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Associação entre sintomas de insónia e risco de eventos cardio-cerebrovasculares: uma meta-análise de estudos de coorte prospetivos

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Rev Port Med Geral Fam 2018;34:168-9
168 clubedeleitura
Introdução
A insónia é um dos principais transtornos do sono-vi-
gília, caracterizada pela dificuldade em iniciar o sono, di-
ficuldade em manter o sono, despertar antes do horário
normal ou sono não reparador. Foi reportado que cerca
de um terço da população alemã sofre de algum destes
sintomas.
Vários estudos mostram associação da insónia com
outcomes nefastos para a saúde, mas que são inconsis-
tentes a provarem associação entre insónia e eventos car-
diovasculares ou cerebrovasculares. Alguns estudos mos-
tram que doentes com insónia apresentam maior risco
de insuficiência cardíaca (IC), enfarte agudo do miocár-
dio (EAM), acidente vascular cerebral (AVC) e mortali-
dade por doença cardiovascular (DCV), enquanto outros
não encontraram associação entre insónia e estes even-
tos.
O objetivo deste estudo foi avaliar a existência de as-
sociação entre eventos cardio-cerebrovasculares e sin-
tomas de insónia.
Métodos
Foi elaborada uma meta-análise após pesquisa de es-
tudos na PubMed, Web of Science e Cochrane, sem res-
trição de idioma, e incluídos estudos de coorte prospe-
tivos de adultos com um mínimo de dois anos de follow-
-up, com pelo menos um sintoma de insónia descrito. Os
outcomes considerados foram eventos cardio-cerebro-
vasculares, como morte por EAM, doença coronária, IC,
AVC ou combinação destes eventos. Foram considerados
os estudos com efeitos estimados disponíveis. Modelos
de randomização foram usados para agrupar os resulta-
dos de cada sintoma de insónia. Foi testada a potencial
heterogeneidade através da análise de sensibilidade e de
subgrupos e o potencial viés de publicação foi testado
através de gráficos de funil e teste de Egger.
Resultados
Foram incluídos 15 estudos nesta meta-análise (23
coortes), com um total de 160.867 participantes, cujos
sintomas de insónia foram autorreportados através de
questionários ou entrevistas. Onze foram realizados em
países europeus, três nos Estados Unidos da América e
um no Japão. A média ou mediana de duração de follow-
-up variou de três a 29,6 anos. Três estudos incluíram
apenas homens e um incluiu apenas mulheres; os res-
tantes incluíram ambos os sexos com apresentação de
dados individualizados por sexo.
Foram encontradas associações positivas entre difi-
culdade em iniciar o sono, dificuldade em manter o sono
e sono não reparador com o risco de eventos cardio-ce-
rebrovasculares. Os riscos relativos (RR) agrupados, com
intervalos de confiança a 95%, foram 1,27 (1,15-1,40),
1,11 (1,04-1,19) e 1,18 (1,05-1,33), respetivamente. Exis-
te menos evidência que suporte a associação entre des-
pertar antes do horário normal e eventos cardio-cere-
brovasculares. Em todos os sintomas de insónia, as mu-
lheres apresentaram RR superior quando comparadas
com o sexo masculino.
Discussão
Nesta meta-análise foi encontrada diferença entre se-
xos, com RR superior nas mulheres, apesar de a diferen-
ça ser pequena e não significativa, o que impossibilita
concluir que a insónia é mais perigosa para o sexo femi-
nino.
A natureza da associação entre sintomas de insónia e
eventos cardio-cerebrovasculares ainda não é comple-
tamente conhecida, apesar de a relação ser reportada
em estudos epidemiológicos e experimentais.
Algumas limitações deste estudo incluem a avaliação
dos sintomas de forma autorreportada, o uso de dife-
rentes escalas nos vários estudos, a inexistência de in-
formação acerca da realização de tratamento ativo da in-
sónia ou de sintomas depressivos concomitantes.
Conclusão
Esta meta-análise demonstra que pessoas que revelem
sintomas como dificuldade em iniciar o sono, dificulda-
de em manter o sono e sono não reparador apresentam
maior risco de eventos cardio-cerebrovasculares futu-
ros, especialmente em mulheres. São necessários mais
estudos que expliquem os mecanismos subjacentes aos
resultados encontrados.
ASSOCIAÇÃO ENTRE SINTOMAS DE INSÓNIA E RISCO DE EVENTOS CARDIO-CEREBROVASCULARES: UMA
META-ANÁLISE DE ESTUDOS DE COORTE PROSPETIVOS
THE ASSOCIATION BETWEEN INSOMNIA SYMPTOMS AND RISK OF CARDIO-CEREBRAL VASCULAR EVENTS:
A META-ANALYSIS OF PROSPECTIVE COHORT STUDIES
He Q, Zhang P, Li G, Dai H, Shi J. The association between insomnia symptoms and risk of cardio-cerebral vascular events: a meta-analysis of prospective cohort stu-
dies. Eur J Prev Cardiol. 2017;24(10):1071-82. doi: 10.1177/2047487317702043
Rev Port Med Geral Fam 2018;34:168-9
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Comentário
Da perceção empírica, os clínicos percebem que
os sintomas de insónia são prevalentes nas consul-
tas de medicina geral e familiar. De facto, um estudo
de 2004, realizado pelo Instituto Nacional de Saúde
Dr. Ricardo Jorge (INSA) mostrou que 19% dos por-
tugueses com 18 ou mais anos de idade apresenta-
ram dificuldade em adormecer frequentemente e
70,6% referiram acordar durante a noite mais de uma
vez por semana.1 Em 2002, a Organização Mundial
da Saúde (OMS) realizou a primeira edição do WORLD
HEALTH SURVEY, onde Portugal esteve incluído. Nesse
estudo foi pedido aos inquiridos para classificar a
perturbação do sono em «nenhuma», «leve», «mode-
rada», «grave» ou «extrema». Aproximadamente 45%
dos portugueses respondeu sofrer de algum grau de
dificuldade, sendo «leve» o nível mais comum
(23,6%), sendo que na União Europeia dos 15 (UE-15)
41,6% dos indivíduos declararam ter alguma dificul-
dade em adormecer.2
Segundo o MANUAL DE DIAGNÓSTICO E ESTATÍSTICA DAS
PERTURBAÇÕES MENTAIS QUINTA EDIÇÃO (DSM-5), a in-
sónia é uma perturbação do sono-vigília, responsá-
vel por um evidente sofrimento e prejuízo no fun-
cionamento social, profissional, educacional, acadé-
mico, comportamental ou em outras áreas impor-
tantes da vida do indivíduo.3
Esta meta-análise mostra que a insónia está asso-
ciada a aumento do risco cardio-cerebrovascular e
acrescenta evidência às consequências a longo pra-
zo dos sintomas da insónia, onerosas quer para o in-
divíduo quer para a sociedade, contribuindo para
justificar o peso das doenças cardiovasculares como
principais causas de morte em Portugal e no mundo.4-5
Estima-se que as mulheres com menos de 45 anos de
idade têm uma probabilidade 1,4 vezes maior de
apresentar queixas de insónia do que os homens da
mesma idade. A partir desta idade, a probabilidade
aumenta para 1,7 vezes em relação aos homens da
mesma idade.6Nesta meta-análise, o risco relativo
de insónia é superior no sexo feminino, mas sem di-
ferença significativa, sendo necessários mais estu-
dos que confirmem esta observação.
Perante os resultados desta meta-análise, os clíni-
cos podem sentir-se tentados a intervir farmacologi-
camente. O uso de benzodiazepinas e fármacos aná-
logos não é isento de riscos, estando associado a ha-
bituação e dependência física, défices cognitivos, no-
meadamente a amnésia anterógrada, diminuição da
vigília, confusão mental e pode afetar de forma pre-
judicial a capacidade de condução automóvel e ma-
nuseamento de máquinas de precisão.7De facto, uma
revisão de 2003 levanta a dúvida acerca dos efeitos da
medicação para a insónia, referindo que poderá pre-
judicar mais do que ajudar.8
O comentário a esta meta-análise tem sobretudo
o objetivo de estimular a reflexão sobre a abordagem
da insónia. evidência que associa a insónia ao au-
mento do risco cardio-cerebrovascular; no entanto,
não existe evidência de que a intervenção farmaco-
lógica possa alterar esse risco.
Marina Eiras Carneiro, Adriana Vasconcelos Oliveira
USF do Mar, ACeS Grande Porto IV
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CONFLITOS DE INTERESSE
A autora declara não ter quaisquer conflitos de interesse.
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Article
Full-text available
This article reviewed insomnia epidemiological research, identifying areas where insomnia was a risk factor and isolating areas deserving of further investigation. Insomnia was consistently predictive of depression, anxiety disorders, other psychological disorders, alcohol abuse or dependence, drug abuse or dependence, and suicide, indicating insomnia is a risk factor for these difficulties. Additionally, insomnia was related to decreased immune functioning. The data were inconclusive regarding insomnia as a risk factor for cardiovascular disease and mortality, but sleep medication use was predictive of mortality. These results must be tempered with the knowledge that significant weaknesses existed in the studies reviewed. The main weaknesses were inadequate definition of insomnia and inadequate control for alternative explanations. Despite these limitations, this review suggests that insomnia is a risk factor for poor mental and physical health.
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Despite the dramatic scientific advances in the field of sleep research of the last 50 years, medical students receive little if any teaching about sleep physiology and sleep disorders. In most residency training programs, no instruction is provided to help physicians learn how to diagnose and treat sleep disorders they will see in their practices. As is true for psychiatric disorders, effective treatment of sleep disorders requires the capacity to make the correct diagnosis; this in turn is dependent on an understanding of how various disorders develop and present, how they may progress over the life cycle, and how treatment interventions may affect their course and may lead to remission or resolution of symptoms. I hope that the information presented in this series will help readers open at least one eye to the challenges and opportunities associated with the treatment of sleep disorders!
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