras terras do norte do Brasil, escritas por pessoas mui
respeitáveis exprimem receios de próximos rompimentos; e até dão a entender
que o Projeto de uma Revolução em Portugal era conhecida no Brasil já em
Junho passado, informava o periódico.
Como era de se esperar de um súdito el de D. João, o então redator
da Gazeta, Manuel Ferreira de Araújo Guimarães, anunciava as notícias de
modo a enaltecer a monarquia e execrar a gura dos revoltosos. Dizia ele:
O espírito de inquietação e o desatinado desvario, que tem atacado o meio dia da
Europa, desgraçadamente soprou sobre uma das mais belas cidades de Portugal,
e corrompendo ânimos ambiciosos, e indiscretamente amigos da novidade,
causou tumultos efêmeros, que a prudência do Governo se apressou a atalhar
e a extinguir. Para darmos aos nossos Leitores uma ideia deste abominável
acontecimento, basta copiarmos a seguinte PROCLAMAÇÃO.

Publicado na seção Rio de Janeiro, o comentário de Guimarães antecedia
a inserção de documentos ociais sobre os acontecimentos ocorridos na
cidade do Porto, entre os idos de agosto e setembro. Todas as notícias
divulgadas nesse número extraordinário eram extraídas da Gazeta de Lisboa
e, curiosamente, limitavam-se ao que fora publicado no periódico lusitano
até, precisamente, o dia  de setembro de . Acontece que, desde o dia 
de setembro, os governadores do Reino enviavam ao Rio as primeiras cartas
de ofícios de portugueses e os seus próprios documentos, informando o
Rei acerca das providências tomadas pela Regência de Lisboa que, para
apaziguar a situação, decidira convocar as Cortes.
Realmente, até o início de setembro, os governadores do Reino lutaram
contra a evolução do movimento com as armas que tinham nas mãos: a
diplomacia, a força das palavras no universo público e a organização de
um corpo militar, responsável por combater os revolucionários do Porto.
Em  de agosto, o redator da Gazeta de Lisboa considerava o levante um
“horrendo crime de rebelião contra o poder, a autoridade legítima do nosso
Augusto Soberano, EL-REI Nosso Senhor”, cujas atitudes eram frutos de
“alguns poucos indivíduos mal intencionados [que] alucinando os chefes
dos corpos das tropas daquela cidade; poderão desgraçadamente inuí-los
e, assim, romper o juramento de delidade ao monarca, já que se atreviam
“a constituir por sua própria autoridade naquela cidade um governo a que
dão o título de Governo Supremo do Reino”, cuja bandeira defendia a
monarquia constitucional.

Gazeta de Lisboa, //, N° . Nessa edição da gazeta ocial, a sociedade lisbo-
nense tomava conhecimento dos fatos ocorridos na cidade do Porto, seis dias antes.
Toda essa problemática vivenciada pelos acontecimentos da Revolução
do Porto era resultado de uma conjuntura histórica que permeava a vida
política luso-brasileira desde , quando o Brasil fora elevado a Reino
Unido de Portugal e Algarves. A conjuntura política era deveras delicada,
quase insustentável. Assim, em  de setembro, os mesmos governadores que
até então defendiam “acirradamente” a manutenção da ordem monárquica
absolutista da Dinastia de Bragança sob a chea de D. João VI formaram
uma junta governativa – um governo interino –, acataram as exigências
dos “rebelados, ao convocarem as antigas Cortes e assumiram uma nova
postura política diante dos fatos e, consequentemente, do próprio Rei. A
ausência do monarca acentuava a urgência de medidas que contivessem a
situação, corroborando para que os líderes políticos se sentissem aptos e

livres para dirigirem os destinos do Reino. Nessa data, mudava-se, inclusive,
o discurso da Gazeta de Lisboa, que passava a defender o desejo de “toda
a nação”. “Chegou o momento de sufocar, pela unanimidade de votos da
Nação, o gérmen de civis discórdias; já são livres de acanhados terrores as
vozes dos Portugueses; conseguiu-se enm uma justa e moderada liberdade
neste dia, duas vezes memorável”, reetia o jornalista.
Havia aqueles que criticavam as qualicações dos autores da Revolução
do Porto, que eram considerados abomináveis e escandalosos, jamais rebeldes e
sediciosos. Por outro lado, também tinham os que já se denominavam brasileiros,
apoiavam a separação e defendiam a independência como forma de corrigir os
vícios do governo do Brasil, pois era um engano esperar qualquer melhoria advinda
do trono. A força do folheto anônimo de ns de  foi tão ampla que a própria
Gazeta do Rio Janeiro, em  de julho de , anunciava a sua venda “dev idamente
analisada. “Na loja da Gazeta se acha vertido em Português e analisado o
folheto francês que há tempos se espalhou no Rio de Janeiro, que tinha por
título O Rei e a Família real devem nas circunstancias presentes voltar para
Portugal ou car no Brasil, por  réis”, informava o anúncio. Contudo,
quando a direção da Gazeta decidiu dar publicidade ao impresso, D. João
VI e toda a corte já havia retornado para Portugal, assim como as discussões pela
denição dos padrões de uma monarquia constitucional já ganhavam acirrados
debates nas Cortes de Lisboa.
Em  de janeiro de , Cailhé de Geine enviava uma carta a Paulo Fernandes
Viana, intendente da polícia no Rio. Neste escrito, relatava o novo caminhar da
população baiana depois do conhecimento da Revolução do Porto: as fermentações
dos ânimos apareciam de forma mais explícita no universo público. Ninguém
mais parecia se preocupar em esconder suas opiniões, revelando-as através da
produção de papéis e canções patrióticas que passavam a circular livremente, sendo
lidos ou cantados em voz alta pelas ruas (Cart as de C. de G eine ao Intende nte
da Polícia. BNRJ. Mss. II-, ,.  de janeiro ).
Essa nova conformação política e suas consequências no cotidiano da
sociedade luso-brasileira, mas principalmente da sociedade carioca, aparecem
com maior nitidez a partir do raiar do ano de . O nal do ano de ,
entretanto, já sinalizava algumas transformações. Em  de dezembro, a
sociedade portuguesa era informada pela Gazeta de Lisboa sobre as decisões
reais de D. João VI deste lado do Atlântico. O monarca autorizava as Cortes
convocadas pelos precedentes Governadores do Reino, reclamando, no
entanto, o fato de a convocação ter ocorrido sem o concurso da sua Real
Pessoa, o que considerava, particularmente, injusto. A mesma edição também
anunciava que logo em breve – assim que concluídas as mesmas Cortes,
e sendo remetidas as propostas delas para serem legalizadas com a régia

sanção – os portugueses teriam no meio de si a real gura de D. João ou a
de algum de seus augustos lhos.
Já por essa época, muitas das exigências vigentes na Revolução do
Porto apareciam de forma mais nítida nas Cortes, como foi o caso do debate
sobre as leis que pautariam a liberdade de imprensa e o m denitivo da
censura régia. Entre os temas de grande relevância para a Constituição, a
regulamentação da liberdade de imprensa compôs uma das mais acaloradas
discussões entre os deputados. A questão foi de tamanha urgência que, em
 de fevereiro de , Soares Franco – ex-redator da Gazeta de Lisboa no
período das Guerras Napoleônicas – apresentava um projeto de decreto sobre
liberdade de imprensa extraído em grande parte do regulamento espanhol.
A própria noção de imprensa era reestruturada pelo governo interino do
Reino, em Lisboa, que determinava: “do primeiro de janeiro do ano próximo
de , por diante, a Impressão Régia se denomine = Imprensa Nacional =
por ser esta uma propriedade da nação” (ANTT, Ministério do Reino, Livro
: ), fato que impulsionava a mudanças do título e concepção do jornal,
que passaria a ser denominado Diário do Governo.
Se a maioria da sociedade portuguesa defendia de forma veemente
um novo sistema de governo baseado na monarquia constitucional, havia
também vozes dissonantes que criticavam a ideia de uma Constituição. Um
folheto traduzido do espanhol que circulou por Lisboa, entre os idos de
 e , fazia a seguinte reexão:
Com que já temos constituição? Que escândalo! Que Horror! Que desaforo!
Quem havia de pensar que ao m de tantos anos que estão trabalhando os
homens mais doutos mais respeitáveis para desterrar semelhante nome dentre
nós, havia chegar um dia em que não só se ouvisse sem estremecer-nos, senão
que se proclamasse, se exaltasse e ainda, para assim explicar-me se divinizasse?
Em que tempo vivemos, Sr. d. Fernando, e que desgraça há sido a nossa ter
alcançado este maldito século XIX.
A verdade era que o raiar do século XIX trazia consigo um legado
fundamental da Revolução Francesa: a discussão de temas políticos na arena
pública pelos homens comuns. Isto é, se dessacralizava a política, tornando–a
um tema a ser resolvido por toda a Nação. Nas palavras do historiador João
Luís Lisboa, o início do século XIX marca a “altura dos grandes debates sobre
as virtualidades da intervenção do homem na modicação e na condução
 Documento direcionado à Joaquim Antonio Xavier A. da Costa, assinado por Manoel
Fernandez omaz, importante dirigente do governo interino.
 Lisboa. Punhal dos Corcundas. n.º , p. . Lamentos políticos de um pobrezinho e pre-
guiçoso que estava acostumado a manter-se à custa alheia, por O lamentador.

da coisa pública” (Lisboa, : ), particularmente no contexto português,
já que o Rei e sua Corte estavam a milhares de léguas de Lisboa, antigo
centro do poder.
Sob essa nova perspectiva, a evolução e, posteriormente, a repercussão
da Revolução do Porto nos dois lados do Atlântico impôs uma nova
cultura política que se delinearia ao longo de  e , criando também
o nascimento de um novo vocabulário político entre os homens ilustrados
que pensavam os destinos do império. A “cultura política de uma sociedade
compõe-se não só de conhecimentos e crenças que fundamentam as práticas
possíveis no interior de um sistema político, como as normas estabelecidas
para denir os direitos e deveres dos participantes como cidadãos”, o que
na prática, delimitava “as fronteiras das comunidades a que pertencem
indivíduos e grupos, legitimando ou desqualicando as suas reivindicações,
dene a historiadora Lúcia Neves (: -).
Se no início de  a vigência das Cortes em Portugal já demarcava
vieses importantes da monarquia constitucional a ser instituída no Império
Português, no Brasil ainda se desenhavam as primeiras adesões às Cortes e à
Constituição, cujo impacto e repercussão se deram de forma diferenciada em
todo o Brasil, tão caracterizado pelas especicidades regionais. O Pará aderia
ao projeto constitucional em º de Janeiro de , seguido do Maranhão e do
Piauí. Em  de fevereiro, era a vez da Bahia e, em seguida, de Pernambuco.
Nessas províncias, particularmente, o movimento constitucionalista foi
em grande parte resultado da ação de brasileiros libertos da revolução de
, cujos ânimos conseguiram ser totalmente sufocados pelos esforços
dos respectivos governadores locais, arma a historiadora Ana Rosa C.
da Silva (: -).
Apesar de as províncias do norte e nordeste terem concordado
prontamente com o sistema constitucional, não houve uma perfeita sintonia
nas tendências e motivações dessas províncias; pelo contrário, desde o
início, a agitação pelo controle da situação se mostrava aguda. Todas essas
capitanias, porém, convergiam em um ponto importante: faziam oposição
ao despotismo do Rio de Janeiro, diferentemente das províncias do sul e
sudeste, que assumiram um tom mais controlado.
Já no Rio de Janeiro, a particularidade dessas transformações aparecia
desde , quando a cena política brasileira já contava com o surgimento
de novos protagonistas que, em , seriam líderes de um importante
movimento político em prol do juramento da constituição de Lisboa, ocorrido
no largo do Rossio. Esse novo grupo era composto por proprietários de terras
e comerciantes do Recôncavo da Guanabara e do Campo dos Goytacazes que
se aliaram aos negociantes de gêneros de abastecimento e varejistas, além
de bacharéis e militares, com o intuito de se contraporem aos interesses das

famílias portuguesas e negociantes de grosso trato, ambos articuladores das
esferas de decisão do Estado.
Denominado de liberais, seus principais representantes – Joaquim
Gonçalves Ledo, Januário da Cunha Barbosa, José Clemente Pereira, Luis
Pereira da Nóbrega de Souza Coutinho e Manoel dos Santos Portugal – eram
homens que buscavam o enriquecimento e a ascensão na esfera pública,
marcadamente por defenderem interesses antagônicos aos da alta burocracia
portuguesa, representada pela nobreza emigrada, os comerciantes de grosso
trato, como a família Carneiro Leão, e os ministros de Estado, entre eles
Silvestre Pinheiro Ferreira e Vilanova Portugal.
    
O grupo dos liberais liderou uma das mais importantes manifestações
políticas ocorridas no espaço público durante a governação de D. João VI.
A parada militar ocorrida em  de fevereiro de , no largo do Rossio na
capital, exigia o juramento do Rei à Constituição de Lisboa e a substituição
dos ministros de Estado e das pessoas que ocupavam os principais cargos
políticos no governo. Eram favoráveis à volta de D. João VI para Portugal,
sob a perspectiva de uma monarquia constitucional, com sede em Lisboa.
Paralelamente a essas reivindicações, as atitudes do regente escancaravam
a forte crise pela qual passava a monarquia portuguesa, cujo impasse era
sinalizado para toda a sociedade uminense inclusive com importantes
contornos na imprensa.
Em  de fevereiro, D. João VI determinava a volta de D. Pedro a Portugal
com o objetivo de “assegurar a felicidade da nação” e, assim, “restabelecer a
tranquilidade geral daquele Reino; para ouvir as representações e queixas
dos povos” (Gazeta Extraordinária do Rio de Janeiro, , Nº ). No dia
, a Gazeta do Rio de Janeiro noticava em publicação extraordinária
o decreto real que enviava o Príncipe Real ao Reino para consolidar a
constituição portuguesa.
 Na publicação do periódico a assinatura do Regente datava de  de fevereiro de ,
folha  do Livro °.



O discurso real de D. João evidenciava os novos paradigmas que a
sociedade como um todo estava compartilhando. Como soberano agora
submetido a uma constituição feita e pensada pelo povo, D. João se via na
posição de partilhar os poderes da nação, já que era por ela escolhido. A
partir de então, o monarca devia obediência às leis que a sociedade legislava
e promulgava nas Cortes, sendo reduzido seu espaço de negociação, que
cava sujeito a uma determinação coletiva vinculada aos trâmites do poder
legislativo. A volta de D. Pedro para Portugal era uma forma de D. João VI
conservar os laços reais nos dois lados do Atlântico para, em última instância,
garantir a unidade e legitimidade do Império Português (Schiavinatto, :
-). A circunstância era muito complexa, motivo pelo qual, no dia 
de fevereiro, o Rei dava publicidade à relação dos membros da comissão da
“Junta das Cortes” do Reino do Brasil. A raticação dessa decisão ocorreria
no dia seguinte, com a aprovação no Reino do Brasil da Constituição que
estava sendo feita em Portugal. Os membros da comissão “eram os mesmos
homens que no decorrer do governo joanino haviam acumulado enormes
fortunas e se assenhorado da administração pública, arma a historiadora
Cecília Salles Oliveira (: ). Na prática, a presença de personalidades
como Tomás Antonio Vilanova Portugal, o Conde de Palmela e o Conde
dos Arcos, perpetuava o mesmo poder político e as antigas condições de
mercado vigente. Essa conjuntura conitava diretamente com os interesses
dos liberais uminenses, que buscavam criar instrumentos jurídicos que
legitimassem a sua preponderância sobre o mercado e a esfera pública. O
foco da crise monárquica estava nas decisões reais que se passavam dentro
do alto escalão governamental, fato que já se delineava pelo universo público
de diferentes formas.
Desde a chegada da notícia da Revolução, o Rio presenciava um
momento político de efervescência e ebulição. Já em meados de , os
habitantes da cidade produziam seus escritos que agora circulavam por
todos os cantos em um clima de maior liberdade. Multiplicavam-se os
manuscritos – cartas, anotações, papéis públicos – que geravam muitos
burburinhos sobre o futuro do Império Português e, obviamente, contribuíam
para o raiar de novas reexões sobre a política real. Essa atividade ganhava
tamanha dimensão que os próprios escravos passavam a esquadrinhar uma
outra vertente de atuação, impostando suas vozes e opiniões, em uma clara
perspectiva de sujeitos históricos agentes (Morel: :-).
A manifestação de  de fevereiro de  foi resultado dos dias
de intenso conito e tensão que ocorriam na órbita governamental. O
movimento evidenciava o embate de posições políticas entre o governo
e um grupo de cidadãos livres insatisfeitos, cujas relações comerciais
eram muitas vezes perpassadas por elos de parentesco com os europeus e

também pelo contato com a maçonaria, que os tornavam mais próximos
dos revolucionários vintistas.
D. Pedro se responsabilizou pelas negociações entre os liberais – que
exigiam a aprovação da constituição – e a palavra nal de D. João VI, que
aceitava o novo cenário político. Um contemporâneo dos fatos descreve
que, desde o amanhecer do dia , quando todo o batalhão militar já se
organizava na Praça do Rossio exigindo que o Rei se rendesse às Cortes,
apareceu a gura de D. Pedro. Com um papel nas mãos, leu para as tropas
que aguardavam a decisão real. “Tudo está feito: a Tropa pode ir a quartéis, e
os ociais vão beijar a mão do meu Augusto Pai” (Relação dos Acontecimentos
do Rio de Janeiro no dia  de fevereiro de  e algumas circunstâncias
que o precederam e o produziram. BNP. Seção de Reservados, Cód. .).
O bacharel Marcelino José Alves Macamboa argumentou que essa
atitude não atendia as reivindicações e que o Rei deveria jurar as Cortes.
Em consequência desse momento de conito, D. Pedro se comprometia
em levar as solicitações dos revoltosos para D. João, inclusive com o pedido
de afastamento de Paulo Fernandes Viana e Vila Nova Portugal, ambos
homens de proeminência no governo. Depois da reunião com o monarca,
que consentiu todas as exigências, D. Pedro voltou à praça e leu o decreto real
de  de fevereiro. Foi ovacionado pela população que, sob vivas, aclamava
o nascimento de um novo tempo. Alguns escritos da época exaltavam a
relevância da atitude do príncipe, que foi considerado por muitos um herói.
Os Heróis sempre marcam
Um dia com grandes Feitos
Outros além levantaram
Padrões de valor inteiro;
Mas o Rio de Janeiro
Um herói em si achou
Que de mais glória coroou
 de fevereiro.
(Poesia em aplauso dos heroicos feitos do memorável dia  de fevereiro ,
Rio de Janeiro, Imprensa Régia, ).
Às onze horas da manhã, D. João estava in persona no Rossio para
rearmar as palavras e o pacto de lealdade do lho com o seu povo. Ao
ser ovacionado, o Rei punha em prática os códigos de sociabilidade tão
presentes e necessários nas relações hierárquicas e de subordinação vigentes
na monarquia portuguesa: reverenciava o povo com beija-mãos, o que
supostamente sinalizava para o restabelecimento da ordem. “D Pedro, ao
ocupar a cena pública, sintetizava um modo de agir mais condizente com

a intenção política liberal, que não reprime a revolta, o descontentamento,
mas, ao contrário, sabe remanejá-los a seu favor”, elucida a historiadora
Iara Lis Schiavinatto (: ). Com essa atitude, conseguia dissimular a
derrota do rei, que cedia às exigências do povo.
Já no dia , o redator da Gazeta descrevia os fatos ocorridos dois dias
antes pela ótica da conciliação entre os envolvidos. Segundo Guimarães,
as múltiplas circunstâncias tiveram “vantajosos resultados” que podiam
ser vistos através da “geral tranquilidade no meio dos acontecimentos quase
sempre rubricados com sangue. No nal da reportagem, o jornalista abria
um diálogo com os leitores da folha, dizendo que bastava “transmitir uma
singela e verdadeira exposição do que houve de mais notável neste dia singular
a aqueles, que não tiveram a satisfação de o presenciar.
Era preciso que a Gazeta veiculasse essa versão dos fatos até porque
a direção do jornal tinha ciência de que na cidade já circulavam outras
informações sobre os acontecimentos advindos de além-mar, que vinham
pelas correspondências particulares. Nessa mesma data, a Impressão Régia
publicou um Suplemento à Gazeta N° , que “complementava” as informações
veiculadas na mesma edição. Ao contrário do que poderiam supor os
contemporâneos, o jornalista não só defende explicitamente os interesses
do povo, como também reverenciou o patriotismo dos revolucionários
vintistas. Dizia ele: “Retumbou no Brasil a voz, que alçaram nossos Irmãos em
Portugal, e o fogo do nobre patriotismo, acendendo-se nos peitos generosos
dos habitantes do Rio de Janeiro, [que] rompeu as prisões que o detinham,
e se manifestou com o maior entusiasmo”. A participação popular era
justicada “pelo desejo de ver melhorada a sua situação, ambicionando a
glória de regenerar a Pátria.” Ainda segundo o redator, como o povo não
podia realizar tal empreitada por si só e “ultimar tão grande obra, convidou
a cooperação daqueles que, por mais de uma vez tem salvado, e achou no
brio, valor e honra dos mesmos, o auxilio, de que precisava, em referência
aos militares, a Tropa e ao grupo dos liberais.
Nessa publicação há um rompimento com o discurso real que gloricava
o monarca e sua innita benevolência para com o seu povo. O gazeteiro
assume, inclusive, a existência de condições sociais conituosas (sobretudo
para os menos privilegiados) dentro do sistema absolutista português. Diante
de tamanha ousadia, já que tudo isso tinha sido dito em um jornal ocial,
é bem razoável que os diretores do periódico estivessem inquietos com as
consequências adversas do processo político desde a Revolução do Porto e,
por isso mesmo, buscassem uma rearticulação do discurso da folha.

A     
O ano de  foi, decisivamente, um período de grandes e importantes
mudanças na vida sociopolítica e cultural do Brasil. As múltiplas manifestações
de ordem pública só cresceriam ao longo do ano, sobretudo depois do
movimento constitucionalista de fevereiro. Nesse cenário, os cafés e as
livrarias se tornavam locais privilegiados das discussões políticas, apesar de
o absolutismo não ser ainda uma página virada da história luso-brasileira.
“Diante do poder Absolutista, havia um público letrado que, fazendo uso
público da Razão, construía leis morais, abstratas e gerais, que se tornavam
uma fonte de crítica do poder e de consolidação de uma nova legitimidade
política, arma o historiador Marco Morel (: ).
O mês de março marcaria importantes contornos nessas transformações
que, em âmbito mais amplo, estavam imersas nas novas problemáticas
vigentes no Império luso-brasileiro. Nesse mês, surgiam três jornais no
Rio – uma absoluta novidade –, já que até então todo papel impresso que
circulasse pela cidade (incluindo-se aí a imprensa) era de domínio privado
do governo, através da Impressão Régia e, portanto, necessitava de uma
licença real para circular.
O amigo do Rei e da Nação, de Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, foi
um periódico que circulou entre os meses de março e junho de . O
texto era escrito em forma de artigo, sendo publicado em três partes. Para
além deste, nascia também O Bem da Ordem e O Conciliador do Reino
Unido. Enquanto o primeiro tinha como redator o cônego Francisco
Vieira Goulart, o segundo foi dirigido por José da Silva Lisboa, o visconde
de Cairu, todos eles homens ilustrados pertencentes a um estrito círculo
cultural diretamente ligado à realeza. Diferentemente de O amigo do Rei
e da Nação, O Bem da Ordem foi uma coleção de dez edições, escrita em
formato editorial, que circulou até o mês de dezembro de . Em todos
os números, o redator primava pela continuidade temática do que havia
sido discutido nos exemplares anteriores. Já O Conciliador do Reino Unido
teve apenas sete números, circulando entre º de março e  de abril de .
Todas essas novas folhas, juntamente com a Gazeta do Rio de Janeiro,
debateriam questões políticas essenciais da época: as Cortes, a constituição, a
ideia de opinião pública e a liberdade de imprensa; esta última uma exigência
dos revoltosos vintistas aceita por D. João VI no “memorável” dia  de
fevereiro de . Debater as vantagens e prejuízos da liberdade de imprensa
era uma questão central da época, anal de contas se constituía como um
dos principais pilares do liberalismo político, então nascente no mundo
luso-brasileiro. Cairu, que era diretor da Gazeta do Rio de Janeiro desde 

e também censor régio, dedicou três números de seu jornal O Conciliador
do Reino Unido para pensar sobre essa problemática.
Nessas edições, criticava as ideias de um folheto anônimo impresso no
Brasil que se popularizara na sociedade carioca justamente por defender a
absoluta liberdade de imprensa. O comentário do censor sobre tais reexões
é um excelente termômetro das mutações que permeavam o universo público
da Corte. A “liberdade de imprensa é hoje reclamada sem limites, como
direito do homem e do cidadão pela mania do século, e fantasia de sostas,
que confundem a saudável reforma com a horrorosa mudança na constituição
do Estado”, defendia. Com esse discurso, Cairu temia que a imprensa se
convertesse em uma “maquina infernal, para explosões revolucionárias”,
pois, segundo ele, certamente estaria nas mãos dos pregoeiros de desordens,
que, dizendo ter chegado à idade da razão, usá-la-iam para propagar erros
terríveis em escritos incendiários. Em outras palavras, o nobre desejava
criar limites para a liberdade de expressão. Ovídio Saraiva de Carvalho e
Silva, bacharel formado em direito pela Universidade de Coimbra, também
ajuizava sobre o futuro da imprensa no Brasil, principalmente depois do
decreto de  de março de  que suspendia a censura prévia. Segundo
ele, todas as conversas miúdas que invadiam os diferentes lugares de
sociabilidade da Corte tinham como tema a esperança das pessoas em
relação aos melhoramentos decorrentes das novas possibilidades da livre
escrita (O Amigo do Rei e da Nação, n. , s.d: ).
Apesar de tamanha agitação social, Carvalho e Silva interpretava o
decreto de  de março mais como uma benesse do soberano do que como
uma conquista de toda a sociedade. Por essa ótica, classicava os escritores
em dois grupos bem distintos entre si: o cidadão benemérito e o criminoso.
“(...) os mesmos tipos, que apontarem as virtudes, hão também [de] assinalar
os delitos”, defendia o el vassalo de D. João (O Amigo do Rei e da Nação,
n. , s.d: ). Na prática, porém, o Rio já vivia sob a diversidade de olhares,
o que constituía um passo fundamental nas discussões sobre temas de
interesse coletivo.
Apenas o Brasil o sabe, não mais se esconde o entusiasmo de seus habitantes,
e sem que o medo o estorve, o sentimento avulta, a opinião se fortica, e qual
seja a vontade universal não entra em dúvida. O Bem, que a todos resultava
na mudança era muito claro, muito simples para que às vistas mais grosseiras
pudessem car oculto. A Bahia soltou o primeiro grito de Constitucional e, e seu
eco, retinindo no Rio de Janeiro, encontrou a resposta em um grito semelhante.
 Ver edições de n.ºs ,  e 

Apesar do partido imediato, que se nutria da miséria da Nação, e iludindo o
Monarca, tentava escurecer a seus Olhos os raios da verdade; apesar dos Gênios
mal fazejos, aos quais não convinha a menor variação na marcha do Governo:
alguns daqueles Portugueses, a quem nada atemoriza, logo que se trata da
salvação da Pátria, e alguns honrados e dignos Militares, tomam a si a Grande
empresa, prestão-lhe energia, e conseguem nalmente na manhã do dia  de
Fevereiro realizar os seu ardentes votos com Aprovação do Benéco Soberano
(...)
Às vistas de todos estão xas na Administração da Causa Pública, e vêm
satisfeitos, que os novos Ministros, e novas Autoridades vão conrmando
a boa opinião da sua escolha, tanto mais grande (sic) quanto mais difícil na
crise, em que foi feita, e da qual não devia retardar-se.
O público por justos motivos queixoso, e talvez indignado: agora que a verdade
já não é crime, agora que a verdade já pode intrépida avesinhar-se ao trono o
Soberano conhecerá cada vez mais, que a linguagem muito raras vezes tocou
nos seus ouvidos. Não digo, que em todas as Autoridades existisse a corrupção;
uma tal linguagem seria um crime seria manchar os Portugueses, e supor
entre eles mais perversos, do que honrados. É certo, porém, que de grandes,
e mesmo de pequenas Repartições, brotavam ordens, e emanavam planos
que se o nosso Bom Rei os conhecesse, não cariam impunes seus autores.
(...)
As nossas ideias mais livres agora, apuradas por sábias combinações, e por um
sisudo critério, servirão de aperfeiçoar os costumes: as Ciências, e as Artes
serão melhoradas entre nós, banida a estupidez, e o mérito exaltado. O fogo
dos Gênios iluminados não será mais sufocado, e sem que transponham as
balizas, que a Decência e a Razão lhes assinala, sem que fatais parcialidades
os desvairem, veremos defender o justo, proscrever o injusto, e melhorando
o que for bom, tornar feliz a Sociedade, enriquecê-la de bons Escritos, não
só pelas Pátrias produções, mais ainda pelas traduções e ampliações daquelas
com que as outras se enobrecem.
(O Amigo do Rei e da Nação, n., s.d.:-).


Cinco dias depois, em  de março, o decreto era publicado na Gazeta
do Rio de Janeiro. O comentário do redator não só admitia que a liberdade
de imprensa fosse uma consequência dos princípios liberais, como também
a referenciava como fator que propugnava o progresso e as luzes.
O decreto de  de março transferia a censura dos manuscritos para as
provas tipográcas. Isto é, na prática, mudava-se o tipo de “censura” praticada
pela Coroa: regulavam-se os direitos dos editores e impressores, ao mesmo
tempo em que estes cavam restringidos à vigilância dos homens ilustrados
da órbita real responsáveis pela “boa” condução das discussões. Apesar
dessas controvérsias, a partir de então o Rio de Janeiro abria as portas para
o orescimento da imprensa que pautaria os primeiros debates políticos na

arena urbana. Nesse mesmo dia  de março, D. João noticava a decisão de
voltar para Lisboa deixando aqui D. Pedro, seu legítimo sucessor que ocuparia
na sua ausência o centro do poder no Brasil. Para evitar maiores conitos
políticos, que na vida cotidiana já se mostravam cada vez mais acirrados,
o Rei também convocava para abril a reunião de eleitores paroquiais para
a escolha de seus representantes nas comarcas, responsáveis por elegerem
os deputados que comporiam as Cortes, em Lisboa.
Uma semana depois, no dia  de março, era estampado na primeira
página da Gazeta o decreto real. A decisão da partida foi compreendida
como uma prerrogativa indispensável para a manutenção do Pacto Social. Por
essa razão, D. João aceitava e jurava por “toda a Nação o dever do soberano
de assentar a sua residência no Lugar, onde se ajuntarem as Cortes, para
lhes serem prontamente apresentadas as Leis, que se forem discutindo, e
deles receberem sem delongas a Sua indispensável Sanção.” Compreendia
sua partida como “um dos mais custosos sacrifícios, de que é capaz o meu
Paternal e Régio Coração, estendendo o momento da sua tristeza para
rememorar a trajetória histórica da monarquia portuguesa, particularmente
quando ele próprio fora personagem principal. Ressaltava a separação – pela
segunda vez – de seus vassalos, “cuja memória me fará sempre saudosa e
cuja prosperidade jamais cessará de ser em qualquer parte um dos mais
assíduos cuidados do meu Paternal Governo.
Abril foi um mês de muita tensão no Rio. As tropas de linha aguardavam
com ansiedade a reunião marcada para o dia , que deniria os personagens
ou eleitores das comarcas para a representação do Rio de Janeiro nas Cortes
Gerais. Estes ameaçavam novas manifestações e, com o apoio do povo,
mantinham a cidade em constante agitação, ao ponto de Silvestre Pinheiro
Ferreira sugerir ao Rei que entregasse aos autores da “desordem” a sustentação
da tranquilidade pública (Ferreira, : -). José Domingues de Attaíde
Moncorco, um memorialista do período, considerava horrível o quadro da
Corte nessa época. “Tal a apaga que esta cidade leal e hospitaleira recebeu
daqueles a quem acolheu, elevou e nutriu por tantos anos. Ela via-se onerada
de impostos mal aplicados e novos no país, sem marinha, sem comércio e
sem numerário, bradava o contemporâneo. Além disso, ainda exaltava sua
revolta com “uma Corte que ostentava luxo asiático; e como se ainda estes
males não fossem sobejos, o Rio de Janeiro via germinar no seu seio mil
partidos diversos e destrutores.” Segundo ele, tais fatores foram responsáveis
pela partida precipitada do Rei (Moncorvo, : ). Paralelamente, ocorria
a formação das Juntas de Governos Provinciais. Pará, Pernambuco e Bahia
mantinham uma posição revolucionária: os líderes expulsaram os capitães-
generais do poder e instituíram a eleição imediata de representantes da terra.
Já São Paulo e Minas Gerais compuseram o poder e a representação pela

aliança dos antigos governadores, que simbolizavam a força do governo
absolutista. Apesar das diferenças, essas transformações na recomposição
dos poderes regionais signicavam, nas palavras da historiadora Maria de
Lourdes Viana Lyra, “a incorporação denitiva e de direito, dos nascidos
no Brasil nas funções administrativas da Monarquia” que, na prática, abria
o caminho para a exibilização do sistema (: ).
Diante desse cenário, D. João resolveu antecipar em um dia a reunião,
que ocorreria, então, no dia . Entre os dias  e  eram axados nos
principais pontos da cidade os editais que determinavam a mudança da data.
A antecipação do encontro foi uma estratégia muito bem planejada pelos
nobres emigrados e comerciantes de grosso trato para que mantivessem
o controle das decisões e impedissem ou minimizassem a presença e os
votos do grupo liberal. “A leitura deste edital causou sensação prodigiosa,
instruiu o povo da sua força e animou os mais tímidos. Lavrou por toda a
cidade a notícia de que a junta eleitoral ia deliberar sobre um novo governo
e que El-rei queria que o Brasil xasse regido por pessoas da sua conança,
relembrava Moncorvo em maio do mesmo ano (Moncorvo, : ).
Os liberais, todavia, não acataram a alteração. Com o apoio do povo,
das tropas milicianas e regimentos policiais organizaram uma manifestação
na Praça do Comércio cujo intuito era fazer pressão ao governo e tentar
viabilizar as diretrizes e os representantes que atendessem aos seus interesses.
No dia , o povo – na maioria à margem do processo eleitoral –, compôs a
multidão na praça. O sentido de povo no Brasil no alvorecer do Oitocentos
estava estritamente associado aos critérios de representatividade, isto é,
pelas regras da época vigente no quadro do liberalismo constitucional,
eram as eleições censitárias e indiretas que designavam quem seriam
os parlamentares. Apesar disso, o Rio ainda mantinha uma concepção
tradicional do esquadrinhamento do espaço público (uma vez que as
praças existiam, sobretudo devido à sociabilidade da Coroa, da nobreza,
dos militares e da Igreja). Como nos elucida o pesquisador Marco Morel,
essa situação já começava a mudar devido às ocorrências e “tentativas
de apropriação de outros espaços, que assim se tornavam híbridos”, pois
marcava a presença de diferentes camadas da população na cena pública, o
que, na prática, contribuía decisivamente para o “movimento de passagem
para a condição de súditos-cidadãos” (Morel, : ).
Ao contrário do que imaginavam os liberais, a população livre das
mais diversas camadas sociais também intervinha nas propostas políticas
exigindo que suas vozes e interesses fossem contemplados. Depois de lido
o edital, o povo se convenceu de que tinha o direito de fazer os comentários
e reexões que melhor lhes conviessem, por isso pediram em uma voz
uníssona “Queremos a constituição espanhola interinamente!” (Moncorvo,

: ), que vigorava desde  e cujo texto exercia grande inuência
no desenvolvimento do constitucionalismo espanhol, português e também
norte-americano.
Esse posicionamento mostrava um viés fundamental da atuação do
“povo” tão subestimado pelas elites luso-brasileiras: havia uma insubordinação
às decisões e aos projetos políticos defendidos pela elite proprietária de
terras, o que representava um perigo para os grupos em conito, fossem eles
a alta nobreza portuguesa e os ricos negociantes uminenses, ou mesmo
o grupo dos ditos liberais.
Em meio ao rebuliço, os membros do partido realista ou os homens
próximos à D. João pediam tranquilidade e admitiam o juramento à
constituição espanhola. “Os clamores aumentando em todo o salão, muitos
membros da junta tomaram a palavra para os sossegar (sic), e os eleitores mais
adictos às novas opiniões, depois de terem apreciado em silêncio o espírito
do seu corpo, vendo que o partido realista estava comprimido por um terror
pânico julgaram chegada a ocasião de se aproveitarem do ardor popular:
eles em alta voz pediam ao povo que se tranquilizasse, prometendo-lhes
que se havia de julgar a constituição que pediam, e aançando o presidente
para que estava munido de poderes reais para os atender”, narra Moncorvo,
uma gura ocular dos fatos.
A violência e o acirramento das diferentes posições políticas alteraram
os rumos da reunião. No auge das discórdias, D. Pedro autorizou a atuação
repressiva das tropas de linha e de regimento da divisão portuguesa que
colocavam um ponto nal à manifestação. O saldo de tamanha violência,
no entanto, era um alto número de mortos e feridos. “(...) pessoas do povo
foram indiscriminadamente mortas, e um número maior, lançando-se ao
mar com precipitação, encontrou nas ondas a morte que evitava. Porém, o
que mais denegria estes soldados desencaminhados e ferozes foi que, não
contentes de tirarem a vida a seus próprios concidadãos, tracavam nelas,
recebiam ou roubavam o que achavam de mais precioso, e saquearam
os móveis de prata do serviço da casa, descrevia o mesmo memorialista
(Moncorvo, : ).
A grande repercussão do episódio teve diferentes versões pela cidade.
Cada um a sua maneira recontava o fato ressaltando os detalhes que mais
lhe interessavam. Diante de tamanha afronta ao poder real, era necessário
que o gazeteiro da monarquia publicasse uma reportagem sobre o ocorrido,
em  de abril. Depois de descrever a razão do evento ocorrido na Praça
do Comércio – a eleição dos nomes dos compromissários para atuação nas
Cortes –, Araújo Guimarães falava em nome da monarquia, comentando
a enorme decepção que o povo havia causado diante dos olhos do Rei e
seus representantes. “Confessamos ingenuamente que nos entregávamos

de antemão a sentimentos de júbilo por uma acizada (sic) eleição, e nos
felicitávamos do desempenho de tão grato dever. Mas quanto são errados
(sic) os juízos dos homens!” Armava ainda que, por ter as esperanças
malogradas, a dor era pungente. Ressaltava, contudo, que “devemos ser
éis expositores de acontecimentos desastrados, que tiveram origem na
inconsideração, progresso na exaltação de sentimentos ilegais, e m em
desgraças, que a maior vigilância não pudera antever.
A circunstância pela ótica das autoridades reais era desastrosa e a fala
do redator deixava claro que a razão dessa catástrofe tinha uma explícita
relação com a atuação do povo – considerado por Guimarães “inimigos da
causa pública” –, justamente porque reivindicava a sua participação política.
Segundo o jornalista, os revoltosos “sofregamente procuravam medidas
violentas, e providências arrebatadas. Discursos sediciosos, vozes tumultuosas
substituíram a tranquilidade e sangue frio necessários em deliberações de
tanta importância” que acabaram por abrir espaço para objetivos “alheios
àquela assembléia e, portanto nulos. Para os representantes da monarquia,
esses personagens acabaram por produzir muitos rumores anárquicos ao
invés de consagrar o importante voo em direção à liberdade, o que causava
profundo pesar aos cidadãos que têm verdadeiro amor pela Pátria.
A reexão publicada na folha ocial três dias depois do episódio revelava
muito da visão que os detentores do poder possuíam dos agentes sociais
populares que estavam inseridos na transformação política de tamanha
envergadura para os destinos do Império luso-brasileiro. Compunham
uma multidão ainda sem coesão coletiva em prol dos ideais que defendiam,
mas que já possuíam a consciência do seu potencial de transformação ou,
ao menos, já começavam a compreender a força inerente ao poder de suas
palavras quando expunham as contradições e problemas da realeza no
espaço público.
Em  de abril, quatro dias após esse episódio lamentável, D. João VI
partia para Portugal. D. João, a Rainha D. Carlota e o príncipe D. Miguel eram
acompanhados por mais ou menos quatro mil pessoas que compunham a
comitiva real. Por ironia do destino, o regresso da corte joanina foi feito à
francesa, às pressas, mas sem alarde. D. João VI voltava para o Reino muito
menos Rei do que quando chegara ao Brasil, ainda Príncipe Regente. Acuado
politicamente, o silêncio da partida demonstrava o medo do monarca diante
das possíveis manifestações populares que já faziam parte do cotidiano de
seus súditos-cidadãos em ambas as margens do imperial Atlântico português.
Dois dias depois da partida, a edição  da Gazeta do Rio de Janeiro
estampava a notícia que já era de conhecimento de todos na cidade. O
jornalista exaltava as provas de amor do soberano aos seus vassalos e todo
o seu empenho em prosperar o Novo Mundo. O embarque da realeza

pela nau D. João VI era descrito da seguinte forma: “Um excelente dia,
um vento do NE, fresco e aturado zeram sobressair esta cena brilhante,
e ao mesmo tempo dolorosa. Nessa mesma edição, a Gazeta publicava o
primeiro artigo de D. Pedro na imprensa. Intitulado Habitantes do Brasil,
o regente comunicava seus súditos acerca dos objetivos gerais de sua real
administração. Em  de abril de , portanto, sob as rédeas do Príncipe
Regente, que cara para dar unidade ao Império, começava uma importante
fase da história do Brasil. O período joanino cara para trás.

C F
A volta de D. João VI para a Europa marcava o nal de um período ímpar
na História da colonização do Novo Mundo. Pela primeira vez um monarca
atravessou o oceano, pisou em suas possessões coloniais, transladou – com
sua corte – uma estrutura governamental para o outro lado do Atlântico e
foi aclamado Rei com toda a pompa das cortes europeias.
No entanto, ao retornar para o Velho Continente, D. João VI partia muito
menos Rei do que quando aqui chegara. Nos treze anos em que permaneceu
no Brasil a face política do mundo luso-brasileiro se transformara a ponto
de colocar em questão a natureza de seu pátrio poder. Se em Portugal desde
a Revolução do Porto () os súditos-cidadãos exigiam a regeneração da
pátria, com a promulgação de uma Constituição pelas Cortes que assentaria
o poder político do Rei em uma monarquia constitucional, deste lado do
Atlântico o diálogo e a tensão política com o Reino não foram menores.
A partir de , os ecos da Revolução do Porto já se faziam presente
no espaço público do Brasil, sobretudo no Rio de Janeiro. Os conituosos
interesses da elite brasileira colocavam em cena as disputas pela vigência de
diferentes projetos políticos que apareciam de forma patente na dinâmica da
vida cotidiana. A arena pública se tornava palco da constituição da prática
cidadã e o homem comum passava a reetir e a discutir os destinos do Brasil.
O povo emergia como personagem de primeiro escalão na teatralidade
da vida política e era agora necessário que os representantes do poder se
preocupassem em criar formas mais sosticada de controle das possíveis
consequências políticas desses indivíduos no espaço público.
Atos e palavras ganhavam novos signicados. Resultado da complexidade
de um universo plural em que os códigos de sociabilidade tradicionais do
Antigo Regime se conitavam com os novos valores e posturas políticas
que constituíam uma sociedade em constante mutação.

B C
ALGRANTI, Leila Mezan, O feitor ausente. Estudo sobre a escravidão urbana
no Rio de Janeiro (-). Petrópolis: Vozes, .
Este livro é uma contribuição fundamental para a compreensão da
escravidão urbana no Brasil uma vez que discute as relações socioeconômicas
escravistas vigentes na cidade do Rio de Janeiro no período joanino. A
autora reinterpreta a natureza e as feições características do escravismo
colonial sob a forma de ganho, que marca as peculiaridades do sistema
escravista no universo urbano, intrinsecamente associado à sustentação do
Estado português no Brasil Colonial. A obra também fornece importantes
subsídios para a compreensão da história da vida cotidiana carioca no raiar
do século XIX, marcada por tensões, violências e conitos sociais inseridos
em um movimento mais amplo das contradições escravistas vigentes no
sistema colonial brasileiro.
KURY, Lorelai (Org.), Imperialismo e Império no Brasil. O Patriota (-
). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, .
Coletânea de cinco artigos de renomados historiadores nacionais,
o livro traz análises inovadoras que discute as singularidades do que os
pesquisadores denominaram de iluminismo luso-americano, que nasceu
inserido no universo imperial português. Sob diferentes problematizações,
os autores buscaram compreender as especicidades inerentes ao processo
de produção, discussão, circulação e leitura das ideias impressas no universo
letrado da Colônia, presente nas páginas de O Patriota, primeiro jornal
literário e cientíco a circular no Brasil nos anos de  e . O leitor
ainda recebe o CD-ROM com a coleção integral de O Patriota, que permite o
acesso ao fac-símile da coleção de textos raríssimos produzidos por homens
ilustrados da seleta órbita cultural do monarca.
LOPES, Emilio Carlos Rodrigues, Festas Publicas, Memória e Representação:
um estudo sobre manifestações na Corte do Rio de Janeiro (-). São
Paulo: Ed. Humanitas FFLCH/USP, .
Os sentidos políticos das festas produzidas pela monarquia portuguesa
entre os anos de  e  norteiam a discussão deste livro, que é uma
referência importante para a compreensão da vida sociocultural do período
joanino no Brasil. Ao analisar a arquitetura das festas sob o olhar de diversos

personagens da época, o autor traça um rico cenário dos diferentes olhares e
interesses na constituição desses eventos sociais, intrinsecamente relacionados
à ideia de sustentação do Império Português. Sob essa perspectiva, o livro
aborda dois eventos de suma importância do período: a aclamação de D.
João VI, em , e a aclamação de D. Pedro I, em . A dimensão da
análise ganha relevância em virtude do amplo signicado que apresentaram
dentro do momento histórico que problematizava os confrontos vigentes
no movimento de separação dos Reinos do Brasil e Portugal.
LIMA, Oliveira, D. João VI no Brasil. ª ed. Rio de Janeiro: Topbooks. .
Livro clássico da historiograa brasileira, D. João VI no Brasil completa
cem anos mantendo uma análise atual acerca da problemática política vigente
no período joanino. Ao consultar uma ampla documentação diplomática,
o autor não só revela uma imagem complexa de D. João como Príncipe
Regente e monarca como também enfatiza a gura de Carlota Joaquina.
A análise dos bastidores da política ministerial do governo joanino assim
como as tensões, interesses políticos e práticas da vida cotidiana, ambos
ricamente contextualizados, são o ponto alto dessa obra, cuja narrativa
envolvente coloca o leitor diante de complexidade do universo político
imperial e cotidiano da sociedade carioca.
MALERBA, Jurandir. A corte no exílio: civilização e poder às vésperas da
independência (-), São Paulo: Cia das Letras, .
O enfoque sociocultural da vinda da Corte para o Brasil é um dos
aspectos mais inovadores da obra de Jurandir Malerba. Ao analisar o impacto
da instalação da Família Real no Rio de Janeiro e as consequências para
a formação de uma nova sociedade na América, ainda nos moldes do
Antigo Regime Português, o historiador traça um panorama das mudanças
e permanências ocorridas entre anos de  e . O sentido das festas e
do teatro na formação da constituição de um novo espaço público assim
como a importância da sociabilidade de cortesão no intricado jogo político
das disputas políticas da corte, entre nobres portugueses e comerciantes
uminenses são detalhadamente enfocados. Ao considerar os múltiplos
aspectos do nascimento de um novo universo político, Malerba faz
uma analise pertinente da formação do Estado Brasileiro como nação
independente.

SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Gazeta do Rio de Janeiro (-): Cultura
e Sociedade: Rio de Janeiro: Eduerj: .
Ao utilizar a seção de Anúncios da Gazeta do Rio de Janeiro como fonte
documental do período joanino, o livro reconstitui de forma inovadora
a vida sociocultural e política da época. Por uma análise pormenorizada
da sociabilidade nos seus múltiplos vieses, o leitor tem a oportunidade
de conhecer aspectos fundamentais do cotidiano no Rio de Janeiro, entre
os anos de  e , que apareciam pelas páginas do jornal ocial.
Dos hábitos alimentares e diferentes tipos de moradia às doenças e os
modos de curar. A diversidade dos grupos socioprossionais, as práticas
comerciais assim como as práticas de leitura da sociedade da época são temas,
particularmente enfocados. Mas a análise da autora vai mais além: ao tratar
também das notícias políticas publicadas no periódico em profundidade, a
obra se incorpora à historiograa como uma referência indispensável para
o conhecimento mais amplo do período.
D. J       – 

-  de março, D. João desembarca no Rio de Janeiro.
- Criação do Conselho de Estado.
- Criação do Conselho da Fazenda.
- Criação do Conselho Supremo Militar e de Justiça por alvará de /.
- Estabelecimento da Real Academia dos Guardas Marinha, no Rio de Janeiro
por alvará de /.
- Criação do Tribunal da Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e
Ordens no Rio de Janeiro por alvará de /.
- Criação da Intendência Geral da Polícia da Corte e do Estado do Brasil,
por alvará de /.
- Elevação do Tribunal da Relação à categoria de Casa da Suplicação do
Brasil, por alvará de /.
- Elevação à primazia de Capela Real a Igreja de Nossa Senhora do Monte
Carmelo no Rio de Janeiro e criação da Paróquia do Paço Real.
- Criação do Arsenal da Marinha e da Escola da Marinha.
- Criação do Regimento de Cavalaria.
- Abolição da proibição de instalação de fábricas no Brasil e em todos os
domínios ultramarinos por alvará de /.
- Regulamentação da fábrica de pólvora por decreto de /.

- Estanco das cartas de jogar do Brasil e dos domínios ultramarinos por
alvará de /.
- Criação da Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação
por alvará de /.
- Determinação para circulação de moedas de ouro, prata e cobre e proibição
de ouro em pó, por alvará de /.
- Fundação do Banco do Brasil por alvará de /.
- Declaração de completa liberdade de circulação de moeda no Brasil por
alvará régio.
- Criação da Escola de Cirurgia do Hospital Militar em Salvador por decreto
de /.
- Criação do Museu Real no Rio de Janeiro, por decreto de /.
- Criação da Escola Anatômica Cirúrgica e Médica do Hospital Militar do
Rio de Janeiro, por decreto de 5/11.
- Início da circulação da “Gazeta do Rio de Janeiro” periódico ocial do
governo, em setembro.
- Manifesto do Príncipe Regente, D. João, declarando guerra à França (/).

- Início das atividades do Banco do Brasil em /.
- Início das atividades da Impressão Régia no Rio de Janeiro.

- Criação da Academia Real Militar no Rio de Janeiro por carta régia de
/. (Aberta em )
- Assinatura entre Portugal e Inglaterra dos tratados de Comércio e Amizade
e de Aliança e Navegação (/). Assinados por Lord Strangford e D. Rodrigo
de Souza Coutinho.
- Chegada da primeira leva da Livraria do Rei e da Livraria do Infantado.
São livros, manuscritos, códices, incunábulos, estampas, desenhos originais
e mapas. Chegam também aparelhos cientícos e uma coleção de moedas
e medalhas.
- Instalada a Real Biblioteca no andar superior do Hospital da Ordem Terceira
do Carmo.

- Abertura da Academia Real Militar, criada em .
- Criação da Junta da Fazenda, Arsenais, Fábricas e fundições do Rio de Janeiro.
- Abertura da Real Biblioteca.

- Com o bibliotecário Luís Marrocos chega ao Rio de Janeiro o segundo lote
de livros da Real Biblioteca (junho). Em novembro, com José Lopes Saraiva,
chegam “os últimos  caixotes de livros”, segundo carta de Marrocos a seu pai.

- Inauguração do Teatro São João no Rio de Janeiro.
- Criada a Escola Cirúrgica, com sede no Hospital da Misericórdia.

- Napoleão é deposto. Luís XVIII ocupa o trono.
- Convenção, assinada em Paris, entre a França, Inglaterra, Portugal, Áustria,
Prússia e Rússia, sobre a suspensão de hostilidades (/); a que se refere o
Ato de Adesão de D. João (/)

- Carta de Lei que cria o Reino Unido de Portugal e do Brasil e de Algarves
(/) ou, elevação do Brasil a Reino Unido a Portugal e Algarves, por
carta régia de /.

- Morte de D. Maria I e início do Reinado de D. João VI.
- Chegada da Missão Artística Francesa cheada por Lebreton.
- Criação da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios.

- Desembarque de D. Leopoldina no Rio de Janeiro / Casamento.

- D. João VI promove a cerimônia de sua aclamação.

- Revolução Constitucionalista do Porto. As cortes de Lisboa exigem a volta
de D. João a Portugal e formam uma Junta Provisional do Governo Supremo
do Reino com o objetivo de tomar a regência e adotar uma Constituição.
- Fundação da Academia das Artes do Rio de Janeiro por decreto de /.
- Chegada de João Maurício Rugendas ao Brasil (permanecendo até ).

- Família real regressa denitivamente a Portugal. Com ela retornam 
indivíduos: ministros, ociais, diplomatas e suas famílias, além dos deputados
que iam à Corte.

- D. Pedro assume a regência do Reino do Brasil (/).
- Extinção do Tribunal do Santo Ofício.
- Abolição da Censura prévia e regulamentação do exercício da liberdade
de imprensa, por decreto. (Em Portugal)
- Convocação dos deputados para as Cortes de Lisboa.
- Ordem para retorno de D. Pedro a Portugal / Processo de emancipação.
(Fonte: http://www.rio.rj.gov.br/culturas/anexos/djoao_cronologia.pdf)

F  R B
Fontes Impressas e Manuscritas
Carta de hum el vassallo a El rei D. João VI, relatando o estado do reino
de Portugal sob o governo regencial e pedindo a volta se S. M. Documentos
para a História da Independência, .
[Carta] Regitrada nesta Secretaria de Estados dos Negócios do Brasil,
L.° .º de leis, alvarás, e Cartas Régias à .. Rio de Janeiro, em  de
dezembro de .
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
Cartas de C. de Geine ao Intendente da Polícia..  de janeiro .
Divisão de Manuscritos, II-, , .
MORAES, Alexandre José de Melo, Dados sobre a chegada ao Rio de
Janeiro da Família Real, problemas de habitação para a comitiva, vida social
e política, hábitos da família real, volta para Portugal, falecimento de D, João
VI e Pedro I como imperador, S.l, s.d, Original (transcrição feita por Cecília
Coelho, maio de ). Divisão de Manuscritos, II-, , ,.
Relação das festas que se zeram no Rio de Janeiro, quando o príncipe
Regente N.S e toda a sua família chegarão pela primeira vez áquella capital.
Ajuntando-se algumas particularidades igualmente curiosas, e que dizem
respeito ao mesmo objeto. Lisboa, Impressão Régia, . Seção de Obras
Raras, [,,]
Ferreira. Seção de Obras Raras - DOC , B.
Poesia em aplauso dos heróicos feitos do memorável dia  de fevereiro
, Rio de Janeiro, Imprensa Régia, .
Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Portugal)
Casa Forte, Ministério dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça, M.,
..

Ministério do Reino, Governadores do Reino, Registro de Cartas ao Prínci-
pe Regente, Livro 317, Carta 466, 17.3.1817, .377.
Ministério do Reino, Livro 325.
Biblioteca Nacional de Lisboa
Memória sobre a Conspiração de , vulgarmente chamada A
Conspiração Gomes Freire; escrita e publicada por um português, amigo da
justiça e da verdade, Lisboa, Imprensa Liberal, .
Relação dos Acontecimentos do Rio de Janeiro no dia  de fevereiro de
 e algumas circunstâncias que o precederam e o produziram. Seção de
Reservados, Cód. ..
Lisboa. Punhal dos Corcundas. n.º , p.. Lamentos políticos de um
pobrezinho e preguiçoso que estava acostumado a manter-se à custa alheia,
por O lamentador.
D I
“Considerações sobre o Estado de Portugal e do Brasil, desde a saída d’El
Rei de Lisboa em  até o presente, indicando algumas providências
para a consolidação do Reino Unido, Londres,  de Junho de , In:
RIHGB, tomo XXVI, , p. .
FERREIRA, Silvestre Pinheiro, Memórias e Cartas Biográcas, sobre a
Revolução Popular e o ministério do Rio de Janeiro desde  de fevereiro
de  até o regresso de S.M O Sr. D. João VI com a Corte para Lisboa
e os votos de homens de Estado que acompanharam S.M.(ª Parte)
Anais da Biblioteca Nacional.Volume III, (fascículo I) Rio de Janeiro,
Leuzinger e Filhos, , Carta XXII, p.-.
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dias  e  de Abril de  na Praça do Comércio do Rio de Janeiro.
Escrita em Maio do mesmo ano por uma testemunha presencial”, in
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Brasil, tomo XXVII, parte primeira, Rio de Janeiro, Tipograa Luis
dos Santos, .
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intelectual do Brasil”, in RIHGB. Rio de Janeiro, tomo , .
VIANA, Paulo Fernandes. “Abreviada Demonstração dos trabalhos da
Polícia em todo o Tempo que serviu o Desembargador do Paço Paulo
Fernandes Viana, RIHGB, tomo , parte., , p. -.

P
Gazeta do Rio de Janeiro (-)
O Bem da Ordem ()
O Conciliador do Reino Unido ()
O Amigo do Rei e da Nação ()
L, A  T
ALGRANTI, Leila Mezan. O feitor ausente. Estudo sobre a escravidão urbana
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... Desta forma, as elites educavam seus filhos em casa, com preceptores contratados, ou, ainda, alguns pais se reuniam e contratavam professores que dessem aulas em conjunto para seus filhos, em algum lugar escolhido, sem vínculo com o Estado. Sobre a oferta de aulas, Meirelles (2015) Aranha (2006) aponta que uma das experiências realizadas no ensino elementar foi a tentativa de implementação do método de ensino mútuo ou monitorial 4 , copiado do pedagogo inglês Lancaster, visando instruir o maior número de alunos com o menor gasto possível. As iniciativas de implementação do método se iniciaram em 1819. ...
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Este artigo analisa as modificações educativas causadas pela vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil, com destaque para o ensino comercial e agrícola. Os pressupostos teóricos e metodológicos estão inseridos na História da Educação, área de estudos fronteiriça que cresceu ao longo dos anos 1990 a partir da ampliação de fontes para os estudos históricos. Primeiramente, contextualizamos a vinda da Família Real e suas respectivas mudanças nas diversas instâncias da sociedade colonial brasileira. Posteriormente, destacamos as mudanças ocorridas no âmbito educacional na primeira metade do século XIX para, finalmente, discorrer sobre a implantação do ensino comercial e do ensino agrícola nesse período. Palavras-chave: Ensino Comercial. Ensino Agrícola. Período Joanino. História da Educação.
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A corrupção, não de hoje, vem submergindo como uma questão de extrema preocupação para diversos cenários, entravando, entre outros melindres da sociedade, o uso escorreito dos gastos públicos, mitigando a efetivação dos direitos e garantias fundamentais. Tem-se que a desvirtuação da verba pública conserva graves consequências que atingem toda a sociedade tupiniquim. Indicando para o tema pesquisado, demanda de todos os agentes, atenção peculiar, de tal sorte que a participação cidadã revela-se um elemento imprescindível para a ingerência de controles de gastos públicos e de combate à corrupção. Nesta senda, o objetivo deste estudo buscou relevar os aspectos basilares da auditoria cívica e no que os seus mecanismos podem colaborar para minimizar a corrupção no cenário brasileiro. A justificativa do artigo foi a de demonstrar o combate à corrupção pelas formas de controle da administração, o processo participativo social como essencial componente em prol da luta contra a corrupção brasileira, que alavanca, consequências políticas, sociais e econômicas. Assim, expôs-se como hipótese que o controle de gastos públicos e a atuação para reduzir a corrupção seja um dever estendido. Devendo ser militado ativamente pela sociedade através da norma positivada, a destaque da Lei de Acesso à Informação, constituindo assim, a auditoria cívica, um elemento necessário e contributivo para as ações anticorrupção. Para tanto, o método de abordagem adotado foi o dialético-jurídico, com vias a discutir, argumentar e provocar o debate dentro da sua realidade em movimento, partindo de pesquisa bibliográfica e documental.
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The criticism against the Brazilian Assembly and the weakening of Silva Lisboa's role as an intellectual leader of the Independence / Las críticas contra la Asamblea Brasileña y el debilitamiento de la posición de Silva Lisboa como un liderazgo intelectual en la Independencia RESUMO Neste artigo analiso os últimos números do perió-dico Reclamação do Brasil, de José da Silva Lisboa, quando ele muda seu alvo de questionamento das cortes de Lisboa para os liberais brasileiros que pe-dem a convocação de uma Assembleia separada da de Portugal. Silva Lisboa passa a ser atacado por aqueles que o admiravam pelo seu papel combativo durante as crises militares do início de 1821. O futuro Cairu passa a ser visto como um apóstata da Constituição, pelos seus pares e por parte da historiografia. ABSTRACT In this article I analyze the latest issues of the newspaper Reclamação do Brasil, by José da Silva Lisboa, when he changed his target from the Lisbon Courts to the Brazilian liberals who were asking for the convening of an Assembly separate from that of Portugal. Silva Lisboa started to be attacked by those who had admired him for his combative role during the military crises of the beginning of 1821. The future Cairu began to be seen as an apostate of the Constitution, by his peers and by part of the historiography. RESUMEN En este artículo analizo los últimos números del periódico Reclamação do Brasil, de José da Silva Lisboa, cuando él cambió su blanco de cuestionamiento de las Cortes de Lisboa a los liberales brasileños que pedían la convocatoria de una Asamblea separada de la de Portugal. Silva Lisboa pasó a ser atacado por quienes lo admiraban por su papel combativo durante las crisis militares de principios de 1821. El futuro Cairu empezó a ser visto como un apóstata de la Constitución, por sus pares y por parte de la historiografía.
Article
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O trabalho proposto visa compreender qual é a eficácia da Lei 10.826/2003, mais conhecida como Estatuto do Desarmamento, em relação aos índices de homicídios por arma de fogo desde a sua implantação no Brasil. Posterior ao seu sancionamento, houve pelo Senado Federal a promulgação de um referendo que consultou os cidadãos brasileiros no dia 23 de outubro de 2005 se a comercialização de armas de fogo devia ser proibida no Brasil. Após dezoito anos da vigência da Lei das Armas, o questionamento advindo da sociedade sobre a legitimidade do Estatuto diante da vontade soberana popular, bem como sua proficuidade em conter à criminalidade, vem crescendo devido às estatísticas de violência cometidas no país.
S e toda a sua família chegarão pela primeira vez áquella capital. Ajuntando-se algumas particularidades igualmente curiosas, e que dizem respeito ao mesmo objeto. Lisboa, Impressão Régia, 1810. Seção de Obras Raras
  • N Regente
Regente N.S e toda a sua família chegarão pela primeira vez áquella capital. Ajuntando-se algumas particularidades igualmente curiosas, e que dizem respeito ao mesmo objeto. Lisboa, Impressão Régia, 1810. Seção de Obras Raras, [36,0,21]
Seção de Obras Raras -DOC 37
  • Ferreira
Ferreira. Seção de Obras Raras -DOC 37,5 1B.
Governadores do Reino, Registro de Cartas ao Príncipe Regente, Livro 317, Carta 466, 17.3.1817, fl.377. Ministério do Reino
  • Reino Ministério Do
Ministério do Reino, Governadores do Reino, Registro de Cartas ao Príncipe Regente, Livro 317, Carta 466, 17.3.1817, fl.377. Ministério do Reino, Livro 325.
Considerações sobre o Estado de Portugal e do Brasil, desde a saída d'El Rei de Lisboa em 1807 até o presente, indicando algumas providências para a consolidação do Reino Unido
  • Documentos Impressos
Documentos Impressos "Considerações sobre o Estado de Portugal e do Brasil, desde a saída d'El Rei de Lisboa em 1807 até o presente, indicando algumas providências para a consolidação do Reino Unido", Londres, 4 de Junho de 1822, In: RIHGB, tomo XXVI, 1863, p. 147.
Memórias e Cartas Biográficas, sobre a Revolução Popular e o ministério do Rio de Janeiro desde 26 de fevereiro de 1821 até
  • Silvestre Ferreira
  • Pinheiro
FERREIRA, Silvestre Pinheiro, Memórias e Cartas Biográficas, sobre a Revolução Popular e o ministério do Rio de Janeiro desde 26 de fevereiro de 1821 até o regresso de S.M O Sr. D. João VI com a Corte para Lisboa e os votos de homens de Estado que acompanharam S.M.(2ª Parte)
(fascículo I) Rio de Janeiro, Leuzinger e Filhos, 1877, Carta XXII
  • Anais Da
  • Biblioteca Nacional
Anais da Biblioteca Nacional.Volume III, (fascículo I) Rio de Janeiro, Leuzinger e Filhos, 1877, Carta XXII, p.182-183.
Sobre os acontecimentos dos dias 21 e 22 de Abril de 1821 na Praça do Comércio do Rio de Janeiro. Escrita em Maio do mesmo ano por uma testemunha presencial", in Revista Trimensal do Instituto Histórico Geográfico e Etnográfico do Brasil, tomo XXVII, parte primeira
  • José Moncorvo
  • Domingues De Attaíde
MONCORVO, José Domingues de Attaíde. "Sobre os acontecimentos dos dias 21 e 22 de Abril de 1821 na Praça do Comércio do Rio de Janeiro. Escrita em Maio do mesmo ano por uma testemunha presencial", in Revista Trimensal do Instituto Histórico Geográfico e Etnográfico do Brasil, tomo XXVII, parte primeira, Rio de Janeiro, Tipografia Luis dos Santos, 1864.
Estudo sobre a escravidão urbana no Rio de Janeiro (1808-1821)
  • Leila Algranti
  • Mezan
ALGRANTI, Leila Mezan. O feitor ausente. Estudo sobre a escravidão urbana no Rio de Janeiro (1808-1821). Petrópolis: Ed. Vozes, 1988.