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Calidoscópio
Vol. 15, n. 3, p. 433-442, set/dez 2017
Unisinos - doi: 10.4013/cld.2017.153.03
Este é um artigo de acesso aberto, licenciado por Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (CC BY 4.0), sendo permitidas reprodução,
adaptação e distribuição desde que o autor e a fonte originais sejam creditados.
1 Universidade Estadual do Ceará. Campus Fátima, Av. Luciano Carneiro, 345, 60411-134, Fortaleza, CE, Brasil.
2 Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. Av. da Abolição, 3, Centro, 62790-000, Redenção, CE, Brasil.
3 Universidade Federal de Sergipe. Av. Marechal Rondon, s/n, Jd. Rosa Elze, 49100-000, São Cristóvão, SE, Brasil.
A representação do gênero em dicionários
monolíngues dos idiomas alemão, espanhol e
português: uma análise crítica feminista de
verbetes referentes às prossões
Gender representation in monolingual German, Spanish and
Brazilian Portuguese dictionaries: A feminist critical analysis
of dictionary entries related to professions
Giselly Oliveira de Andrade1
oliveira.giselly@yahoo.com.br
Universidade Estadual do Ceará
Gislene Lima Carvalho2
giscarvalho20@gmail.com
Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira
Romana Castro Zambrano3
r.castro@gmx.net
Universidade Federal de Sergipe
RESUMO - Apesar das mudanças sociais com respeito ao estabelecimento
da igualdade de gêneros, iniciadas pelos movimentos feministas a partir
dos anos 1960, podemos constatar a persistência de estruturas patriarcais
em numerosas sociedades. Com frequência, nota-se certa desigualdade
no mundo laboral, sendo este dominado em determinadas áreas por um
gênero especíco. Partindo do pressuposto de que as normas linguísticas
e o discurso não somente reetem a nossa realidade social, mas também
a constituem, no presente artigo, propomos uma análise do discurso,
vericando a representação do gênero em verbetes referentes às várias pro-
ssões. Levando em conta as diferenças socioculturais que se manifestam
no uso da linguagem, optamos por uma análise comparativa, considerando
dicionários de três idiomas: para o português o Mini-dicionário Aurélio de
Língua Portuguesa, para o espanhol o Diccionario de la Lengua Española
e para o alemão o dicionário Duden online. Teórica e metodologicamente,
o estudo é orientado principalmente pela Análise Crítica Feminista do
Discurso (ACFD), bem como pelos pensamentos atuais provenientes
da Lexicologia e Lexicograa. Sendo assim, trata-se de uma análise
transdisciplinar que contempla os verbetes e suas referentes denições a
partir de diversos olhares. De maneira geral, verica-se nos resultados da
análise a predominância de uma perspectiva masculina nos dicionários,
demonstrando dessa maneira que a Lexicograa contribui com suas obras
para a (re)produção de relações de poder marcadas pelo patriarcalismo.
Palavras-chave: dicionários, gêneros sociais, prossão, Análise Crítica
do Discurso.
ABSTRACT – Despite the social changes aimed at establishing gender
equality initiated by feminist movements in the 1960s, patriarchal struc-
tures persist in many societies. Often, inequality can be noticed in the
world of labor, which is dominated in certain areas by a specic gender.
Assuming that language norms and discourse do not only reect our
social reality, but also constitute it, in this paper we perform a discourse
analysis of the representation of gender in dictionary entries related
to various professions. Having in mind that sociocultural dierences
are manifested in language use, we opted for a comparative analysis
considering dictionaries in three languages: in Brazilian Portuguese,
the Mini-dicionário Aurélio de Língua Portuguesa; in Spanish, the
Diccionario de la Lengua Española; and in German, the Duden online
dictionary. Theoretically and methodologically, the study is primarily
driven by the Feminist Critical Discourse Analysis (FCDA), as well as
by current thoughts in Lexicology and Lexicography. Thus, the paper
presents a transdisciplinary analysis of the dictionary entries and their
related denitions from various points of view. Overall, the results
revealed the prevalence of a male perspective in the dictionary entries,
demonstrating that Lexicography contributes to the (re)production of
power relations marked by patriarchy.
Keywords: dictionaries, social genders, profession, Critical Discourse
Analysis.
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Calidoscópio
Giselly Oliveira de Andrade, Gislene Lima Carvalho, Romana Castro Zambrano
Introdução
Desde os anos 1960, quando se consolidaram os
movimentos de mulheres e feministas, a relação entre a
língua, o uso da linguagem e o gênero4 têm sido objeto
de pesquisas em muitos países. Esses movimentos, con-
vencidos de que o uso sexista da linguagem não somente
reete uma sociedade sexista, mas também contribui para
manter essas condições sociais, exigiam, entre outras coi-
sas, mudar as práticas discursivas5 ou evitar as expressões
discriminantes contra as mulheres (Mills, 2008). Uma das
preocupações dos pesquisadores e ativistas eram, e em
algumas sociedades ainda é, a falta e o uso desprestigiado
de designações femininas de prossões, supondo que esse
fato contraria o ideal da igualdade de oportunidades no
mundo laboral (Hergenhan, 2008).
Tal preocupação é bastante pertinente ao se estudar
o léxico por ser ele o reexo da cultura e da ideologia
presentes na língua de uma dada sociedade. Apresentar
um pouco dessa realidade existente nos dicionários foi o
que motivou a realização da pesqisa relatada neste artigo.
Assim, visamos a analisar a representação dos gêneros em
verbetes de dicionários com relação às prossões. Em vista
de que a posição de homem e mulher e suas representações
lexicais variam conforme a sociedade e a língua, optamos,
em nosso estudo, por uma análise comparativa, conside-
rando os idiomas alemão, espanhol e português. Para que
nosso objetivo fosse alcançado, nos baseamos, por um
lado, na Análise Crítica (Feminista) do Discurso, mais
precisamente no que se refere ao exame das relações de
poder no discurso e, por outro, nas ciências responsáveis
pelo estudo dos elementos que formam o vocabulário de
uma língua: a Lexicologia e a Lexicograa.
A Análise Crítica (Feminista) do Discurso
como teoria e postura
Teoricamente, o presente estudo orienta-se pela
Análise Crítica do Discurso (ACD), uma variante dos
estudos discursivos que focaliza a análise de relações de
poder no discurso. A ACD não é uma escola uniforme, mas
consiste de várias abordagens com diferentes enfoques.
Não obstante, podem-se determinar aspectos comuns
das abordagens da ACD, como sua base linguística e seu
enfoque interdisciplinar que se reete na denição do
termo discurso:
ACD considera o discurso – o uso da linguagem na fala e
escrita – como uma forma de ‘prática social’. Descrever o
discurso como prática social implica uma relação dialética
[...]. Uma relação dialética é uma relação bidirecional: o evento
discursivo é moldado pela situação, por instituições e estruturas
sociais, mas também os molda. Para colocar o mesmo ponto
de uma maneira diferente, o discurso é socialmente constituti-
vo, bem como constituído: ele constitui situações, objetos de
conhecimento, as identidades sociais de e as relações entre as
pessoas e grupos de pessoas (Fairclough e Wodak, 1997, p.
258, tradução nossa).
Essa inuência do discurso sobre a sociedade
explica-se, conforme Van Dijk (1997, 2002, 2003), pela
cognição social, uma instância que interage entre o dis-
curso e a sociedade. Como cognição social se entende um
sistema mental compartilhado pelos membros de determi-
nado coletivo. Esse sistema consiste de vários subsiste-
mas como, por exemplo, saberes, crenças ou ideologias.
O saber difere dos outros subsistemas por ser reconhecido
como a verdade. Em consequência, o saber se destaca pela
característica de denir o modo de como se constitui a
nossa realidade social. Posto que as crenças que se aceitam
como “verdadeiras” estão fortemente ligadas ao discurso
dominante, tanto o poder sobre o discurso como o poder
do discurso desempenham um papel importante para os/
as analistas críticos do discurso.
Com base nesses pressupostos, os/as analistas
perseguem nas suas pesquisas um m emancipatório,
analisando estruturas de poder no discurso e na sociedade.
Portanto, as pesquisas no quadro da ACD com frequência
tratam temas como etnocentrismo, antissemitismo, na-
cionalismo, racismo ou – como no nosso estudo – a desi-
gualdade social entre os gêneros (Wodak e Meyer, 2009).
Nos últimos anos, principalmente Michelle Lazar
(2005, 2007) tem promovido a ideia de uma Análise Crítica
Feminista do Discurso (ACFD). Como um dos nexos mais
relevantes entre a ACD e teorias feministas, salienta-se
a atitude de questionar a neutralidade e objetividade na
construção de conhecimentos (Amigot Leache, 2007). Por-
tanto, os objetivos principais da ACFD são revelar como
convicções naturalizadas sobre as relações de gêneros são
(re)produzidas discursivamente e como elas contribuem
para manter privilégios de homens, desfavorecendo mu-
lheres. Embora já tenham sido realizadas anteriormente
pesquisas sobre a (des)igualdade de gêneros no discurso,
Lazar (2005) opta por um estabelecimento da ACFD como
vertente própria da ACD por diversos motivos. Assim, a
autora nota, por exemplo, que não são todas as pesquisas
da ACD sobre gêneros que se alinham aos pressupostos
teóricos feministas. Pesquisar sob o rótulo de uma análise
crítica feminista permitiria, em consequência, diferenciar
trabalhos feministas de não feministas. Além disso, a
consolidação de uma ACFD proporciona uma melhor
concentração e interação dos/as pesquisadores/as feminis-
tas, levando destarte a sinergias produtivas (Lazar, 2005).
4 O conceito ‘gênero’ surge apenas na década seguinte. Porém, optamos nesse contexto por esse termo, visto que os estudos da década de 60 se
preocupavam com o que hoje em dia entendemos como gênero.
5 Explicitamente, Mills menciona os estereótipos contra mulheres que se manifestam no discurso.
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Vol. 15 N. 3 set/dez 2017
A representação do gênero em dicionários monolíngues dos idiomas alemão, espanhol e português
Concordando com esse posicionamento, neste
artigo, acentuamos o pensamento proveniente de Estudos
Feministas e dos Estudos de Gênero, de que gêneros (e
até a dualidade dos sexos) não são elementos primor-
diais, mas construtos socioculturais (Butler, 1990, 1993).
Como todos os saberes, o saber em relação às categorias
homem e mulher é construído e adquirido por meio do
discurso. Em vista de que a partir dos anos 1960, com
os movimentos feministas, foi iniciada uma mudança
social com respeito aos papeis sociais dos gêneros, des-
construindo estruturas patriarcais, visamos a investigar
até que ponto elementos de poder masculino persistem
nos discursos sociais atuais. Desse modo, sublinhamos
a necessidade de apontar para eventuais mecanismos
discursivos que sustentam essas estruturas patriarcais, no
intento de despertar uma consciência crítica do discurso,
promovendo a igualdade de gêneros.
Lembrando da base linguística da ACD, refor-
çamos aqui a consideração da Linguística Feminista
(tradicional)6, como a ambição de apontar para a de-
sigualdade dos gêneros nas designações femininas de
prossões, empregando seus conhecimentos à análise
do discurso. Como abordado na introdução, foi a repre-
sentação dos gêneros em verbetes de dicionários com
relação às prossões que guiou o interesse do estudo aqui
apresentado. Consequentemente, enfocamos em nossa
análise aspectos tratados nas áreas de conhecimento da
Lexicologia e da Lexicograa.
Lexicologia e Lexicograa
O léxico de uma língua é composto por palavras
e expressões que são utilizadas pelos falantes nas mais
diversas situações comunicativas às quais são subme-
tidos. Esses elementos linguísticos apresentam traços
que representam a sociedade na qual a língua está in-
serida. As lexias são denidas por Henriques (2011, p.
13) como “unidades de características complexas cuja
organização enunciativa é interdependente, ou seja,
a sua textualização no tempo e no espaço obedece a
certas combinações”. A comunicação verbal entre os
falantes acontece a partir da organização dessas lexias
nos discursos. Dessa forma, o estudo e a compreensão
dos componentes lexicais se tornam importantes para o
entendimento das escolhas dos falantes, além da cultura
e das ideologias que subjazem à língua e podem ser
percebidas neles.
As ciências do léxico são responsáveis pelos es-
tudos sobre os elementos que compõem o vocabulário de
uma língua. A Lexicologia estuda as lexias pertencentes
às línguas nas diferentes visões, desde seu caráter fonético
ao caráter regional presente em algumas palavras, ou seja,
as características morfológicas, sintáticas e semânticas dos
componentes lexicais são estudadas por essa disciplina.
A Lexicograa, por sua vez, aborda a descrição do léxico,
mais precisamente o tratamento e a inserção dessas uni-
dades em materiais lexicográcos: dicionários, glossários
ou listas de palavras.
As obras lexicográcas são diversas e podem ser
classicadas quanto aos usuários aos quais se destinam e
quanto ao suporte de publicação. A depender do público-al-
vo, podem ser de língua geral, de aprendizagem, escolares,
especiais e especializados7. Quanto ao suporte, podem ser
analógicos (impressos) ou eletrônicos (online ou o-line).
Neste trabalho, serão analisados verbetes de dicionários
de língua geral, ou seja, aqueles que têm como objetivo
reunir o maior número possível de lexias de uma determi-
nada língua e se destinam a um público que já apresenta
domínio da língua. Analisaremos dicionários que circulam
em dois suportes distintos, dois dicionário impressos e um
eletrônico, esse último está disposto online8.
A diferença de suporte dos materiais permitirá ter
uma visão mais ampla das denições analisadas, pois os
dicionários eletrônicos permitem maior maleabilidade e
atualização constante, o que não ocorre nos impressos.
Outra característica que diferencia os dois tipos é a
extensão dos verbetes, uma vez que naqueles que estão
dispostos de forma online não há preocupação com espaço
para as denições, o que pode colaborar para uma deni-
ção mais abrangente e completa dos verbetes analisados.
A despeito das diferenças de suporte, a microestrutura de
um verbete, em qualquer dicionário, não é neutra e traz
grande carga ideológica em suas denições.
As obras lexicográcas são consideradas guardiãs
da língua. Acredita-se que nelas está a forma mais pura
e mais correta da utilização da linguagem verbal. Com
base nessa crença, o que se expõe nesses materiais é
visto como norma a ser seguida sem qualquer contes-
tação. No entanto, a inserção de palavras e expressões
em dicionários apresenta não apenas informações sobre
palavras isoladas, mas pode-se perceber muito sobre a
língua e sua relação com a sociedade, traços que não são
compreendidos em um primeiro momento. Pontes (2009)
indica o dicionário como um gênero textual de caráter
6 Uma visão geral sobre a Linguística Feminista oferece Mills (2008).
7 Pontes (2009) classica os dicionários em: gerais, os que buscam contemplar o léxico da língua de forma geral e objetiva; de aprendizagem, que
são os destinados ao estudo de línguas estrangeiras; escolares, para alunos em fase de aprendizagem da língua materna; especiais, os que abordam
especicidades da língua; especializados, contemplam o vocabulário de uma determinada área ou ciência.
8 Porém, convém mencionar que os dicionários que consideramos na nossa pesquisa contam com versões eletrônicas e analógicas. No caso do
dicionário espanhol, as versões contêm informações idênticas. De outro modo, no dicionário alemão, a versão eletrônica apresenta a mesma denição
do analógico, mas oferece, além disso, informações adicionais, por exemplo, quanto à gramática ou colocações típicas.
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Calidoscópio
Giselly Oliveira de Andrade, Gislene Lima Carvalho, Romana Castro Zambrano
intertextual, polifônico e ideológico, pois se baseia em
outros textos, apresenta múltiplas vozes e reete a rea-
lidade da sociedade na qual se insere.
O dicionário é utilizado, na maioria das vezes,
para tirar dúvidas com relação à graa, signicado ou
classicação de um vocábulo da língua sobre a qual se
pretende aprender. Ele atua no processo de ensino/apren-
dizagem de línguas como elemento norteador dos valores
semânticos do léxico de uma língua e deve, pois, trazer em
si os valores culturais que subsidiam esses signicados.
As informações contidas nos verbetes vão além
da denição, podem ser percebidas também nos exem-
plos e na escolha de cada elemento apresentado em sua
composição. Porém, as nuances culturais presentes nos
dicionários não costumam ser discutidas no âmbito do
aprendizado de línguas.
Os dicionários apresentam não apenas informações
de cunho gramatical, mas também uma gama de conheci-
mentos culturais e sociais que podem ser acessadas a partir
dos verbetes que compõem a nomenclatura de uma obra
lexicográca. Entendemos que o dicionário não é mera-
mente uma lista de palavras que apresenta signicados
pontuais. É, sobretudo, uma obra com ns didáticos que
oferece informações sobre a sociedade na qual o falante
se insere. Krieger (2010) arma que:
o dicionário é um produto de caráter social que reete de-
terminadas visões sobre a língua e, logo, posições do sujeito
enunciador, a despeito de sua aparência de neutralidade, a qual
está vinculada à articulação de um paradigma formal histórica
e universalmente estabelecido, e que praticamente acompanha
a história da humanidade (Krieger, 2010, p. 137).
Compreende-se, portanto, que as informações
contidas nos dicionários podem revelar preconceitos e
ideologias que, muitas vezes, não são percebidos, mas
que estão lá, carregados de signicados que identicam
a sociedade que utiliza a língua.
Diante do exposto, neste trabalho foram analisa-
dos verbetes referentes às prossões presentes em dicio-
nários gerais, monolíngues de diferentes línguas: alemão,
espanhol e português. Tomamos como dicionários gerais
aqueles que contêm “as palavras que podem ser usadas
em qualquer contexto discursivo” (Pontes, 2009, p. 18)
e apresentam como características, nas palavras de We-
lker (2004, p. 43), ser “alfabético, sincrônico, da língua
contemporânea, arrolando, sobretudo, os lexemas da
língua comum”.
Procedimento metodológico e
constituição do corpus
Partindo desses pressupostos teóricos, com o m
de constituir o nosso corpus, escolhemos para cada idioma
um dicionário clássico e representável: para o português o
Mini-dicionário Aurélio de Língua Portuguesa (Ferreira
e Ferreira, 2010), para o espanhol o Diccionario de la
Lengua Española (Real Academia Española, 2014) e para
o alemão o dicionário Duden online (Dudenredaktion,
2016)9. Por motivos da praticabilidade da pesquisa, em
análises de discurso baseadas em corpora grandes, a
análise detalhada se realiza a partir de excertos exempla-
res e/ou mais salientes. Assim, inicialmente, os analistas
precisam conseguir uma visão geral sobre o material do
corpus por meio de uma leitura global, escolhendo destarte
fragmentos discursivos representantes (Reisigl, 2007).
Contudo, considerando que uma ACD com base
em dicionários estaria fora do mainstream das análises
críticas, modicamos o procedimento indicado no sentido
de que não realizamos uma leitura geral dos dicionários,
mas, exclusivamente, de verbetes referentes a prossões.
Tendo em vista a preexistência de estudos linguísticos
em relação à denominação e definição de profissões
desde um ponto de vista feminista, visamos a contribuir
para o avanço dessas mesmas pesquisas. Dessa maneira,
pretendemos também evitar operar com amostras aleató-
rias. Portanto, partimos, por um lado, de preocupações
da Linguística Feminista clássica alemã (resumido em:
Gorny, 1995) com respeito à designação de prossões.
Por outro lado, baseamo-nos em resultados de um estudo
da representação do gênero no léxico português quanto
às prossões (Andrade e Carvalho, 2016).
A partir desses conhecimentos que informaram
sobre inquietações em relação ao tema de um ponto de
vista monolíngue e/ou histórico, foram vericados os
referentes verbetes nos três dicionários do nosso corpus.
Em uma visão comparativa, destacaram-se os verbetes de
determinadas prossões10, apresentadas de forma compa-
rativa na Tabela 111.
Análise da representação do gênero em
verbetes referentes às prossões
Após a análise dos dados acima, percebeu-se a pre-
dominância do gênero masculino nos verbetes, inclusive
naqueles cujas prossões são constituídas em sua grande
9 O dicionário escolhido para o idioma alemão é uma versão online. Ela orienta-se pela versão atual impressa do dicionário Duden - Deutsches
Universalwörterbuch, mas é atualizada continuamente. Além disso, contém informação adicional quanto à gramática ou ao uso. Nesse artigo,
recortaram-se alguns exemplos e informações complementares de pouca relevância para o estudo.
10 Devido às diferenças entre os sistemas educacionais dos países, existem discrepâncias entre os conceitos das prossões relacionados à área da
educação. Portanto, encontram-se tanto em espanhol como em alemão várias traduções para as palavras educador/a e professor/a no português. No
estudo, foi considerada somente uma designação para cada prossão.
11 Sendo o alemão um idioma dominado por poucas pessoas no Brasil, os respectivos verbetes foram traduzidos.
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Vol. 15 N. 3 set/dez 2017
A representação do gênero em dicionários monolíngues dos idiomas alemão, espanhol e português
maioria por mulheres, o que demonstra que o discurso
existente nos dicionários é fortemente marcado pelas
convenções sociais.
Essa presença marcante pode ser vericada na
análise logo a seguir, feita, inicialmente, em cada léxico
de forma individualizada e, posteriormente, de forma
comparativa. Desse modo, comecemos, portanto, pelos
vocábulos do português através dos quais se pode depre-
ender o seguinte:
Da lista de seis palavras elencadas anteriormente:
(i) apenas duas (juiz e professor) apresentaram verbetes
próprios a cada uma das formas do gênero; a despeito
das outras quatro possuírem sua variante no feminino,
nenhuma observação foi feita nesse sentido; (ii) todas
Tabela 1. Verbetes considerados para a análise detalhada.
Table 1. Dictionary entries considered for a detailed analysis.
I - Idioma: português/ Di-
cionário Aurélio (Ferreira
e Ferreira, 2010)
II - Idioma: espanhol/
Diccionario de la Lengua
Española (Real Academia
Española, 2014)
III - Idioma: alemão/ Dicionário Duden online
(Dudenredaktion, 2016) e sua tradução no português
1.
e.du.ca.dor (ô) [Lat. edu-
catore.] adj. sm. Que, ou
aquele que educa
Educador, ra Del lat. educā-
tor, -ōris. 1. adj. Que educa.
Apl. a pers., u. t. c. s.
Erzieher, der
Wortart: Substantiv,
maskulin
[…] 1. jemand, der
Kinder und Jugendliche
erzieht 2. jemand, der
eine Ausbildung an einer
Fachschule als Betreu-
er von Kindern und
Jugendlichen in öffentli-
chen Einrichtungen (wie
Kindergärten, Heimen)
abgeschlossen hat (Be-
rufsbezeichnung) […]
Erzieherin, die
Wortart: Substantiv,
feminin
[…] weibliche Form zu
Erzieher
educador, o
Categoria gramatical:
substantivo, masculino
[...] 1. alguém que educa
crianças e jovens 2. alguém
que concluiu a formação
numa escola profissionali-
zante especializada como
cuidador de crianças e
jovens em instituições pú-
blicas (tais como jardins de
infância, lares de infância)
(profissão) [...]
educadora, a
Categoria gramatical:
substantivo, feminino
[...] forma feminina de
educador.
2.
en.fer.mei.ro [Enfermo.]
sm. 1. Indivíduo diplomado
em enfermagem, ou que a
exerce. 2. O que cuida de
enfermos.
Enfermero, ra 1. m. y f. Per-
sona dedicada a la asistencia
de los enfermos.
Krankenpfleger, der
Wortart: Substantiv,
maskulin
[…] männliche Fach-
kraft für Krankenpflege
(Berufsbezeichnung);
Kurzform: Pfleger (1a)
Krankenpflegerin, die
Wortart: Substantiv,
feminin
[…] Krankenschwester
Krankenschwester, die
Wortart: Substantiv,
feminin
[…] weibliche Fach-
kraft für Krankenpflege
(Berufsbezeichnung);
Kurzform: Schwester
enfermeiro, o [literalmen-
te: cuidador de doentes]
Categoria gramatical:
substantivo, masculino
[...] profissional masculino
de enfermagem (profissão);
abreviação: cuidador (1a).
enfermeira, a [literalmen-
te: cuidadora de doentes]
Categoria gramatical:
substantivo, feminino [...]
enfermeira [literalmente:
irmã de doentes]
enfermeira, a [literalmen-
te: irmã de doentes]
Categoria gramatical:
substantivo, feminino [...]
profissional feminino de
enfermagem (profissão);
abreviação: irmã.
438
Calidoscópio
Giselly Oliveira de Andrade, Gislene Lima Carvalho, Romana Castro Zambrano
Tabela 1. Continuação.
Table 1. Continuation.
3.
ju.iz (u- íz) [Lat. vulg. *ju-
dice (com i longo).] sm. 1.
Aquele que tem o poder de
julgar. 2. Aquele que julga.
3. Membro de um júri. 4.
Membro do poder judici-
ário. 5. Aquele que dirige
competição esportiva; árbi-
tro. *Juiz de Direito. Jur.
1. Indivíduo encarregado de
julgar segundo a prova dos
autos e segundo o direito.
2. Magistrado da primeira
instância.
ju.í.za [Fem. de juiz] sf.
Mulher que exerce as fun-
ções de juiz.
Juez, za Del lat. iudex, -ĭcis.
Para el f., u. t. la forma juez en
aceps. 1-3. 1. m. y f. Persona
que tiene autoridad y potestad
para juzgar y sentenciar. 2.
m. y f. Miembro de un jurado
o tribunal. 3. m. y f. Perso-
na nombrada para resolver
cualquier asunto o materia,
especialmente una duda o
controversia. 4. m. En época
bíblica, magistrado supremo
del pueblo de Israel. 5. m.
Cada uno de los caudillos que
conjuntamente gobernaron a
Castilla en sus orígenes. 6. f.
coloq. p. us. Mujer del juez.
Richter, der
Wortart: Substantiv,
maskulin
[…] 1. jemand, der
die Rechtsprechung
ausübt, der vom Staat
mit der Entscheidung
von Rechtsstreitigkeiten
beauftragt ist […]
Richterin, die
Wortart: Substantiv,
feminin
[…] weibliche Form zu
Richter (1)
juiz, o
Categoria gramatical:
substantivo, masculino
[...] 1. alguém que exerce
a jurisdição, que é encar-
regado pelo Estado pela
decisão de litígios [...]
juíza, a
Categoria gramatical:
substantivo, feminino [...]
forma feminina de juiz (1).
4.
mé.di.co [Lat. medicu.] adj.
1. Medicinal (1). *sm. 2.
Indivíduo diplomado em
medicina e que a exerce;
doutor (pop.).
Médico1, ca Del lat. medĭcus.
1. adj. Perteneciente o rela-
tivo a la medicina. 2. m. y f.
Persona legalmente autoriza-
da para profesar y ejercer la
medicina. 3. f. coloq. desus.
Mujer del médico.
Arzt, der
Wortart: Substantiv,
maskulin
[…] jemand, der nach
Medizinstudium und
klinischer Ausbildung
die staatliche Zulassung
(Approbation) erhalten
hat, Kranke zu behandeln
(Berufsbezeichnung) […]
Ärztin, die
Wortart: Substantiv,
feminin
[…] weibliche Form zu
Arzt
médico, o
Categoria gramatical:
substantivo, masculino
[...] alguém que, depois
da conclusão do curso de
medicina e da formação
clínica, recebeu a aprova-
ção do Estado (aprovação)
para tratar doentes (profis-
são) [...]
médica, a
Categoria gramatical:
substantivo, feminino [...]
forma feminina de médico.
5.
pi.lo.to (ô) [It. piloto.] sm.
1. O que dirige uma embar-
cação mercante, subordina-
do ao comandante. 2. O que
dirige uma aeronave, carro
de corridas, etc. 3. Rád.
Telev. Programa demonstra-
tivo e experimental de uma
série a ser produzida. 4.
Bras. Nos aquecedores de
gás, bico que, aceso, pro-
paga a chama aos demais.
Piloto Del it. piloto. 1. m. y f.
Persona que gobierna y dirige
un buque en la navegación. 2.
m. y f. Segundo de un buque
mercante. 3. m. y f. Persona
que dirige un automóvil, un
globo, un avión, etc. 4. m. y f.
Persona que guía u orienta en
cualquier asunto. 5. m. En al-
gunos aparatos, instalaciones,
etc., señal luminosa que indica
que están en funcionamiento o
que transmite otras informaci-
ones. El piloto del contestador
está encendido. 6. m. U. en
aposición, indica que la cosa
designada por el nombre que
le precede funciona como mo-
delo o con carácter experimen-
tal. Piso, instituto piloto. 7. m.
Arg. gabardina (‖ impermeab-
le). 8. m. germ. Ladrón que va
delante de otros, guiándolos
para hacer el hurto.
Pilot, der
Wortart: Substantiv,
maskulin
[…] 1. a. (Flugwesen)
jemand, der [berufs-
mäßig] ein Flugzeug
steuert; Flugzeugführer b.
(Motorsport) Rennfahrer
c. (Bobsport) jemand, der
einen Bob lenkt [...]
Pilotin, die
Wortart: Substantiv,
feminin
[…] weibliche Form zu
Pilot (1, 2)
piloto, o
Categoria gramatical:
substantivo, masculino
[...] 1. a.(aviação) alguém
que [profissionalmente]
controla um avião; condu-
tor de avião b. (motorismo)
racer c. (esporte de bob)
alguém que dirige um bob
[...]
pilota, a [em alemão, a
forma feminina é marcada
pelo sufixo –in]
Categoria gramatical:
substantivo, feminino [...]
forma feminina de piloto
(1, 2).
439
Vol. 15 N. 3 set/dez 2017
A representação do gênero em dicionários monolíngues dos idiomas alemão, espanhol e português
zeram marcação dos seus respectivos gêneros antes das
suas denições.
Das quatro (educador, enfermeiro, médico e piloto)
que não mencionaram a sua forma no feminino, somente
três zeram uso de termos neutros (“que” e “indivíduo”)
em suas conceituações, porém logo aparecem acompanha-
dos de alguma marcação no masculino (Por exemplo, o
verbete educador que diz: “Que ou aquele que educa”).
Outro fato curioso que se pode notar é quanto
aos verbetes educador e enfermeiro e às denições dos
verbetes no gênero feminino de juiz e professor. Nos dois
primeiros, embora sejam prossões ligadas às áreas onde
há um maior número de mulheres formadas12, nenhuma
indicação foi feita neste sentido. Já, em relação às deni-
ções de juíza e professora, além de serem apontados, logo
no início, como femininos de juiz e professor, verica-se
naquela, uma conceituação que toma como parâmetro as
atividades desempenhadas pelo prossional no gênero
masculino ao dizer que é a “mulher que exerce as fun-
ções de juiz” e, nesta, resumida em uma única palavra,
mestra, que corresponde a uma das signicações do cargo
no masculino.
Partindo para o léxico no espanhol, observou-se
que: (i) somente o verbete piloto não apresentou as duas
formas do gênero na palavra-entrada; (ii) somente no ver-
bete educador,ra não foi feita a marcação dos gêneros antes
da denição. Em vez disso, classicou-se a palavra como
adjetivo, apesar de ter sido sinalizado, no nal do conceito,
o seu uso aplicado também como substantivo através da
sigla u.t.c.s. (usado também como substantivo). Desse
6.
pro.fes.sor (ô) [Lat. pro-
fessore.] sm. Aquele que
ensina uma ciência, arte,
técnica; mestre. § pro.fes.
so.ral adj2g.
pro.fes.so.ra [F. de profes-
sor] sf. Mestra.
Profesor, ra Del lat. profes-
sor, -ōris. 1. m. y f. Persona
que ejerce o enseña una
ciencia o arte.
[…]
Lehrer, der
Wortart: Substantiv,
maskulin
[…] 1. a. jemand, der an
einer Schule unterrichtet
(Berufsbezeichnung)
b. jemand, der an einer
Hochschule oder Univer-
sität lehrt c. jemand, der
aufgrund seines Könnens
Ausbilder (besonders in
sportlichen Disziplinen)
ist
2. jemand, der anderen
sein Wissen vermittelt,
der durch sein Wissen,
seine Persönlichkeit als
Vorbild angesehen wird;
Lehrmeister […]
Lehrerin, die
Wortart: Substantiv,
feminin
[…] weibliche Form zu
Lehrer
Besonderer Hinweis
Um gehäuftes Auftreten
der Doppelform Leh-
rerinnen und Lehrer zu
vermeiden, können die
Ausweichformen Lehr-
körper, Lehrkräfte oder
Lehrerschaft gewählt
werden.
professor, o
Categoria gramatical:
substantivo, masculino
[...] 1. a. alguém que ensina
em uma escola (profissão)
b. alguém que ensina em
uma faculdade ou uni-
versidade c. alguém que
devido a suas habilidades
é instrutor (especialmente
em disciplinas esportivas)
2. alguém que transmite
seus conhecimentos a
outros, que é considerado
como um modelo por seu
conhecimento, sua perso-
nalidade; mestre [...]
professora, a
Categoria gramatical:
substantivo, feminino
[...] forma feminina de
professor
Nota especial
A fim de evitar aglome-
ração de casos da forma
dupla professoras e pro-
fessores, podem-se utilizar
as formas evasivas corpo
docente, forças docentes
ou magistério.
Tabela 1. Continuação.
Table 1. Continuation.
12 Esta informação foi obtida da página 107 de uma análise do censo demográco do ano de 2010 sobre estatísticas de gênero feita pelo IBGE –
Instituto Brasileiro de Geograa e Estatística (Brasil, 2014).
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Calidoscópio
Giselly Oliveira de Andrade, Gislene Lima Carvalho, Romana Castro Zambrano
grupo de palavras, que mencionou os dois gêneros antes
de suas acepções relacionadas à prossão, todas zeram
uso de termos considerados neutros (“persona”: pessoa,
“miembro”: membro e “que”) para denir seus vocábulos.
Dentre os verbetes desse léxico que merecem
uma atenção especial, destacam-se juez,za (juiz, juíza)
e médico,ca. Em ambos, verica-se que a única acepção
marcada no feminino adota como denição, respectiva-
mente, a forma coloquial pouco usada mujer del juez
(mulher de juiz) e mujer del médico (mulher de médi-
co); expressões estas (mulher de + prossão do esposo)
muito criticadas pela linguística feminista visto que,
nesses casos, a mulher é denida a partir do seu esposo
(Jalonen, 2006).
No dicionário alemão, percebeu-se que: (i) todos os
vocábulos analisados apresentaram verbetes próprios tanto
para o gênero masculino quanto para o gênero feminino;
(ii) em todos os verbetes, há tanto a marcação dos gêneros
quanto dos artigos peculiares a eles (“der”, artigo denido
masculino, e “die”, artigo denido feminino) antes das
respectivas acepções.
No que diz respeito aos verbetes no feminino, os
seis têm como base os verbetes no masculino. Em outras
palavras, destes seis, cinco utilizam como expressão forma
feminina de (“weibliche Form zu…”) mais o cargo no
masculino para explicar sua denição e um único verbete,
Krankenpegerin (enfermeira), faz remissão a outra pala-
vra usada no alemão para enfermeira, Krankenschwester,
para deni-lo. Porém, ao ser esta consultada no dicionário,
é encontrada a mesma denição apresentada no verbete
enfermeiro, Krankenpeger, diferenciando-se apenas
quanto ao termo designativo de gênero. Outro aspecto
interessante deste verbete é quanto ao termo Krankens-
chwester (literalmente: irmã de doentes) e, sobretudo, à
sua abreviação Schwester (irmã), os quais são fortemente
criticados por motivos feministas e prossionais. As crí-
ticas se referem, dentre outras, à problemática de que os
termos Krankenschwester e Schwester eliminam a distân-
cia prossional e criam a ilusão de uma relação íntima e
familiar entre enfermeira e paciente. Diferentemente das
enfermeiras, essa problemática não surge no caso dos
enfermeiros, posto que o termo Krankenbruder (irmão
de doentes) não existe (Ver.di, 2002).
Também podem ser apontadas curiosidades acerca
dos verbetes Erzieher e Erzieherin (educador e educadora)
e Lehrerin (professora). Em relação aos primeiros, embora
a maioria seja constituída por mulheres (Hausmann e Klei-
nert, 2014), é a sua forma no masculino que predomina
no dicionário e, quanto ao último, é o único que possui
uma nota especial em destaque.
Comparando as três obras lexicográcas, a diferen-
ça mais evidente é quanto à apresentação dos dois gêneros
nos verbetes. Enquanto, no português, existem apenas dois
vocábulos (juiz e professor) com verbetes próprios para
cada gênero, no espanhol, um mesmo verbete destaca
ambos os gêneros, exceto no que se refere a piloto, e no
alemão, todos os vocábulos dispõem, tanto no masculino
quanto no feminino, verbetes próprios. Ainda neste último
dicionário, há uma peculiaridade: são também indicados
os respectivos artigos denidos atribuídos a cada gênero.
Ainda no que diz respeito à apresentação dos
gêneros nos verbetes, vale mencionar que, apesar de ser
aceita a forma feminina da palavra piloto tanto pela Aca-
demia Brasileira de Letras13 quanto pela Real Academia
Española14, persiste, nos idiomas português e espanhol,
o seu uso no masculino. Embora se determine que a
palavra no masculino seja aplicada a ambos os gêneros,
o fato de terminar em o permite ligá-la a uma prossão
tipicamente masculina.
Quanto às denições referentes ao âmbito labo-
ral: no português, dentre os quatro verbetes (educador,
enfermeiro, médico e piloto) que mostraram sua versão
somente no masculino, três usaram termos neutros (“que”,
“indivíduo”) para explicar suas signicações, mas logo
aparecem marcadas com algum termo no masculino. No
espanhol, todos os verbetes que apresentaram acepções
aplicadas para ambos os gêneros zeram uso apenas de
termos neutros (“persona”: pessoa, “miembro”: membro e
“que”) nos seus conceitos e, no alemão, todos os verbetes
femininos são explicados tomando como parâmetro os
verbetes no masculino. Algo parecido com os verbetes
femininos no alemão ocorreu com os verbetes juíza no
português e juez,za (juiz, juíza) e médico,ca no espanhol
quando estes, ao delinear suas conceituações, se utilizaram
da expressão mulher de mais o cargo no masculino.
Outro denominador comum encontrado nos três
dicionários, apesar das diferenças apontadas anterior-
mente, foi a marcação dos gêneros feita em todos os seus
verbetes antes de suas respectivas denições, ressalvado o
verbete educador,ra15 no espanhol, em que a única acepção
existente é sinalizada como adjetivo.
Conclusão
Neste trabalho, objetivou-se analisar a representa-
ção do gênero existente em alguns verbetes nos léxicos dos
13 Segundo a Lei 12605 de 2012 (Brasil, 2012) e a Academia Brasileira de Letras (2007) , o substantivo piloto pode ser exionado no feminino.
14 No Diccionario panhispánico de dudas da Real Academia Española (2005), uma das acepções do verbete piloto aparece com a seguinte redação:
“piloto. 1. Con el sentido de ‘persona que dirige una nave, un aparato aeronáutico o un vehículo de carreras’, es común en cuanto al género (el/la
piloto; → género2, 1a): “Era una piloto seria y responsable, con un dominio total del helicóptero” (País [Esp.] 1.6.86). No es normal el femenino
pilota, aunque se ha usado alguna vez: “Que una mujer implore ser pilota de un caza [...] parece un escándalo” (País [Esp.] 2.4.87)”.
15 Observa-se que o verbete educador, no Aurélio, é classicado tanto como adjetivo quanto como substantivo masculino.
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Vol. 15 N. 3 set/dez 2017
A representação do gênero em dicionários monolíngues dos idiomas alemão, espanhol e português
idiomas português, espanhol e alemão no que se refere às
prossões. Para que isso fosse possível, fez-se necessário o
uso de três dicionários: Mini-dicionário Aurélio de Língua
Portuguesa (Ferreira e Ferreira, 2010), Diccionario de
la Lengua Española (Real Academia Española, 2014) e
dicionário Duden online (Dudenredaktion, 2016).
Foi observado que, ao transpor essa temática para
o léxico, a distinção entre os gêneros ainda é bastante
expressiva. Na verdade, mostra-se mais veemente do que
aquela vericada na realidade existente em nosso meio so-
cial visto que, até mesmo nos verbetes daquelas prossões
em que há maior concentração de mulheres, a presença
do gênero masculino é muito marcante. É o que se pode
notar, por exemplo, nos verbetes educador e enfermeiro
no dicionário da língua portuguesa. E, quando neste se é
destacado o gênero feminino das palavras, a sua denição
é feita de maneira sucinta, como em professora, ou toma
como referência o cargo no masculino, como em juíza.
No espanhol, apesar das marcações de ambos os
gêneros, é possível perceber, nas últimas acepções atribu-
ídas ao gênero feminino dos verbetes juez,za e médico,ca,
denições do tipo: mujer del juez (mulher do juiz) e mujer
del médico (mulher de médico). Posto que estes signica-
dos são marcados como formas coloquiais pouco usadas,
pode-se constatar uma mudança discursiva que demonstra
que a denição da mulher a partir da prossão do marido
na época atual é menos comum que antes.
Já no alemão, todos os verbetes apresentaram sua
versão tanto no gênero masculino quanto no feminino, em-
bora façam remissão ao cargo no masculino. Seja utilizan-
do-se da expressão forma feminina de (“weibliche Form
zu…”) mais a prossão no masculino (fato que ocorreu
em grande parte dos verbetes no feminino), ou copiando a
denição do modo como consta no verbete no masculino
(como em “Krankenschwester”: enfermeira), alterando
somente o termo designativo do gênero. Ressalta-se que
tanto este termo Krankenschwester (literalmente: irmã
de doentes) quanto sua abreviação Schwester (irmã), por
terem cunho discriminatório, são fortemente criticados.
Considerando a posição da linguística feminista,
vale destacar a representação linguística da prossão
piloto no dicionário. Mesmo que esta designação se
rera aos dois gêneros, supõe-se que o fato do vocábulo
terminar em o facilita a associação predominante com uma
prossão tipicamente masculina. Os resultados da análise
demonstram que, mesmo que se tenha convencionado que
o emprego da entrada dos verbetes, sejam eles substantivos
ou adjetivos, deve estar no masculino singular, o discurso
presente no léxico, considerado como neutro, indiscutível
e correto, é passível de ideologias.
Relacionando este pensamento com a teoria do
discurso defendida nesse estudo, pode-se constatar, por
meio dos verbetes acima destacados, que os dicionários
analisados, por um lado, reetem os discursos da domina-
ção masculina naturalizada nas sociedades, por outro, em
virtude de desempenharem o papel de orientar os falantes
de uma língua, contribuem, como obras lexicográcas,
para consolidar e conservar os discursos, bem como as
sociedades de dominação masculina.
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Submetido: 30/10/2016
Aceito: 05/06/2017