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Fragmentos de medicina medieval em Portugal: Frei Gil de Santarém e o Códice eborense CXXI/2-19: Tese de Mestrado em História, área de especialidade em História Medieval, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Abril de 2017. Orientação da Professora Doutora Manuela Santos Silva

Authors:
Medievalista
Online
23 | 2018
Número23
Fragmentos de medicina medieval em Portugal:
Frei Gil de Santarém e o Códice eborense CXXI/2-19
Tese de Mestrado em História, área de especialidade em História
Medieval, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,
Abril de 2017. Orientação da Professora Doutora Manuela Santos Silva
AnaMartaSilvaPinto
Ediçãoelectrónica
URL: http://journals.openedition.org/medievalista/1683
DOI: 10.4000/medievalista.1683
ISSN: 1646-740X
Editora
Instituto de Estudos Medievais - FCSH-UNL
Ediçãoimpressa
Data de publição: 1 janeiro 2018
Refêrenciaeletrónica
Ana Marta Silva Pinto, « Fragmentos de medicina medieval em Portugal: Frei Gil de Santarém e o
Códice eborense CXXI/2-19 », Medievalista [Online], 23 | 2018, posto online no dia 07 maio 2018,
consultado o 23 setembro 2020. URL : http://journals.openedition.org/medievalista/1683 ; DOI :
https://doi.org/10.4000/medievalista.1683
Este documento foi criado de forma automática no dia 23 setembro 2020.
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Internacional.
Fragmentos de medicina medieval
em Portugal: Frei Gil de Santarém e
o Códice eborense CXXI/2-19
Tese de Mestrado em História, área de especialidade em História
Medieval, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,
Abril de 2017. Orientação da Professora Doutora Manuela Santos Silva
Ana Marta Silva Pinto
NOTA DO EDITOR
Data recepção do texto / Received for publication: 23-06-2017
A formação do “problema” e a estruturação do
trabalho1
1 A medicina da Europa medieval era composta por uma mescla de saberes herdados da
Antiguidade, tradições orientais, árabes, judaicas e cristãs adicionados às práticas
populares e ao cunho mágico-pagão trazido pelos variados povoadores da Europa pré
medieva.
2 O estudo da história da medicina implica o olhar para as condições sociais, económicas,
políticas e culturais. Esta história não se limita aos físicos, aos doentes, às doenças, mas
também ao corpo, à religião, à história das universidades, às plantas e aos animais, à
alimentação, ao clima e às estações do ano, entre tantos outros factores que
influenciam o meio do homem medieval e, por conseguinte, os males que o afectam e as
práticas combativas desses males. As perguntas surgem automaticamente. Afinal como
era praticada a medicina em Portugal na Idade Média? Quem cuidava dos doentes?
Onde os tratavam? Como eram feitos os diagnósticos e o que era usado para os seus
tratamentos? Quais eram as principais doenças que afectavam o homem medieval e
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qual o seu prognóstico perante elas? E destas questões muitas outras vão surgindo;
entre elas quais os livros usados para praticar medicina? Qual o cunho mágico agregado
à medicina medieval? Seria esta medicina tão rudimentar e estaria tão longe de um
pensamento científico como a conotação da “Idade das trevas” leva a crer? Estas e
muitas outras interrogações acompanham o historiador de medicina medieval e, à
medida que este se vai envolvendo nas páginas da história, vai percebendo que muitos
outros campos influenciam a sua pesquisa. Foi com base nelas que iniciámos um
processo de investigação para a realização de uma Tese de Mestrado intitulada
Fragmentos de Medicina Medieval em Portugal: Frei Gil de Santarém e o Códice Eborense CXXI/
2-19, com o propósito de transcrever o manuscrito, conhecer um pouco melhor a vida
de Frei Gil como físico, perceber quais os principais compostos utilizados para a
realização de mezinhas medievais, fazer um levantamento dos principais problemas de
saúde referidos e da forma como eram abordados.
3 O nosso estudo compõe-se, então, de oito capítulos, incluindo um capítulo introdutório,
estado da arte e conclusão. O corpo do trabalho é acopmpanhado, ainda que de modo
desigual, por um enquadramento teórico que permite uma melhor compreensão do
documento analisado, abrangendo temáticas da medicina medieval não só num
contexto mais geral, mas também mais específico. Assim, para o caso português,
analizam-se as boticas medievais e a vida e obra de Frei Gil de Santarém, presumível
autor da fonte indicada. O último capítulo dedica-se ao Livro de Naturas, o objecto de
estudo central, transcrito neste capítulo.
Frei Gil de Santarém
4 Envolto num contexto de mudanças socioculturais peninsulares dos séculos XII e XIII,
Frei Gil, contemporâneo de Santo António de Lisboa e de Pedro Hispano, constitui
também ele uma figura emblemática da nossa história. Representado pela ambiguidade
religiosa entre o bem e o mal, tentado pelo Diabo, orientado pela Virgem Maria,
manteve-se no limiar entre a ortodoxia e a heresia. Sinaliza a mudança da
espiritualidade de uma península detentora de um cristianismo visigótico-bizantino, de
cariz mediterrânico, oriental e andaluz, para um cariz europeu regido pelo papado
romano, onde imperavam a vida cenobítica urbana, a aproximação às populações rurais
e urbanas, característica da Baixa Idade Média. Frei Gil e os seus semelhantes lograram
a elevação da medicina a um plano divino. E o seu enquadramento na escolástica
medieval das universidades europeias permitiu maior visibilidade do campo e o seu
aprofundamento2.
A Fonte, o Códice Eborense CXXI/2-19
5 O Códice Eborense CXXI/2-19, dada a marca de água registada, deverá ter sido escrito
no final do século XV e comporta uma diversa cronologia em acervo, na área da
medicina. São identificados onze livros diferentes, alguns dos quais atribuídos a Galeno,
a Constantino (provavelmente Constantino Africano) e a Frei Gil de Santarém livro
sobre o qual recai a nossa investigação. Encontra-se escrito em português, a negro e
com iniciais floreadas, verificando-se que está truncado ao começar no fólio número
XII, com o capítulo número XIII.3
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6 Dada a sua grande dimensão trezentos e cinquenta fólios escritos, com um total de
trezentas e setenta e quatro imagens digitalizadas, contando com capa, contra capa e
folhas em branco – tornou-se necessária a seleção de apenas uma parte para a
concretização do nosso estudo. Decidimo-nos pelos fólios atribuídos a Frei Gil de
Santarém que, desde logo, nos cativou não só pela amplitude de ingredientes e doenças
apresentados nas suas mezinhas, mas também por se tratar de uma personalidade
importante da medievalidade portuguesa, cujo contributo no mundo médico foi pouco
estudado.
7 Começámos pela transcrição do documento, que permitiu proceder à identificação dos
problemas de saúde / doenças referidos e das plantas, ingredientes e componentes
utilizados nas mezinhas. Foi identificada, na medida do possível, a origem destes
ingredientes, que permitiu depois uma classificação repartida (maioritariamente) pelas
seguintes categorias: animal, vegetal e mineral. Com estes dados, foram elaboradas
tabelas que permitem identificar os principais problemas de saúde que afectavam o
homem comum, dos mais variados sistemas, e resultantes das mais variadas situações,
facultando ainda bastante informação sobre o impacto da doença no dia a dia do
homem medieval.
8 Deve acrescentar-se que é inegável a importância Códice Eborense CXXI/2-19 como
fonte de vocábulos específicos do português medieval, como apontado por Mário
Martins, S.J.4, que nos permitem uma aproximação à nomenclatura médica usada, bem
como aos principais compostos das mezinhas medievais, na sua maioria plantas, nem
todas conotadas atualmente como medicinais. As tabelas e o glossário que realizámos
(ferramentas para facilitar o acesso ao conteúdo da fonte) tornam essa riqueza e
variedade ainda mais claras.
9 Na análise das tabelas podemos verificar que as principais afecções referidas são
compostas por problemas oculares; problemas relacionados com os dentes, com a
digestão, com a cicatrização e com os ossos; maleitas resultantes de infecções e
possibilidade de carências de hábitos de higiene; queimaduras, lesões por fraturas ou
corpos estranhos; problemas relacionados com a saúde da mulher; problemas
intestinais, como diarreia e obstipação; gota, afectando diversas zonas do corpo; febres,
sem etiologia conhecida; diversas úlceras, bostelas, bubões, apostemas, tumores e
cancro; afecções cutâneas; problemas do foro mental e problemas do foro mágico-
supersticioso.
Conclusões
10 O estudo por nós desenvolvido, permitiu concluir que:
11 O Livro de Naturas compõe-se de uma grande quantidade de mezinhas e da descrição de
sinais de morte ou de vida que nos familiarizam com a prática médica medieval. Não se
tem ainda como certo que o seu autor fosse Frei Gil de Santarém. Vimos, pela
enumeração dos sinais mortais ou “vidais”, que este tipo de discurso médico era comum
no contexto da medicina medieval, da mesma forma que nestes sinais e em outras
passagens do livro podemos verificar a importância dos prognósticos. A riqueza da
linguagem utilizada no texto dá-nos indicações de variados sintomas e doenças que
preocupavam o homem medieval e que instigavam o físico na procura de um
tratamento eficaz. A riqueza de informação sobre plantas, animais e outros
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ingredientes utilizados na composição destas mezinhas dá-nos uma indicação sobre a
fauna e flora conhecidas. Através das doenças referidas, podemos identificar muitos
problemas que nos acometem na atualidade, apesar de nem sempre serem identificadas
com o nome que hoje lhes atribuímos. Outras inserem-se no contexto do quotidiano
medieval e outras ainda não conseguimos encontrar significado elucidativo.
12 Certamente que muito fica por dizer e que, possivelmente, outros olhos retirariam
outro tipo de informação desta fonte, no entanto, esperamos deixar com este estudo
um fragmento das práticas de medicina em Portugal, durante a Idade Média, e um
contributo para a escrita da história da medicina.
NOTAS
1. O texto integral desta tese poderá ser consultado em: https://www.academia.edu/33446039/
Fragmentos_de_Medicina_Medieval_em_Portugal_Frei_Gil_de_Santarém_e_o_Códice_Eborense_CXXI_2-19
2. CUSTÓDIO, Jorge – “S. Frei Gil de Santarém, da Ordem dos Pregadores: Uma personalidade
entre a Lenda, a Hagiografia e a História”. in CUSTÓDIO, Jorge (coord.) S. Frei Gil de Santarém e a
sua época. Santarém: Câmara Municipal de Santarém, 1997, pp. 20, 48.
3. SANTOS, Maria Leonor Ferraz de Oliveira Silva; OLIVEIRA, L. N. Ferraz “Um testemunho do
conhecimento teórico e prático da medicina portuguesa quatrocentista”. in Actas do Congresso
Comemorativo do V Centenário da Fundação do Hospital Real do Espírito Santo de Évora. Évora: Barbosa &
Xavier, LDA – Artes Gráficas, 1996, pp. 65-73.
4. Veja-se MARTINS, Mário – “O Códice Eborense CXXI/2-19 como repositório da linguagem
médica do séc. XV”. Boletim de Filologia 19 (1960), pp. 95-103.
AUTOR
ANA MARTA SILVA PINTO
Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras / Centro de História, 1600-214, Lisboa, Portugal
a.martinha@gmail.com
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4
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Full-text available
O presente artigo tem por base a minha dissertação de mestrado e a procura de uma incursão pelo mundo da medicina medieval em Portugal, através da análise de uma parte do Códice Eborense CXXI/2-19, um manuscrito do século XV composto por uma série de tratados médicos traduzidos para vernáculo. Através dele, procurámos familiarizar-nos com uma amostra das doenças que acometiam o homem medieval, da mesma forma que o Livro de Naturas, fonte do nosso estudo, atribuído a Frei Gil de Santarém, físico português e frade dominicano, nos proporciona um conhecimento abrangente sobre a composição de diversas mezinhas medievais. Pretendemos, desta forma, dar a conhecer uma fonte medieval, pouco conhecida e não editada, encontrada no Catálogo da Biblioteca Pública de Évora.
Um testemunho do conhecimento teórico e prático da medicina portuguesa quatrocentista". in Actas do Congresso Comemorativo do V Centenário da Fundação do Hospital Real do Espírito Santo de Évora
  • L N Oliveira
  • Ferraz
OLIVEIRA, L. N. Ferraz -"Um testemunho do conhecimento teórico e prático da medicina portuguesa quatrocentista". in Actas do Congresso Comemorativo do V Centenário da Fundação do Hospital Real do Espírito Santo de Évora. Évora: Barbosa & Xavier, LDA -Artes Gráficas, 1996, pp. 65-73.
O Códice Eborense CXXI/2-19 como repositório da linguagem médica do séc
  • Veja-Se
  • Martins
  • Mário
Veja-se MARTINS, Mário -"O Códice Eborense CXXI/2-19 como repositório da linguagem médica do séc. XV". Boletim de Filologia 19 (1960), pp. 95-103.