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Cinquenta Tons de Cinza, Sexualidade e Contrato de Prestação Sexual

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Abstract

O objetivo do presente artigo é suscitar reflexões jurídicas sobre sexualidade e prestação de serviços sexuais, observando o direito ao próprio corpo em face da disposição em dar prazer ao outro por meio de dores corporais, verificando os limites entre erotização e sadismo, bem como a proteção ou não da Lei Maria da Penha à mulher que aceita o sadismo do companheiro. Além do filme e análise comparativa com o livro homônimo, fez-se uso de revisão bibliográfica. Concluiu-se que as relações sexuais conscientemente consentidas estão dentro da autonomia do sujeito.
DOI: 10.21902/
Organização Comitê Científico
Double Blind Review pelo SEER/OJS
Recebido em: 01.02.2016
Aprovado em: 12.05.2016
Revista de Direito, Arte e Literatura
Revista de Direito, Arte e Literatura | e-ISSN: 2525-9911 | Brasília | v. 2 | n. 1| p. 253-270 |Jan/Jun. 2016.
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CINQUENTA TONS DE CINZA, SEXUALIDADE E CONTRATO DE PRESTAÇÃO
SEXUAL
CINCUENTA TONOS DE GRIS. SEXUALIDAD Y CONTRATO DE PRESTACIÓN
SEXUAL
1
Tereza Rodrigues Vieira
2
Fernando Corsato Neto
RESUMO
O objetivo do presente artigo é suscitar reflexões jurídicas sobre sexualidade e prestação de
serviços sexuais, observando o direito ao próprio corpo em face da disposição em dar prazer
ao outro por meio de dores corporais, verificando os limites entre erotização e sadismo, bem
como a proteção ou o da Lei Maria da Penha à mulher que aceita o sadismo do
companheiro. Além do filme e análise comparativa com o livro homônimo, fez-se uso de
revisão bibliográfica. Concluiu-se que as relações sexuais conscientemente consentidas estão
dentro da autonomia do sujeito.
Palavras-chave: Corpo humano, Prostituição, Violência
sexual
RESUMEN
El objetivo del presente artículo es suscitar reflexiones jurídicas sobre sexualidad y
prestación de servicios sexuales, teniendo en cuenta el derecho al propio cuerpo ante la
disposición de dar placer al otro a través de dolores corporales, y verificando los límites
entre erotismo y sadismo, así como la protección o no de la Ley Maria da Penha a la mujer
que acepta el sadismo del compañero. Ades del filme y el análisis comparativo con el
libro homónimo, se hace uso de la revisión bibliográfica. Se concluye que las relaciones
sexuales conscientemente consentidas están dentro de la autonomía del sujeto.
Palabras-claves: Cuerpo humano, Prostitución, Violencia sexual
1
Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC, São Paulo (Brasil).
Professora de Direito Processual e Cidadania pela Universidade Paranaense - UNIPAR, Paraná (Brasil).
E-mail: terezavieira@uol.com.br
2
Mestre em Direito Processual e Cidadania pela Universidade Paranaense - UNIPAR, Paraná (Brasil).
E-mail: fessato@hotmail.com
Tereza Rodrigues Vieira e Fernando Corsato Neto
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1 INTRODUÇÃO
O exercício da sexualidade é tema de difícil debate, vez que esbarra em
limites e normas, religiosas ou não, e que suscita, na maioria das vezes, discussões e
julgamentos morais e jurídicos.
O filme Cinquenta Tons de Cinza é uma produção americana, cujo tulo
original é Fifty Shades of Grey e tem em sua direção Sam Taylor-Johnson e no elenco
principal Dakota Johnson, Jamie Dornan, Jennifer Ehle, Eloise Mumford.
Cinquenta Tons de Cinza foi um dos filmes mais aguardados de 2015,
arrecadando recordes em bilheteria. Trata-se da adaptação do romance erótico, fenômeno
literário homônimo, que narra, sob a ótica de Anastasia (ou simplesmente Ana), a hisria
de um peculiar romance escrito pela executiva de TV, E.L. James, publicado em 2012.
No Brasil, a obra foi publicada pela Editora Intrínseca Ltda, com tradução de Adalgisa
Campos da Silva.
No Direito também se discute o alcance da moral e bons costumes, vez que
possui natureza axiológica, inserta no campo da subjetividade, dado que cada época e
local elegem para si aquilo que lhes convém. E por isso, não deve o magistrado ater-se
somente à letra da lei, ou a algum posicionamento de caráter religioso radical, fruto do
preconceito adquirido em tempos ultrapassados, hoje em desuso. Deverá, portanto, o
julgador sopesar valores atuais e relevantes ao tempo e à sociedade em que se vive, que
se não observados, não se verá cumprida a árdua, nobre e altruística missão de distribuir
justiça.
As variações da sexualidade humana têm sido socialmente mais aceitas nas
últimas décadas. Os cinquenta tons de cinza demonstram algumas nuances dessa
variedade, podendo alterar ou não de conformidade com o momento ou etapa da vida.
O intento do presente artigo é suscitar reflexões jurídicas tendo como base
o filme Cinquenta Tons de Cinza, tais como: Até que ponto o Direito pode interferir na
autonomia da vontade e no direito ao próprio corpo de pessoas maiores e capazes que
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se dispõem a dar prazer ao outro mediante oites e dores corporais? No Brasil, poderia
ser aplicada a Lei Maria da Penha à mulher que aceita o sadismo do companheiro?
Caracteriza violência sexual? Pode-se abrir mão do nosso corpo deixando que nele
provoquem dores e castigos? limites para a prática do sexo? Temos ideia do que o
nosso corpo é capaz? Ser escravo sexual é perder a dignidade humana? Atores de
cinema pornô fazem isto e não sofrem punição? Qual o limite entre a erotização e o
sadismo? Ocorre dano à saúde?
O todo utilizado é o teórico, por meio de revisão bibliográfica, além do
filme Cinquenta Tons de Cinza.
Sem vida, são muitas as reflexões, vez que o filme em apro também
refere-se a autonomia da vontade da pessoa e ao direito ao próprio corpo, um direito da
personalidade reconhecido juridicamente.
2 SINOPSE DO FILME CINQUENTA TONS DE CINZA
Após a leitura do livro percebe-se que torna-se difícil para Kelly Marcel
(2012) elaborar o roteiro para um filme de apenas duas horas. Assim, o
roteiro do
filme não
coincide
com o do
livro.
A tímida e discreta Anastasia Steele (Dakota Johnson) é uma estudante de
Literatura de 21 anos, que substitui a colega Kate em uma entrevista para o jornal da
faculdade. O entrevistado é o rico e poderoso Christian Grey (Jamie Dornan), um dos
beneméritos da
Washington
State
University Vancouver
onde elas estudam.
Ana sai transtornada da entrevista com o sedutor e polido Grey, o solteiro
bilionário mais cobiçado e sexy do mundo, segundo ela. Ao sair do edifício, a i
ngênua
Ana percebe o quão atraída está por ele. Grey, por sua vez, sente desejo
pe
l
a
beleza discreta de
Ana.
Grey descobre onde Ana trabalha e vai até ela e consegue marcar um
encontro. É intimidador, arrogante e a previne que não é do tipo que namora. Diante da
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ingenuidade de Ana, Grey lhe informa que não é o tipo de homem para ela, pois possui
gostos muito singulares.
Em uma balada noturna Ana bebe com amigos e Grey a busca e a leva para
sua casa. Ele não se aproveita do seu estado de embriguez. Sedutor, nasce entre eles
uma complexa relação que abordará os prazeres do sadomasoquismo que Grey propõe a
Ana por meio de um contrato.
Ana pede que Grey lhe exiba seus peculiares gostos. Ele diz que não vai
tocá-la até que consinta por escrito. Contudo, no elevador, não resistem e se envolvem.
Certa noite, um helicóptero da Grey entreprises pilotado por Grey leva o
casal à sua casa em Seattle. Sua intenção é exibir um contrato de confidencialidade
segundo o qual, Ana não poderá falar sobre o casal a ninguém.
Grey afirma que não faz amor, f...com força. Previne Ana que poderá ir
embora quando quiser. Ela insiste em ver o quarto de jogos, entram e Ana vê os oites
que Grey usa nas mulheres. Ela percebe que ele é sádico e dominador e que quer que
ela se renda a ele com o objetivo de satisfazê-lo. Se obedecidas as regras, será
recompensada. Caso contrário, será castigada. Mas, o que Ana ganharia com isso? Eu,
responde Grey.
Grey
:
As Ana ser
apresentada
ao
conteúdo
da sala de jogos,
exp
l
ana
Eu tenho regras, e quero que você as obeda. Elas são para o seu
bem e para o meu
prazer.
Se
seguir
estas
regras
como
eu
desejo,
eu a
recompenso.
Se não
seguir,
eu a
castigo,
e
vo
aprende
murmura.
[...]
Quanto
mais se
submeter, maior
minha alegria.
É uma
equação muito simples.
(JAMES,
2012, p.
93)
Indagado, confessa Grey que quinze mulheres estiveram com ele no
quarto de jogos, mas fez sexo com submissão com dezenas, porém Ana foi a única com
quem dormiu ao lado em sua própria cama. Se Ana aceitar ser sua Submissa, será
dedicado à ela.
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Sobre o início do seu comportamento, Grey confessa que foi aos quinze
anos com uma amiga de sua mãe adotiva, a qual o manteve submisso por seis anos.
E
Grey
reconhece:
o tive uma
introdão
normal ao
sexo(JAMES, 2012,
p.139).
Certa vez, na casa de Ana, Grey amarra seus punhos com a gravata a seu
pedido e a prende na cabeceira da cama, deitada, a beija com os olhos vendados por sua
blusa. Vira-a de costas, de quatro e começa a sodomização.
Apesar de todas as transas, no filme, Ana ainda não se decidiu se assina ou
não o contrato de prestão sexual. Assim, Ana diz ter dúvidas sobre o acordo e marca
uma reunião no escritório de Grey. Na sala de reunião, Ana solicita a retirada de
algumas claúsulas, como a de não questionar algumas atividades sexuais, ou ficar
pendurada por cordas. Grey reconhece em Ana moça inteligente com grandes
habilidades
de
negociação (JAMES, 2012,
p. 344). Por fim, Grey, como mimo,
propõe incluir no contrato uma saída uma vez por semana para jantar, ir ao cinema,
patinar como um casal comum, fato antes por ele abominado.
Certo dia, após a formatura de Ana, Grey a convida para o quarto de jogos,
embora ela não tenha ainda assinado o contrato. Entram, despem-se e começam os
oites e a relação sexual a seu modo.
Em resposta ao email de Ana, no qual afirma sentir-se saciada, mas muito
incomodada, culpada até após o sexo (JAMES, 20102, p.263), Grey lhe explica: Não
gaste sua energia com culpa, remorso etc. Somos maiores de idade e o que fazemos
entre quatro paredes fica entre nós. Você
precisa libertar
seu
espírito
e ouvir
seu
corpo (JAMES, 2012, p.264).
A convite da mãe de Grey, o casal aceita jantar com a família. Ana se
impõe com inteligência e com sua forma simples, afinal, foi a primeira a ser
apresentada à família de Grey. Isto a faz acreditar que Grey poderia com ela agir
diferentemente das demais.
Aos poucos, Grey revela parte de sua história, relatando ser filho adotivo e
filho biológico de uma prostituta viciada em crack, que morreu quando ele tinha 4 anos.
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Por que punir alguém? Ferir ou machucar? Indaga-se Ana.
Ana suplica que ele lhe mostre quanto pode ser mau. Deseja que ele lhe
mostre o pior, o único jeito para entendê-lo. Por fim, Christian confessa ser perturbado
de 50 formas diferentes.
Decididos, dirigem-se ao quarto de jogos e inicia-se a sessão de
sadomasoquismo. Após lhe oitar 6 vezes, ela se levanta e o impede de se aproximar
novamente. Chorando, Ana confessa que está por ele apaixonada, mas não sabe se ele é
capaz de amar.
Ao final, Ana entra no elevador disposta a não voltar. Christian, triste, lhe
diz: Ana. Ela responde, Christian. O elevador se fecha e o filme termina.
A sequência da película certamente virá, com Cinquenta Tons mais escuros
e/ou Cinquenta Tons de Liberdade, completando a trilogia dos livros. Esta foi a versão
de Ana, mas devemos nos lembrar que, toda hisria tem dois lados.
3 CONTRATO DE PRESTAÇÃO SEXUAL PROPOSTO POR GREY
Grey denota
necessidade
de
controle,
por isso
propõe
um
contrato
de
prestação sexual
à sua
maneira, impondo diversas obrigões à
prestadora.
O contrato possui vinte e uma
cláusulas
e três
apêndices
e Ana
ficaria de sexta a domingo com Grey, teria um quarto com a decoração que quisesse,
contudo, ele dormiria em outro quarto em outro andar.
Ana recebe o contrato, entre o Dominador e a Submissa, o qual deve ser
atentamente avaliado. Dentre as cláusulas, o contrato permite à Submissa explorar a sua
sexualidade e os seus limites com segurança. O Dominador e a Submissa concordam
que o que ocorrer sob os termos do contrato será consensual, confidencial e estará
sujeito aos limites e procedimentos de segurança listados. A Submissa concordará com
as atividades que o Dominador julgar adequadas e prazerosas, exceto as listadas em
limites rígidos.
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A Submissa usará contraceptivo oral indicado por médico da escolha do
dominador e também não terá relações sexuais com ninguém além do dominador.
Para manter-se saudável, a Submissa comerá regularmente os alimentos
prescritos na lista, não beberá em excesso, não fumará nem usará drogas; a Submissa se
apresentará de forma respeitosa e se dirigirá ao Dominador como Senhor ou outro título
que este sugerir; a Submissa não pode tocar no Dominador sem permissão; a palavra
amarelo será usada para alertar o dominador que a Submissa está perto do limite. Ao
dizer a palavra de segurança a ação do dominador cessará imediatamente.
A Submissa aceita ser amarrada com as mãos à frente? Ser vendada?
Amordaçada? Até que ponto a Submissa está disposta a sentir dor?
O
Apêndice
3 do
contrato,
no
Capítulo
11 do Livro,
descreve
que
a
Submissa consente
em aceitar as
seguintes
formas de
dor
/
pun
i
ção
/
d
i
sc
i
p
li
na
:
surras, surras de vara,
Chicotadas, Mordidas, Pinças
nos
mamilos, Pinças
genitais, Gelo, palmadas,
Cera
quente, outros tipos/métodos
de
dor.
(JAMES, 2012, p.157)
O contrato entre o
Dominador
e a
Submissa
terá
efeito durante um
peodo
de três
meses.
Ao
expirar
a
vigência,
as
partes poderão alterá-lo ou
mantê-lo
nos
moldes anteriores.
Em não se
chegando
a um
acordo para
ampliá-lo,
este
contrato expira
e
ambas
as
partes estarão livres
para
seguir
suas vidas
separadas (JAMES, 2012).
Segundo dise
o
contrato,
o
Dominador pode utilizar
o
corpo
da
Submissa
em
qualquer momento durante
as
horas designadas,
ou em
horas
adicionais acordadas,
do
modo
que
considerar oportuno, sexualmente
ou
de
outra
maneira.
A
Submissa,
por sua vez,
aceita
o
Dominador como
seu dono
e
proprietário
e
esta
ao seu
dispor quando
o
Dominador desejar durante a
vigência
do
contrato
em
geral,
mas
especialmente
nas
horas designadas e
quaisquer horas adicionais acordadas (JAMES, 2012, p.152).
Reza o contrato que a Submissa aceita:
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Servidão
com
corda,
servidão com fita adesiva,
servidão
com
algemas
de
couro, servidão
com
algemas
e
griles,
suspensão,
com as mãos amarradas à frente, com os
pulsos
amarrados aos
tornozelos,
com os tornozelos
amarrados,
atada a peças fixas, mobília etc, com os cotovelos
amarrados,
com as mãos atrás das costas, atada à uma barra
espadora,
com os joelhos
amarrados,
vendada,
amordaçada
(JAMES,
2012,
p.231-232).
Na
versão
do livro
homônimo,
Ana assina as duas cópias do
con
t
ra
t
o
ostensivamente
e devolve uma a Grey, antes de tomar
conhecimento do
sadomasoquismo.
Dobra a outra,
guarda-a
na bolsa e toma um longo gole
de
vinho. Parecia muito mais
corajosa
do que em
realidade
se sentia. (2012,
p.88)
Anastasia (Ana) parece insegura ao lado de Christian. A esperança por parte
daquele que ama se alimenta da ambiguidade do amado, de quem se espera a
reciprocidade. A polidez e a amizade são sinais que podem confundir aquele que tem
interesse amoroso (MALUF, 2012).
Conforme Adriana Maluf (2012, p.114), no amor estão presentes intimidade,
paixão e compromisso. Deseja-se, conhece-se e quer se viver com aquela determinada
pessoa. Esta parece ser a relação ideal almejada, contudo o compromisso que Christian
deseja é temporário, conforme o contrato de três meses, aos fins de semana. Ademais, ele
se refere a sexo e, não amor, como deseja Anastasia. A luxúria favorece que o indivíduo
procure a união sexual com qualquer parceiro que pareça apropriado. Estes efeitos
raramente duram mais de algumas semanas ou meses (MALUF, 2012, p.127). Parece não
ser um relacionamento saudável para ela, pois efêmero, com prazo de validade, embora
exista desejo.
Reflete
Ana O que estou
fazendo aqui?
Você sabe
muito
bem
o
que está
fazendo
aqui, me diz com
desprezo
meu
inconsciente.
Sim, eu
quero
ir para cama com
Christian Grey (JAMES, 2012,
p.
87).
Ana, no
Filme,
não se
obrigada
a
assinar
o
contrato,
pois
passou
a
descobrir
seus
próprios desejos. Devolve todos
os caros
presentes recebidos
de
Christian.
No
Livro
de
James (2012,
p. 391),
desabafa:
Apesar de tudo que
ele disse e de tudo que não disse, acho que nunca fui tão feliz.
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4
CONTRATO DE PRESTÃO SEXUAL: PROSTITUÃO
E DIREITO
Discute-se no Brasil e em vários países, se há ou não legitimidade no
contrato de prestão sexual.
Assim,
diversas são as reflexões ao abordarmos o presente
tópico. É cito o contrato efetuado entre cliente e prestadora do serviço sexual? Trata-
se de uma obrigação de meio ou de resultado? Ser escravo sexual é perder a dignidade
humana? Atores de cinema pornô fazem sexo e não sofrem punição? A pessoa
submissa poderia receber o status de atriz neste tipo de contrato? Qual a diferença entre
uma atriz pornô e uma prostituta? Pode-se abrir mão do nosso corpo deixando que nele
provoquem dores e açoites?
Ao se discutir o contrato de prestação sexual, mister se faz aludir à atitude
diante da prostituição.
Guimarães (2014), ao analisar o fenômeno da prostituição no Direito
Comparado, menciona a existência de três sistemas voltados a disciplinar o assunto:
Proibicionista, Abolucionista e Regulamentarista.
No primeiro, a atividade é proibida de maneira absoluta, como fazem os
Estados Unidos, a Lituânia, Romênia e Servia. Neste sistema, segunda a autora: tanto
a prostituta quanto o dono de casa de prostituição e até o cliente são puníveis pela lei....
Ou seja, o Estado decide o que a pessoa pode ou não fazer com seu corpo
(GUIMARÃES, 2014, p.27).
No sistema Abolicionista, que é adotado pela legislação pátria e pela
maioria dos países, entende-se que:
A prostituta é uma vítima e só exerce a atividade por coação de um
terceiro, um agenciador, que fica com parte dos lucros obtidos
pelo profissional do sexo. Por essa razão, a legislação abolicionista
pune o dono ou o gerente da casa de prostituição, e não a
prostituta. Neste sistema, quem está na ilegalidade é o agenciador,
o empresário (GUIMARÃES, 2014, p. 27).
Não foi o caso de Ana. Quem a assediou e propôs-lhe contrato foi Christian,
o Dominador. Ademais, ele não procurava uma prostituta, mas uma moça comum para
servir-lhe de escrava sexual.
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No terceiro sistema, o Regulamentarista, pretende-se a legalização do
comércio sexual, como já fizeram a Alemanha, Holanda, Turquia, Hungria e o país
vizinho Uruguai. Para tanto, invoca-se o fim da exploração das prostitutas por terceiros e
o controle das doenças sexualmente transmissíveis, como bem elucida Guimarães (2014)
nos seguintes termos:
Em um primeiro nicho eso, por exemplo, Alemanha e Holanda,
que partem do princípio de que a autodeterminação das pessoas
que se ocupam com a prestação de serviços sexuais deve ser
respeitada e a eles garantido o direito de negociar o próprio corpo
da forma como bem entenderem. Esses profissionais fazem parte
de um mercado econômico formal e o objetivo é a protão contra
violência, abusos e exploração. Em um segundo nicho, a exemplo
da Hungria e da Turquia, pses que legalizaram a prostituição com
fulcro o no direito de autodeterminação dos trabalhadores do
sexo, mas, sim, na noção de que a prostituição, não obstante
configurar uma atividade imoral e indesejável, é um fenômeno
social inevitável. Nestes pses, a prioridade é a saúde blica e,
diante da inevitabilidade do comércio do corpo, a preferência é
pela regulamentação da atividade de forma extremamente severa,
que, a par de legalizá-la, acaba por repercutir de forma intensa e
negativa nos direitos dos profissionais do sexo (GUIMARÃES,
2014, p. 28).
A título de ilustração, na Holanda, onde a prostituição é regulamentada e os
profissionais do sexo são autônomos e pagam impostos, Ministros e parlamentares
decidiram que a prática é legal desde que as partes envolvidas sejam maiores de idade e
estejam de acordo quanto à forma de pagamento. (FAVORES, 2016, p. 1) Entenderam
que se trata de uma espécie de troca de serviços, portanto, praticar sexo com alguém
em troca de algo não se trata de um favor sexual ou uma forma de abuso. O pagamento,
portanto, não precisa ser em dinheiro vivo.
Ao idear a elaboração de um eventual contrato de prestação sexual, deve-se,
a princípio, a exemplo de qualquer outro pacto, observar o artigo 104 do Código Civil:
A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto cito, possível,
determinado ou determinável; III - forma prescrita ou o defesa em lei; bem como
ainda atentar-se para o artigo 166, II, parte do mesmo código: É nulo o negócio
jurídico quando: II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto.
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Deve-se também, segundo Gomes (2009), verificar a forma e o objeto do
contrato, elementos considerados essenciais, podendo a forma ser escrita, oral, tácita ou
mímica e o objeto, no caso, a prestação de serviço sexual, que deverá ser desenvolvida de
várias maneiras, limitada apenas a não constranger a integridade física dos contraentes.
Na hipótese de se reconhecer a ilicitude contratual por contrariedade à lei ou
aos bons costumes, como equivocadamente entendem alguns, num entendimento
subjetivo e negativamente discriminatório, deve-se aplicar ao caso concreto o princípio
basilar do direito Nemo auditur propriam turpitudinem allegans, que proibirá que o
cliente beneficie-se utilizando da própria torpeza, vez que agirá na certeza de que poderá
fazer uso da prestão sexual sem ser obrigado a honrar com o pagamento anteriormente
acordado.
Sobre bons costumes, Guimarães (2014) discorre sobre a mutabilidade do
termo, e como exemplo menciona que na década de 1960 era contrário aos bons costumes
favorecer em testamento o filho nascido fora casamento, havendo mulher e filhos
legítimos prejudicados; que em 1975, na Alemanha, era contrário aos bons costumes
alugar quarto a noivos; e que também foi considerado contrário aos bons costumes a
venda de um escririo de advocacia e o pagamento aos jogadores de futebol.
Nesse mesmo sentido, e tratando do conceito de moral, Vásquez aduz: Não
é estática. É um fato histórico mutável e dinâmico que acompanha as mudanças políticas,
econômicas e sociais e onde a existência de princípios absolutos se torna impossível
(1984, p.12).
Reforçando o entendimento, vem a lição de Albuquerque sobre prostituição,
moral e lei da seguinte forma:
Tanto a moral quanto as leis expressam determinadas formas de ser
social que nunca podem ser mais que a própria sociedade. É por
isso que mesmo a moral mais contrária à prostituição, assim como
a lei mais severa que proíba a atividade, se mostram incapazes
diante do processo real, pois é nele que se encontram a vitalidade
da prostituição (ALBUQUERQUE, 2008 s/p).
Assim, em virtude da legislação nacional, lamentavelmente, ainda o
amparar a atividade sexual realizada mediante pagamento, não obstante o fato de não a
considerar uma prática ilegal, o corolário que resta aos profissionais do sexo é único: o de
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poder contribuir com o INSS, ganhando o direito de obter aposentadoria e pensão,
declarando-se profissional aunomo.
Nesse diapasão, e numa comparação entre direito e moral, e a interferência
do Estado no campo privado, e na autodeterminação, imprescindível é a lição de Gomes,
como se observa nas linhas abaixo:
O risco de se fazer confusão entre o Direito e a Moral é muito
grande (sobretudo na esfera dos crimes sexuais). Cada um tem uma
visão de mundo. Cada um vê o sexo de uma maneira. Mas a moral
de cada um não pode preponderar sobre o bom senso, sobre a
razoabilidade. O processo de secularização do Direito penal
começou, de forma clara, no século XVIII: Direito e Moral foram
separados, delito e pecado foram delimitados. Enquanto de adulto
se trate, cada um à sua vida sexual o rumo que bem entender. O
plano moral não pode ser confundido com o plano jurídico. O
Estado não tem o direito de instrumentalizar as pessoas (como
dizia Kant) para impor uma determinada orientação moral ou
sexual (GOMES, 2009 s/p).
É sempre válido ressaltar que além de não ser considerada uma prática
criminosa, a prostituição, por meio da Portaria 397 de 09 de outubro de 2002, foi
considerada profissão pelo Ministério do Trabalho e Emprego, e inserida na Classificação
Brasileira de Ocupões sob o código 5198-05, devendo, portanto, os efeitos da nulidade
de um eventual contrato de prestão sexual serem ex nunc”, o que garantirá ao
trabalhador do sexo o recebimento dos valores decorrentes da prestação do serviço de
natureza sexual.
Tratando-se da aludida e suposta imoralidade que envolve a prostituição, o
que a bem da verdade se extrai, é não possuir origem no contrato de prestão sexual, e
sim na conjuntura em torno dele, algumas consideradas criminosas.
No filme Cinquenta Tons de Cinza, Ana sente seu corpo agredido e
devassado. Frise-se aqui que, ninguém pode abrir mão de sua integridade física, exceto
em prol de um bem maior. Não nos parece o caso.
Com relação ao tipo de obrigação avençada no contrato, de resultado não é
relevante, haja vista que ao profissional do sexo cumpre apenas o uso de meios aceitáveis
na concretização do que fora combinado, será uma obrigação de meio, que no conceito de
Farias (2007, p.2014):
Incide obrigação de meio quando o próprio conteúdo da prestação
nada mais exige do devedor do que o emprego dos meios
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adequados, sem que se indague sobre o seu resultado. É o exemplo
comum do médico, que se obriga a envidar todos os esforços no
sentido de aplicar os meios indispensáveis à cura ou sobrevida do
paciente, sem que isto implique a obrigação de assegurar a própria
cura ou resultado benéfico.
Poderão compor as partes, apenas pessoas capazes de exercer direitos e
contrair obrigações, sendo oportuna a observão de Muçouçah (2013) quanto ao
menor emancipado e ao tempo da adolescência, período de diversas transformões e
incertezas.
Ora, a pessoa menor de dezoito e maior de dezesseis anos completos,
emancipada por quaisquer das razões enumeradas na legislação civil, encontra
incompatibilidade no exercício do trabalho sexual em nosso sentir porque o Estatuto da
Criança e do Adolescente adota tal faixa etária como sendo a adolesncia. Nesta fase,
a pessoa ainda não atingiu o mesmo grau de maturidade biopsicossocial verificada em
um adulto, pois se encontra em fase de amadurecimento de sua personalidade. O art.
227 da CF adotou um princípio, qual seja, o princípio da proteção integral à pessoa em
formação; portanto, em nosso sentir, ainda que seja emancipada a pessoa com mais de
dezesseis e menos de dezoito anos completos não poderá tornar-se trabalhadora do sexo
(MUÇOUÇAH, 2013, p. 209).
Desse modo, no caso da prostituição exercida por crianças ou adolescentes
menores de 18 anos, a conduta de quem dela se beneficia será apurada na esfera
criminal e, obviamente, devido à incapacidade de uma das partes, o contrato será nulo.
Contudo, o menor poderá ser amparado socorrendo-se da teoria das nulidades
trabalhistas, que lhe garantirá o recebimento da quantia combinada, e por conseguinte,
ainda impedirá o enriquecimento ilícito de quem usufruiu de seus serviços e recusou-se
a pagar.
Atualmente, além das diversas políticas públicas voltadas para os
profissionais do sexo, sobretudo as relacionadas à saúde pública, tramita no Congresso
um projeto de lei de autoria do deputado Jean Wyllys, denominado Lei Gabriela Leite,
do ano de 2012, que pretende regulamentar a atividade dos profissionais do sexo,
vedando, especialmente, sua exploração.
Destarte, a ão de cobrança movida pelo trabalhador do sexo contra o
cliente que utiliza de seus serviços e nega-se a pagar é lida e deverá ser proposta na
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justiça trabalhista, em razão de que a justiça comum impende o julgamento das ões
propostas por profissionais liberais, e não autônomos, em que se enquadram os
profissionais do sexo.
5 SEXUALIDADE E SADOMASOQUISMO
O prazer sexual durante séculos foi motivo de controle, impondo-se sanções
sociais aos praticantes e sanções jurídicas aos criminosos.
Segundo Brito (2012, p. 17):
A personalidade é um conjunto de atributos da pessoa humana
(vida, integridade física, liberdade, identidade sexual etc.) sem os
quais o indivíduo perde sua condição de integrante da humanidade.
A sexualidade, por sua vez, é uma condição complexa, relacionada
com a atividade e a diversidade sexual na espécie e que é
componente da personalidade, tendo todos os indivíduos o direito
de manifes-la, em sua integralidade, sob pena de redução da
personalidade e, consequentemente, da sua própria humanidade.
Entre os Transtornos de Preferência Sexual elencados no CID 10
(Classificação Internacional de Doenças, 2008), ainda em vigor, está o Sadomasoquismo,
elencado no Código F65.5, sendo considerado
Preferência por uma atividade sexual que implica dor, humilhação
ou subserviência. Se o sujeito prefere ser o objeto de um tal
estímulo fala-se de masoquismo; se prefere ser o executante, trata-se
de sadismo. Comumente o indivíduo obtém a excitação sexual por
comportamento tanto sádicos quanto masoquistas (2008).
É possível que com a revisão do CID 11, esse código venha a ser alterado,
organizado em outra categoria ou até mesmo retirado do rol de doenças.
A psiquiatra Carmita Abdo explica que houve mudanças na classificação
dos transtornos de parafilia, que incluem preferência sexual fora do padrão usual, como
o sadomasoquismo, por exemplo, o qual hoje o DSM 5 (Diagnóstico e Estatístico dos
Transtornos Mentais) pode considerar ou não um transtorno. Mas, por outro lado, se o
parceiro não aceitar ou for forçado, continua sendo desvio. Ou seja, a pedofilia é um
deles, porque se entende que a criança, mesmo consentindo, não tem capacidade para
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tomar a decisão (2014). Assim, declara, que cabe ao especialista fazer a avaliação, pois
o DSM não vai além de classificar.
Os transtornos parafílicos (DSM V) são aqueles:
caracterizados por comportamentos, fantasias e/ou pensamentos
sexuais recorrentes, intensos e sexualmente excitantes, por um
período igual ou superior a seis meses e que envolvam: objetos;
pessoa viva, não adulta; pessoa que não tenha consentido participar
do ato sexual; sofrimento ou humilhação a si e/ou ao outro. o
condições crônicas que podem ocasionar limitações e anstia em
outras áreas da vida como o relacionamento conjugal, familiar e
social. Geralmente se iniciam na adolesncia e persistem ao longo
da vida. São mais prevalentes em homens que em mulheres e entre
os mais jovens (SPIZZIRRI, 2016, p.1)
O psiquiatra Spizzirri, indica que as causas que levam à parafilia são
desconhecidas, porém estudos sugerem a presença de anormalidades neurobiofisiológicas
associadas ao comportamento parafílico. Ademais:
vivências emocionais durante o processo de maturação
psicossexual, como sentimentos de repressão sexual adquiridos no
desenvolvimento pessoal, superprotão ou desorganização
familiar e história de abuso sexual e/ou emocional na infância o
elementos recorrentes e que contribuem para a compreensão dessa
condição. Assim sendo, as primeiras experiências ou fantasias
sexuais, sejam elas gratificantes ou não, podem influenciar
comportamentos futuros. (2016, p.1)
Nesse contexto, o sofrimento da Submissa é sexualmente excitante para o
Dominador. Sob essa ótica, o casal se complementa diante da escravidão voluntária,
humilhação consentida. A extração intensa do prazer do Dominador depende da
submissao daquela que se vê reduzida ao seu extremo. Quanto maior o sofrimento da
Submissa, maior o prazer do Dominador.
indagações que levam à reflexão, mas não a uma resposta perene ou
imutável. Pode-se/Deve-se limitar o prazer? O pudor sexual é uma virtude?
Em se tratando de sadomasoquismo, não há que se falar na aplicação da Lei
Maria da Penha para essas pessoas que praticam relões sexuais com consentimento
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consciente. Ademais, não pode o Estado interferir nas questões íntimas e essencialmente
autônomas, desde que não ofendem a dignidade humana.
Lacan citado por Rangel (2010, p.2) proclama:
O ápice do prazer masoquista o é tanto o fato de que se oferece
para fornecer ou não, esta ou aquela dor física , mas no final
singular [.. . ] é a anulação do sujeito [...] que é puro objeto. (...) "
Se forja ele mesmo, o sujeito masoquista como sendo objeto de
negociação ou, mais precisamente , uma venda entre os outros dois
que o passam como um bem.
No caso a que se refere o filme, o sexo trivial não satisfaz e nem desafia o
Dominador Grey. A imaginação é quem alimenta o erotismo e a sexualidade.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As relações conscientemente consentidas, com ou sem dor não podem ser
objeto de crime, pois ainda estão dentro do campo da autonomia do sujeito. Contudo,
aquelas em que não manifestação da vontade inequívoca e/ou o desejo está viciado,
devem ser objeto de punição criminal.
A definição de moral e bons costumes é de natureza axiológica, inserta no
campo da subjetividade, dado que cada época e local elegem para si aquilo que lhes
convém. E por isso, não deve o magistrado ater-se somente à letra da lei, ou a algum
posicionamento de caráter religioso radical, fruto do preconceito adquirido em tempos
ultrapassados, hoje em desuso. Deverá, portanto, o julgador sopesar valores atuais e
relevantes ao tempo e à sociedade em que se vive, que, se não observados, não se verá
cumprida a árdua, nobre e altruística missão de distribuir justiça.
Sobre a prostituição infanto-juvenil, quem dela se beneficia responderá
criminalmente pela conduta.
Vale ressaltar que, a sociedade brasileira moderna não vê a prostituição
como outrora, haja vista que reconhece os profissionais do sexo como trabalhadores,
inclusive os trabalhadores da saúde são orientados a não emitirem nenhum sinal de
reprovação, uma vez que está incluída, desde 2002, no rol da Classificação Brasileira de
Ocupões do Ministério do Trabalho. Essa atividade não deve constituir motivo de
exploração, violência e degradação para os homens e mulheres que a exercem. Por
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conseguinte, não constitui crime o seu exercício e não é causa de destituição do poder
familiar ou da guarda do filho menor.
Destarte, o direito não apoia ou sustentáculo às práticas que aviltam a
dignidade humana. Cabe a todos agir com bom-senso e sabedoria para distinguir aquelas
situões que necessitam de tutela em decorrência da vulnerabilidade de alguém.
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The 18th Century, marked by the licentiousness of the European courts, saw the emergence of Sade's erotic literature, where there is evidence of an imagination of pleasure set aside from any ideological hindrance. This indeed put him 30 years in prison. A century later Sacher–Masoch would describe in his novels another type of erotic practice, in which the main theme will be pleasure related to slavery of love. It cannot be said that Sade's and Sacher Masoch's visions are complementary —as Gilles Deleuze and Lacan have mentioned— however the 19th Century psychiatrists found in this literary pieces the justification to create two complementary nosological frames: sadism and masochism. This psychiatric visión had such influence that since then sadomasochism has been considered as a couple, in other words, as two positions observed in a mirror and identified in two different persons that play in two opposite sides but that at the same time complement each other.
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