Available via license: CC BY
Content may be subject to copyright.
ARTIGO ARTICLE
1287
Fatores associados aos episódios de agressão familiar
entre adolescentes, resultados da Pesquisa Nacional
de Saúde do Escolar (PeNSE)
Factors associated with family violence against adolescents
based on the results of the National School Health Survey (PeNSE)
Resumo O estudo analisa fatores associados à
agressão familiar contra adolescentes. Foram uti-
lizados dados da Pesquisa Nacional de Saúde dos
Escolares 2015 e calculada a prevalência de sofrer
agressão física por familiar, segundo quatro blocos
de investigação. Procedeu-se a análise bivariada,
calculando-se os Odds Ratios (ORs) não ajustados
e, por fim, foi realizada a regressão multivariada.
A agressão familiar foi referida por 14,5%. Vari-
áveis associadas no modelo mutivariado no bloco
sociodemográfico foram: sexo feminino, raça cor
preta, amarela, parda, mães sem nível superior
de escolaridade, adolescente que trabalham (OR
2,10 IC95% 1,78-2,47). No contexto familiar: a
falta de compreensão dos pais (OR 1,71 IC95%
1,63 -1,80) e a intromissão na privacidade dos
adolescentes (OR 1,80 IC95% 1,70 -1,91). Rela-
to de faltar às aulas (OR 1,43 IC95% 1,36-1,50).
Dentre os comportamentos: tabagismo (OR 1,23
IC95% 1,12-1,34), álcool (OR 1,49 IC95% 1,41-
1,57), experiência com drogas (OR 1,24 IC95%
1,15-1,33), relação sexual precoce (OR 1,40
IC95% 1,33 -1,48), relato de solidão, insônia e
bullying (ORa 2,14 IC95% 2,00-2,30). Conclui-
se pela associação entre violência e gênero, maior
vitimização das meninas e adolescentes mais jo-
vens, que vivem em contextos sociais e familiares
desfavoráveis.
Palavras-chave Violência doméstica, Maus-tra-
tos, Adolescente, Tabaco, Inquérito
Abstract The study analyzes factors associated
with family aggression against adolescents. Data
from the National School Health Survey for 2015
were analyzed, and the prevalence of physical ag-
gression per family was calculated according to
four blocks. The bivariate analysis was performed,
calculating the unadjusted Odds Ratio (OR)
within each block and the multivariate regres-
sion. Familial aggression was reported by 14.5%.
The variables associated with the model were:
female, black, yellow, brown, mothers with no
higher educational level, adolescent workers (OR
2.10 CI 95% 1.78-2.47). In the family context,
they remained associated with aggression, lack of
parents “understanding” (OR 1.71 CI95% 1.63
-1.80) and their intrusion into adolescent’s priva-
cy (OR 1.80 CI95% 1.70 -1, 91). Report of miss-
ing school (OR1.43 CI95% 1.36-1.50). Among the
behaviors: smoking (OR 1.23 CI95% 1.12-1.34),
alcohol (OR 1.49 CI95% 1.41-1.57), drug expe-
rience (OR 1.24 CI95% 1, 15-1,33), early sexual
intercourse (OR 1.40 CI95% 1.33 -1.48), reports
of loneliness, insomnia and bullying (ORa 2.14
CI95% 2.00-2.30). It is concluded by the associa-
tion between violence and gender, greater victim-
ization of girls, living in unfavorable social and
family contexts.
Key words Domestic violence, Maltreatment,
Adolescent, Smoking, Survey
Deborah Carvalho Malta (https://orcid.org/0000-0002-8214-5734) 1
Juliana Teixeira Antunes (https://orcid.org/0000-0001-7996-0773) 2
Rogério Ruscitto do Prado (https://orcid.org/0000-0003-1038-7555) 3
Ada Ávila Assunção (https://orcid.org/0000-0003-2123-0422) 4
Maria Imaculada de Freitas (https://orcid.org/0000-0002-0273-9066) 1
DOI: 10.1590/1413-81232018244.15552017
1 Departamento de
Enfermagem Materno-
Infantil e Saúde Pública,
Escola de Enfermagem,
Universidade Federal
de Minas Gerais Gerais
(UFMG). Av. Alfredo Balena
190, Santa Efigênia. 30130-
100 Belo Horizonte MG
Brasil.
dcmalta@uol.com.br
2 Instituto Federal do Norte
de Minas Gerais. Januária
MG Brasil.
3 Universidade São Paulo.
São Paulo SP Brasil.
4 Departamento de
Medicina Preventiva
e Social, UFMG. Belo
Horizonte MG Brasil.
1288
Malta DC et al.
Introdução
Abusos e maus tratos no âmbito das interações
familiares estão presentes nos lares, mundial-
mente, explicando porquê a Organização Mun-
dial da Saúde (OMS) considera essas e outras
formas de violência doméstica como problema
de saúde pública1.
A agressão intrafamiliar é um tipo de violên-
cia doméstica e refere-se à privação, negligência,
atos agressivos de dominação, de ordem física,
psíquica ou sexual praticados por um membro da
família contra um outro
1,2
. Sabe-se que a violên-
cia doméstica não é incomum, ainda que silencio-
sa ou camuflada, atingindo predominantemente
mulheres, idosos, crianças e adolescentes
1,2
. Adul-
tos que foram agredidos fisicamente na infância
ou adolescência tiveram seis vezes mais chan-
ce de serem violentados sexualmente em algum
momento de suas vidas
3
.
Sintomas de sofrimento
psíquico foram identificados entre homens e mu-
lheres expostos a violência física durante a infân-
cia
4
. Por essas razões, a violência doméstica não
seria um assunto restrito ao âmbito privado, pois
constitui uma violação do direito
5
.
A Pesquisa Nacional de Saúde dos Adoles-
centes (PeNSE) incluiu o tema das agressões de
familiares contra adolescentes nas suas três edi-
ções, 2009, 2012 e 20156-8. Em 2012, a prevalência
de agressão por familiares foi de 10,6%, passan-
do para 14,5% no Brasil em 2015, com aumento
de 36% na edição da PeNSE 2015, justificando
a necessidade de aprofundar o conhecimento
sobre o tema. Sabe-se que o autoritarismo dos
pais, as punições, o castigo, físico ou psicológi-
co, e as agressões estão associados aos danos no
desenvolvimento de crianças e adolescentes5,9. A
literatura especializada registra ainda que estão
associados à violência contra o adolescente vários
tipos de problemas, como queixas psicossomá-
ticas, depressão, isolamento, pior desempenho
escolar, problemas de aprendizagem5,10,11, exposi-
ção a bullying11, e uso de substâncias10. Contudo,
ainda são pouco exploradas as relações entre vio-
lência e aspectos como o trabalho infantil, escola-
ridade dos pais, situação familiar, dentre outros.
A PeNSE 2015 elaborou perguntas relacionadas
à problemática dessa natureza visando obter ele-
mentos para apoiar programas de prevenção da
violência contra adolescentes8.
O estudo atual objetiva explorar fatores asso-
ciados à agressão física de familiares contra a po-
pulação de escolares brasileiros, segundo dados
da Pesquisa Nacional de Saúde dos Adolescentes
em 2015.
Metodologia
Trata-se de análise de dados secundários do in-
quérito transversal da Pesquisa Nacional de
Saúde dos Adolescentes, 2015 (PeNSE 2015)8. A
pesquisa foi realizada pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), em parceria com
o Ministério da Saúde. A amostra de escolares do
9º ano do Ensino Fundamental foi dimensiona-
da de modo a estimar parâmetros populacionais
(proporções ou prevalências) em diversos do-
mínios geográficos: cada uma as 26 unidades da
federação, das 26 capitais das unidades da federa-
ção e o Distrito Federal, as cinco grandes regiões
geográficas e o total do Brasil8.
Participaram do inquérito 102.301 alunos
matriculados no 9º ano, em 3.040 escolas e 4.159
turmas em todo o país. Considerando os esco-
lares matriculados e não respondentes, a perda
amostral foi de cerca de 8,5%. Todos alunos pre-
sentes no dia da coleta, nas turmas sorteadas, fo-
ram convidados a participar da pesquisa. Partici-
param da Amostra aqui analisada 48,7% de alu-
nos do sexo masculino, 51,2% do sexo feminino,
85,5% de escolas públicas e 14,5% de privadas,
escolares com idade menor de 13 anos foram
0,4%, 13 a 15 anos foram 88,6%, e com 16 anos
foram 11%. Mais detalhes da amostra podem ser
consultados em outras publicações8.
Considerou-se o modelo conceitual de que
fatores demográficos e sociais, fatores relaciona-
dos à saúde mental e sofrimento mental, situa-
ções envolvendo familiares e comportamentos
estão associados à violência praticada pelos fami-
liares contra os adolescentes. Alguns fatores são
considerados protetores e outros aumentam a
chance do evento10.
O desfecho investigado foi sofrer agressão
física praticada pelos familiares– segundo a per-
gunta: Nos últimos 30 dias, quantas vezes você foi
agredido(a) fisicamente por um adulto da sua fa-
mília: Opções de respostas - Não (nenhuma vez
nos últimos 30 dias) e Sim (1 vez, 2 ou 3, 4 ou
mais vezes nos últimos 30 dias).
As variáveis explicativas foram agrupadas em
quatro (4) blocos por afinidade e foram testadas
associações com variáveis inseridas nos mesmos:
I) Bloco de características sociodemográficas
- foram analisadas as seguintes variáveis inde-
pendentes: a) sexo (categorizada em: masculino e
feminino); b) idade (categorizada em: ≤ 13 anos,
13 anos, 14 anos, 15 anos, e 16 anos e mais); e
c) cor da pele (categorizada em: branca, preta,
parda, amarela, e indígena), Escolas (pública ou
privada), escolaridade da mãe (Sem escolarida-
1289
Ciência & Saúde Coletiva, 24(4):1287-1298, 2019
de, Primário incompleto/completo, Secundário
- incompleto/completo, Superior - incompleto/
completo, trabalha atualmente (sim, não), Re-
muneração pelo trabalho (sim, não).
II) No bloco contexto familiar foram analisa-
das as seguintes variáveis: a) Morar com mãe e/
ou pai - Categorizada como sim (escolares que
residem com pai e mãe, residem só com a mãe,
ou residem só com pai); ou não (residir sem pai e
mãe); b) Supervisão familiar - Categorizada em:
sim (na maior parte do tempo, sempre pais ou
responsáveis sabiam realmente o que o adoles-
cente estava fazendo); ou não (nunca, raramente,
às vezes); c) Faltar às aulas sem autorização - Ca-
tegorizada em não (nunca); ou sim (1 ou 2 ve-
zes; 3 ou mais vezes nos últimos 30 dias); d) Pais
entendem seus problemas em 2 categorias não
(Nunca, raramente, as vezes), sim (na maior par-
te e sempre), e) Pais mexem nas suas coisas em
2 categorias não (Nunca, raramente, as vezes),
sim (na maior parte e sempre), f) Faz refeição
com responsável em 4 categorias – não, 2 vezes
ou menos semanais, 3 a 4 vezes semanais, 5 ou
mais vezes semanais, g) Esteve com pessoas que
fumaram na sua presença (sim e não), h) Pais ou
responsáveis fumantes (sim e não).
III) No bloco de saúde mental e sofrer violên-
cia foram analisadas as variáveis independentes:
a) Sentir-se sozinho - agregada em não (nunca, às
vezes nos últimos 12 meses); sim (na maioria das
vezes, sempre nos últimos 12 meses); b) Insônia
- agregada em não (nunca, as vezes nos últimos
12 meses); ou sim (na maioria das vezes, sempre
nos últimos 12 meses); c) Amigos - categorizada
como não (nenhum); ou sim: (1, 2, 3, ou mais
amigos), d) sofrer Bullying nos últimos 30 dias
(não e sim).
IV) Bloco de comportamentos e hábitos de
vida - a) Uso do tabaco nos últimos 30 dias, ou
fumo regular (sim, não), b) Uso do Álcool re-
gular, ou uso nos últimos 30 dias (sim, não), c)
Drogas experimentação na vida (sim, não), d)
Ter tido Relação sexual (sim, não), e) Consumo
de frutas frequente (> 5 x semana), f) Atividade
física diária (sim e não).
Inicialmente, foi feita a descrição das variá-
veis que caracterizam o comportamento em rela-
ção a sofrer agressão física praticada pelos fami-
liares, calculando-se a prevalência segundo cada
variável dos quatro blocos de investigação: (ca-
racterísticas sociodemográficas, contexto fami-
liar, saúde mental, comportamentos e hábitos de
vida). Posteriormente, procedeu-se a regressão
logística bivariada, calculando-se os Odds Ratios
(ORs) não ajustados, dentro de cada bloco. As
variáveis que se apresentaram associadas ao nível
de p < 0,20 foram selecionadas para o modelo
multivariado. Posteriormente procedeu-se à re-
gressão logística múltipla inserindo os blocos de
forma sequencial, primeiro as características so-
ciodemográficas, seguidas pelo contexto familiar,
saúde mental e, por último, as comportamentais
e os hábitos de vida, de forma a que todos os blo-
cos fossem mutuamente ajustados. Após o ajus-
tamento, permaneceram no modelo final apenas
variáveis estatisticamente associadas com sofrer
agressão por familiar (p < 0,05).
Para todas as análises foram considerados a
estrutura amostral e os pesos para obtenção de
estimativas populacionais. Os dados foram ana-
lisados com auxílio do pacote estatístico SPSS,
versão 20.
Os estudantes foram informados sobre a
pesquisa, sua livre participação e que poderiam
interromper a mesma caso não se sentissem
à vontade para responder as perguntas. Caso
concordassem, responderam a um questionário
individual em smarthphone sob a supervisão de
pesquisadores do IBGE. A PeNSE está em acordo
com as Diretrizes e Normas Regulamentadoras
de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos e foi
aprovada pela Comissão Nacional de Ética em
Pesquisas do Ministério da Saúde (CONEP/MS),
sob Certificado de Apresentação para Apreciação
Ética (CAAE) em 30/03/2015.
Resultados
O autorrelato de episódios de agressão física
praticada por familiar foi referido por 14,5%
(IC95% 14,3-14,7) dos estudantes, sendo mais
frequente no sexo feminino com 15,1% (IC95%
14,8-15,4), aos 15 anos com 16,2% (IC95% 15,3-
17,0) e 16 e mais anos com 17,4% (IC95% 16,7-
18,1). Comparado com a raça branca, episódios
de agressão foram relatados com mais frequência
no grupo que se autorreferiu de raça/cor: preta,
amarela, parda e indígena. O grupo matriculado
em escolas privadas relatou com menos frequên-
cia tais episódios, bem como os que relatam es-
colaridade mais elevada da mãe. Os alunos que
trabalham referiram mais episódios de agressão
com (20,8% IC95% 20,2-21,5), bem como os que
são remunerados pelo trabalho. (Tabela 1)
Quanto às características da família, relata-
ram episódios de agressão com mais frequência
aqueles que referiram faltar às aulas sem comu-
nicar o ato às suas famílias com (22,4% IC 95%
21,9-23,0), informaram intromissão não auto-
1290
Malta DC et al.
rizada dos pais em sua privacidade (mexer nas
suas coisas sem autorização) – com (24,6% IC
95% 23,8- 25,3), relataram contato com pessoas
que fumaram na sua presença, e hábito tabagista
dos pais ou dos responsáveis com (17,6 IC95%
17,2-18,1). No grupo que relatou com menos
frequência os episódios de agressão por familiar,
predominaram aqueles que informaram morar
com os pais, esses entendem seus problemas e su-
pervisionam a família, ou seja, participam das re-
feições semanais, sabem onde eles se encontram
e quem são seus amigos (Tabela 2).
No grupo de adolescentes com maior frequ-
ência de relato de episódios de agressão predo-
minaram aqueles com relato de comportamentos
de risco (uso de tabaco, álcool ou que experimen-
taram drogas), bem como em escolares que re-
latam ter tido relação sexual. Os comportamen-
tos saudáveis como consumir frutas frequente e
fazer atividade física diariamente não alteraram
a prevalência de informar episódios de agressão
física (Tabela 3). No grupo dos que relataram
solidão, insônia, não ter amigos e sofrer bullying,
foi maior a frequência de relato de episódios de
agressão física (Tabela 4).
Calculou-se OR Bruto em cada bloco (Tabe-
las 1,2,3,4) e posteriormente no modelo múlti-
plo, apresentado na Tabela 5, as variáveis que
permaneceram associadas aumentando a chan-
ce de relatar episódios de agressão física foram:
Tabela 1. Prevalência (%) de ser agredido por familiar e fatores sócio demográficos associados (OR bruta) em
escolares do Nono ano, Ensino Fundamental, Pesquisa Nacional de Saúde Escolar, 2015.
Agredido por familiar
Variável %IC (95%) OR IC (95%) p
Inferior Superior Inferior Superior
Total 14,5 14,3 14,7
Idade
< 13 13,3 10,3 17,0 0,95 0,71 1,27 0,737
13 13,9 13,1 14,7 1,00
14 13,5 12,9 14,1 0,97 0,92 1,02 0,213
15 16,2 15,3 17,0 1,20 1,13 1,27 < 0,001
16 e mais 17,4 16,7 18,1 1,31 1,23 1,40 < 0,001
Sexo
Masculino 13,8 13,4 14,3 0,90 0,87 0,93 < 0,001
Feminino 15,1 14,8 15,4 1,00
Raça
Branca 13,1 12,0 14,2 1,00
Preta 16,8 15,4 18,3 1,35 1,28 1,42 < 0,001
Amarela 18,1 16,3 19,9 1,47 1,35 1,60 < 0,001
Parda 14,5 13,4 15,7 1,13 1,09 1,18 < 0,001
Indígena 16,1 14,9 17,4 1,28 1,16 1,41 < 0,001
Escola
Pública 14,8 14,1 15,4 1,00
Privada 13,0 12,4 13,6 0,86 0,82 0,91 < 0,001
Trabalha atualmente
Não 13,5 13,0 14,1 1,00
Sim 20,8 20,2 21,5 1,68 1,61 1,76 < 0,001
Remuneração pelo trabalho
Não 13,8 13,2 14,3 1,00
Sim 19,9 19,2 20,6 1,56 1,48 1,63 < 0,001
Escolaridade da mãe
Sem escolaridade 19,5 18,3 20,8 1,62 1,50 1,76 < 0,001
Primário 15,1 14,4 15,8 1,19 1,13 1,26 < 0,001
Secundário 14,6 13,9 15,4 1,15 1,09 1,22 < 0,001
Superior 13,0 12,5 13,5 1,00
1291
Ciência & Saúde Coletiva, 24(4):1287-1298, 2019
características sociodemográficas - ser do sexo
feminino (OR = 1 referência) e sexo masculino
com menor chance (ORa 0,94 IC95% 0,90-0,99),
mais jovem (13 anos – OR = 1 referência), e de-
mais idades com menor chance - 14 anos com
(ORa 0,82 IC95% 0,77-0,88), 15 anos com (ORa
0,80 IC95% 0,74-0,86), 16 anos com (ORa 0,73
IC95% 0,67-0,79), com maior chance em adoles-
centes da raça/cor preta com (ORa 1,12 IC95%
1,04-1,21), cor amarela com (ORa 1.21 IC95%
1,09-1,35), cor parda com (ORa 1,08 IC95%
1,02-1,13), estudar na escola privada com (ORa
1,13 IC95% 1,05-1,20), mães sem escolaridade
com (ORa 1,41 IC95% 1,29-1,55), mães com es-
colaridade até o primário com (ORa 1,13 IC95%
1,06-1,21), mães com escolaridade até secundá-
rio com (ORa 1,13 IC95% 1,06-1,20), adoles-
cente que trabalha atualmente com (ORa 2,10
IC95% 1,78-2,47). Nas relações familiares manti-
veram-se associados com maior chance de sofrer
agressão o relato de morar com os pais com (ORa
1,15 IC95% 1,04-1,27), pais que mexem nas suas
coisas com (ORa 1,80 IC95% 1,70 -1,91), fal-
ta de compreensão dos pais aos seus problemas
com (ORa 1,71 IC95% 1,63 -1,80), e faltar às au-
las sem conhecimento por parte da família com
(ORa 1,43 IC95% 1,36-1,50), pais tabagistas com
(ORa 1,09 IC95% 1,04 -1,15), presenciar pesso-
as fumando com (ORa 1,24 IC95% 1,18 -1,30) e
não fazer refeições diárias com os pais. Quanto
aos aspectos de saúde mental e sofrer violência,
mantiveram-se associados o relato de solidão
com (ORa 1,41 IC95% 1,33-1,49), insônia com
(ORa 1,49 IC95% 1,40-1,59), bullying com (ORa
2,14 IC95% 2,00-2,30). Dentre os comportamen-
tos de risco, maior chance de relatar episódios de
agressão foi associada com uso regular do tabaco
com (ORa 1,23 IC95% 1,12-1,34), uso regular do
álcool com (ORa 1,49 IC95% 1,41-1,57), experi-
mentação de drogas com (ORa 1,24 IC95% 1,15-
Tabela 2. Prevalência (%) de ser agredido por familiar e aspectos familiares associados (OR bruta) em escolares
do Nono ano, Ensino Fundamental, Pesquisa Nacional de Saúde Escolar, 2015.
Agredido por familiar
Variável %IC (95%) OR IC (95%) p
Inferior Superior Inferior Superior
Mora com mão e ou pai
Não 17,2 16,2 18,2 1,00
Sim 14,3 14,1 14,5 0,81 0,75 0,86 < 0,001
Supervisão familiar
Não 21,2 20,6 21,8 1,00
Sim 11,1 10,9 11,3 0,47 0,45 0,48 < 0,001
Faltar às aulas
Não 12,1 11,7 12,5 1,00
Sim 22,4 21,9 23,0 2,10 2,02 2,18 < 0,001
Pais entendem seus problemas
Não (Nunca, raramente, as vezes) 18,5 18,0 19,1 2,22 2,14 2,31 < 0,001
Sim - (na maior parte e sempre) 9,3 9,0 9,6 1,00
Pais mexem nas suas coisas
Não (Nunca, raramente, as vezes) 13,0 12,5 13,5 1,00
Sim - (na maior parte e sempre) 24,6 23,8 25,3 2,17 2,08 2,27 < 0,001
Faz refeição com responsável
Não 24,2 23,0 25,4 2,20 2,06 2,35 < 0,001
2 vezes ou menos semanais 18,8 18,2 19,5 1,60 1,53 1,67 < 0,001
3 a 4 vezes semanais 17,5 16,3 18,8 1,46 1,34 1,60 < 0,001
5 ou mais vezes semanais 12,7 12,4 12,9 1,00
Esteve com pessoas que fumaram na sua presença
Não 11,2 10,8 11,5 1,00
Sim 17,7 17,4 18,1 1,72 1,66 1,78 < 0,001
Pais ou responsáveis fumantes
Não 13,0 12,5 13,4 1,00
Sim 17,6 17,2 18,1 1,44 1,38 1,49 < 0,001
1292
Malta DC et al.
1,33), relação sexual com (ORa 1,40 IC95% 1,33
-1,48) (Tabela 5).
Foram ainda identificados os seguintes fato-
res protetores contra os episódios de agressão fí-
sica, relatar supervisão familiar com (ORa = 0,65
IC 95% 0,62 – 0,68), receber remuneração pelo
trabalho com (ORa = 0,57 IC 95% 0,48-0,68)
(Tabela 5).
Tabela 3. Prevalência (%) de ser agredido por familiar e hábitos e costumes associados (OR bruta) em escolares
do Nono ano, Ensino Fundamental, Pesquisa Nacional de Saúde Escolar, 2015.
Agredido por familiar
Variável %IC (95%) OR IC (95%) p
Inferior Superior Inferior Superior
Tabaco regular
Não 13,4 12,7 14,1 1,00
Sim 33,0 31,8 34,2 3,18 3,00 3,38 < 0,001
Álcool regular
Não 11,4 11,0 11,8 1,00
Sim 24,5 23,9 25,0 2,52 2,43 2,61 < 0,001
Drogas experimentação
Não 13,1 12,6 13,7 1,00
Sim 28,6 27,7 29,5 2,66 2,53 2,79 < 0,001
Relação sexual
Não 11,7 11,3 12,0 1,00
Sim 22,0 21,5 22,5 2,14 2,07 2,22 < 0,001
Consumo de frutas frequente (> 5 x semana)
Não 14,6 14,1 15,0 1,00
Sim 14,3 13,9 14,7 0,98 0,94 1,01 0,222
Atividade física diária
Não 14,4 13,9 14,9 1,00
Sim 14,9 14,5 15,4 1,05 1,00 1,09 0,045
Tabela 4. Prevalência (%) de ser agredido por familiar e indicadores da saúde mental e violência na escola
associados (OR bruta) em escolares do Nono ano, Ensino Fundamental, Pesquisa Nacional de Saúde Escolar,
2015.
Agredido por familiar
Variável %IC (95%) OR IC (95%) p
Inferior Superior Inferior Superior
Sentir-se solitário
Não 12,3 11,9 12,8 1,00
Sim 25,6 24,9 26,2 2,44 2,35 2,54 < 0,001
Insonia
Não 12,8 12,3 13,3 1,00
Sim 27,6 26,8 28,4 2,60 2,48 2,72 < 0,001
Amigos
1 ou mais 14,2 13,3 15,2 1,00
Não tenho 20,8 19,6 22,0 1,59 1,47 1,71 < 0,001
Sofrer Bullying
Não 13,2 12,6 13,9 1,00
Sim 30,1 29,1 31,1 2,82 2,68 2,98 < 0,001
1293
Ciência & Saúde Coletiva, 24(4):1287-1298, 2019
Tabela 5. Fatores associados de ser agredido por familiar e Analise multivariada, (OR ajustado) em escolares do
Nono ano, Ensino Fundamental, Pesquisa Nacional de Saúde Escolar, 2015.
Variável OR IC (95%) p
Inferior Superior
Idade
< 13 1,04 0,74 1,47 0,811
13 1,00
14 0,82 0,77 0,88 < 0,001
15 0,80 0,74 0,86 < 0,001
16 e mais 0,73 0,67 0,79 < 0,001
Sexo
Masculino 0,94 0,90 0,99 0,011
Feminino 1,00
Raça
Branca 1,00
Preta 1,12 1,04 1,21 0,002
Amarela 1,21 1,09 1,35 < 0,001
Parda 1,08 1,02 1,13 0,005
Indígena 1,09 0,96 1,23 0,183
Escola
Pública 1,00
Privada 1,13 1,05 1,20 < 0,001
Escolaridade da mãe
Sem escolaridade 1,41 1,29 1,55 < 0,001
Primário 1,13 1,06 1,21 < 0,001
Secundário 1,13 1,06 1,20 < 0,001
Superior 1,00
Morar com mão e ou pai
Não 1,00
Sim 1,15 1,04 1,27 0,007
Trabalha atualmente
Não 1,00
Sim 2,10 1,78 2,47 < 0,001
Remuneração pelo trabalho
Não 1,00
Sim 0,57 0,48 0,68 < 0,001
Sentir-se solitário
Não 1,00
Sim 1,41 1,33 1,49 < 0,001
Insonia
Não 1,00
Sim 1,49 1,40 1,59 < 0,001
Supervisão familiar
Não 1,00
Sim 0,65 0,62 0,68 < 0,001
Faltar às aulas
Não 1,00
Sim 1,43 1,36 1,50 < 0,001
Tabaco regular
Não 1,00
Sim 1,23 1,12 1,34 < 0,001
continua
1294
Malta DC et al.
Discussão
Um em cada sete escolares refere ter sofrido
agressão física perpetrada por adultos da família.
Maior chance de relato de episódios de agressão
foi encontrada entre as meninas e aqueles com
13 anos; no grupo que se autorreferiu de raça/cor
preta, amarela, parda; entre aqueles matriculados
na escola privada; inseridos na força de trabalho
e filhos de mães com menor escolaridade. Fatores
relacionais tanto na vida intrafamiliar quanto na
escolar aumentaram a chance do evento.
Os resultados da PeNSE sobre agressão de
familiares reforçam as decisões das agências e
dos governos em considerar o tema como pro-
blema de saúde pública1. Por tratar-se de evento
de ocorrência no espaço privado dos lares, onde
se espera proteção e cuidado, confere maior vul-
nerabilidade às suas vítimas, as quais tem raro
poder de contestação e denúncia12,13.
Destaca-se a maior ocorrência de violência
contra meninas e adolescentes mais jovens, tam-
bém justificado por situações de autoritarismo,
dominação e opressão, replicando situações de
opressão em populações mais vulneráveis. Auto-
res têm atribuído aspectos culturais que reforçam
uma visão masculina da sociedade, aplicando
atitudes violentas de forma mais intensa contra
meninas e crianças mais jovens12-14. Violências e
agressões praticadas no âmbito familiar podem
Variável OR IC (95%) p
Inferior Superior
Álcool regular
Não 1,00
Sim 1,49 1,41 1,57 < 0,001
Drogas experimentação
Não 1,00
Sim 1,24 1,15 1,33 < 0,001
Relação sexual
Não 1,00
Sim 1,40 1,33 1,48 < 0,001
Pais entendem seus problemas
Não (Nunca, raramente, as vezes) 1,71 1,63 1,80 < 0,001
Sim - (na maior parte e sempre) 1,00
Pais mexem nas suas coisas
Não (Nunca, raramente, as vezes) 1,00
Sim - (na maior parte e sempre) 1,80 1,70 1,91 < 0,001
Esteve com pessoas que fumaram na sua
presença
Não 1,00
Sim 1,24 1,18 1,30 < 0,001
Pais ou responsáveis fumantes
Não 1,00
Sim 1,09 1,04 1,15 0,001
Sofrer Bullying
Não 1,00
Sim 2,14 2,00 2,30 < 0,001
Faz refeição com responsável
Não 1,29 1,18 1,41 < 0,001
2 vezes ou menos semanais 1,17 1,11 1,24 < 0,001
3 a 4 vezes semanais 1,25 1,13 1,39 < 0,001
5 ou mais vezes semanais 1,00
Tabela 5. Fatores associados de ser agredido por familiar e Analise multivariada, (OR ajustado) em escolares do
Nono ano, Ensino Fundamental, Pesquisa Nacional de Saúde Escolar, 2015.
1295
Ciência & Saúde Coletiva, 24(4):1287-1298, 2019
prejudicar o bem estar, a integridade física ou
psicológica, a liberdade e o direito ao pleno de-
senvolvimento dessa população1,13.
A associação de “bullying” e práticas de agres-
são familiar têm sido descrita na literatura, con-
firmando os achados do estudo. Em geral pais
agressores têm histórico de exposição a maus tra-
tos na infância, com mais possibilidade de dese-
quilíbrio emocional e problemas na constituição
de vínculos afetivos15. Autores descrevem ainda
que diferentes tipos de experiência de maus tra-
tos durante a infância foram considerados fatores
de risco para a ocorrência de violência interpes-
soal na adolescência15,16.
Tanto a menor escolaridade da mãe quanto
o relato de trabalho precoce foram associados a
maior chance violência, sendo convergente com a
literatura17-19. Quanto ao último, está entrelaçado
às dinâmicas sociais. Segundo dados da PNAD,
quanto mais precocemente o indivíduo se inse-
re na força de trabalho menor será o salário na
fase adulta da vida, provavelmente, devido à di-
minuição dos anos de escolaridade “perdidos”,
por ter se inserido antes do tempo na força de
trabalho20. Indivíduos menos escolarizados estão
menos equipados para a elaboração de respostas
positivas de enfrentamento às tensões e adversi-
dades, com maior chance de exposição à escala-
da de episódios agressivos. Esperam-se padrões
inadaptados de interação afetiva na vida adulta
em resposta a situações de violência intrafamiliar.
De acordo com a teoria do vínculo afetivo, abu-
sos e agressões ocorridas no seio familiar ou no
seu entorno prejudicam o equilíbrio emocional,
bem como empalidecem a imagem de si mesmo,
e geram modelos de adaptação desajustados21.
Tem-se um ciclo geracional de baixa escolaridade
da mãe, baixa renda, parcos dispositivos emocio-
nais, situações de violência na família, fragilidade
na constituição dos vínculos afetivos, problemas
na escola e na sociedade e baixa escolaridade das
novas gerações. O que se torna consistente com
os achados do atual estudo.
A vulnerabilidade social talvez esteja expondo
os adolescentes a uma dinâmica em que o patri-
mônio cultural desvantajoso estaria na origem de
estratégias negativas de enfrentamento da situa-
ção de pobreza (os relatos foram associados à in-
serção dos adolescentes na força de trabalho, que
é uma manifestação de precariedade de renda)20.
Precárias condições de vida, geralmente atreladas
à privação emocional, aumentam as chances de
desequilíbrios na esfera das relações interpessoais
de maneira a potencializar a escalada de eventos
até culminar em atos de agressão física21. Contu-
do, não é possível aprofundar esse sistema de hi-
póteses, ainda que calcado na literatura, porque
a PeNSE é um estudo transversal. Ainda assim,
as evidências são fortes, pois indicam a dupla ex-
posição dos adolescentes às situações de violên-
cia: em casa e na escola (se considerada a maior
chance do evento no grupo que relatou sofrer
bullyng)22.
Dados não mostrados, identificaram inte-
ração negativa entre idade e trabalho, ou seja,
adolescentes trabalhadores com 13 anos e menos
sofreram agressão de familiares. Em idades de 14
anos e mais, a associação com agressão familiar
desapareceu, assim como receber remuneração
pelo trabalho, mostrou-se protetor. Como inter-
pretar o efeito protetor do exercício do trabalho
infanto-juvenil remunerado? É possível que ou-
tras garantias estejam atreladas à remuneração
das crianças e adolescentes quando trabalham. Se
for assim, apesar dos malefícios, o exercício do
trabalho precoce quando remunerado, talvez es-
teja contribuindo para a integração das crianças
e adolescentes na comunidade e família, o que já
foi identificado como fator de proteção contra
episódios violentos em grupos infanto-juvenis
expostos ao trabalho doméstico ou em situação
de rua23.
Estudar na escola privada esteve associado
com maior chance de sofrer violência. Esse resul-
tado merece aprofundamento em futuros estudos
porque, à primeira vista, são esperadas melhores
condições econômicas, potencialmente favore-
cedoras de vida intrafamiliar mais equilibrada,
entre aqueles que estudam na escola privada O
estudo destaca o papel da família e diversos in-
dicadores retrataram a existência de um panora-
ma de riscos para a agressão física intrafamiliar.
Nesse caso, a chance de o evento se manifestar é
plausível somente nos casos em que houver con-
vívio intrafamiliar, ou morar com os pais. A falta
às aulas sem o conhecimento desse ato pelos pais
aumentou a chance de relato de agressão física,
sendo convergente com a literatura16,17,19.
Relato de presenciar o ato tabagista (dos
pais ou outros) aumentou a chance do relato
do evento em tela. Além de expor as crianças e
adolescentes ao fumo passivo e doenças tabaco
relacionadas24, esse comportamento é indutor da
construção de crenças relacionadas a aceitação
do hábito tabagista e de outros comportamentos
nocivos, haja vista o peso da representação que
os filhos constroem baseando-se naquilo que foi
(re)produzido pelos pais25. O convívio durante
o período destinado às refeições seria proxy da
conduta de acompanhamento dos filhos pelos
1296
Malta DC et al.
pais17,19,25. implicando em menor chance de relato
de agressão.
Dois indicadores foram pela primeira vez
analisados com a nova composição do questioná-
rio da PeNSE 2015: intromissão dos pais na vida
privada dos adolescentes (mexer nos seus objetos)
e falta de compreensão dos pais diante dos seus
problemas8. O direito à intimidade das crianças
e adolescentes está assegurado pela Organização
das Nações Unidas26 e pelo Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA)27, que menciona respeito
e privacidade, além da preservação dos espaços
e objetos pessoais, imagem, identidade, autono-
mia, valores e crenças28. Quanto à compreensão,
apoio e diálogo entre os membros da família é
considerado fator essencial para aumentar a co-
esão que é protetora contra eventos agressivos
intrafamiliares29. Contar com pais que acompa-
nham, monitoram as atividades escolares, dão
conta do seu paradeiro e respeitam o seu “mun-
do” interno e objetos concretos foram protetores
do relato de episódios agressivos intrafamiliares.
Esse comportamento protetor da família já foi
descrito como associado à redução de riscos de
uso de substâncias17,19,25 e também mostrou-se
protetor de agressão física, no presente estudo.
A agressão intrafamiliar aumenta a sensa-
ção de insegurança, que, ao gerar tensões inter-
nas30,31, explicaria a construção de estratégias de
enfrentamento negativas como maior consumo
de drogas e substâncias por parte dos adolescen-
tes10,30,32. Relato de episódios de agressão física foi
associado ao uso de substâncias pelos adolescen-
tes. Observam-se, em escala multidimensional,
os efeitos dessa rede intricada em que contexto
socioeconômico, por diferentes vias, influenciam
processos internos, que são a base da construção
de modelos adaptativos, que por sua vez influen-
ciam enfrentamentos negativos diante de carên-
cias e outros tipos de constrangimentos21.
Há evidências de maior prevalência de de-
pressão, uso de substâncias, sentimentos de soli-
dão, insônia e isolamento, nas vítimas da violên-
cia doméstica33, o que é convergente aos resulta-
dos que foram apresentados.
Para enfrentar a violência doméstica e pre-
venir seus diversos danos, além de encarar o
problema na esfera legal, está indicada uma
mudança de paradigma em direção ao estatuto
de cidadão a ser conferido aos indivíduos nessa
etapa do ciclo vital28. O Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) versa sobre o direito à prote-
ção contra a violência física no contexto familiar,
ordenando a proteção de crianças e adolescente
contra qualquer ato de negligência, exploração
ou violência. Dentre as medidas a serem adota-
das pelos serviços de proteção infanto-juvenil,
está o diálogo, o contato com a família e a bus-
ca pela reconstituição das relações familiares28,34.
A legislação e a normatização para proteção das
crianças e adolescentes contra toda forma de vio-
lência não é escassa, mas já foram identificadas
barreiras no fluxo intersetorial para atendimento
e acompanhamento dos casos, a fim de evitar se-
quelas psicossociais35. Os resultados apresentados
suscitam ações para fortalecer a cooperação dos
atores e das agências públicas implicadas na ga-
rantia das leis e na execução dos programas de
apoio aos grupos mais vulneráveis.
Além do trabalho com as famílias, é funda-
mental a criação de espaços para a participação
juvenil. Ouvir a opinião de adolescentes sobre
seus direitos e percepção que eles carreiam sobre
o próprio cotidiano pode ser incluída nas inter-
venções que buscam a promoção do protagonis-
mo juvenil, com repercussões positivas sobre a
prevenção de atos agressivos36.
A principal limitação do presente estudo de-
ve-se ao desenho de corte transversal, não po-
dendo ser estabelecida relação causal entre os
hábitos, os comportamentos e os problemas com
a violência parenteral. Alguns fatores podem ter
antecedido o evento, como consumo de álcool,
tabaco, drogas e relação sexual precoce. O dese-
nho do estudo atual mede simultaneamente a ex-
posição e os possíveis efeitos, de maneira que os
resultados devem ser interpretados com cautela.
Ainda assim, sugere-se encará-los como predi-
tores do evento e aprofundar a problemática em
futuros estudos. A pergunta utilizada no questio-
nário refere-se à agressão praticada por adulto da
família, não sendo possível afirmar sobre os per-
petradores12,13. Vale ainda mencionar a limitação
decorrente da característica da amostra que se
refere aos escolares, sem que tenham sido abor-
dados dessa feita aqueles que estão fora da escola.
Conclusão
O estudo analisou dados da pesquisa mais com-
pleta no país junto aos escolares, permitindo es-
tabelecer prevalências populacionais, monitorar
os eventos de interesse e, neste caso, concluir pelo
aumento da prevalência de agressão por fami-
liares em 36%. Conclui-se pela associação entre
violência e gênero, com maior vitimização das
meninas e também entre os adolescentes mais
jovens (13 anos). Contextos sociais desfavoráveis
aumentaram a violência, como escolares inseri-
1297
Ciência & Saúde Coletiva, 24(4):1287-1298, 2019
dos na força de trabalho e filhos de mães com
menor escolaridade. Sofrer agressão aumentou a
chance do consumo de substâncias, além de as-
pectos relacionados ao sofrimento mental, como
insônia e solidão. Fatores relacionais, tanto na
vida intrafamiliar quanto na escolar, aumenta-
ram a chance do evento.
A rede de relações estabelecidas na estrutu-
ra familiar é influenciada pelo contexto socioe-
conômico e pelas características de cada um dos
seus membros, bem como da estrutura que se
articula entre eles. A proteção afetiva por ela as-
segurada, por um lado, é a base para a construção
de laços emocionais e desenvolvimento do indi-
víduo. Contudo, tensões entre os seus membros,
influenciadas tanto por fatores externos quanto
internos aos indivíduos, podem se transformar
em fatores de risco para o desenvolvimento de
crianças e adolescentes.
Referências
1. World Health Organization (WHO), International So-
ciety for Prevention of Child Abuse and Neglect. Pre-
venting child maltreatment: a guide to taking action and
generating evidence. Geneva: WHO; 2006.
2. United Nations Children’s Found (Unicef). Behind
closed doors: The impact of domestic violence on children.
New York: Unicef; 2006.
3. Finkelhor D, Turner H, Hamby S, Ormrod R. Polyvic-
timization: Children’s exposure to multiple types of
violence, crime, and abuse. OJJDP Juvenile Justice Bul-
letin 2011; October:1-12.
4. Bouchard E-M, Tourigny M, Joly J, Hébert M, Cyr M.
Les conséquences à long terme de la violence sexuelle,
physique et psychologique vécue pendant l’enfance.
Revue d´Epidémiologie et de Santé Publique 2008;
56(5):333-344
5. Corsi J. Una mirada abarcativa sobre el problema de
la violencia intrafamiliar. In: Corsi J. Violencia familiar
una mirada interdisciplinaria sobre um grave problema
social. Argentina: Paidos; 2004. p. 15-63.
6. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2009.
Rio de Janeiro: IBGE; 2009.
7. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2012.
Rio de Janeiro: IBGE; 2013.
8. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2015.
Rio de Janeiro: IBGE; 2016.
9. Carlos DM, Ferriani MGC, Esteves MR, Silva LMP, Sca-
tena L. O apoio social sob a ótica de adolescentes víti-
mas de violência doméstica. Rev Esc Enferm USP 2014;
48(4):610-617.
10. Youngblade LM, Theokas C, Schulenberg J, Curry L,
Huang IC, Novak M. Risk and promotive factors in
families, schools, and communities: a contextual model
of positive youth development in adolescence. Pediat-
rics 2007; 119(1):47-53.
Colaboradores
DC Malta trabalhou na concepção do estudo, na
análise e interpretação dos dados, revisão de li-
teratura, trabalhou na sua revisão crítica e apro-
vou a versão a ser publicada. RR Prado, realizou
análise dos dados, interpretação dos dados, revi-
são final do texto. JT Antunes, AA Assunção, MI
Freitas, contribuíram com análise crítica, revisão
final do texto. Todos os autores aprovaram sua
versão final.
Agradecimento
Os autores agradecem ao Ministério da Saúde,
Secretaria de Vigilância em Saúde, pelo financia-
mento por meio de TED.
1298
Malta DC et al.
11. Andrade SC, Yokota RT, Sá NN, Silva MM, Araújo WN,
Mascarenhas MM, Malta DC. Relação entre violência
física, consumo de álcool e outras drogas e bullying en-
tre adolescentes escolares brasileiros. Cad Saude Publi-
ca 2012; 28(9):1725-1736.
12. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Viva: Vigilância de
Violências e Acidentes, 2011 e 2012. Brasília: MS; 2016.
13. Rates SMM, Melo EM, Mascarenhas MDM, Malta
DC. Violência infantil: uma análise das notificações
compulsórias, Brasil 2011. Cien Saude Colet 2015;
20(3):655-665.
14. Minayo MC. Laços perigosos entre machismo e violên-
cia. Cien Saude Colet 2005; 10(1):18-34.
15. Duke NN, Pettingell SL, McMorris BJ, Borowsky IW.
Adolescent Violence Perpetration: Associations with
multiple types of adverse childhood experiences. Pedi-
atrics 2010; 125(4):e778-786.
16. Malta DC, Oliveira CM, Prado RR, Andrade SSC, Mello
FCM, Dias AJR, Bomtempo BD. Psychoactive sub-
stance use, family context and mental health among
Brazilian adolescents, National Adolescent School-
based Health Survey (PeNSE 2012). Rev bras epidemi-
ol 2014; 17(1):46-61.
17. Wu LT, Schlenger WE, Galvin DM. The relationship be-
tween employment and substance use among students
aged 12 to 17. J Adolesc Health 2003; 32(1):5-15
18. Giatti L, Campos M O, Crespo CD, Andrade SSCA,
Barreto SM. Trabalho precoce, marcador de vulnera-
bilidades para saúde em escolares brasileiros: Pesquisa
Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE 2012). Rev. Bras.
Epidemiol 2014; 17(Supl. 1):17-30.
19. Malta DC, Porto DL, Melo FC, Monteiro RA, Sar-
dinha LM, Lessa BH. Família e proteção ao uso de
tabaco, álcool e drogas em adolescentes, Pesquisa
Nacional de Saúde dos Escolares. Rev bras epidemiol
2011;14(1):166-177.
20. Emerson PM, Souza AP. Is child labor harmful? The
impact of working earlier in life on adult earnings. Econ
Dev Cult Change 2011; 59(2):345-386.
21. Riggs SA. Childhood emotional abuse and the Attach-
ment System across the Life Cycle: What theory and
research tell us. Journal of Aggression, Maltreatment and
Trauma 2010; 19(1):5-51.
22. Maldonado DPA, Williams LCDA. O comportamento
agressivo de crianças do sexo masculino na escola e sua
relação com a violência doméstica. Psicologia em Estudo
2005; 10(3):353-362.
23. Olsson J. Violence against children who have left home,
lived on the street and been domestic workers—A
study of reintegrated children in Kagera Region, Tan-
zania. Children and Youth Services Review 2016; 69:233-
240.
24. World Health Organization (WHO). Global status
report on noncommunicable diseases 2010. Geneva:
WHO; 2011.
Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons
BY
CC
25. Barreto SM, Giattil L, Casado L, Moura L, Crespo C,
Malta DC. Exposição ao tabagismo entre escolares no
Brasil. Cien Saude Colet 2010;15(2):3027-3034.
26. Organização das Nações Unidas (ONU). Convenção
sobre os Direitos da Criança 1989. Brasília: UNICEF;
2006.
27. Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de Julho de 1990. Dispõe so-
bre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras
providências. Diário Oficial da União 1990; 16 jul.
28. Souza APL, Lauda BV, Koller SH. Opiniões e vivências
de adolescentes acerca dos Direitos ao respeito e priva-
cidade e à proteção contra a Violência física no âmbito
familiar. Psicol Soc 2014; 26(2):397-409.
29. Martínez NY, Toro MIO, Chavarria EFV. Aspectos sub-
jetivos relacionados con la violencia intrafamiliar: caso
municipio de Sabaneta. Estud Soc 2016; 47(24):349-
376.
30. Shedler J, Block J. Adolescent drug use and psycholog-
ical health: A longitudinal inquiry. Am psychol 1990;
45(5):612-630.
31. Blanco P, Sirvent C. Psicopatología asociada al con-
sumo de cocaína y alcohol. Rev esp drogodependencias
2006; 31(3-4):324-344.
32. Paiva FS, Rozani TM. Estilos parentais e consumo de
drogas entre adolescentes: revisão sistemática. Psicol
Estud 2009; 14(1):177-183.
33. Tuisku V, Pelkonen M, Kiviruusu O, Karlsson L, Ruut-
tu T, Marttunen M. Factors associated with deliberate
self-harm behaviour among depressed adolescent out-
patients. J adolesc 2009; 32(5):1125-1136.
34. Costa MCO, Bigras M. Mecanismos pessoais e co-
letivos de proteção e promoção da qualidade de
vida para infância e adolescência. Cien Saude Colet
2007;12(5):1101-1109.
35. Deslandes S, Mendes CHF, Pinto LW. Proposição de
um índice do enfrentamento governamental à violên-
cia intrafamiliar contra crianças e adolescentes. Cad
Saude Publica 2015; 31(8):1709-1720.
36. Souza APL, Lauda BV, Koller SH. Opiniões e vivên-
cias de adolescentes acerca dos direitos ao respeito e
privacidade e à proteção contra a violência física no
âmbito familiar. Revista Psicologia & Sociedade 2014;
26(2):397-409.
Artigo apresentado em 05/03/2017
Aprovado em 18/04/2017
Versão final apresentada em 10/07/2017