ArticlePDF Available

A decifração de um enigma: o título "Esmeraldo de Situ Orbis"

Authors:

Abstract

O título da célebre obra de Duarte Pacheco Pereira é composto pela palavra Esmeraldo e pela expressão De Situ Orbis. A compreensão da expressão De Situ Orbis não apre-senta a mínima dificuldade. Todos os autores que abordaram o assunto foram unânimes em considerar que se trata do título da obra geográfica de Pompônio Mela, citada aliás uma trin-tena de vêzes por Duarte Pacheco Pereira, e que é, com a História Natural de Plínio, uma das suas duas fontes funda-mentais . Outro tanto não poderemos dizer da primeira parte do título, a palavra Esmeraldo, sôbre a decifração da qual mais de meia dúzia de teses foram até agora elaboradas sem que a unanimidade se tenha feito sôbre nenhuma delas.
A DECIFRAÇÃO DE UM ENIGMA: O TÍTULO
"ESMERALDO DE SITU ORBIS" (1).
O título da célebre obra de Duarte Pacheco Pereira é
composto pela palavra
Esmeraldo
e pela expressão
De Situ
Orbis. A
compreensão da expressão
De Situ Orbis
não apre-
senta a
mínima dificuldade. Todos os autores que abordaram
o assunto foram unânimes em considerar que se trata do título
da obra geográfica de Pompônio Mela, citada aliás uma trin-
tena de vêzes por Duarte Pacheco Pereira, e que é, com a
História Natural de Plínio, uma das suas duas fontes funda-
mentais . Outro tanto não poderemos dizer da primeira parte
do título, a palavra
Esmeraldo,
sôbre a decifração da qual
mais de meia dúzia de teses foram até agora elaboradas sem
que a unanimidade se tenha feito sôbre nenhuma delas.
Começaremos pela exposição das teses apresentadas por
Santos Ferreira (2), George
H. T.
Kimble (3), e José Denti-
nho (4), por nos parecer que em nada contribuem para a re-
solução do problema, ainda que a dêste último tenha sido a
que até agora reuniu adesões mais entusiásticas (5) .
— Com êste mesmo título publicámos uma versão abreviada dêste artigo, no
Suplemento Semanal do Diário de Lisboa, "Vida Literária e Artística"
(Lisboa, 23 de maio de 1963). Esta versão abreviada constitui ainda a
primeira parte do artigo Esmeraldo de situ orbis. do. Dicionário de His-
tória de Portugal dirigido por Joel Serrão, Iniciativas Editoriais, Volu-
me II, Lisboa, 1964.
— Major Santos Ferreira e António Ferreira Serpa: Salvador Gonsalves
Zarco — (Cristóbal Colón) — Os livros de D. Tivisco, 1930, págs. 44-47.
Ver também, Arthur Lobo D'Avila e Saul Santos Ferreira: Cristóbal Co-
lón — Salvador Gonsalves Zarco, Infante de Portugal, Lisboa, 1939, págs.
52-56.
George H. T. Kimble, "Esmeraldo de situ orbis" by Duarte Pacheco Pe-
reira, London, 1937, Introduction, págs. XVII-XVIII.
— José Dentinho, "Esmeraldo de situ orbis" por Duarte Pacheco Pereira.
Da significação de "Esmeraldo". (Diário de Lisboa, 21 de julho de 1949).
— Quando da publicação da versão abreviada dêste artigo no Diário de
Lisboa, o Professor José Dentinho publicou neste mesmo Diário duas no-
tas sôbre o assunto (6-VI-63 e 27-VI-63). Não lhe respondemos então por
nos parecer que as referidas notas nada alteravam ao meu artigo e às
minhas conclusões, tendo-se limitado o Professor José Dentinho a expor
de nôvo e de maneira abreviada a sua tese. Continuamos, passado um
— 340 —
Santos Ferreira apresenta-nos, entre tôdas, a tese mais
imprevista, pois através de conjecturas que podemos classi-
ficar de delirantes, depois de nos dizer que Cristóbal Colón
não existiu (!!!) pois "Cristóbal Colón era na realidade Sal-
vador Gonsalves Zarco" (!!!), associa êste último à redação da
obra de Duarte Pacheco Pereira!!! Para Santos Ferreira, Duar-
te Pacheco Pereira sabia hebraico (!!! ...), e teria escrito as
palavras hebraicas que corresponderiam a
com
ou
em com-
panhia de Salvador da Madeira. Às letras das palavras hebrai-
cas corresponderiam, lidas da direita para a esquerda, as letras
E M S L O D R A E,
tendo com elas formado facilmente Duarte
Pacheco Pereira a palavra ESMERALDO, nome que antepôs
ao título
De Situ Orbis do seu livro (6) .
George H. T. Kimble dá-nos a conhecer uma sugestão que
lhe teria sido feita pelo Dr. George Sheppard e que lhe teria
dado a solução do enigma: existiria uma analogia filológica en-
tre a palavra
Esmeraldo
e a palavra espanhola
esmerado
que
significaria
guia.
E, na verdade, o
Esmeraldo de situ orbis
é
por excelência um guia para a navegação .
Foi em vão que procurámos nos dicionários de língua espa-
nhola a palavra
esmerado
com a significação que lhe dão o Dr.
George Sheppard e George H. T. Kimble. No
Primer Diccio-
nario General Etimologico !de la Lengua Espafiola (7) de D. Ro-
que
Bárcia, ou no
Diccionario de la Lengua Espatiola da Real
Academia Espafiola (8), lemos:
Esmerado, da. Adjectivo. Lo
echo y ejecutado con esmero. Em esmero,
lemos:
Esmero. Mas-
culino. Sumo cuidado y atencion diligente en hacer Ias cosas
con perfeccion.
Se quisermos admitir, por absurdo, a existên-
cia de uma gralha na impressão da obra de George H. T.
Kimble,
e admitindo que no lugar de
esmerado
se deveria ler
esmerai-
do,
ainda assim a tese de George H. T.
Kimble não se torna
mais compreensível, pois verificamos que o substantivo
esme-
raldo
não existe na língua espanhola no masculino . Existe
ano, e já noutras paragens, pensando da mesma Maneira, fato êste que
nunca alterou nem altera a profunda estima e admiração que temos pe-
la personalidade do Professor José Dentinho.
— A tese de Santos Ferreira é exposta e criticada por Armando Cortesão,
Cartografia e Cartógrafos Portuguêses dos Séculos XV e XVI (Contribui.
ção para um estudo completo), Volume II, Lisboa, 1935, págs. 106-107.
— D. Roque Bárcia, Primer Diccionario General Etimologico de la Lengua
Espafiola, Volume II, Madri, 1881.
— Real Academia Espafiola, Diccionario de la Lengua Espafiola, Madrí, Dé-
cima Quinta Edición, 1925.
— 341 —
sim, o nome próprio
Esmeraldo, ou então o substantivo femi-
nino: Esmeralda. Femenlino. Piedra preciosa transparente,
formada de cuarzo verde. Em conclusão: a
explicação de Geor-
ge H. T. Kimble deve ser posta de lado porque se funda num
sentido errôneo da palavra espanhola
esmerado.
Para José Dentinho, Duarte Pacheco Pereira propôs-se es-
tudar o mar ao longo da costa, a natureza dos fundos, as ma-
rés, etc. Ora sendo a
Esmeralda
uma pedra preciosa, côr ver-
de-mar, a palavra
Esmeraldo
é empregada em vez de
marí-
timo,
para tudo o que diz respeito ao mar. Havendo no
orbis
(globo terrestre) vários situs (lugares), de que situs se pro-
põe tratar Duarte Pacheco Pereira? Se
Esmeraldo
fôsse um
substantivo, nada esclareceria. A expressão ficaria mesmo in-
completa, se
Esmeraldo
não qualificasse justamente situ, in-
dicando a que situs o autor se refere. Não querendo modifi-
car o título latino da obra, Duarte Pacheco Pereira latinizou
muito simplesmente e muito corretamente a palavra portu-
guêsa
esmeralda
em
Esmeraldus,
não como substantivo, mas
como adjetivo. Para José Dentinho trata-se de um caso nor-
mal de latinização .
Esmeraldo de situ orbis (com a preposição
intercalada, o que é freqüente em latim) significa muito sim-
plesmente: acêrca do lugar verde-mar do orbe, ou acêrca do
mar do globo terrestre.
Na nossa opinião a explicação de José Dentinho levanta
uma só dificuldade, mas esta parece-nos que intransponível:
a não existência da palavra Esmeraldus em latim. Com
efei-
to,
a palavra latina
Smaragdus
daria quando muito
Smaragdo
e
nunca
Esmeraldo (9) .
(9) — Vieira de Almeida (Homens da Índia de Quinhentos, Lisboa, 1955, págs.
92-93), Damião Peres (Anotações Históricas à edição do Esmeraldo
de
situ orbis por Duarte Pacheco Pereira da Academia Portuguêsa da His-
tória, Lisboa, 1954-1955, págs. 211-212), e Vitorino de Magalhães Godinho
(Fontes Quatrocentistas para a Geografia e Economia do Saara e Guiné,
na Revista de História, São Paulo, n.o 13, janeiro-março de 1953, pág.
64), referem-se à tese de José Dentinho. Vieira de Almeida limita-se a
exprimir a opinião de que a tese em questão é particularmente suges-
tiva. Damião Peres expõe a tese de José Dentinho sem o menor comen-
tário. Finalmente, Vitorino de Magalhães Godinho aceita-a sem restri-
ções: o Esmeraldo de situ orbis, ou melhor, o de situ esmeraldo orbis
— do lugar verde, ou marítimo do orbe, segundo a feliz interpretação que
o Dr. José Dentinho dá de um enigma que resistiu longos anos aos mais
penetrantes investigadores. São bem significativas desta preferência de
Vitorino de Magalhães Godinho as duas referências que recentemente
fêz à tese de José Dentinho: História dos Descobrimentos de Duarte Lei-
te, Lisboa, 1959, Vol. I, pág. 490; e, A Economia dos Descobrimentos Hen-
riquinos, Lisboa, 1962, pág. 162.
— 342 —
Restam-nos finalmente, Pedro de Azevedo (10), Epipha-
nio da Silva Dias (11), Luciano Pereira da Silva (12), e Lindol-
fo Gomes (13), autor de duas teses, uma das quais tem, acres-
centando-lhe algo mais, o nosso favor. Façamos entretanto um
breve parêntese para nos inteirarmos da tese de Lindolfo Go-
mes que não tem o nosso favor.
Na segunda parte de um artigo onde é muito menos feliz
do que na primeira, Lindolfo Gomes é o único autor que ex-
prime a opinião segundo a qual
Esnieraldo
seria uma expres-
são e não uma palavra. Segundo Lindolfo Gomes, na palavra
esmeraldo,
sem nenhuma transposição de caracteres, podería-
mos ler a frase es (ex) -m'eraldo, isto é,
eis-me heraldo (pre-
goeiro).
Ex era a forma arcaica de eis (V. Dic. da Antiga Lin-
guagem Portuguêsa,
de Brunswick, p. 123) . Ex podia-se repre-
sentar por es, tendo em vista a pronúncia portuguêsa, como em
ex-presidente.
Quanto a
Arauto e heraldo,
são palavras regis-
tradas no
Nôvo Dicionário
de Cândido de Figueiredo .
Heraldo
sem
h
era da escrita da época . Desta maneira,
Esmeralda de
situ orbis
significaria:
Eis-me (Pacheco) pregoeiro do que exis-
te no mundo desconhecido.
Agostinho de Campos (14) critica a hipótese de Lindolfo
Gomes afirmando que nunca em português se pronunciou
es-
meraldo como se escrevessemos
êsmeraldo
ou
eismeraldo,
pois
a pronúncia portuguêsa é
ismeraldo.
A idéia de Lindolfo Go-
mes em ler
eis-me eraldo
em
esmeraldo
corresponderia muito
— Pedro de Azevedo, O significado do "Esmeraldo de situ orbis", no Bo-
letim da Segunda Classe da Academia das Ciências de Lisboa, Volume
XIX, 1925, págs. XXI-XXVI.
— Flpiphanio da Silva Dias, "Esmeraldo de situ drbis" por Duarte Pacheco
Pereira, no Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, 1903-1904, In-
tradução, págs. 181-182. Esta edição do Esmeraldo foi publicada em li-
vro, em 1905; ver sôbre êste assunto, págs. 4-5.
— Luciano Pereira da Silva, O "Esmeraldo" de Duarte Pacheco — Razão
dêste título, nos Anais das Bibliotecas e Arquivos, Volume I, Lisboa,
1920. Este estudo voltou a ser publicado integrado em trabalho mais
geral: Duarte Pacheco Pereira — precursor de Cabral, na História da
Colonização Portuguêsa do Brasil, Volume I, Pôrto, 1921. Ambos foram
ainda publicados nas Obras Completas de Luciano Pereira da Silva,
Volume II, Lisboa, 1945.
Lindolfo Gomes: O "Esmeraldo" de Duarte Pacheco, no Jornal do Brasil,
Rio de Janeiro, 28 de setembro de 1937, ou nas Publicações do Congres-
so do Mundo Português, Volume XI, Tomo III, 2a. secção, 2a. parte, Lis-
boa, 1940, págs. 357-360. Após a primeira publicação no Jornal do Brasil,
Agostinho de Campos expôs e comentou as teses de Lindolfo Gomes no
seu Glossário (de incertezas, novidades, curiosidades da lingua portu-
guêsa, e também de atrocidades da nossa escrita atual), Lisboa, 1938,
págs. 120-122.
— Ver o Glossário de Agostinho de Campos citado na nota anterior.
— 343 —
mais justamente à pronúncia brasileira do que à. pronúncia
portuguêsa.
A crítica de Agostinho de Campos não nos parece tão con-
vincente quanto à primeira vista possa parecer, pois não está
-de modo algum excluída a hipótese de que a pronúncia bra-
sileira atual não seja a do português do século XVI, e assim
êsmeraldo
ou
eismeraldo
poderia muito bem ter sido a foné-
tica do português de Portugal nos tempos de Duarte Pache-
,
co Pereira . A razão porque não aceitamos esta hipótese de
Lindolfo Gomes está apenas no fato de a considerarmos dema-
'siado engenhosa, demasiado complicada, sobretudo se tiver-
mos em conta a explicação simples, direta, a que chegaremos
nas próximas linhas, ainda com o precioso auxílio do mesmo
,Lindolfo Gomes (15) .
Vejamos agora as teses de Luciano Pereira da Silva, Pe-
dro de Azevedo, e Epiphanio da Silva Dias; e finalmente a de
Lindolfo Gomes e o algo mais que a esta falta.
Para Luciano Pereira da Silva
a palavra Esmeraldo
é um
-anagrama formado pelas letras de dois nomes: o do rei, Ma-
nuel,
a quem a obra é dedicada, e o do autor do livro,
Duarte.
Para satisfazer às necessidades do anagrama, Luciano Perei-
ra da Silva lembra-nos que existiam na língua portuguêsa
duas outras formas para
Duarte: Duardos
e
Eduardo,
e ain-
da a forma latinizada,
Eduardus.
Por sua vez,
Manuel
toma-
ria a forma
Emmanuel. E nada
mais havia a fazer do que
formar o anagrama
Esmeraldus
com
as
letras de
Emmanuel
e
de
Eduardus.
Sendo a obra escrita em português nada mais
natural que Duarte Pacheco Pereira escrevesse
Esmeraldo,
-em vez de
Esmeraldus,
como se escreveria
Eduardo
em vez de
Eduardus.
Assim,
Esmeraldo de situ orbis
significaria, segun-
do Luciano Pereira da Silva, o nôvo tratado
De Situ Orbis
do orbe desconhecido dos geógrafos antigos — escrito pelo
português Duarte e dedicado a Manuel, o rei de Portugal.
A tese de Luciano Pereira da Silva é indefensável, pois
as letras que compõem os dois nomes, o do rei e o do autor
da obra, são demasiado numerosas para formar a palavra do
título: sobram nada menos que sete letras. No entanto, pa-
rece-nos admirável a intuição de Luciano Pereira da Silva
(15). — Ferdinand Denis, (Missal Pontifical de Estevam Gonçalves Netto, pág.
51) chamou à obra de Duarte Pacheco Pereira, Esmeraldo do mar,
de
situ orbis. Armando Cortesão, (Cartografia e Cartógrafos Portuguêses
dos Séculos XV e XVI — Contribuição para um estudo completo — Vo-
lume II, Lisboa, 1935, págs. 106-107) comenta desfavoràvelmente esta li-
berdade de Ferdinand Denis.
— 344 —
quando afirma que o nome do autor do
Esmeraldo
de
sihr
orbis
se incluia no título. Veremos até que ponto assim é ao
expormos a tese de Lindolfo Gomes e o algo mais que a esta
.
falta (16) .
Segundo Pedro de Azevedo,
Esmeraldo
era um nome ita-
liano que se teria divulgado na ilha da Madeira no século XVI.
Lembra-nos Pedro de Azevedo
Santo Esmeraldo
martirizado em
303, e
Smaragdo
ou
Smaraldo,
exarca da Itália em 585 e 602.
Também entre os manuscritos visigóticos recolhidos pelo Padre
Garcia Villada na
Paleografia Espafiola
se podem ver três ma-
nuscritos relativos a comentários sôbre a regra de São Benedito
cujo autor é um
Smaragdus.
Por outro lado — sempre segun-
do Pedro de Azevedo — sabemos que o dito
Smaragdus de
Ardón,
morto em 830, escreveu uma
explicatio in evangelia et
epistolas,
uma
via regia para um príncipe da casa de França,
e um comentário sôbre a ars Donati.
A especialidade de
Sma-
ragdus
consistia pois nas explicações e comentários . Daí a ra-
zão do título do
Esmeraldo,
segundo Pedro de Azevedo: o livro.
de Duarte Pacheco Pereira seria um comentário e uma expli-
cação do Mundo, não no sentido que lhe dá Pompônio Mela,
mas no sentido do Orbe tal como o conheciam os portuguêses.
do início do século XVI.
Pedro de Azevedo tem para nós o mérito — veremos por-
quê um pouco mais adiante — de se ter lembrado do célebre
Esmera/do
da ilha da Madeira que êle diz ser um nome italiano,
genovês na origem segundo Gaspar Fructuoso nas Saudades da
Terra
(17) . Em tôdas as demais conjecturas e na própria con-
Pode ver-se a exposição, e nalguns casos a crítica, da tese de Luciano.
Pereira da Silva, nas seguintes obras: Robert Ricard, La Côte Atlanti-
que du Maroc au début du XVIe. siècle d'aprés les instructions nautiques,
portugaises, in Hespéris, Paris, 1927, 2e. Trimestre, pág. 227; Armando
Cortesão, Cartografia e Cartógrafos Portuguêses dos Séculos XV e XVI
(Contribuição para um estudo completo), Volume II, Lisboa, 1935, págs.
106-107; George H. T. Kimble, "Esmeraldo de situ orbis" by Duarte Pa-
checo Pereira, Londres, 1937, págs. XVI'-XVIII; Vieira de Almeida, De-
cadência do Império Português no Oriente, na História da Expansão Por-
tuguêsa no Mundo, Lisboa, 1939, Volume II, págs. 299-300; Vieira de Al-
meida, Homens da Índia de Quinhentos, Lisboa, 1955, págs. 89-93; José
Dentinho, "Esmeraldo de situ orbis" por Duarte Pacheco Pereira. Da_
significação de Esmeraldo, no Diário de Lisboa de 21 de julho de 1949;
Damião Peres, Anotações Históricas à edição do Esmeraldo de situ orbis
por Duarte Pacheco Pereira da Academia Portuguêsa da História, Lis--
ria, 1954-1955, págs. 209-212.
— As Saudades da Terra pelo Doutor Gaspar Fruatuoso (História das Ilhas
do Põrto Sancto, Madeira, Desertas e Selvagens), Manuscripto do Século
XVI annotado por Alvaro Rodrigues de Azevedo, Funchal, 1873; ver re-
ferências a João Esmeraldo nas págs. 85, 95, 171, 173, 197 e 255. O autor
desta edição, Alvaro Rodrigues
de
Azevedo, em nota da pág. 521, afirma
.
— 345 —
clusão, a sua tese parece-nos que em nada contribui para a so-
lução do enigma (18) .
Para Epiphanio da Silva Dias, cuja tese é apresentada a
título de hipótese, a explicação poderia estar no título do tra-
tado de geografia e de história natural de um escritor árabe da
primeira metade do século XIV, Ibn-al-Wardi, obra muito co-
nhecida no seu tempo, e que se intitulava Pedra preclosa das
maravilhas e Pérola das coisas memoráveis.
Epiphanio da Silva
Dias não considera como coisa impossível que Duarte Pacheco
Pereira tenha dado à sua obra geográfica o nome de uma pe-
dra preciosa, a
esmeralda,
empregando a palavra, não com
a terminação portuguêsa ou castelhana, mas com a termina-
ção italiana
smeraldo.
Não aceitamos como suficiente a explicação avançada, em
têrmos de hipótese, por Epiphanio da Silva Dias (19), mas
consideramos, com Lindolfo Gomes que ela talvez contenha
uma parcela da verdade. Duarte Pacheco Pereira, como
Ibn-
al-Wardi
e muitos outros, teria sido seduzido pela idéia de
ligar o título da sua obra a uma pedra preciosa, que para o
seu caso foi a
esmeralda.
E por que a
esmeralda? Lindolfo
que João ou Joanim Esmeraldo não era genovês, como diz Gaspar Fruc-
tuoso, mas sim flamengo, tendo chegado à Ilha da Madeira em 1480. —
Na Grande Enciclopédia Portuguêsa e Brasileira (Lisboa-Rio de Janeiro),
lemos: "Esmeraldo" Geneal. Provém esta família de França, da provín-
cia do Artois. No reinado de D. Manuel I passou a Portugal João Es-
meraldo, que foi fidalgo da sua casa e morou na Ilha da Madeira. Em
1508 se lhe passou, em Malines, carta de brasão de armas, que apre-
sentou em Portugal, as quais lhe foram confirmadas por carta datada de
Évora, 16-V'1520. Provou, para tal fim, descender dos Esmeraldos, dos de
Levargua, da casa de Fimes e dos senhores de Norduchel, linhagens an-
tigas e nobres da Picardia, Flandres e Brabante. Éste João Esmeraldo,
chamado o Velho, para se distinguir de um filho de nome igual, ca-
sou-se com Águeda de Abreu, instituindo ambos, em 1522, o morgado
dos •Esmeraldos, no Funchal, que êle acrescentou em 1527. A sua des-
cendência conservou-se nas ilhas, vivendo distintamente...". Ainda nes-
ta mesma Enciclopédia, lemos: "Esmeraldo (João). Nobre francês qué
vivia na Ilha da Madeira no século XV, ali tendo adquirido fartos ter-
renos a Rui Gonçalves da Cunha. ,Recebeu Cristóvão Colombo, quando
êste foi à Madeira".
— A tese de Pedro de Azevedo é exposta sem comentários por Damião
Peres nas Anotações Históricas à edição do Esmeraldo de situ orbis da
Academia Portuguêsa da História, Lisboa, 1954-1955, págs 210-211.
Pode ver-se a exposição e a crítica da tese de Epiphanio da Silva Dias,
nas seguintes obras: Vieira de Almeida, Decadência do Império Por-
tuguês no Oriente, na História da Expansão Portuguêsa no Mundo, Lis-
boa, 1939, Volume II, págs. 299-300; Vieira de Almeida, Homens da índia
de Quinhentos, Lisboa, 1955, págs. 89-93; George H. T. Klmble, "Esme-
raldo de situ orbis" by Duarte Pacheco Pereira, London, 1937, págs.
XVII-XVIII; José Dentinho, "Esmeralda de situ orbis", por Duarte Pa-
checo Pereira. Da significação de Esmeraldo, no Diário de Lisboa de
21 de julho de 1949.
— 346 —
Gomes esclarece-nos quando diz que a
esmeralda
(em italia-
no
smeraldo)
na Índia diz-se
pachec,
como se pode ver nos
Colóquios dos Simples e Drogas da índia
de Garcia de Orta:
"Esmeralda
em pérsio e em língua desta terra (índia) se cha-
ma
pachec..."
(20) . Assim, segundo Lindolfo Gomes, "tendo
viajado pela Índia, Duarte Pacheco não poderia desconhecer
que a
esmeralda
naquela região se denominava
pachec"
(21).
Duarte Pacheco Pereira teria preferido a forma italiana por
causa da terminação em
o,
letra pela qual acabam em geral,
na língua portuguêsa, todos os nomes masculinos, e em parti-
cular o seu próprio nome, Pacheco.
Esta explicação de Lindolfo Gomes impõe-se, quanto a
nós, pela sua simplicidade (22) . Mas algo lhe falta. Em nos-
sa opinião falta explicar de maneira válida a preferência de
Duarte Pacheco Pereira pela forma italiana. Já Epiphanio da
Silva Dias, depois Pedro de Azevedo, e agora Lindolfo Gomes,
tropeçaram com a forma italiana
smeraldo. Consideramos
mesmo significativo o fato de vários autores terem esbarra-
do com a mesma dificuldade. Por que se teria lembrado Duar-
te Pacheco Pereira da forma italiana? Talvez estejamos em
situação de o explicar se acrescentarmos a tudo o que foi dito,
o seguinte: 1) sabemos que as fontes mais importantes da obra
de. Duarte Pacheco Pereira são o
De Situ Orbis
de Pompônio
Mela e a
História Natural
de Plínio; 2) sabemos que o último
livro da
História Natural
de Plínio, o Livro XXXVII, tem vá-
rios capítulos dedicados às
esmeraldas,
pedras preciosas; 3)
sabemos que Duarte Pacheco Pereira leu, e utilizou na reda-
ção da sua obra, a
História Natural
de Plínio na tradução ita-
liana de Christophoro Landino, publicada em Veneza em 1476
(20). — Garcia de Orta, Colóquios dos Simples e Drogas da índia, edição publi-
cada pela Academia das Ciências de Lisboa, dirigida e anotada pelo
Conde de Ficalho, Lisboa, 1891, pág. 220. Lindolfo Gomes cita êste tex-
to dos Colóquios pela edição de Varnhagen, f. 167v.
— Na verdade, Duarte Pacheco Pereira, acompanha Afonso de Albuquerque
e Francisco de Albuquerque à índia em 1503, onde permanece dois anos,
regressando a Portugal em 20 de junho ou 20 de julho de 1505. E' logo
à chegada da índia, muito provàvelmente em agôsto, que Duarte Pa-
checo Pereira começa a redação da sua obra.
— O únicos autores que se referem a esta tese de Lindolfo Gomes são
Agostinho de Camipos (Glossário — de incertezas, novidades, curiosida-
des da língua portuguêsa, e também de atrocidades da nossa escrita atual
Lisboa, 1938, págs. 119-122) e Vieira de Almeida (Decadência do Império
Português no Oriente, na História da Expansão Portuguêsa no Mundo,
Lisboa, 1939, Volume II, págs. 299-300, e Homens .da índia de QuinhenA
tos, Lisboa, 1955, págs. 89-93). Para Agostinho de Campos o erudito
brasileiro teria encontrado a solução definitiva para o velho enigma.
Vieira de Almeida é particularmente impressionado pela tese de Lindol-
fo Gomes, ainda que hesite entre esta e a de José Dentinho.
— 347 —
e 1481 (23), sendo freqüentíssimos nesta tradução italiana, nos
capítulos referentes às
esmeraldas
(Livro XXXVII, Capítulos
VI
e VII), os empregos da forma italiana
smeraldo.
Vejamos a
título de
,
exemplo, os seguintes passos:
"Nerone vedeva le battagle de gladiatori in uno
sme-
raldo".
"Et dicono che... a un lione di marmo furone facti
gli occhi di
smeraldo".
"Scrive Juba che lo
smeraldo
el quale chiamano Co-
lan si lega in Arabia ne gli ornamenti degli edificií a la
pietra la quale in Egypto e chiamata Alabastrite".
"Uno
smeraldo
lungo quattro gomiti & largo tre".
"El Colosseo Serapi di
smeraldo
di nove gomiti".
"La somma del colore e composta daria & di purpura
& mancavi el verde dello
smeraldo"
(24) .
As duas fontes mais importantes da obra de Duarte Pache-
co Pereira estão assim na origem do seu título.
O Esmeraldo
— Historia Naturale di C. Plinio Secondo, tradocta di lingua latina in fio-
rentina per Christophoro Landino Fiorentino al Serenissimo Ferdinando
Re di Napoli, Venetüs, 1476; Naturale historia di G. Plinio Secondo, tra-
docta in língua fiorentina per Christophoro Landino, Venetiis, 1481. Ver
a demonstração de que Duarte Pacheco Pereira se serviu desta tradução
italiana da obra de Plínio na redação do seu Esmeraldo de situ orbis,
nos nossos trabalhos: "Esmeraldo de situ orbis" de Duarte Pacheco Pe-
reira (Edition critique et commentée), no prelo; L'"Esmeraldo de situ
orbis" de Duarte Pacheco Pereira et la littérature portugaise de voyages
à l'époque des grandes découvertes, em preparação. Também já a êste
assunto nos referimos, nas seguintes publicações: Um inédito de Duarte
Pacheco Pereira existente na Biblioteca da Ajuda, no Diário de Lisboa
de 17 e 19 de julho de 1961; Um inédito de Duarte Pacheco Pereira, no
Boletim (internacional de Bibliografia Luso-Brasileira, Fundação Calouste
Gulbenkian, Volume II, n.o 4, Lisboa, outubro-dezembro de 1961; "Esme-
raldo de situ orbis" de Duarte Pacheco Pereira (Edition critique et com-
mentée), in Positions des Thèses de Troisième Cycle soutenues devant
la Faculté en 1960 et 1961, Publications de la Faculté des Lettres et Scien-
ces Humaines de Paris, Presses Universitaires de France, Paris, 1962; Es-
meraldo de situ orbis, no Dicionário de História de Portugal dirigido por
Joel Serrão, Iniciativas Editoriais, Lisboa, 1963; As fontes de Duarte Pa-
checo Pereira no "Esmeraldo de situ orbis" (Breve apontamento), in
Publicaciones del Curso Hispano-Portugues de Orense, 1963. — Quando
dizemos que o Livro XXXVII da obra de Plínio contém vários capítulos
dedicados às esmeraldas, referimo-nos às edições modernas, como a de
Littré (Histoire Naturelle... avec la traduction en français par M. E.
Littré, 2 Volumes, Paris, 1848-1850), onde se podem ver, pelo menos, qua-
tro capítulos sôbre o assunto: Capítulos 16, 17, 18, 19. Nas edições an-
tigas, sejam latinas, sejam as italianas de Landino, a divisão da obra
em capítulos é completamente diferente, e por isso só dois capítulos, o
VI e VII do Livro XXXVII, se ocupam do assunto.
São nossos os sublinhados da palavra smeraldo.
— 348 —
de situ orbis é pois o De Situ Orbis de Pacheco, o De Situ Orbis
dos tempos modernos, destinado a substituir o De Situ Orbis
da antigüidade, o de Pompônio Mela .
JOAQUIM BARRADAS DE CARVALHO
Professor de História Ibérica da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da Universidade de São Paulo.
ResearchGate has not been able to resolve any references for this publication.