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A representação do gênero em dicionários monolíngues dos idiomas alemão, espanhol e português: uma análise crítica feminista de verbetes referentes às profissões

Authors:

Abstract

Apesar das mudanças sociais com respeito ao estabelecimento da igualdade de gêneros, iniciadas pelos movimentos feministas a partir dos anos 1960, podemos constatar a persistência de estruturas patriarcais em numerosas sociedades. Com frequência, nota-se certa desigualdade no mundo laboral, sendo este dominado em determinadas áreas por um gênero específico. Partindo do pressuposto de que as normas linguísticas e o discurso não somente refletem a nossa realidade social, mas também a constituem, no presente artigo, propomos uma análise do discurso, verificando a representação do gênero em verbetes referentes às várias profissões. Levando em conta as diferenças socioculturais que se manifestam no uso da linguagem, optamos por uma análise comparativa, considerando dicionários de três idiomas: para o português o Mini-dicionário Aurélio de Língua Portuguesa, para o espanhol o Diccionario de la Lengua Española e para o alemão o dicionário Duden online. Teórica e metodologicamente, o estudo é orientado principalmente pela Análise Crítica Feminista do Discurso (ACFD), bem como pelos pensamentos atuais provenientes da Lexicologia e Lexicografia. Sendo assim, trata-se de uma análise transdisciplinar que contempla os verbetes e suas referentes definições a partir de diversos olhares. De maneira geral, verifica-se nos resultados da análise a predominância de uma perspectiva masculina nos dicionários, demonstrando dessa maneira que a Lexicografia contribui com suas obras para a (re)produção de relações de poder marcadas pelo patriarcalismo.Palavras-chave: dicionários, gêneros sociais, profissão, Análise Crítica do Discurso.
Calidoscópio
Vol. 15, n. 3, p. 433-442, set/dez 2017
Unisinos - doi: 10.4013/cld.2017.153.03
Este é um artigo de acesso aberto, licenciado por Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (CC BY 4.0), sendo permitidas reprodução,
adaptação e distribuição desde que o autor e a fonte originais sejam creditados.
1 Universidade Estadual do Ceará. Campus Fátima, Av. Luciano Carneiro, 345, 60411-134, Fortaleza, CE, Brasil.
2 Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. Av. da Abolição, 3, Centro, 62790-000, Redenção, CE, Brasil.
3 Universidade Federal de Sergipe. Av. Marechal Rondon, s/n, Jd. Rosa Elze, 49100-000, São Cristóvão, SE, Brasil.
A representação do gênero em dicionários
monolíngues dos idiomas alemão, espanhol e
português: uma análise crítica feminista de
verbetes referentes às prossões
Gender representation in monolingual German, Spanish and
Brazilian Portuguese dictionaries: A feminist critical analysis
of dictionary entries related to professions
Giselly Oliveira de Andrade1
oliveira.giselly@yahoo.com.br
Universidade Estadual do Ceará
Gislene Lima Carvalho2
giscarvalho20@gmail.com
Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira
Romana Castro Zambrano3
r.castro@gmx.net
Universidade Federal de Sergipe
RESUMO - Apesar das mudanças sociais com respeito ao estabelecimento
da igualdade de gêneros, iniciadas pelos movimentos feministas a partir
dos anos 1960, podemos constatar a persistência de estruturas patriarcais
em numerosas sociedades. Com frequência, nota-se certa desigualdade
no mundo laboral, sendo este dominado em determinadas áreas por um
gênero especíco. Partindo do pressuposto de que as normas linguísticas
e o discurso não somente reetem a nossa realidade social, mas também
a constituem, no presente artigo, propomos uma análise do discurso,
vericando a representação do gênero em verbetes referentes às várias pro-
ssões. Levando em conta as diferenças socioculturais que se manifestam
no uso da linguagem, optamos por uma análise comparativa, considerando
dicionários de três idiomas: para o português o Mini-dicionário Aurélio de
Língua Portuguesa, para o espanhol o Diccionario de la Lengua Española
e para o alemão o dicionário Duden online. Teórica e metodologicamente,
o estudo é orientado principalmente pela Análise Crítica Feminista do
Discurso (ACFD), bem como pelos pensamentos atuais provenientes
da Lexicologia e Lexicograa. Sendo assim, trata-se de uma análise
transdisciplinar que contempla os verbetes e suas referentes denições a
partir de diversos olhares. De maneira geral, verica-se nos resultados da
análise a predominância de uma perspectiva masculina nos dicionários,
demonstrando dessa maneira que a Lexicograa contribui com suas obras
para a (re)produção de relações de poder marcadas pelo patriarcalismo.
Palavras-chave: dicionários, gêneros sociais, prossão, Análise Crítica
do Discurso.
ABSTRACT – Despite the social changes aimed at establishing gender
equality initiated by feminist movements in the 1960s, patriarchal struc-
tures persist in many societies. Often, inequality can be noticed in the
world of labor, which is dominated in certain areas by a specic gender.
Assuming that language norms and discourse do not only reect our
social reality, but also constitute it, in this paper we perform a discourse
analysis of the representation of gender in dictionary entries related
to various professions. Having in mind that sociocultural dierences
are manifested in language use, we opted for a comparative analysis
considering dictionaries in three languages: in Brazilian Portuguese,
the Mini-dicionário Aurélio de Língua Portuguesa; in Spanish, the
Diccionario de la Lengua Española; and in German, the Duden online
dictionary. Theoretically and methodologically, the study is primarily
driven by the Feminist Critical Discourse Analysis (FCDA), as well as
by current thoughts in Lexicology and Lexicography. Thus, the paper
presents a transdisciplinary analysis of the dictionary entries and their
related denitions from various points of view. Overall, the results
revealed the prevalence of a male perspective in the dictionary entries,
demonstrating that Lexicography contributes to the (re)production of
power relations marked by patriarchy.
Keywords: dictionaries, social genders, profession, Critical Discourse
Analysis.
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Calidoscópio
Giselly Oliveira de Andrade, Gislene Lima Carvalho, Romana Castro Zambrano
Introdução
Desde os anos 1960, quando se consolidaram os
movimentos de mulheres e feministas, a relação entre a
língua, o uso da linguagem e o gênero4 têm sido objeto
de pesquisas em muitos países. Esses movimentos, con-
vencidos de que o uso sexista da linguagem não somente
reete uma sociedade sexista, mas também contribui para
manter essas condições sociais, exigiam, entre outras coi-
sas, mudar as práticas discursivas5 ou evitar as expressões
discriminantes contra as mulheres (Mills, 2008). Uma das
preocupações dos pesquisadores e ativistas eram, e em
algumas sociedades ainda é, a falta e o uso desprestigiado
de designações femininas de prossões, supondo que esse
fato contraria o ideal da igualdade de oportunidades no
mundo laboral (Hergenhan, 2008).
Tal preocupação é bastante pertinente ao se estudar
o léxico por ser ele o reexo da cultura e da ideologia
presentes na língua de uma dada sociedade. Apresentar
um pouco dessa realidade existente nos dicionários foi o
que motivou a realização da pesqisa relatada neste artigo.
Assim, visamos a analisar a representação dos gêneros em
verbetes de dicionários com relação às prossões. Em vista
de que a posição de homem e mulher e suas representações
lexicais variam conforme a sociedade e a língua, optamos,
em nosso estudo, por uma análise comparativa, conside-
rando os idiomas alemão, espanhol e português. Para que
nosso objetivo fosse alcançado, nos baseamos, por um
lado, na Análise Crítica (Feminista) do Discurso, mais
precisamente no que se refere ao exame das relações de
poder no discurso e, por outro, nas ciências responsáveis
pelo estudo dos elementos que formam o vocabulário de
uma língua: a Lexicologia e a Lexicograa.
A Análise Crítica (Feminista) do Discurso
como teoria e postura
Teoricamente, o presente estudo orienta-se pela
Análise Crítica do Discurso (ACD), uma variante dos
estudos discursivos que focaliza a análise de relações de
poder no discurso. A ACD não é uma escola uniforme, mas
consiste de várias abordagens com diferentes enfoques.
Não obstante, podem-se determinar aspectos comuns
das abordagens da ACD, como sua base linguística e seu
enfoque interdisciplinar que se reete na denição do
termo discurso:
ACD considera o discurso – o uso da linguagem na fala e
escrita – como uma forma de ‘prática social’. Descrever o
discurso como prática social implica uma relação dialética
[...]. Uma relação dialética é uma relação bidirecional: o evento
discursivo é moldado pela situação, por instituições e estruturas
sociais, mas também os molda. Para colocar o mesmo ponto
de uma maneira diferente, o discurso é socialmente constituti-
vo, bem como constituído: ele constitui situações, objetos de
conhecimento, as identidades sociais de e as relações entre as
pessoas e grupos de pessoas (Fairclough e Wodak, 1997, p.
258, tradução nossa).
Essa inuência do discurso sobre a sociedade
explica-se, conforme Van Dijk (1997, 2002, 2003), pela
cognição social, uma instância que interage entre o dis-
curso e a sociedade. Como cognição social se entende um
sistema mental compartilhado pelos membros de determi-
nado coletivo. Esse sistema consiste de vários subsiste-
mas como, por exemplo, saberes, crenças ou ideologias.
O saber difere dos outros subsistemas por ser reconhecido
como a verdade. Em consequência, o saber se destaca pela
característica de denir o modo de como se constitui a
nossa realidade social. Posto que as crenças que se aceitam
como “verdadeiras” estão fortemente ligadas ao discurso
dominante, tanto o poder sobre o discurso como o poder
do discurso desempenham um papel importante para os/
as analistas críticos do discurso.
Com base nesses pressupostos, os/as analistas
perseguem nas suas pesquisas um m emancipatório,
analisando estruturas de poder no discurso e na sociedade.
Portanto, as pesquisas no quadro da ACD com frequência
tratam temas como etnocentrismo, antissemitismo, na-
cionalismo, racismo ou – como no nosso estudo – a desi-
gualdade social entre os gêneros (Wodak e Meyer, 2009).
Nos últimos anos, principalmente Michelle Lazar
(2005, 2007) tem promovido a ideia de uma Análise Crítica
Feminista do Discurso (ACFD). Como um dos nexos mais
relevantes entre a ACD e teorias feministas, salienta-se
a atitude de questionar a neutralidade e objetividade na
construção de conhecimentos (Amigot Leache, 2007). Por-
tanto, os objetivos principais da ACFD são revelar como
convicções naturalizadas sobre as relações de gêneros são
(re)produzidas discursivamente e como elas contribuem
para manter privilégios de homens, desfavorecendo mu-
lheres. Embora já tenham sido realizadas anteriormente
pesquisas sobre a (des)igualdade de gêneros no discurso,
Lazar (2005) opta por um estabelecimento da ACFD como
vertente própria da ACD por diversos motivos. Assim, a
autora nota, por exemplo, que não são todas as pesquisas
da ACD sobre gêneros que se alinham aos pressupostos
teóricos feministas. Pesquisar sob o rótulo de uma análise
crítica feminista permitiria, em consequência, diferenciar
trabalhos feministas de não feministas. Além disso, a
consolidação de uma ACFD proporciona uma melhor
concentração e interação dos/as pesquisadores/as feminis-
tas, levando destarte a sinergias produtivas (Lazar, 2005).
4 O conceito ‘gênero’ surge apenas na década seguinte. Porém, optamos nesse contexto por esse termo, visto que os estudos da década de 60 se
preocupavam com o que hoje em dia entendemos como gênero.
5 Explicitamente, Mills menciona os estereótipos contra mulheres que se manifestam no discurso.
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Vol. 15 N. 3 set/dez 2017
A representação do gênero em dicionários monolíngues dos idiomas alemão, espanhol e português
Concordando com esse posicionamento, neste
artigo, acentuamos o pensamento proveniente de Estudos
Feministas e dos Estudos de Gênero, de que gêneros (e
até a dualidade dos sexos) não são elementos primor-
diais, mas construtos socioculturais (Butler, 1990, 1993).
Como todos os saberes, o saber em relação às categorias
homem e mulher é construído e adquirido por meio do
discurso. Em vista de que a partir dos anos 1960, com
os movimentos feministas, foi iniciada uma mudança
social com respeito aos papeis sociais dos gêneros, des-
construindo estruturas patriarcais, visamos a investigar
até que ponto elementos de poder masculino persistem
nos discursos sociais atuais. Desse modo, sublinhamos
a necessidade de apontar para eventuais mecanismos
discursivos que sustentam essas estruturas patriarcais, no
intento de despertar uma consciência crítica do discurso,
promovendo a igualdade de gêneros.
Lembrando da base linguística da ACD, refor-
çamos aqui a consideração da Linguística Feminista
(tradicional)6, como a ambição de apontar para a de-
sigualdade dos gêneros nas designações femininas de
prossões, empregando seus conhecimentos à análise
do discurso. Como abordado na introdução, foi a repre-
sentação dos gêneros em verbetes de dicionários com
relação às prossões que guiou o interesse do estudo aqui
apresentado. Consequentemente, enfocamos em nossa
análise aspectos tratados nas áreas de conhecimento da
Lexicologia e da Lexicograa.
Lexicologia e Lexicograa
O léxico de uma língua é composto por palavras
e expressões que são utilizadas pelos falantes nas mais
diversas situações comunicativas às quais são subme-
tidos. Esses elementos linguísticos apresentam traços
que representam a sociedade na qual a língua está in-
serida. As lexias são denidas por Henriques (2011, p.
13) como “unidades de características complexas cuja
organização enunciativa é interdependente, ou seja,
a sua textualização no tempo e no espaço obedece a
certas combinações”. A comunicação verbal entre os
falantes acontece a partir da organização dessas lexias
nos discursos. Dessa forma, o estudo e a compreensão
dos componentes lexicais se tornam importantes para o
entendimento das escolhas dos falantes, além da cultura
e das ideologias que subjazem à língua e podem ser
percebidas neles.
As ciências do léxico são responsáveis pelos es-
tudos sobre os elementos que compõem o vocabulário de
uma língua. A Lexicologia estuda as lexias pertencentes
às línguas nas diferentes visões, desde seu caráter fonético
ao caráter regional presente em algumas palavras, ou seja,
as características morfológicas, sintáticas e semânticas dos
componentes lexicais são estudadas por essa disciplina.
A Lexicograa, por sua vez, aborda a descrição do léxico,
mais precisamente o tratamento e a inserção dessas uni-
dades em materiais lexicográcos: dicionários, glossários
ou listas de palavras.
As obras lexicográcas são diversas e podem ser
classicadas quanto aos usuários aos quais se destinam e
quanto ao suporte de publicação. A depender do público-al-
vo, podem ser de língua geral, de aprendizagem, escolares,
especiais e especializados7. Quanto ao suporte, podem ser
analógicos (impressos) ou eletrônicos (online ou o-line).
Neste trabalho, serão analisados verbetes de dicionários
de língua geral, ou seja, aqueles que têm como objetivo
reunir o maior número possível de lexias de uma determi-
nada língua e se destinam a um público que já apresenta
domínio da língua. Analisaremos dicionários que circulam
em dois suportes distintos, dois dicionário impressos e um
eletrônico, esse último está disposto online8.
A diferença de suporte dos materiais permitirá ter
uma visão mais ampla das denições analisadas, pois os
dicionários eletrônicos permitem maior maleabilidade e
atualização constante, o que não ocorre nos impressos.
Outra característica que diferencia os dois tipos é a
extensão dos verbetes, uma vez que naqueles que estão
dispostos de forma online não há preocupação com espaço
para as denições, o que pode colaborar para uma deni-
ção mais abrangente e completa dos verbetes analisados.
A despeito das diferenças de suporte, a microestrutura de
um verbete, em qualquer dicionário, não é neutra e traz
grande carga ideológica em suas denições.
As obras lexicográcas são consideradas guardiãs
da língua. Acredita-se que nelas está a forma mais pura
e mais correta da utilização da linguagem verbal. Com
base nessa crença, o que se expõe nesses materiais é
visto como norma a ser seguida sem qualquer contes-
tação. No entanto, a inserção de palavras e expressões
em dicionários apresenta não apenas informações sobre
palavras isoladas, mas pode-se perceber muito sobre a
língua e sua relação com a sociedade, traços que não são
compreendidos em um primeiro momento. Pontes (2009)
indica o dicionário como um gênero textual de caráter
6 Uma visão geral sobre a Linguística Feminista oferece Mills (2008).
7 Pontes (2009) classica os dicionários em: gerais, os que buscam contemplar o léxico da língua de forma geral e objetiva; de aprendizagem, que
são os destinados ao estudo de línguas estrangeiras; escolares, para alunos em fase de aprendizagem da língua materna; especiais, os que abordam
especicidades da língua; especializados, contemplam o vocabulário de uma determinada área ou ciência.
8 Porém, convém mencionar que os dicionários que consideramos na nossa pesquisa contam com versões eletrônicas e analógicas. No caso do
dicionário espanhol, as versões contêm informações idênticas. De outro modo, no dicionário alemão, a versão eletrônica apresenta a mesma denição
do analógico, mas oferece, além disso, informações adicionais, por exemplo, quanto à gramática ou colocações típicas.
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Calidoscópio
Giselly Oliveira de Andrade, Gislene Lima Carvalho, Romana Castro Zambrano
intertextual, polifônico e ideológico, pois se baseia em
outros textos, apresenta múltiplas vozes e reete a rea-
lidade da sociedade na qual se insere.
O dicionário é utilizado, na maioria das vezes,
para tirar dúvidas com relação à graa, signicado ou
classicação de um vocábulo da língua sobre a qual se
pretende aprender. Ele atua no processo de ensino/apren-
dizagem de línguas como elemento norteador dos valores
semânticos do léxico de uma língua e deve, pois, trazer em
si os valores culturais que subsidiam esses signicados.
As informações contidas nos verbetes vão além
da denição, podem ser percebidas também nos exem-
plos e na escolha de cada elemento apresentado em sua
composição. Porém, as nuances culturais presentes nos
dicionários não costumam ser discutidas no âmbito do
aprendizado de línguas.
Os dicionários apresentam não apenas informações
de cunho gramatical, mas também uma gama de conheci-
mentos culturais e sociais que podem ser acessadas a partir
dos verbetes que compõem a nomenclatura de uma obra
lexicográca. Entendemos que o dicionário não é mera-
mente uma lista de palavras que apresenta signicados
pontuais. É, sobretudo, uma obra com ns didáticos que
oferece informações sobre a sociedade na qual o falante
se insere. Krieger (2010) arma que:
o dicionário é um produto de caráter social que reete de-
terminadas visões sobre a língua e, logo, posições do sujeito
enunciador, a despeito de sua aparência de neutralidade, a qual
está vinculada à articulação de um paradigma formal histórica
e universalmente estabelecido, e que praticamente acompanha
a história da humanidade (Krieger, 2010, p. 137).
Compreende-se, portanto, que as informações
contidas nos dicionários podem revelar preconceitos e
ideologias que, muitas vezes, não são percebidos, mas
que estão lá, carregados de signicados que identicam
a sociedade que utiliza a língua.
Diante do exposto, neste trabalho foram analisa-
dos verbetes referentes às prossões presentes em dicio-
nários gerais, monolíngues de diferentes línguas: alemão,
espanhol e português. Tomamos como dicionários gerais
aqueles que contêm “as palavras que podem ser usadas
em qualquer contexto discursivo” (Pontes, 2009, p. 18)
e apresentam como características, nas palavras de We-
lker (2004, p. 43), ser “alfabético, sincrônico, da língua
contemporânea, arrolando, sobretudo, os lexemas da
língua comum”.
Procedimento metodológico e
constituição do corpus
Partindo desses pressupostos teóricos, com o m
de constituir o nosso corpus, escolhemos para cada idioma
um dicionário clássico e representável: para o português o
Mini-dicionário Aurélio de Língua Portuguesa (Ferreira
e Ferreira, 2010), para o espanhol o Diccionario de la
Lengua Española (Real Academia Española, 2014) e para
o alemão o dicionário Duden online (Dudenredaktion,
2016)9. Por motivos da praticabilidade da pesquisa, em
análises de discurso baseadas em corpora grandes, a
análise detalhada se realiza a partir de excertos exempla-
res e/ou mais salientes. Assim, inicialmente, os analistas
precisam conseguir uma visão geral sobre o material do
corpus por meio de uma leitura global, escolhendo destarte
fragmentos discursivos representantes (Reisigl, 2007).
Contudo, considerando que uma ACD com base
em dicionários estaria fora do mainstream das análises
críticas, modicamos o procedimento indicado no sentido
de que não realizamos uma leitura geral dos dicionários,
mas, exclusivamente, de verbetes referentes a prossões.
Tendo em vista a preexistência de estudos linguísticos
em relação à denominação e definição de profissões
desde um ponto de vista feminista, visamos a contribuir
para o avanço dessas mesmas pesquisas. Dessa maneira,
pretendemos também evitar operar com amostras aleató-
rias. Portanto, partimos, por um lado, de preocupações
da Linguística Feminista clássica alemã (resumido em:
Gorny, 1995) com respeito à designação de prossões.
Por outro lado, baseamo-nos em resultados de um estudo
da representação do gênero no léxico português quanto
às prossões (Andrade e Carvalho, 2016).
A partir desses conhecimentos que informaram
sobre inquietações em relação ao tema de um ponto de
vista monolíngue e/ou histórico, foram vericados os
referentes verbetes nos três dicionários do nosso corpus.
Em uma visão comparativa, destacaram-se os verbetes de
determinadas prossões10, apresentadas de forma compa-
rativa na Tabela 111.
Análise da representação do gênero em
verbetes referentes às prossões
Após a análise dos dados acima, percebeu-se a pre-
dominância do gênero masculino nos verbetes, inclusive
naqueles cujas prossões são constituídas em sua grande
9 O dicionário escolhido para o idioma alemão é uma versão online. Ela orienta-se pela versão atual impressa do dicionário Duden - Deutsches
Universalwörterbuch, mas é atualizada continuamente. Além disso, contém informação adicional quanto à gramática ou ao uso. Nesse artigo,
recortaram-se alguns exemplos e informações complementares de pouca relevância para o estudo.
10 Devido às diferenças entre os sistemas educacionais dos países, existem discrepâncias entre os conceitos das prossões relacionados à área da
educação. Portanto, encontram-se tanto em espanhol como em alemão várias traduções para as palavras educador/a e professor/a no português. No
estudo, foi considerada somente uma designação para cada prossão.
11 Sendo o alemão um idioma dominado por poucas pessoas no Brasil, os respectivos verbetes foram traduzidos.
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Vol. 15 N. 3 set/dez 2017
A representação do gênero em dicionários monolíngues dos idiomas alemão, espanhol e português
maioria por mulheres, o que demonstra que o discurso
existente nos dicionários é fortemente marcado pelas
convenções sociais.
Essa presença marcante pode ser vericada na
análise logo a seguir, feita, inicialmente, em cada léxico
de forma individualizada e, posteriormente, de forma
comparativa. Desse modo, comecemos, portanto, pelos
vocábulos do português através dos quais se pode depre-
ender o seguinte:
Da lista de seis palavras elencadas anteriormente:
(i) apenas duas (juiz e professor) apresentaram verbetes
próprios a cada uma das formas do gênero; a despeito
das outras quatro possuírem sua variante no feminino,
nenhuma observação foi feita nesse sentido; (ii) todas
Tabela 1. Verbetes considerados para a análise detalhada.
Table 1. Dictionary entries considered for a detailed analysis.
I - Idioma: português/ Di-
cionário Aurélio (Ferreira
e Ferreira, 2010)
II - Idioma: espanhol/
Diccionario de la Lengua
Española (Real Academia
Española, 2014)
III - Idioma: alemão/ Dicionário Duden online
(Dudenredaktion, 2016) e sua tradução no português
1.
e.du.ca.dor (ô) [Lat. edu-
catore.] adj. sm. Que, ou
aquele que educa
Educador, ra Del lat. educā-
tor, -ōris. 1. adj. Que educa.
Apl. a pers., u. t. c. s.
Erzieher, der
Wortart: Substantiv,
maskulin
[…] 1. jemand, der
Kinder und Jugendliche
erzieht 2. jemand, der
eine Ausbildung an einer
Fachschule als Betreu-
er von Kindern und
Jugendlichen in öffentli-
chen Einrichtungen (wie
Kindergärten, Heimen)
abgeschlossen hat (Be-
rufsbezeichnung) […]
Erzieherin, die
Wortart: Substantiv,
feminin
[…] weibliche Form zu
Erzieher
educador, o
Categoria gramatical:
substantivo, masculino
[...] 1. alguém que educa
crianças e jovens 2. alguém
que concluiu a formação
numa escola profissionali-
zante especializada como
cuidador de crianças e
jovens em instituições pú-
blicas (tais como jardins de
infância, lares de infância)
(profissão) [...]
educadora, a
Categoria gramatical:
substantivo, feminino
[...] forma feminina de
educador.
2.
en.fer.mei.ro [Enfermo.]
sm. 1. Indivíduo diplomado
em enfermagem, ou que a
exerce. 2. O que cuida de
enfermos.
Enfermero, ra 1. m. y f. Per-
sona dedicada a la asistencia
de los enfermos.
Krankenpfleger, der
Wortart: Substantiv,
maskulin
[…] männliche Fach-
kraft für Krankenpflege
(Berufsbezeichnung);
Kurzform: Pfleger (1a)
Krankenpflegerin, die
Wortart: Substantiv,
feminin
[…] Krankenschwester
Krankenschwester, die
Wortart: Substantiv,
feminin
[…] weibliche Fach-
kraft für Krankenpflege
(Berufsbezeichnung);
Kurzform: Schwester
enfermeiro, o [literalmen-
te: cuidador de doentes]
Categoria gramatical:
substantivo, masculino
[...] profissional masculino
de enfermagem (profissão);
abreviação: cuidador (1a).
enfermeira, a [literalmen-
te: cuidadora de doentes]
Categoria gramatical:
substantivo, feminino [...]
enfermeira [literalmente:
irmã de doentes]
enfermeira, a [literalmen-
te: irmã de doentes]
Categoria gramatical:
substantivo, feminino [...]
profissional feminino de
enfermagem (profissão);
abreviação: irmã.
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Calidoscópio
Giselly Oliveira de Andrade, Gislene Lima Carvalho, Romana Castro Zambrano
Tabela 1. Continuação.
Table 1. Continuation.
3.
ju.iz (u- íz) [Lat. vulg. *ju-
dice (com i longo).] sm. 1.
Aquele que tem o poder de
julgar. 2. Aquele que julga.
3. Membro de um júri. 4.
Membro do poder judici-
ário. 5. Aquele que dirige
competição esportiva; árbi-
tro. *Juiz de Direito. Jur.
1. Indivíduo encarregado de
julgar segundo a prova dos
autos e segundo o direito.
2. Magistrado da primeira
instância.
ju.í.za [Fem. de juiz] sf.
Mulher que exerce as fun-
ções de juiz.
Juez, za Del lat. iudex, -ĭcis.
Para el f., u. t. la forma juez en
aceps. 1-3. 1. m. y f. Persona
que tiene autoridad y potestad
para juzgar y sentenciar. 2.
m. y f. Miembro de un jurado
o tribunal. 3. m. y f. Perso-
na nombrada para resolver
cualquier asunto o materia,
especialmente una duda o
controversia. 4. m. En época
bíblica, magistrado supremo
del pueblo de Israel. 5. m.
Cada uno de los caudillos que
conjuntamente gobernaron a
Castilla en sus orígenes. 6. f.
coloq. p. us. Mujer del juez.
Richter, der
Wortart: Substantiv,
maskulin
[…] 1. jemand, der
die Rechtsprechung
ausübt, der vom Staat
mit der Entscheidung
von Rechtsstreitigkeiten
beauftragt ist […]
Richterin, die
Wortart: Substantiv,
feminin
[…] weibliche Form zu
Richter (1)
juiz, o
Categoria gramatical:
substantivo, masculino
[...] 1. alguém que exerce
a jurisdição, que é encar-
regado pelo Estado pela
decisão de litígios [...]
juíza, a
Categoria gramatical:
substantivo, feminino [...]
forma feminina de juiz (1).
4.
mé.di.co [Lat. medicu.] adj.
1. Medicinal (1). *sm. 2.
Indivíduo diplomado em
medicina e que a exerce;
doutor (pop.).
Médico1, ca Del lat. medĭcus.
1. adj. Perteneciente o rela-
tivo a la medicina. 2. m. y f.
Persona legalmente autoriza-
da para profesar y ejercer la
medicina. 3. f. coloq. desus.
Mujer del médico.
Arzt, der
Wortart: Substantiv,
maskulin
[…] jemand, der nach
Medizinstudium und
klinischer Ausbildung
die staatliche Zulassung
(Approbation) erhalten
hat, Kranke zu behandeln
(Berufsbezeichnung) […]
Ärztin, die
Wortart: Substantiv,
feminin
[…] weibliche Form zu
Arzt
médico, o
Categoria gramatical:
substantivo, masculino
[...] alguém que, depois
da conclusão do curso de
medicina e da formação
clínica, recebeu a aprova-
ção do Estado (aprovação)
para tratar doentes (profis-
são) [...]
médica, a
Categoria gramatical:
substantivo, feminino [...]
forma feminina de médico.
5.
pi.lo.to (ô) [It. piloto.] sm.
1. O que dirige uma embar-
cação mercante, subordina-
do ao comandante. 2. O que
dirige uma aeronave, carro
de corridas, etc. 3. Rád.
Telev. Programa demonstra-
tivo e experimental de uma
série a ser produzida. 4.
Bras. Nos aquecedores de
gás, bico que, aceso, pro-
paga a chama aos demais.
Piloto Del it. piloto. 1. m. y f.
Persona que gobierna y dirige
un buque en la navegación. 2.
m. y f. Segundo de un buque
mercante. 3. m. y f. Persona
que dirige un automóvil, un
globo, un avión, etc. 4. m. y f.
Persona que guía u orienta en
cualquier asunto. 5. m. En al-
gunos aparatos, instalaciones,
etc., señal luminosa que indica
que están en funcionamiento o
que transmite otras informaci-
ones. El piloto del contestador
está encendido. 6. m. U. en
aposición, indica que la cosa
designada por el nombre que
le precede funciona como mo-
delo o con carácter experimen-
tal. Piso, instituto piloto. 7. m.
Arg. gabardina (‖ impermeab-
le). 8. m. germ. Ladrón que va
delante de otros, guiándolos
para hacer el hurto.
Pilot, der
Wortart: Substantiv,
maskulin
[…] 1. a. (Flugwesen)
jemand, der [berufs-
mäßig] ein Flugzeug
steuert; Flugzeugführer b.
(Motorsport) Rennfahrer
c. (Bobsport) jemand, der
einen Bob lenkt [...]
Pilotin, die
Wortart: Substantiv,
feminin
[…] weibliche Form zu
Pilot (1, 2)
piloto, o
Categoria gramatical:
substantivo, masculino
[...] 1. a.(aviação) alguém
que [profissionalmente]
controla um avião; condu-
tor de avião b. (motorismo)
racer c. (esporte de bob)
alguém que dirige um bob
[...]
pilota, a [em alemão, a
forma feminina é marcada
pelo sufixo –in]
Categoria gramatical:
substantivo, feminino [...]
forma feminina de piloto
(1, 2).
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Vol. 15 N. 3 set/dez 2017
A representação do gênero em dicionários monolíngues dos idiomas alemão, espanhol e português
zeram marcação dos seus respectivos gêneros antes das
suas denições.
Das quatro (educador, enfermeiro, médico e piloto)
que não mencionaram a sua forma no feminino, somente
três zeram uso de termos neutros (“que” e “indivíduo”)
em suas conceituações, porém logo aparecem acompanha-
dos de alguma marcação no masculino (Por exemplo, o
verbete educador que diz: “Que ou aquele que educa”).
Outro fato curioso que se pode notar é quanto
aos verbetes educador e enfermeiro e às denições dos
verbetes no gênero feminino de juiz e professor. Nos dois
primeiros, embora sejam prossões ligadas às áreas onde
há um maior número de mulheres formadas12, nenhuma
indicação foi feita neste sentido. Já, em relação às deni-
ções de juíza e professora, além de serem apontados, logo
no início, como femininos de juiz e professor, verica-se
naquela, uma conceituação que toma como parâmetro as
atividades desempenhadas pelo prossional no gênero
masculino ao dizer que é a “mulher que exerce as fun-
ções de juiz” e, nesta, resumida em uma única palavra,
mestra, que corresponde a uma das signicações do cargo
no masculino.
Partindo para o léxico no espanhol, observou-se
que: (i) somente o verbete piloto não apresentou as duas
formas do gênero na palavra-entrada; (ii) somente no ver-
bete educador,ra não foi feita a marcação dos gêneros antes
da denição. Em vez disso, classicou-se a palavra como
adjetivo, apesar de ter sido sinalizado, no nal do conceito,
o seu uso aplicado também como substantivo através da
sigla u.t.c.s. (usado também como substantivo). Desse
6.
pro.fes.sor (ô) [Lat. pro-
fessore.] sm. Aquele que
ensina uma ciência, arte,
técnica; mestre. § pro.fes.
so.ral adj2g.
pro.fes.so.ra [F. de profes-
sor] sf. Mestra.
Profesor, ra Del lat. profes-
sor, -ōris. 1. m. y f. Persona
que ejerce o enseña una
ciencia o arte.
[…]
Lehrer, der
Wortart: Substantiv,
maskulin
[…] 1. a. jemand, der an
einer Schule unterrichtet
(Berufsbezeichnung)
b. jemand, der an einer
Hochschule oder Univer-
sität lehrt c. jemand, der
aufgrund seines Könnens
Ausbilder (besonders in
sportlichen Disziplinen)
ist
2. jemand, der anderen
sein Wissen vermittelt,
der durch sein Wissen,
seine Persönlichkeit als
Vorbild angesehen wird;
Lehrmeister […]
Lehrerin, die
Wortart: Substantiv,
feminin
[…] weibliche Form zu
Lehrer
Besonderer Hinweis
Um gehäuftes Auftreten
der Doppelform Leh-
rerinnen und Lehrer zu
vermeiden, können die
Ausweichformen Lehr-
körper, Lehrkräfte oder
Lehrerschaft gewählt
werden.
professor, o
Categoria gramatical:
substantivo, masculino
[...] 1. a. alguém que ensina
em uma escola (profissão)
b. alguém que ensina em
uma faculdade ou uni-
versidade c. alguém que
devido a suas habilidades
é instrutor (especialmente
em disciplinas esportivas)
2. alguém que transmite
seus conhecimentos a
outros, que é considerado
como um modelo por seu
conhecimento, sua perso-
nalidade; mestre [...]
professora, a
Categoria gramatical:
substantivo, feminino
[...] forma feminina de
professor
Nota especial
A fim de evitar aglome-
ração de casos da forma
dupla professoras e pro-
fessores, podem-se utilizar
as formas evasivas corpo
docente, forças docentes
ou magistério.
Tabela 1. Continuação.
Table 1. Continuation.
12 Esta informação foi obtida da página 107 de uma análise do censo demográco do ano de 2010 sobre estatísticas de gênero feita pelo IBGE –
Instituto Brasileiro de Geograa e Estatística (Brasil, 2014).
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Calidoscópio
Giselly Oliveira de Andrade, Gislene Lima Carvalho, Romana Castro Zambrano
grupo de palavras, que mencionou os dois gêneros antes
de suas acepções relacionadas à prossão, todas zeram
uso de termos considerados neutros (“persona”: pessoa,
“miembro”: membro e “que”) para denir seus vocábulos.
Dentre os verbetes desse léxico que merecem
uma atenção especial, destacam-se juez,za (juiz, juíza)
e médico,ca. Em ambos, verica-se que a única acepção
marcada no feminino adota como denição, respectiva-
mente, a forma coloquial pouco usada mujer del juez
(mulher de juiz) e mujer del médico (mulher de médi-
co); expressões estas (mulher de + prossão do esposo)
muito criticadas pela linguística feminista visto que,
nesses casos, a mulher é denida a partir do seu esposo
(Jalonen, 2006).
No dicionário alemão, percebeu-se que: (i) todos os
vocábulos analisados apresentaram verbetes próprios tanto
para o gênero masculino quanto para o gênero feminino;
(ii) em todos os verbetes, há tanto a marcação dos gêneros
quanto dos artigos peculiares a eles (“der”, artigo denido
masculino, e “die”, artigo denido feminino) antes das
respectivas acepções.
No que diz respeito aos verbetes no feminino, os
seis têm como base os verbetes no masculino. Em outras
palavras, destes seis, cinco utilizam como expressão forma
feminina de (“weibliche Form zu…”) mais o cargo no
masculino para explicar sua denição e um único verbete,
Krankenpegerin (enfermeira), faz remissão a outra pala-
vra usada no alemão para enfermeira, Krankenschwester,
para deni-lo. Porém, ao ser esta consultada no dicionário,
é encontrada a mesma denição apresentada no verbete
enfermeiro, Krankenpeger, diferenciando-se apenas
quanto ao termo designativo de gênero. Outro aspecto
interessante deste verbete é quanto ao termo Krankens-
chwester (literalmente: irmã de doentes) e, sobretudo, à
sua abreviação Schwester (irmã), os quais são fortemente
criticados por motivos feministas e prossionais. As crí-
ticas se referem, dentre outras, à problemática de que os
termos Krankenschwester e Schwester eliminam a distân-
cia prossional e criam a ilusão de uma relação íntima e
familiar entre enfermeira e paciente. Diferentemente das
enfermeiras, essa problemática não surge no caso dos
enfermeiros, posto que o termo Krankenbruder (irmão
de doentes) não existe (Ver.di, 2002).
Também podem ser apontadas curiosidades acerca
dos verbetes Erzieher e Erzieherin (educador e educadora)
e Lehrerin (professora). Em relação aos primeiros, embora
a maioria seja constituída por mulheres (Hausmann e Klei-
nert, 2014), é a sua forma no masculino que predomina
no dicionário e, quanto ao último, é o único que possui
uma nota especial em destaque.
Comparando as três obras lexicográcas, a diferen-
ça mais evidente é quanto à apresentação dos dois gêneros
nos verbetes. Enquanto, no português, existem apenas dois
vocábulos (juiz e professor) com verbetes próprios para
cada gênero, no espanhol, um mesmo verbete destaca
ambos os gêneros, exceto no que se refere a piloto, e no
alemão, todos os vocábulos dispõem, tanto no masculino
quanto no feminino, verbetes próprios. Ainda neste último
dicionário, há uma peculiaridade: são também indicados
os respectivos artigos denidos atribuídos a cada gênero.
Ainda no que diz respeito à apresentação dos
gêneros nos verbetes, vale mencionar que, apesar de ser
aceita a forma feminina da palavra piloto tanto pela Aca-
demia Brasileira de Letras13 quanto pela Real Academia
Española14, persiste, nos idiomas português e espanhol,
o seu uso no masculino. Embora se determine que a
palavra no masculino seja aplicada a ambos os gêneros,
o fato de terminar em o permite ligá-la a uma prossão
tipicamente masculina.
Quanto às denições referentes ao âmbito labo-
ral: no português, dentre os quatro verbetes (educador,
enfermeiro, médico e piloto) que mostraram sua versão
somente no masculino, três usaram termos neutros (“que”,
“indivíduo”) para explicar suas signicações, mas logo
aparecem marcadas com algum termo no masculino. No
espanhol, todos os verbetes que apresentaram acepções
aplicadas para ambos os gêneros zeram uso apenas de
termos neutros (“persona”: pessoa, “miembro”: membro e
“que”) nos seus conceitos e, no alemão, todos os verbetes
femininos são explicados tomando como parâmetro os
verbetes no masculino. Algo parecido com os verbetes
femininos no alemão ocorreu com os verbetes juíza no
português e juez,za (juiz, juíza) e médico,ca no espanhol
quando estes, ao delinear suas conceituações, se utilizaram
da expressão mulher de mais o cargo no masculino.
Outro denominador comum encontrado nos três
dicionários, apesar das diferenças apontadas anterior-
mente, foi a marcação dos gêneros feita em todos os seus
verbetes antes de suas respectivas denições, ressalvado o
verbete educador,ra15 no espanhol, em que a única acepção
existente é sinalizada como adjetivo.
Conclusão
Neste trabalho, objetivou-se analisar a representa-
ção do gênero existente em alguns verbetes nos léxicos dos
13 Segundo a Lei 12605 de 2012 (Brasil, 2012) e a Academia Brasileira de Letras (2007) , o substantivo piloto pode ser exionado no feminino.
14 No Diccionario panhispánico de dudas da Real Academia Española (2005), uma das acepções do verbete piloto aparece com a seguinte redação:
“piloto. 1. Con el sentido de ‘persona que dirige una nave, un aparato aeronáutico o un vehículo de carreras’, es común en cuanto al género (el/la
piloto; → género2, 1a): “Era una piloto seria y responsable, con un dominio total del helicóptero” (País [Esp.] 1.6.86). No es normal el femenino
pilota, aunque se ha usado alguna vez: “Que una mujer implore ser pilota de un caza [...] parece un escándalo” (País [Esp.] 2.4.87)”.
15 Observa-se que o verbete educador, no Aurélio, é classicado tanto como adjetivo quanto como substantivo masculino.
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Vol. 15 N. 3 set/dez 2017
A representação do gênero em dicionários monolíngues dos idiomas alemão, espanhol e português
idiomas português, espanhol e alemão no que se refere às
prossões. Para que isso fosse possível, fez-se necessário o
uso de três dicionários: Mini-dicionário Aurélio de Língua
Portuguesa (Ferreira e Ferreira, 2010), Diccionario de
la Lengua Española (Real Academia Española, 2014) e
dicionário Duden online (Dudenredaktion, 2016).
Foi observado que, ao transpor essa temática para
o léxico, a distinção entre os gêneros ainda é bastante
expressiva. Na verdade, mostra-se mais veemente do que
aquela vericada na realidade existente em nosso meio so-
cial visto que, até mesmo nos verbetes daquelas prossões
em que há maior concentração de mulheres, a presença
do gênero masculino é muito marcante. É o que se pode
notar, por exemplo, nos verbetes educador e enfermeiro
no dicionário da língua portuguesa. E, quando neste se é
destacado o gênero feminino das palavras, a sua denição
é feita de maneira sucinta, como em professora, ou toma
como referência o cargo no masculino, como em juíza.
No espanhol, apesar das marcações de ambos os
gêneros, é possível perceber, nas últimas acepções atribu-
ídas ao gênero feminino dos verbetes juez,za e médico,ca,
denições do tipo: mujer del juez (mulher do juiz) e mujer
del médico (mulher de médico). Posto que estes signica-
dos são marcados como formas coloquiais pouco usadas,
pode-se constatar uma mudança discursiva que demonstra
que a denição da mulher a partir da prossão do marido
na época atual é menos comum que antes.
Já no alemão, todos os verbetes apresentaram sua
versão tanto no gênero masculino quanto no feminino, em-
bora façam remissão ao cargo no masculino. Seja utilizan-
do-se da expressão forma feminina de (“weibliche Form
zu…”) mais a prossão no masculino (fato que ocorreu
em grande parte dos verbetes no feminino), ou copiando a
denição do modo como consta no verbete no masculino
(como em “Krankenschwester”: enfermeira), alterando
somente o termo designativo do gênero. Ressalta-se que
tanto este termo Krankenschwester (literalmente: irmã
de doentes) quanto sua abreviação Schwester (irmã), por
terem cunho discriminatório, são fortemente criticados.
Considerando a posição da linguística feminista,
vale destacar a representação linguística da prossão
piloto no dicionário. Mesmo que esta designação se
rera aos dois gêneros, supõe-se que o fato do vocábulo
terminar em o facilita a associação predominante com uma
prossão tipicamente masculina. Os resultados da análise
demonstram que, mesmo que se tenha convencionado que
o emprego da entrada dos verbetes, sejam eles substantivos
ou adjetivos, deve estar no masculino singular, o discurso
presente no léxico, considerado como neutro, indiscutível
e correto, é passível de ideologias.
Relacionando este pensamento com a teoria do
discurso defendida nesse estudo, pode-se constatar, por
meio dos verbetes acima destacados, que os dicionários
analisados, por um lado, reetem os discursos da domina-
ção masculina naturalizada nas sociedades, por outro, em
virtude de desempenharem o papel de orientar os falantes
de uma língua, contribuem, como obras lexicográcas,
para consolidar e conservar os discursos, bem como as
sociedades de dominação masculina.
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Submetido: 30/10/2016
Aceito: 05/06/2017
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Resumo: Neste ensaio, discuto a invisibilidade de pesquisadoras por conta das normas da Língua Portuguesa e das normas de referenciação das publicações acadêmicas pelo viés de gênero com relação à creditação de mulheres. É regra geral, com exceção de algumas revistas feministas, que autores e autoras sejam apresentados em artigos, dissertações e teses pelo sobrenome, o que pode reduzir a percepção das mulheres que são citadas em pesquisas científicas. As discussões com relação ao sexismo do idioma, trazidas por vezes pela imprensa a partir de discussões sociais, são considerações aqui tratadas. A pergunta que surge é se pode haver um movimento de revisão da forma de creditar as mulheres em trabalhos científicos. Para tanto, após a revisão da literatura, haverá uma proposta de que a creditação das autoras mulheres seja feita de forma completa, com nome, sobrenome e uso dos pronomes adequados.
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Neste artigo, buscamos descrever as características da literatura sobre linguagem e gênero que infl uencia as pesquisas da linguística feminista publicadas em artigos pós-anos 2000, cinco décadas depois do estabelecimento do campo, em 1975. Estudamos esses mesmos artigos quanto ao seu posicionamento explícito acerca da relevância do gênero para a pesquisa em linguística feminista. Para tanto, selecionamos artigos anglófonos e brasileiros, publicados de 2000 a 2017. Os resultados indicam que o conjunto de publicações mais citadas como apoio teórico dos artigos analisados é o de autoria da linguista britânica Deborah Cameron. Já a obra individual mais consultada trata-se de Gender of Trouble, de Judith Butler (1990). Sobre a relevância de questões de gênero para a pesquisa, percebemos que os artigos assumem como certa sua importância, o que pode ser tomado como um índice da consolidação do campo.
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A palavra feminismo tem circulado, de forma recorrente, nos discursos das mídias e das redes sociais. A partir da discursivização, mas não só, de que o feminismo não é bem compreendido pela população, optamos por analisar esse verbete (feminismo) pela perspectiva da Lexicografia Discursiva (Orlandi, 2000; Nunes, 2008 e Pontes e Santos, 2014) em dois diferentes dicionários: o Houaiss (2009) – na versão impressa, e o Dicio – na versão online. O primeiro, porque é uma das obras lexicográficas mais consagradas da nossa língua; o segundo, porque acreditamos ser um dicionário bastante acessado e/ou consultado, uma vez que é a primeira indicação do site de buscas Google. Nossa análise considera os elementos e a ordem de sua apresentação na microestrutura de cada um dos verbetes e as definições acompanhadas de suas abreviações e seus exemplos (em alguns casos). Notamos que, embora o texto lexicográfico seja visto por muitos teóricos como neutro e imparcial, ele se configura como discurso, atravessado por uma formação ideológica e suas condições de produção.
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Critical discourse analysis In recent decades critical discourse analysis (CDA) has become a well-established field in the social sciences. However, in contrast with some branches of linguistics, CDA is not a discrete academic discipline with a relatively fixed set of research methods. Instead, we might best see CDA as a problem-oriented interdisciplinary research movement, subsuming a variety of approaches, each with different theoretical models, research methods and agenda. What unites them is a shared interest in the semiotic dimensions of power, injustice, abuse, and political-economic or cultural change in society. CDA is distinctive in a) its view of the relationship between language and society, and b) its critical approach to methodology. Let us take these in turn by first exploring the notions of ‘discourse’ and ‘critical’. The term ‘discourse’ is used in various ways across the social sciences and within the field of CDA. In the most abstract sense, ‘discourse’ ...
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In this chapter, we first provide a brief 'story' – how it all began; then we pre-sent an overview of some important research agendas in CDA and discuss new challenges for CDA research. Secondly, we discuss the various theoretical and methodological approaches assembled in this volume from a sociological and epistemological perspective. 2 There, we focus mostly on three central and con-stitutive concepts: power, ideology and critique. We also, of course, summarize some of the salient principles which are constitutive of all approaches in CDA. In addition, we mention some important criticism which CDA has been con-fronted with in the past years (see Billig, 2003, 2008; Chilton, 2007; Chilton and Wodak, 2007;Wodak and Cillia, 2006 for an extensive discussion of this issue). The terms Critical Linguistics (CL) and Critical Discourse Analysis (CDA) are often used interchangeably. In fact, recently, the term CDA seems to have been preferred and is being used to denote the theory formerly identified as CL.Therefore, we will continue to use CDA exclusively here (see Anthonissen, 2001; Chilton and Wodak, 2007 for an extensive discussion of these terms and their history). The manifold roots of CDA lie in Rhetoric, Text linguistics, Anthropology, Philosophy, Socio-Psychology, Cognitive Science, Literary Studies and Sociolinguistics, as well as in Applied Linguistics and Pragmatics. Wodak-3795-Ch-01:Wodak-3795-Ch-01.QXP 9/29/2008 4:29 PM Page 1 Nowadays, some scholars prefer the term Critical Discourse Studies (CDS). For example,Teun van Dijk provides us with a broad overview of the field of (C)DS, where one can identify the following developments: between the mid-1960s and the early 1970s, new, closely related disciplines emerged in the humanities and the social sciences. Despite their different disciplinary backgrounds and a great diver-sity of methods and objects of investigation, some parts of the new fields/paradigms/linguistic sub-disciplines of semiotics, pragmatics, psycho-and sociolinguistics, ethnography of speaking, conversation analysis and discourse studies all deal with discourse and have at least seven dimensions in common (see Van Dijk, 2007a;Wodak, 2008a): • an interest in the properties of 'naturally occurring' language use by real language users (instead of a study of abstract language systems and invented examples) • a focus on larger units than isolated words and sentences and, hence, new basic units of analysis: texts, discourses, conversations, speech acts, or communicative events • the extension of linguistics beyond sentence grammar towards a study of action and interaction • the extension to non-verbal (semiotic, multimodal, visual) aspects of interaction and communication: gestures, images, film, the internet, and multimedia • a focus on dynamic (socio)-cognitive or interactional moves and strategies • the study of the functions of (social, cultural, situative and cognitive) contexts of language use • an analysis of a vast number of phenomena of text grammar and language use: coher-ence, anaphora, topics, macrostructures, speech acts, interactions, turn-taking, signs, politeness, argumentation, rhetoric, mental models, and many other aspects of text and discourse.
Book
The first collection to bring together well-known scholars writing from feminist perspectives within Critical Discourse Analysis. The theoretical structure of CDA is illustrated with empirical research from a range of locations (from Europe to Asia; the USA to Australasia) and domains (from parliament to the classroom; the media to the workplace).
Article
The issue of sexist language has been hotly debated within feminist circles since the 1960s. Previous books have tended to regard sexism in language as easy to identify and have suggested solutions to overcome and counter sexism. Sara Mills takes a fresh and more critical look at sexism in language, and argues that even in feminist circles it has become a problematic concept. Drawing on conversational and textual data collected over the last ten years, and with reference to recent research carried out in a range of different academic disciplines, Mills suggests that there are two forms of sexism - overt and indirect. Overt sexism is clear and unambiguous, while indirect sexism is based on pragmatics and the meaning and interpretation of utterances. Indirect sexism is extremely common and we therefore need new ways to challenge and analyse its usage in language.
Article
This article outlines a ‘feminist critical discourse analysis’ at the nexus of critical discourse analysis and feminist studies, with the aim of advancing rich and nuanced analyses of the complex workings of power and ideology in discourse in sustaining hierarchically gendered social orders. This is especially pertinent in the present time; it is recognized that operations of gender ideology and institutionalized power asymmetries between (and among) groups of women and men are complexly intertwined with other social identities and are variable across cultures. Gender ideology and power asymmetries in late modern societies also have become increasingly more subtle and, at the same time, as a result of backlash against feminism, have re-emerged with a new blatancy. The article offers a rationale for highlighting a feminist perspective in CDA, and proposes five key principles for a feminist discourse praxis. In concluding, a brief analysis and discussion of some data on postfeminism is provided, illustrating some of the current concerns in feminist critical discourse analysis.