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A Química e a Arte das Pinturas Rupestres: uma Sequência Didática para o Ensino de Óxidos

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Abstract and Figures

This paper presents an experience report concerning the application of the Didactic Sequence of Chemistry and the Art of Rock Paintings, which promoted Interdisciplinarity and Contextualization in the study of Oxides. In this proposal, Chemistry and its relationship with natural inorganic pigments played a fundamental role in the development of the aforementioned content.
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A Química e a Arte das Pinturas Rupestres: uma
Sequência Didática para o Ensino de Óxidos
André Luís Della Volpe1, Rosebelly Nunes Marques2
1Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo IFSP
dellavolpe@ifsp.edu.br
2Depto. de Economia, Administração e Sociologia, LES/ESALQ/USP
rosebelly.esalq@usp.br
Resumo
Apresenta-se neste trabalho um relato de experiência referente a aplicação da
Sequência Didática A Química e a Arte das Pinturas Rupestres, que promoveu
Interdisciplinaridade e Contextualização no estudo dos Óxidos. Nesta proposta, a
Química e sua relação com os pigmentos inorgânicos naturais teve papel
fundamental no desenvolvimento do conteúdo supramencionado.
Palavras chave
Pigmentos inorgânicos, contextualização, interdisciplinaridade.
Introdução
O atual panorama escolar confronta uma nova geração de estudantes frente a
um modelo de ensino em transformação. A (nova) escola enfrenta o desafio de
preparar os cidadãos para viver e atuar conscientemente na sociedade em que estão
inseridos. As Leis de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) preconizam a
articulação dos conceitos com a realidade social objetivando, como algumas das
principais finalidades da educação, a compreensão dos fundamentos científico-
tecnológicos dos processos produtivos e o aprimoramento do educando como
pessoa humana. Conhecer os interesses e as necessidades dos jovens estudantes
torna-se fundamental para a organização de um trabalho pedagógico que vai ao
encontro da perspectiva das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio (DCNEM). A proposta de ensino contida neste documento, em que o
estudante é apresentado como sujeito central no processo de ensino-aprendizagem
requer necessária reinvenção da escola.
A Química e a Arte das Pinturas Rupestres
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Entretanto, estudos indicam que a prática em sala de aula não observa ou pouco
incorpora tais alternativas pedagógicas. Em particular, o ensino de Química
apresenta-se com pouca referência ao contexto do estudante, não se articulando
com as demais áreas. Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2011, p.32), afirmam
que o senso comum no Ensino de Química está marcadamente presente em
atividades como: regrinhas e receituários; classificações taxonômicas; valorização
excessiva pela repetição sistemática de definições, funções e atribuições de
sistemas vivos e não vivos; questões pobres para prontas respostas igualmente
empobrecidas. O professor atua como centro do processo de ensino-aprendizagem
aplicando listas de memorização e conteúdos desprovidos de sentido. O produto
desta aprendizagem se caracteriza, portanto, em memorização com um
subsequente esquecimento rápido do conhecimento aprendido. Percebe-se a
necessidade de desenvolver o conteúdo das disciplinas de forma integrada,
atribuindo significado aos conhecimentos científicos escolares.
Considerando a importância de desenvolver uma abordagem metodológica
menos fragmentada e que possibilite a articulação com outras áreas do
conhecimento, o objetivo deste trabalho foi utilizar a temática A Química e a Arte
das Pinturas Rupestres - para o desenvolvimento e aplicação de uma Sequência
Didática (SD) que abordasse conteúdos de Química Geral e Inorgânica,
destacando o Estudo dos Óxidos (Nomenclatura, Classificação e Propriedades) por
meio de uma abordagem interdisciplinar e contextualizada para o ensino de
Química, como destacado pelos documentos oficiais da educação brasileira.
Metodologia
O estudo envolveu a intervenção do professor/pesquisador da disciplina de
Química Inorgânica oferecida a um grupo de 32 estudantes do 2º Ano do Ensino
Médio Integrado ao Técnico em Química, do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia de São Paulo, na cidade de Capivari/SP. A intervenção
consistiu na aplicação de uma SD que possibilitou articular junto aos estudantes
características locais (artefatos arqueológicos encontrados na região), Arte
Rupestre (Brasileira e Mundial) e os conhecimentos químicos envolvidos (análise
e caracterização da composição dos pigmentos), destacando-se os óxidos (Quadro
1). Para Zabala (1998, p. 18), SD é “um conjunto de atividades ordenadas,
estruturadas e articuladas para a realização de certos objetivos educacionais, que
têm um princípio e um fim conhecidos, tanto pelos professores quanto pelos
alunos”, que [...] permitem incluir as três fases de toda intervenção reflexiva:
planejamento, aplicação e avaliação”. A intervenção pedagógica proposta por
meio da aplicação da SD foi organizada e aplicada a partir dos três momentos
pedagógicos proposto por Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2011), envolvendo
o estudo da realidade (problematização), a busca de informações para o
entendimento do problema (organização dos conhecimentos) e a reinterpretação
da questão inicial com base nos conhecimentos construídos (aplicação dos
conhecimentos).
Volpe e Marques
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A coleta de dados foi realizada ao longo do processo por meio de registros
escritos no formato de diário de bordo, atividades escritas discursivas, maquetes e
painéis. Após a aplicação da SD, realizou-se o registro de todas as produções dos
estudantes, visando verificar a evolução do pensamento científico e a efetividades
da aplicação. Este trabalho foi autorizado pelo comitê de ética em pesquisa da
Universidade Federal de São Carlos (Parecer No 1.389.810).
Título: A Química e a Arte das Pinturas Rupestres
Problematização: Você já tinha ouvido sobre o registro dos habitantes da
Região de Capivari a partir das descobertas arqueológicas? Você conhece
exemplos de pinturas rupestres? De que maneira podemos utilizar o
conhecimento químico para obtermos informações sobre o passado do homem?
Público Alvo, perfil da turma: Alunos de 1º e/ou 2º Ano do Ensino Médio
Número de Aulas: 10 aulas de 50 minutos
Objetivos Gerais: Compreender a utilização dos óxidos como pigmento para
a pintura em cavernas; estabelecer relações entre as características atuais da
região com as ocupações humanas anteriores à chegada dos europeus.
Objetivos Específicos: Relacionar a fórmula de um óxido com seu nome
oficial e suas propriedades; reconhecer seu uso em pinturas por meio da
história.
Dinâmica:
I) Problematização: A região de Campinas nos dias atuais;
II) Leitura do Texto Registro dos habitantes da região de Capivari a partir das
descobertas arqueológicas;
III) Introdução a Arte Rupestre, Arte rupestre no Brasil e no mundo;
IV) Os Pigmentos Inorgânicos e as pinturas nas paredes das cavernas;
V) Leitura do Texto Afinal, o que são ocres?;
VI) Os óxidos ontem e hoje: mineração, metalurgia e meio ambiente;
VII) Aula Experimental: Síntese do Pigmento óxido férrico (Fe2O3);
VIII) Oficina de Arte: Elaboração de Pinturas Rupestres utilizando o pigmento
sintetizado e materiais coletados na natureza; construção de painéis e maquetes;
IX) Exposição para a comunidade das pinturas, painéis e maquetes;
X) Avaliação Escrita abordando óxidos (classificação, reações, nomenclatura).
Recursos de Ensino: Aulas expositivas utilizando Power Point; Aulas
Experimentais; Uso de conteúdo multimídia; Livros, revistas.
Avaliação: Registros nos diários de bordo; atividade de pesquisa, elaboração
de pinturas rupestres e maquetes; relatório técnico-científico; avaliação escrita.
Referências Bibliográficas:
Gombrich, E. H.; História da Arte; São Paulo: LTC Editora, 2002.
Caldarelli, S.B. A Arqueologia do interior paulista evidenciada por suas
rodovias. Revista de Arqueologia, 14-15: 29-55.2001-2002.
Quadro 1: Sequência Didática A Química e a Arte das Pinturas Rupestres
A Química e a Arte das Pinturas Rupestres
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Resultados
A problematização visou estimular a reflexão sobre os efeitos da ocupação do
espaço geográfico na Região Administrativa de Campinas (RAC) por meio da
história (Quadro 1). Os estudantes demonstraram grande interesse em obter mais
informações a respeito do assunto, destacando-se a Arte Rupestre no Brasil e no
mundo. Utilizando-se dos dados registrados nos diários de bordo (composição
química de algumas pinturas rupestres), propôs-se a síntese do óxido de ferro (III),
objetivando, além da retomada das propriedades dos óxidos, seu reconhecimento
e regras de nomenclatura e aplicação de técnicas laboratoriais. Após a síntese, o
óxido de ferro (III) produzido (ocre vermelho), acrescido de outras amostras
coletadas (carvão, argilas contendo óxidos de ferro hidratados goetita e
limonita), por meio da técnica de pintura de têmpera-ovo, foram elaboradas
releituras de pinturas rupestres descritas na etapa de pesquisa da aplicação da SD
(Figura 1). A penúltima etapa envolveu a divulgação de todos os conhecimentos
desenvolvidos durante as etapas do trabalho, usando-se a confecção de maquetes
e exposição das pinturas, em que a escolha dos trabalhos apresentou como
condição única que o tema fosse abordado de maneira tão ampla como foi em sala
de aula. Os estudantes, em grupos, decidiram expor seus trabalhos principalmente
por meio de painéis explicativos, maquetes e pinturas. Dentre as falas dos
estudantes nesta etapa, destacou-se a experiência não somente de confeccionar
pinturas pela primeira vez fora da disciplina de Artes, mas também pelo fato de
ocorrer em outra disciplina curricular aparentemente não correlacionada
(Química). Uma das indicações de que a aplicação da SD possibilitou uma
releitura da questão do patrimônio histórico-artístico foi a mobilização de um
grupo em obter informações referentes a duas igaçabas, de origem tupi-guarani,
que foram encontradas na cidade e que eram mantidas no museu, mas sem serem
exibidas ao público (as igaçabas não eram expostas por falta de verba, pois alas do
museu estavam fechadas aguardando reforma). Os trabalhos relacionados
envolveram: os Óxidos, suas características químicas e exemplos do dia a dia,
Óxidos e o Meio Ambiente; Mineração; Arte Rupestre no Brasil; Arte Rupestre
no Mundo; Sítios Arqueológicos no Brasil; Sítios Arqueológicos no Mundo e por
fim Arte Rupestre versus Grafite versus Pichação. Os trabalhos, juntamente com
as releituras das Pinturas Rupestres, foram apresentados no pátio do Campus para
os demais estudantes e servidores.
Figura 1: Pinturas Rupestres realizadas pelos estudantes (arquivo pessoal do autor, 2016)
Volpe e Marques
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Após a exposição dos trabalhos para toda a comunidade do IFSP-Capivari, os
estudantes também realizaram uma avaliação escrita tratando do reconhecimento,
nomenclatura e classificação dos óxidos. Todos obtiveram notas acima da média
(a média mínima no IFSP considerada para aprovação é 6,0), provavelmente
resultado do longo período de aplicação e da forma que o tema foi tratado, não
privilegiando apenas a memorização ou aplicação de regras.
Considerações Finais
A problematização proposta no início da SD permitiu a livre circulação das
áreas de interesse dos estudantes por meio das disciplinas que compõe o currículo
do curso envolvido neste trabalho, como alternativa de metodologia de ensino
interdisciplinar e contextualizada. A utilização desta prática objetivou promover
uma articulação de conteúdo, destacando seu processo histórico e cultural de
construção, fato essencial ao se referir às práticas do processo de ensino.
Tanto a situação problematizadora proposta quanto os trabalhos apresentados
pelos estudantes puderam refletir as mais diversas áreas do conhecimento, tratando
de conteúdos muito além da Química. Nas falas dos estudantes, além do aspecto
motivacional, pode-se perceber também preocupação com questões sociais,
destacando-se a mobilização de grupos de alunos em relação à situação dos objetos
arqueológicos encontrados na cidade e sua conservação, assim como uma
ressignificação da pichação, não como forma de expressão, mas como vandalismo
que pode comprometer o patrimônio artístico e histórico.
Os conteúdos de Química propostos nos objetivos específicos foram tratados
não como um fim, mas como parte integrada e necessária à compreensão da
situação problematizadora, não sendo necessária a aplicação de listas de
memorização; a compreensão da nomenclatura química e o reconhecimento das
principais características dos óxidos e suas implicações com a sociedade
ocorreram ao longo das atividades, de maneira que todos os estudantes
apresentaram bom rendimento nas avaliações escritas.
Referências bibliográficas
Brasil. (1996). Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: LDB
9394/96. Brasília: MEC.
Brasil. (2012). Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio:
Resolução CNE/CEB nº 2: MEC.
Delizoicov, D.; Angotti, J. A. e Pernambuco, M. M. (2011). Ensino de
Ciências: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez.
Zabala, A. (1998). A Prática Educativa. Como ensinar. Porto Alegre:
ARTMED.
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Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: LDB Nº 9394/96
  • Brasil
Brasil. (1996). Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: LDB Nº 9394/96. Brasília: MEC.
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio: Resolução CNE/CEB nº 2: MEC
  • Brasil
Brasil. (2012). Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio: Resolução CNE/CEB nº 2: MEC.
A Prática Educativa. Como ensinar
  • A Zabala
Zabala, A. (1998). A Prática Educativa. Como ensinar. Porto Alegre: ARTMED.