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Cad. EBAPE.BR, v. 16, nº 3, Rio de Janeiro, Jul./Set. 2018.
Processo das políticas públicas: revisão de literatura,
reexões teóricas e apontamentos para futuras pesquisas
Resumo
múlplos uxos, coalizões de advocaciaequilíbrio pontuado,
mudança versus estabilidadecapacidade de inuência dos atores.
versus “
Palavras-chave:
e process of public policy: literature review, theoretical reections and suggestions for future research
Abstract
Keywords:
Proceso de las Políticas Públicas: revisión de la literatura, reexiones teóricas e indicaciones para investiga-
ciones futuras
Resumen
Palabras clave
DOI
445 Cad. EBAPE.BR, v. 16, nº 3, Rio de Janeiro, Jul./Set. 2018. 445-455
Processo das políticas públicas: revisão de literatura, reexões
teóricas e apontamentos para futuras pesquisas
Lia de Azevedo Almeida
Ricardo Corrêa Gomes
INTRODUÇÃO
As polícas públicas, como campo do conhecimento, têm sua origem na ciência políca americana e remonta aos estudos da
década de 1950 (MELO, 1999). Não há consenso entre os pesquisadores acerca do conceito de polícas públicas. O que há
são variadas denições, desde as clássicas advindas da ciência políca até as mais recentes. A armação de Lowi (1964) de
que a políca pública cria a políca levou ao entendimento de que a políca pública emerge de um processo de disputas em
disntas arenas decisórias. Denições recentes ilustram esse caráter políco, ao considerar a políca pública além de uma
decisão governamental, ao passo que também pode decorrer de decisões e ações de outros atores, como a sociedade civil e
o mercado (HOWLETT, RAMESH e PERL, 2013; RAMOS e SCHABBACH, 2012), sendo inuenciada por ideologias, interesses e
necessidades de vários atores, sejam estes formais (aqueles que atuam diretamente nas arenas polícas instucionalizadas,
como o Poder Execuvo, o Poder Legislavo, o Poder Judiciário e os pardos polícos) ou informais (aqueles que atuam na
esfera da sociedade civil) (SILVA e BASSI, 2012; SECCHI, 2014).
Nas décadas de 1970 e 1980, a políca pública começou a tomar forma como ciência nos Estados Unidos da América (EUA)
a parr do desenvolvimento de modelos de análise que compreendiam as polícas públicas segundo etapas sequenciais (ou
estágios). Normalmente, tais modelos consideravam que a políca pública incluía as fases de formação da agenda, formulação
da políca, implementação e avaliação (SECCHI, 2014). Entretanto, eles mesmos foram alvo de crícas, por não viabilizar a
compreensão de relações causais, mostrando-se imprecisos do ponto de vista descrivo e subvalorizando o papel da análise
e do aprendizado para as polícas públicas (SABATIER, 2007). Surgiram, então, a parr dos anos 1980-90, estudiosos que
procuraram compreender a políca pública invesgando 6 elementos-chave (atores, instuições, redes/subsistemas, ideias/
crenças, fatores contextuais e eventos) que interagem no que cou conhecido como policy process (JOHN, 2003; CAIRNEY e
HEIKKILA, 2014).
O conceito de processo de polícas públicas (policy process) traz a ideia de que as polícas públicas são moldadas em todas
as suas fases por diferentes pos de atores e instuições, os atores podem estabelecer relações (redes formalizadas ou não)
de acordo com suas crenças/interesses na defesa de uma ideia, sendo suas ações afetadas pelo contexto em que operam
e inuenciadas por eventos externos. Assim, analisar o processo de polícas públicas signica compreender como esses 6
fatores interagem e inuenciam a trajetória das polícas públicas ao longo de suas fases ou etapas. Nesse sendo, Weible
e Carter (2017, p. 27) armam que estudar o processo de polícas públicas signica analisar as “interações que ocorrem ao
longo do tempo entre polícas públicas e atores, eventos, contextos e resultados”.
Uma gama de modelos teóricos tem sido desenvolvida com o objevo de proporcionar explicações sobre os diversos
aspectos do processo das polícas públicas (WEIBLE e CARTER, 2017). Dentre esses modelos se destacam os consagrados
na literatura internacional (PETRIDOU, 2014;WEIBLE e CARTER, 2017) e que têm sido aplicados à realidade brasileira com
maior frequência (BRASIL e CAPELLA, 2016; CAPELLA, SOARES e BRASIL, 2014): o modelo de múlplos uxos (mulple
streams), proposto por John Kingdon em 1984, o modelo de coalizões de advocacia (advocacy coalions framework),
proposto por Paul Sabaer e Jekins-Smith em 1993 (revisado e ampliado pelos autores em 1999), e o modelo de equilíbrio
pontuado (punctuated equilibrium), elaborado por Frank Baumgartner e Brian Jones em 1993. Em comum, esses três
modelos entendem o processo das polícas públicas, como complexo, instável, e sujeito a relações de poder entre
diversos atores. Além disso, incluem importantes variáveis, como as ideias, a mídia e a opinião pública, considerando-as
importantes inuências na consolidação de uma políca. Talvez por sua amplitude e suas possibilidades de adequação à
análise de diferentes pos de políca pública, tornaram-se instrumentos atraentes para analisar o processo de construção
de diferentes polícas e em diferentes realidades.
Embora sejam semelhantes em muitos pontos, cada um possui objevos analícos diversos. O modelo de Kingdon enfoca
como determinado tema ascende à agenda governamental; o modelo de Sabaer e Smith busca compreender como são
formados arranjos entre atores (coalizões) nos processos decisórios e como estes mudam ao longo do tempo; já o modelo
de Baumgartner e Jones procura explicar os momentos de mudança abrupta pelos quais passam a maior parte das polícas
públicas. Como argumentam Cainey e Heikkila (2014), tais modelos foram desenvolvidos paralela e independentemente e
os pesquisadores não apresentaram uma preocupação inicial com a linguagem comum e com a possibilidade de comparação
entre eles. Tais caracteríscas não tornam a comparação inviável, pelo contrário, reforçam a importância de uma revisão
sistemáca (CAINEY e HEIKKILA, 2014).
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Nesse sendo, o objevo deste argo é sistemazar os construtos (mudança versus estabilidade e a capacidade de inuência
dos atores1), que estão presentes de diferentes formas nos modelos teóricos supracitados. Para a consecução do objevo
proposto, empreendemos uma revisão de literatura dos 3 modelos em questão, com vistas a idencar: 1) como cada modelo
entende mudança e estabilidade do processo das polícas públicas e quais são os objevos explicavos nessas dimensões;
2) o entendimento sobre os fatores que compõem a capacidade de inuência dos atores.
A escolha dos construtos mudança/estabilidade e a capacidade de inuência dos atores jusca-se pelo fato de que um
dos grandes temas dos estudiosos do processo de polícas públicas, segundo Weible e Carter (2017), é a invesgação do
engajamento e da inuência de determinados atores e grupos polícos, uma vez que se entende que os atores competem para
inuenciar a políca pública direta ou indiretamente, “visando [a] inuenciar os resultados de tomada de decisão; mudando
as regras que estruturam o governo, muitas vezes através da criação, alteração e eliminação de locais de tomada de decisão;
ou a parr da eleição de pessoas em cargos ociais” (WEIBLE e CARTER, 2017, p. 28). Outra grande temáca de pesquisa
apontada por esses autores é a mudança do processo, impulsionada pelo trabalho de Baumgartner e Jones (1993). Desde sua
publicação até os dias atuais, uma quandade considerável de estudos se ocupou de compreender os padrões de mudança
da políca no espaço e no tempo (WEIBLE e CARTER, 2017). Portanto, essas duas dimensões (capacidade de inuência e
mudança/estabilidade), presentes de diferentes formas em cada modelo, pode constuir unidades de comparação entre eles.
Ao pensar no processo de polícas públicas como algo constuído por atores, instuições, redes/subsistemas, ideias/crenças,
fatores contextuais e eventos, pode-se compreender a capacidade de inuência dos atores e a mudança/estabilidade como
produtos da interação entre tais elementos. Vale destacar que cada modelo enfaza alguns elementos em detrimento de
outros em suas explicações sobre cada uma dessas dimensões de análise.
A relevância deste argo consiste em sistemazar esses grandes temas de estudo, a m de aprofundar o entendimento do
processo de polícas públicas, especialmente dos produtos da interação entre seus elementos-chave, de modo a contribuir
para apresentar reexões teóricas e possíveis direcionamentos de uma futura agenda de pesquisa, com o intuito de pensar
em outros instrumentos teóricos e/ou novas abordagens de análise, especialmente em um momento de “mobilização da
comunidade de pesquisadores não apenas no sendo da invesgação de polícas públicas, mas também com o desenvolvimento
de abordagens teóricas e metodológicas” (BRASIL e CAPELLA, 2016, p. 86).
A seguir, descrevemos cada um dos modelos teóricos analisados.
O MODELO DE COALIZÕES DE ADVOCACIA
Esse modelo foi desenvolvido com a clara preocupação de proporcionar uma alternava para os modelos de análise de polícas
públicas segundo estágios que, de acordo com seus idealizadores, careceriam de robustez conceitual para a construção de
hipóteses causais empiricamente testáveis (WEIBLE, SABATIER e MCQUEEN, 2009). O modelo de coalizões de advocacia
(advocacy coalions framework), ao enfazar o papel de valores e ideias, consubstanciados nas crenças das coalizões de
defesa, busca construir uma visão geral sobre o funcionamento do subsistema de polícas públicas.
O processo políco é caracterizado por um sistema aberto, sujeito a trocas com o ambiente e cuja unidade de análise primordial
seria o subsistema de polícas públicas, composto por atores diversicados avamente preocupados e envolvidos com um
problema ou questão políca (SABATIER e JENKINS-SMITH, 1999).
Externamente ao subsistema de polícas públicas haveria fatores estáveis bastante diceis de alterar, que constrangeriam a
ação dos atores no interior do subsistema. Tais fatores seriam: os atributos básicos da área do problema, a distribuição dos
recursos naturais, valores socioculturais e estrutura social e a estrutura de regras básicas do sistema políco (SABATIER e
JENKINS-SMITH, 1999).
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Os atores que compõem os subsistemas, seriam orientados pelo comparlhamento de crenças sobre determinada temáca, na
tentava de inuenciar decisões sobre uma políca. As coalizões tenderiam a ter interesses diferenciados, ora complementares,
ora excludentes, e apresentariam elevado grau de coordenação de suas avidades, na tentava de levar adiante suas propostas
de intervenção em determinada políca pública (SABATIER e JENKINS-SMITH, 1999). As decisões sobre uma políca pública
resultariam do conito estabelecido entre coalizões que contribuiriam para o desenvolvimento de constrangimentos e/ou
esmulos para a adoção ou mudança em determinada políca pública (SABATIER, 1999).
O modelo busca explicar os momentos de mudança, estabelecendo hipóteses sobre as condições necessárias para que
ocorram. Segundo Sabaer e Jenkins-Smith (1999), a mudança pode ocorrer devido a fatores internos ao subsistema e
externos a este. Os fatores externos são: 1) parâmetros relavamente estáveis; 2) estruturas de oportunidades das coalizões;
e 3) perturbações de maior vulto.
Os parâmetros estáveis são os atributos básicos do problema – distribuição dos recursos naturais, valores socioculturais e
estrutura social e constucional –, que mudam pouco em um período de 10 anos, recomendado pelos autores para a análise.
As estruturas de oportunidades das coalizões são as caracteríscas especícas do sistema políco que fornecem maior ou
menor oportunidade de atuação das coalizões, dependendo de suas regras. As estruturas de oportunidades são inuenciadas
pelos parâmetros relavamente estáveis do sistema. E, nalmente, as perturbações de maior vulto constuem-se de mudanças
em condições socioeconômicas, mudança no regime políco, impacto das decisões em outros subsistemas e acontecimentos
de força maior, como desastres, por exemplo.
Os fatores internos que podem ocasionar a mudança, são: 1) choques internos; 2) acordos negociados; e 3) o aprendizado
políco construído pela interação dos atores no subsistema ao longo do tempo seriam responsáveis por mudanças no processo
de formulação e implementação de polícas públicas (SABATIER e WEIBLE, 2007).
Os choques internos são entendidos como perturbações de maior vulto, que impactam as crenças da coalizão dominante,
podendo, portanto, causar a mudança do entendimento acerca de um problema e de sua condução. Os acordos negociados
também são apontados como caminho para a mudança, quando não há choques internos ou externos ao subsistema, porém,
quando há situações de impasse. O processo de aprendizado políco seria uma consequência do processo de negociação
entre os membros de várias coalizões, que agem buscando melhor entendimento da realidade para aprimorar seus objevos
polícos (SABATIER e JENKINS-SMITH, 1999). Esse processo favoreceria o acúmulo de conhecimento sobre caracteríscas de
um problema e fatores que o afetam, promovendo a avaliação das alternavas adotadas e impactando a adoção de mudanças
em determinadas polícas públicas.
O MODELO DE MÚLTIPLOS FLUXOS
Da mesma forma que o modelo de coalizões de advocacia, esse modelo também surgiu com o objevo de proporcionar uma
explicação mais abrangente do processo de formulação de polícas públicas, em especial a fase de construção da agenda
governamental, dando ênfase ao papel do empreendedor de polícas, rejeitando as representações racionais e lineares do
modelo sequencial ou de estágios (WEIBLE e CARTER, 2017). Para Kingdon (2010), o processo de formulação da agenda é
altamente compevo, do qual parcipam diferentes agentes, e as mudanças na agenda ocorrem quando da convergência
de três uxos, que têm uma dinâmica própria e caminham de modo relavamente independente: o uxo políco (polics
stream), o uxo de soluções (policy stream) e o uxo de problemas (problem stream).
Para que se compreenda o mecanismo subjacente à mudança na agenda, mostra-se necessário compreender primeiro o
uxo de problemas. Nesse sendo, o autor aponta a importância de compreender a diferença do que ele denomina questões
(condions) de problemas. Uma questão é uma situação social percebida, mas que não necessariamente desperta uma ação
em contraparda. Esta apenas se congura como problema quando os formuladores acreditarem que devem agir sobre ela
(KINGDON, 2010).
O segundo uxo, de soluções, “ocorre sem estar necessariamente relacionado à percepção do problema” (CALMON e
MARCHESINI, 2007, p. 8). As alternavas são geradas nas policy communies e aquelas que se mostrem viáveis do ponto de
vista técnico e que apresentem custos razoáveis passam a ser difundidas, não só para as comunidades polícas, mas também
para o público em geral, construindo progressivamente a aceitação da ideia (KINGDON, 2010).
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O terceiro uxo, o políco, é composto por elementos como: a opinião pública, grupos de pressão, resultados eleitorais,
distribuições pardárias ou ideológicas no Congresso e mudanças na administração (KINGDON, 2010). Nesse uxo, 3 elementos
são inuentes sobre a agenda governamental: o “humor” nacional (naonal moodino), as forças polícas organizadas e as
mudanças dentro do próprio governo. O humor nacional, “cria uma espécie de ‘solo férl’ para algumas ideias germinarem”
(CAPELLA, 2007, p. 29). Assim, o humor favorável pode incenvar a promoção de algumas questões e, ao mesmo tempo,
desesmular a promoção de outras (CAPELLA, 2007).
Os 3 uxos mencionados têm sua dinâmica própria e caminham com relava independência e, por vezes, convergem e geram
uma oportunidade de mudança na agenda, a qual Kingdon denomina janela de oportunidade (windows opportunity), que
constui momentos transitórios, podendo ocorrer a abertura de “janelas” em determinados momentos, bem como seu
fechamento em outros (KINGDON, 2010).
Entretanto, para que ocorra o encontro dos 3 uxos, a gura do empreendedor de polícas (policy entrepreneur) é fundamental,
pois sem ele a união entre os uxos pode não ocorrer. Isso porque tais indivíduos atuam “unindo soluções a problemas;
propostas a momentos polícos; eventos polícos a problemas” (CAPELLA, 2007, p. 31). Geralmente, são especialistas em
determinada questão e são hábeis em representar ideias de outros indivíduos ou grupos ou, ainda, podem desfrutar de uma
posição de autoridade dentro do processo decisório, o que proporciona recepvidade às suas ideias (CAPELLA, 2007). A grande
habilidade desse po de ator é perceber o momento oportuno e agir. Eles investem seus recursos na defesa de propostas,
com vistas à obtenção de futuros benecios. Assim, o empreendedor tem papel central na mudança políca (KINGDON,
2010; CAPELLA, 2016).
Além da dinâmica dos uxos polícos, os atores envolvidos no processo também são determinantes para as mudanças na
agenda. Kingdon (2010) diferencia os atores inuentes na denição da agenda governamental daqueles inuentes apenas na
denição de alternavas. Os atores governamentais (a “administração”, os servidores de carreira, os deputados e senadores e
seus assessores) têm mais recursos para interferir na formulação das polícas públicas, como “autoridade legal, publicidade,
longevidade e uma mistura de informações políticas e técnicas”(KINGDON, 2010, p. 43), ao passo que os atores não
governamentais (grupos de interesse, acadêmicos, pesquisadores e consultores, opinião pública, pardos polícos) seriam
mais inuentes na geração de alternavas.
No primeiro grupo, dos atores governamentais, a “administração” inclui o presidente, sua assessoria e os demais cargos
cuja indicação cabe exclusivamente a ele. O presidente é o ator mais importante no uxo políco, exercendo um papel
dominante, pois detém recursos instucionais, organizacionais e recursos de comando da atenção à formulação da agenda;
segundo Kingdon (2010, p. 23), “nenhum outro ator no sistema políco tem a capacidade do Presidente de denir agendas
em determinadas áreas polícas para todos os que lidam com essas polícas”.
O MODELO DE EQUILÍBRIO PONTUADO
Desenvolvido por Baumgartner e Jones em 1993, inspira-se em elementos da biologia para explicar a ocorrência de longos
períodos de estabilidade, interrompidos ocasionalmente por rompantes de mudanças abruptas, que marcam a trajetória da
maior parte das polícas públicas (BAUMGARTNER e JONES, 1993).
Esse modelo assume que os indivíduos operam com racionalidade limitada e, portanto, para lidar com a mulplicidade de
questões polícas, os governos delegam autoridade a agentes governamentais (burocratas especializados em uma área de
polícas) que, junto com os subgrupos de legisladores e os grupos de interesse, discuriam vários temas ao mesmo tempo
(de forma paralela). Esse grupo de atores foi denominado subsistema por Baumgartner e Jones e também é responsável por
construir uma imagem da políca, ou seja, uma ideia forte que conecta valores e pode ser comunicada de forma simples com
apelo emovo. Tal imagem ajuda a legimar um monopólio tanto do entendimento sobre determinada políca como sobre
arranjos instucionais para lidar com ela.
Uma imagem comparlhada e o monopólio sobre uma políca ajudam a manter o status quo e o subsistema atuaria em
um processo de feedback negavo, que reforçaria esse status quo, permindo mudanças apenas de modo incremental
(BAUMGARTNER e JONES, 2010).
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Quando uma questão consegue emergir no ambiente da macropolíca, onde as questões são tratadas uma de cada vez, ocorrem
processos de feedback negavo, com mudanças expressivas que rompem com o status quo. Logo, as decisões governamentais
são tomadas em 2 níveis de governo, o nível dos agentes governamentais (que estão localizados nos chamados subsistemas
polícos) e o dos líderes do governo (que compõem o que denominaram macrossistemas) (BAUMGARTNER e JONES, 2010).
A explicação sobre períodos de estabilidade e/ou mudança estaria relacionada aos agentes que lidam com aquela questão,
ou seja, se ela esver sendo tratada no subsistema (pelos agentes governamentais) ou no macrossistema (pelos líderes de
governo). O modelo assume que muitas questões (policy images) concorrentes sobreviveriam simultaneamente, esperando
o momento certo para se expandir (BAUMGARTNER e JONES, 2010).
Subsistemas são caracterizados pela estabilidade e propostas de mudanças são desencorajadas pelo feedback negavo, com
pouco ganho dos atores polícos em relação aos invesmentos, resultando em equilíbrio e mudança incremental. Ao contrário
dos subsistemas, os macrossistemas polícos se caracterizam por intensas e rápidas mudanças, diversos entendimentos
sobre uma mesma políca (diferentes policy images) e feedback posivo; segundo Baumgartner e Jones (2010, p. 137): “a
macropolíca é a políca da pontuação – a políca de mudanças em larga escala, das imagens que competem, da manipulação
políca e da reação posiva”.
CAPACIDADE DOS ATORES INFLUENCIAREM O PROCESSO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
A capacidade de inuência dos atores no processo é diferente na concepção de cada um dos modelos.
No modelo de coalizões de advocacia, o comparlhamento de crenças entre atores diferenciados no interior de uma coalizão
e as relações estabelecidas entre essas coalizões seriam responsáveis por inuenciar os processos de formação de uma
políca. O processo políco é caracterizado ao mesmo tempo pelo conito (entre coalizões) e o consenso (intercoalizões). As
decisões em polícas públicas seriam resultado desse conito estabelecido, que funcionaria como um constrangimento e/ou
um esmulo para adoção de uma alternava de políca (SABATIER e JENKINS-SMITH, 1999). Parte-se do pressuposto de que
a ação dos atores organizados em coalizões concorrentes inuencia o resultado da políca, ou seja, a alternava adotada. Os
atores agiriam segundo as crenças comparlhadas sobre determinada temáca, na tentava de inuenciar decisões sobre uma
políca, tais como a denição de regras instucionais, a alocação de recursos e as indicações para cargos e funções públicas
(SABATIER e SMITH, 1999). A parr das interações entre os atores, o modelo assume que pode ocorrer um movimento de
aprendizado políco entre os atores que pode mudar seus posicionamentos; além disso, os choques externos podem mudar
os recursos disponíveis no subsistema e, por consequência, alterar os arranjos das coalizões, portanto, as coalizões e sua
capacidade de inuenciar o processo mudam ao longo do tempo.
Contrariamente à perspectiva do modelo de coalizões de advocacia, mais aberto a considerar a capacidade de ação dos
atores, o modelo de múltiplos fluxos confere maior ênfase aos recursos possuídos pelos atores e sua posição no ambiente
político-institucional como fator explicativo das diferenças da capacidade de influência no processo. Há clara diferença
no modelo entre os atores que são influentes na definição da agenda governamental e aqueles que são influentes apenas
na definição de alternativas. O primeiro grupo é composto por atores “visíveis”, que recebem considerável atenção
da imprensa e do público, são normalmente os políticos do Poder Executivo e do Poder Legislativo. No segundo grupo
se encontram os participantes “invisíveis”, que têm maior importância na geração de alternativas, e incluem-se nesse
grupo os especialistas em determinados temas que atuam em comunidades epistêmicas, os acadêmicos e os burocratas
(KINGDON, 2010).
Nesse caso, ao assumir que os atores governamentais têm mais recursos para interferir na formação da agenda governamental
do que os não governamentais, o modelo considera que a capacidade de inuência dos atores é determinada pelas próprias
caracteríscas constuvas do ambiente instucional em que se encontram, ou seja, uma maior ou menor capacidade de
inuenciar depende da posição ocupada no ambiente políco instucional. Um exemplo disso é a gura do presidente,
considerado o ator mais importante no uxo políco, pois detém recursos instucionais, organizacionais e o comando da
atenção, exercendo um papel dominante na formulação da agenda. Entretanto, nem mesmo o presidente, sozinho, pode
determinar o resultado de uma políca, pois apesar de possuir os recursos mais importantes, ele não tem controle sobre o
uxo de alternavas (KINGDON, 2010).
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Assim, a posição dos atores no ambiente instucional condiciona uma maior ou menor capacidade de inuência, na medida
em que nem todos os atores têm acesso aos mesmos recursos, sendo que estes úlmos são fatores importantes para que
os atores consigam inserir suas demandas na agenda. Todavia, o modelo também considera o aspecto da ação individual ao
fazer referência à gura do policy entrepreneur, ou empreendedor de polícas, que é o responsável pela junção dos 3 uxos
e, consequentemente, pela ascensão de determinado tema à agenda. Esses indivíduos são responsáveis por unir “soluções
a problemas; propostas a momentos polícos; eventos polícos a problemas” (CAPELLA, 2007, p. 31).
Embora a capacidade de representar ideias e construir consenso seja uma caracterísca da ação individual de determinado ator,
Kingdon (2011, p. 180) reforça a importância do componente instucional ao armar que tal habilidade pode ser explicada,
além de outros fatores, por uma posição de autoridade dentro do processo decisório, “como o Presidente ou o presidente
de uma comissão no Congresso”, o que proporcionaria recepvidade às ideias do empreendedor.
Assim, a inuência exercida por um ator é entendida como consequência de seu posicionamento no ambiente instucional,
que faz com que ele possua recursos mais relevantes para inuenciar o processo. Entretanto, ao armar que o presidente
sozinho não é capaz de determinar a agenda, embora seja aquele que mais se aproxima de conseguir isso2, o modelo assume
que os recursos advindos do posicionamento instucional não são sucientes para explicar isoladamente o processo de
agenda-seng. É justamente essa a grande contribuição de sua narrava, ou seja, a mudança da agenda só ocorrerá em um
momento especíco; mesmo se atores com grande capacidade de inuência a desejarem, ela só virá no momento oportuno,
ou seja, quando ocorrer a junção dos 3 uxos, o que denominou “janela de oportunidade”.
O modelo de equilíbrio pontuado se assemelha bastante ao modelo de múlplos uxos no entendimento do comportamento
dos atores e em sua capacidade de inuência no processo. Assim como o modelo de Kingdon, com a separação dos atores
em “visíveis” e “invisíveis”, de acordo com a posição ocupada no sistema e os recursos possuídos, o modelo de equilíbrio
pontuado também oferece uma divisão. Para os autores, o sistema políco seria dividido em 2 subsistemas, que operariam
mudanças de forma seriada (abrupta) e paralela (incremental).
O primeiro seria o chamado macrossistema (o lugar dos aspectos formais – papel do presidente, dos ministros, do Congresso,
etc.), composto pelos tomadores de decisão, ou seja, quem realmente consegue inuir na políca de modo a causar mudanças
abruptas. De outro lado, tem-se o subsistema, entendido como o espaço reservado aos especialistas, os quais seriam capazes
de inuir na políca apenas de modo paralelo, sendo responsáveis por mudanças incrementais (BAUMGARTNER e JONES,
1993). O processamento paralelo, no subsistema, esmula mudanças polícas de menor envergadura, uma vez que esse sistema
opera “fora do foco políco” (TRUE, JONES e BAUGMARTNER 2007, p. 158). A captura de uma questão pelo macrossistema é
o momento em que as maiores mudanças em uma políca tendem a ocorrer, podendo gerar, como consequência, mudanças
nos próprios subsistemas. A criação de uma imagem é considerada componente estratégico na mobilização da atenção do
macrossistema em torno de uma questão e, por isso, a disputa para criação de consenso em torno de uma policy image é
considerada pelos autores um elemento crucial na luta políca.
Logo, os atores instucionalmente dotados dos recursos de decisão são capazes de mudar o curso de uma políca de modo
abrupto, ao passo que os especialistas, não dotados do mesmo recurso, têm uma capacidade de inuência marginal. Assim
como no modelo de múlplos uxos, no modelo de equilíbrio pontuado a capacidade de inuência é dependente dos pos
de recursos que cada ator possui, que são derivados de seu posicionamento no ambiente políco-instucional.
Em suma, no modelo de coalizões de advocacia, a capacidade de inuência é entendida como consequência da atuação
dos atores organizados em coalizões, que lutam por objevos comuns diante de uma políca, e desse embate emergem
instrumentos polícos e/ou entendimentos acerca de um problema que moldam a políca pública em suas etapas.
Por outro lado, os modelos de múlplos uxos e equilíbrio pontuado atribuem menor ênfase à ação coleva e ao conito
estabelecido entre atores, seja este de ideias, valores ou crenças, e privilegiam a explicação dos diferentes níveis de inuência
dos atores no processo como consequência dos recursos que têm, que, por sua vez, dependem da posição ocupada no
ambiente políco-instucional.
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MUDANÇA E ESTABILIDADE NAS POLÍTICAS
O modelo de coalizões de advocacia compreende a mudança de forma ampla, podendo ir desde a mudança da dinâmica do
subsistema políco onde ocorrem as decisões até as mudanças no conteúdo da políca, sendo a primeira induzida por fatores
externos e as segundas induzidas por fatores internos ao subsistema. Por exemplo, a mudança quanto ao entendimento de
um problema por parte das coalizões (que ocorre internamente ao subsistema) pode ocasionar mudanças no conteúdo da
políca. Por outro lado, mudanças das estruturas de oportunidades das coalizões (p. ex., maior abertura do sistema políco)
impactam o comportamento das coalizões, alterando o grau de consenso necessário a ser angido para uma decisão, o que,
por sua vez, pode alterar a dinâmica do processo decisório.
O modelo se preocupa especialmente em explicar a mudança, procurando teorizar sobre seus fatores determinantes (que
idencou como sendo os inputs do ambiente externo ao subsistema, choques internos, acordos negociados e o aprendizado
políco), inclusive estabelecendo hipóteses (SABATIER e WEIBLE, 2007; WEIBLE, SABATIER e MCQUEEN, 2009).
O conceito de aprendizado político, que foi definido pelos autores como “alternâncias relativamente duradouras de
pensamento ou intenções comportamentais que resultam da experiência e/ou de novas informações e que estão relacionadas
à realização ou revisão de objevos polícos” (SABATIER e JENKINS-SMITH, 1999, p. 123) demonstra sua preocupação com
o fato de que os próprios atores podem mudar suas percepções a parr da interação com os demais. Eventos externos a
determinado subsistema apresentariam esmulos à geração de mudanças. São exemplos disso as mudanças em condições
sociais, econômicas e polícas; decisões sobre outras polícas públicas; e impactos de outros subsistemas de políca. Os
choques internos são entendidos como perturbações de maior vulto, à semelhança dos eventos focalizadores3 do modelo de
Kingdon, que impactam as crenças da coalizão dominante, podendo, portanto, causar a mudança do entendimento de um
problema e da sua condução. Os acordos negociados também são apontados como caminho para a mudança, quando não
há choques internos ou externos ao subsistema, porém, quando há situações de impasse (SABATIER e JENKINS-SMITH, 1999).
Cabe destacar que nenhuma das hipóteses traçadas pelo modelo se preocupa em explicar a estabilidade. Entretanto, consideram
que quando nenhuma das hipóteses de mudança ocorre, têm-se processos decisórios lentos e complexos, permeados pelos
conitos de crenças polícas dos atores (SABATIER e JENKINS-SMITH, 1999).
Ao contrário do modelo de coalizões de advocacia, que compreende a mudança tanto relacionada à dinâmica do subsistema
quanto o conteúdo da políca, o modelo de múlplos uxos se preocupa com um po especíco de mudança, ou seja, a
mudança da agenda governamental, seja por meio da inclusão de novos temas ou mesmo do abandono de temas antes
considerados estratégicos. Nesse caso, a unidade de análise não é um sistema ou subsistema, mas sim “uxos” que ocorrem
de forma paralela e independente: uxo de problemas, uxo políco e uxo de soluções.
Os 3 uxos mencionados têm sua dinâmica própria, caminham com relava independência e, por vezes, convergem e geram
uma oportunidade de mudança da agenda, a qual Kingdom denomina janelas de oportunidade (windows opportunity), que
constuem momentos transitórios, podendo ocorrer a abertura de “janelas” em determinados momentos, bem como seu
fechamento em outros. É nesse momento que uma condição consegue atrair a atenção dos formuladores de polícas públicas
e é também no mesmo momento que há mudanças no uxo políco, as quais permitem mudanças da agenda. E, assim,
os formuladores passam a procurar alternavas para os problemas, que já foram desenvolvidas paralelamente no uxo de
soluções. Dessa forma, Kingdon aponta que a abertura de janelas de oportunidade é inuenciada, sobretudo, pelo uxo de
problemas e pelo uxo políco (CAPELLA, 2007).
Kingdon não se preocupou em explicar a estabilidade do processo de agenda-seng, embora tenha assumido que a fragmentação
das policy communies inuenciaria a estabilidade da agenda. Essa falta de abordagem dos momentos de estabilidade foi
objeto de críca dos autores Baumgarter e Jones (1993), que, em seu modelo, procuraram justamente diferenciar esses
momentos, armando que mudanças substanvas ocorreriam em momentos de ruptura e mudanças incrementais nos
momentos de estabilidade.
O modelo de equilíbrio pontuado foi desenvolvido preocupando-se em responder porque “os processos das polícas públicas
são muitas vezes conduzidos por uma lógica de estabilidade e incrementalismo, mas ocasionalmente também produzem
mudanças em grande escala com relação ao passado” (BAUMGARTNER e JONES, 1999, p. 97). Portanto, a compreensão de
como ocorrem essas mudanças em larga escala é o objevo principal da análise. O modelo de equilíbrio pontuado se assemelha
ao modelo de múlplos uxos, no tocante ao entendimento do funcionamento do processo das polícas públicas. Ao invés
de uxos, o primeiro faz referência ao “processamento” de problemas em 2 níveis, no nível dos líderes governamentais
condions
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(macro) e no nível dos agentes governamentais (micro). As mudanças de pequena envergadura, consideradas incrementais,
seriam fruto das decisões tomadas no microssistema ou subsistemas políco-instucional, nos quais as diferentes questões
são processadas de forma paralela. Já as mudanças radicais seriam fruto das decisões tomadas no macrossistema políco-
instucional, onde as questões são tratadas em série (BAUMGARTNER e JONES, 1993).
Em relação à mudança e à estabilidade, o modelo assume que, quando uma questão é capturada por um microssistema, tem-se
um período de equilíbrio ou quase equilíbrio, por outro lado, quando uma questão entra na agenda macropolíca, ocorrem
períodos de desequilíbrio, período em que a agenda em polícas públicas pode mudar muito rapidamente, contrariando
o consenso de ideias estabelecidas (BAUMGARTNER e JONES, 1993). Os subsistemas têm como caracterísca principal sua
estabilidade, ou seja, os atores nesse nível tendem a tomar decisões apenas incrementais, pois há pouco custo-benecio para
os atores polícos, prevalecendo mudanças lentas, graduais e incrementais. Ao contrário, os macrossistemas se caracterizam
por intensas e rápidas mudanças (BAUMGARTNER e JONES, 1993).
Tem-se, então, uma associação entre a dinâmica do processo (sua mudança ou estabilidade) e a tomada de decisão por
diferentes atores (no subsistema ou macrossistema). Em outras palavras, as diferenças dos recursos possuídos pelos atores
explicam não só as diferentes intensidades que conseguem inuenciar o processo, mas também a magnitude dos reexos
que tais decisões podem causar.
Percebe-se que os 3 modelos se preocupam em explicar a mudança (seja a mudança da agenda, a mudança da dinâmica do
subsistema e do conteúdo da políca ou a mudança abrupta), buscando teorizar sobre os fatores envoltos na sua explicação.
Comparando esses 3 modelos, tem-se que o modelo de coalizões de advocacia se preocupa em explicar os fatores indutores
de mudança, pois estes podem alterar a dinâmica de negociação das coalizões e o conteúdo da políca. Ou seja, o objeto
de análise é o processo decisório, buscando compreender como a atuação das coalizões molda a políca pública. O foco
não é explicar porque as mudanças ocorrem, mas como a políca pública é um produto dessas interações. Os outros 2
modelos, que possuem uma visão processual, ao contrário da visão sistêmica do modelo de coalizões de advocacia, encaram
a mudança como o próprio objeto de análise, como no caso do modelo de equilíbrio pontuado seu objevo é invesgar por
que ocasionalmente longos períodos de estabilidade são interrompidos por mudanças abruptas, e no caso do modelo de
múlplos uxos a pergunta central é: Porque temas ascendem à agenda mudando o status quo?
O Quadro 1 sinteza o que foi apresentado nesta seção.
Modelos teóricos Objeto de análise Capacidade dos atores exercerem
inuência no processo
Mudança versus estabilidade
inputs
agenda-
seng
Fonte: Elaborado pelos autores.
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Processo das políticas públicas: revisão de literatura, reexões
teóricas e apontamentos para futuras pesquisas
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Como apontado nesta seção, cada modelo apresenta um objeto de análise especíco e cada um tem sua intepretação sobre
mudança e estabilidade e sobre a capacidade de inuência dos atores. Percebeu-se que os 3 modelos se preocupam a priori em
compreender a mudança, embora cada um tenha seu próprio entendimento sobre ela. A capacidade de inuência, por sua vez, é
entendida como consequência da ação dos atores a parr da formação de coalizões, no modelo de coalizões de advocacia, e nos
outros modelos é entendida como consequência dos recursos possuídos, devido à posição ocupada no sistema políco instucional.
Em suma, percebe-se que os 3 modelos pretendem explicar a priori os momentos de mudança e entendem mudança e
estabilidade como dimensões que podem ser idencadas individual e separadamente. Por exemplo, a estabilidade ocorre
no modelo de equilíbrio pontuado, quando uma questão é tratada no subsistema, gerando apenas ajustes incrementais,
no modelo de coalizões de advocacia, quando nenhuma das hipóteses indutoras de mudança ocorre, tem-se um período
de estabilidade, e, por m, no modelo de múlplos uxos, quando não ocorre a abertura de uma janela de oportunidade
e a união dos 3 uxos pelo empreendedor, tem-se a estabilidade e a manutenção do status quo. Assim, a estabilidade é
entendida como um momento no qual as condições para a mudança não ocorrem, permindo que o pesquisador “separe” os
2 momentos quando da análise do processo. A capacidade de inuência, por sua vez, é entendida como dependente da ação
coleva dos atores (modelo de coalizões de advocacia), ou como consequência do posicionamento dos atores no ambiente
políco-instucional (nos modelos de equilíbrio pontuado e de múlplos uxos). A parr da sintezação desses construtos,
traçamos a seguir reexões e apontamentos que podem direcionar o avanço teórico na área.
REFLEXÕES TEÓRICAS E APONTAMENTOS DE PESQUISA
Uma primeira reexão que se pode apontar a parr da análise empreendida é a necessidade de avançar teoricamente quanto
à análise da mudança e estabilidade, entendendo-as não como categorias separadas, mas analisando como elas ocorrem de
forma inter-relacionada.
Wiering, Lieerink e Crabbé (2017), em argo publicado na edição especial do Jornal of Flood Risk Management, analisam
a dinâmica do sistema políco de gerenciamento de risco de inundações, idencando as principais direções e tendências e
assumindo que estabilidade e mudança podem reforçar-se ou neutralizar-se mutuamente. Os autores combinaram insights
das 3 teorias revisadas neste argo e também da análise do discurso, e do modelo de policy arrangements approach. Os
autores armaram que cada uma das teorias negligencia ou subesma as forças de estabilidade e mudança, sendo necessária
uma abordagem alternava.
Concluem que a evolução das polícas de gerenciamento de risco de inundações em determinado país é resultado da interação
especíca de forças de estabilidade e mudança. Com base na análise comparava em 4 países, os autores idencaram 5
combinações picas (clusters) de forças de estabilidade e mudança que podem ajudar a explicar a dinâmica das polícas e
dos arranjos instucionais nacionais sobre a gestão de risco de inundações. Nesse caso, o foco de análise é a dinâmica dessas
polícas, objevando compreender sua evolução.
Esse foco de análise se torna relevante principalmente ao se ter em conta a complexidade dos ambientes instucionais
nos quais as polícas públicas são formuladas na atualidade e as rápidas mudanças do sistema políco inuenciadas pelos
processos de globalização (ANDERIES e JANSSEN, 2013), o que, segundo Hill e Varone (2016, p. 165) torna “até os sistemas
administravos mais estáveis, sujeitos a processos de mudanças que ocorrem a todo momento”, porém, segundo os autores,
a maioria dos estudos em análise de polícas ainda se focam nos estudos das mudanças abruptas (HILL e VARONE, 2016).
Nesse sendo, um apontamento para pesquisas futuras, seria orientar a análise do processo para compreender sua dinâmica
como um todo, sem buscar teorizar sobre momentos de mudanças abruptas ou incrementais ou buscar invesgar os fatores
indutores de mudança, como já feito pelas teorias abordadas. Uma pergunta de pesquisa para avançar nesse sendo seria:
• Como a dinâmica do processo (permeada por forças de mudança e estabilidade que estão inter-relacionadas)
moldam o conteúdo da políca?
Outra reexão que se estabelece aqui é a possibilidade de ampliar o entendimento sobre a capacidade de inuência dos atores,
a parr da combinação de seus elementos determinantes já idencados nas teorias analisadas: a capacidade de estabelecer
relacionamentos visando a alcançar seus objevos no processo (coalizões e/ou redes) e os recursos possuídos pelos atores.
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Como visto nas teorias revisadas, os recursos dos atores (relacionados à sua posição no ambiente políco instucional) e sua
capacidade de arcular-se e estabelecer relações para defender seus interesses, ideias e/ou crenças, parecem ser dimensões
igualmente importantes da capacidade de inuência dos atores.
Um direcionamento para pesquisas futuras pode ser a invesgação de como essas duas dimensões conjuntamente (os recursos
possuídos e as relações estabelecidas) contribuem para o aumento da capacidade de inuência dos atores e como ela impacta
a dinâmica do processo e o conteúdo da políca. O diferencial proposto consiste em combinar as duas dimensões na análise
e invesgar a relação entre capacidade de inuência e dinâmica/conteúdo da políca.
Elgin e Weible (2013) parecem apontar nessa direção. Os autores analisaram o caso da políca climáca e energéca do
Colorado, nos EUA, combinando o modelo de coalizões de advocacia e o modelo de policy analycal capacity, para avaliar
os recursos individuais e organizacionais dos atores que formam as coalizões. A combinação dos 2 modelos se jusca pelo
fato de que o modelo de coalizões de advocacia não se preocupou, em sua primeira versão, em teorizar sobre os recursos e
como estes seriam ulizados pelos atores individualmente e pelas coalizões de advocacia. Uma aproximação nesse sendo
se encontra em Weible (2007), que idencou 5 pos de recursos ulizados pelos atores: recursos nanceiros, autoridade
legal formal, grupos mobilizáveis, acesso à informação técnica e cienca e inuência sobre a opinião pública. Entretanto,
Weible, Sabaer, Jenkins-Smith et al. (2011) reconhecem que esse ainda é um dos aspectos pouco desenvolvidos no modelo.
O objevo de Elgin e Weible (2013) é combinar a capacidade individual e a capacidade organizacional com a análise do
conito no processo decisório, possibilitado pelo arcabouço analíco do modelo de coalizões de advocacia. Entretanto, os
autores não relacionam diretamente os recursos possuídos à capacidade de inuência individual ou organizacional, sendo esta
úlma compreendida no âmbito de atuação das coalizões. Argumenta-se que essa pode ser uma possibilidade de avançar na
teorização, ao buscar compreender a relação direta entre recursos e capacidade de arculação via coalizões sobre a capacidade
de inuência dos atores individuais e organizacionais.
As reexões aqui apresentadas são apenas apontamentos iniciais que podem formar uma agenda de pesquisa mais ampla
e parlhada entre os autores do campo de análise de polícas públicas. Acredita-se que a mudança no foco de análise para
a dinâmica do processo das polícas, ao invés do foco em períodos especícos (ou de mudança ou de estabilidade) e o
alargamento do entendimento sobre conceitos-chave, como a capacidade de inuência, podem trazer contribuições para
aumentar a capacidade explicava quanto aos resultados e a evolução das polícas públicas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objevo deste argo foi ampliar o entendimento sobre o processo das polícas públicas a parr da sistemazação de seus
principais construtos, apresentando reexões teóricas e apontamentos para uma agenda de pesquisa. Percebe-se que os 3
modelos almejam explicar a priori a mudança e entendem que a estabilidade emerge quando as condições necessárias para
a ocorrência da primeira não se fazem presentes. A capacidade de inuência, por sua vez, ora é entendida como dependente
de fatores individuais, ora como consequência do posicionamento dos atores no ambiente políco-instucional.
A parr da sintezação e análise dos construtos em cada modelo, levantamos algumas reexões teóricas apontando a composição
de uma agenda de pesquisa: 1) a possibilidade de analisar a dinâmica do processo das polícas públicas, compreendendo
mudança e estabilidade como instâncias que estão inter-relacionadas; e 2) análise da capacidade de inuência dos atores em
função tanto dos recursos possuídos como das relações estabelecidas (coalizões e/ou redes). A contribuição úlma de tais
apontamentos seria compreender como a dinâmica e a capacidade de inuência moldariam o conteúdo da políca.
Pondera-se, ainda, que nossas reexões teóricas podem ser operacionalizadas em trabalhos empíricos a parr da combinação
das proposições de mais de um modelo, de modo a permir analisar a dinâmica e a capacidade de inuência sobre as novas
ócas propostas. Contudo, também, a sistemazação e as reexões empreendidas podem auxiliar na estruturação de um
futuro modelo para análise de polícas públicas.
Para tanto, é importante que os pesquisadores idenquem um objeto de pesquisa em que essas análises sejam relevantes.
Por exemplo, para o caso de estudos comparavos, parece ser relevante a compreensão da dinâmica do processo por um
longo período de tempo. Já a análise da capacidade de inuência nessa perspecva sugerida parece ser úl em processos
decisórios nos quais se reúnem uma grande gama de atores diferenciados e em assuntos nos quais diversos interesses colidem,
como as polícas ambientais – por exemplo. O próximo passo é realizar estudos empíricos, para que se possa vericar até
que ponto essas novas dimensões de análise podem contribuir para alargar o entendimento sobre os resultados e a evolução
das polícas públicas.
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Processo das políticas públicas: revisão de literatura, reexões
teóricas e apontamentos para futuras pesquisas
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