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Rev. Estud. Comun., Curitiba, v. 10, n. 23, p. 267-274, set./dez. 2009
(T)
CORPO, MÍDIA E STATUS SOCIAL:
reflexões sobre os padrões de beleza
(I)
Body, media and social status: reection about esthetic patterns
(A)
Gisele Flor
Jornalista, especialista em Design de Multimídia e Mestranda em Comunicação Social pela Universidade Metodista, São Paulo,
SP - Brasil, e-mail: giseleor@gmail.com
(R)
Resumo
Este artigo busca avaliar como as revistas femininas têm explorado o padrão de boa forma e beleza em
seus conteúdos, relacionando-os ao status social. Propõe-se, a partir da análise da revista feminina Claudia,
identicar separadamente os conteúdos relativos à beleza e os relativos à boa forma, vericar quantos
deles relacionam beleza e/ou boa forma ao status social, e ainda analisar como o padrão de boa forma
e beleza é construído por esse veículo de comunicação. Para a realização da pesquisa utiliza-se a análise
de conteúdo, sendo o universo o conteúdo da revista dos meses de julho a novembro de 2009. A amos-
tra são os conteúdos da editoria Beleza e Saúde, que foram divididas em duas categorias: boa forma e
beleza, utilizando-se, deste modo, a análise categorial temática. A interpretação dos dados mostrou que
dos 29 conteúdos analisados, 28 relacionam beleza e boa forma com status social, na medida em que
induzem ao uso de técnicas e produtos de preços elevados para a obtenção de um corpo magro, bonito
e saudável. Pode-se deduzir ainda que o padrão de beleza construído pela publicação está associando a
magreza com saúde e status social.
(P)
Palavras-chave: Beleza. Revistas femininas. Mídia e inuência.
(P)
Abstract
This article aims to evaluate how women’s magazines have explored tness and beauty patterns in their contents,
relating them to the social status. Based on Claudia magazine, the present study identies separately the articles
related to beauty and tness, and then veries how many of them relate beauty or/and tness to social status. It’s
also intended to analyze how beauty and tness patterns are built by this means of communication. The research
takes the universe of magazine’s contents of July to November 2009. The sample are the contents of Beauty and
Health section, which were splited in two subject matter (tness and beauty), using the analysis category theme.
The data interpretation showed that 28 out of the 29 analysed contents relates beauty and tness to social status,
as they persuade to use technique and expensive products to have a thin, beautiful and healthy body.
(K)
Keywords: Beauty. Women’s magazines. Media and inuence.
ISSN 1518-9775
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As revistas femininas, em especial, são meios
essenciais para a criação dos padrões estético-corpo-
rais: reproduzem imagens de mulheres com o corpo
magro, reportagens com atrizes ou modelos contando
como conseguem manter a forma e a pele perfeita,
especialistas discursando sobre técnicas para “enxu-
gar” as gordurinhas, esteticistas trazendo as últimas
novidades sobre cosméticos e personal trainners falando
sobre exercícios que ajudam a reduzir medidas. I
Denise Bernuzzi de Sant’Anna (2004)
reitera a assertiva acima ao armar que as revistas
femininas são veículos ecazes na difusão social das
técnicas estéticas. De acordo com estudo realizado
por Jean Charles Zozzoli (2005), mais de três quartos
das capas desses veículos de comunicação dirigidas
às mulheres têm um título que se refere ao melhor
modo de mudar a aparência física.
Fundamentando-se nos pensamentos dos
autores anteriormente citados, na observação empírica
sobre o comportamento das mulheres com relação à
busca pelo corpo perfeito e na constatação de que as
revistas femininas vêm divulgando incessantemente
métodos e técnicas para atingir esta perfeição, sentiu-
se a necessidade de aprofundar os estudos sobre a
relação entre boa forma, beleza, sociedade e mídia.
Para atingir o patamar de boa forma e
beleza divulgado pelas revistas femininas é necessário
gastar dinheiro e tempo, mas não são todas as pessoas
que estão possibilitadas a investir nos cuidados com a
aparência, apenas as que possuem recursos nanceiros.
Inês Senna Shaw (2003) mostra como o con-
ceito de beleza não pode deixar de ser associado com
o poder nanceiro e cultural que o indivíduo ocupa na
esfera pública. Pierre Bordieu (2001) também explica
como o corpo e as práticas corporais estão investidos
de signicados que reetem a condição econômica do
indivíduo. Dessa forma, pode-se questionar se essas
mensagens apresentam conteúdos que relacionam
boa forma e beleza com status social.
Essas relações entre boa forma e beleza,
classe social e status, com o crescimento da indústria da
beleza e da sociedade capitalista-consumista, tornam-
se mais evidentes, pois não apenas os cosméticos e as
cirurgias, mas também dietas e exercícios adquirem um
valor simbólico de prestígio. Essa relação é sustentada
por Max Weber (1971), ao armar que nas sociedades
capitalistas a propriedade de alguns bens materiais e
as possibilidades de usá-los são determinantes para
classicar as pessoas em posições sociais.
A armação de Pierre Bordieu também
ajuda a compreender os processos de identicação
INTRODUÇÃO
A preocupação com a boa forma e beleza
acompanha a humanidade desde os primórdios. Na
Grécia antiga, valorizava-se o nu masculino e o homem
deveria mostrar um corpo forte, exercitado; na Idade
Média, ao contrário, o corpo não poderia ser exibido,
por causa do misticismo religioso. Já no m da Idade
Medieval começa um culto pelas formas corporais.
No Renascimento fazia parte da “disciplina” do
corpo aristocrático saber dançar e, consequentemente,
apresentar um corpo belo. Percebe-se que cada época
houve um estereótipo aceitável de boa forma e beleza.
No entanto, por trás da construção dos
padrões de boa forma e beleza esconde-se uma ideolo-
gia política, elitista e social. Na Alemanha nazista, por
exemplo, o discurso estético-corporal tinha a função
de exaltar o indivíduo que se adequava aos modelos
arianos e menosprezava os que não se enquadravam.
Contudo, esse fato pode ser observado ainda hoje
em nossa sociedade, pois a estética corporal serve
como divisor social, na medida em que exclui os que
não estão de acordo com os arquétipos difundidos
principalmente pelos meios de comunicação de massa.
Segundo Fischler (1995), o corpo constitui
nas sociedades contemporâneas uma conduta resul-
tante de coerções sociais. Basta lembrar as situações
de desprezo e desprestígio experimentadas pelos
obesos e pelas pessoas consideradas feias em nossa
sociedade. Essa discriminação se estende em todo
o âmbito social, seja para encontrar um emprego,
um namorado, ou nos comentários maldosos feitos
por outros indivíduos nas ruas e na própria mídia,
que ajuda a reforçar os estereótipos de (im)perfeição.
Atualmente, os meios de comunicação de
massa têm sido um importante veículo na divulgação
e construção dos padrões de beleza e de exclusão
social, pois, enquanto dispositivo de poder a serviço
de uma comunicação baseada nas fórmulas de mer-
cado, atualiza constantemente as práticas coercitivas
que atuam explicitamente sobre a materialidade do
corpo. A mídia, por meio dos discursos publicitários
e jornalísticos, mostra que para ser considerado belo
é necessário ter um corpo perfeito (lê-se magro), e
para obtê-lo qualquer sacrifício é válido.
Segundo Denise da Costa Oliveira e Aline
Almeida de Faria (2007), são as representações
midiáticas que têm o mais profundo efeito sobre
as experiências do corpo, reforçam a “autoestima”,
mostram o poder que a exaltação e exibição dele
assumem no mundo contemporâneo.
Corpo, mídia e status social 269
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mudança de estação inverno/primavera/verão. Outro
fator determinante para a opção do objeto foi o preço
do veículo de comunicação, considerado elevado para
as classes mais baixas – o que já a põe como uma mídia
destinada a mulheres com algum poder aquisitivo,
embora não a torne inacessível às de classes baixas.
Stéphane Malysse (2002) relata que as
revistas femininas propagam o estilo de vida da
classe dominante, mas não deixam de ser lidas pelas
outras classes, por conta da circulação dos meios de
comunicação, uma vez que as mulheres que não têm
como pagar por elas podem encontrar essas publi-
cações em consultórios médicos ou odontológicos,
salões de beleza e nas casas das patroas.
Este estudo conduz à clássica discussão sobre
a relação mídia-sociedade no mundo contemporâneo,
na medida em que toca no debate acerca da autonomia
individual diante das imposições ditadas pelos meios
de comunicação. Tratar o tema boa forma e beleza
é também falar em corpo; consequentemente, falar
em corpo remete a questões sociais. Assim, pode-se
justicar a importância da pesquisa, pois busca com-
preender o papel da mídia na construção de padrões
estéticos e sua relação com status social e sociedade. O
estudo também é importante, uma vez que as pesquisas
sobre a relação mídia-sociedade contribuem para a
compreensão dos fenômenos sociais. Dessa forma,
torna-se necessário revelar o conteúdo sobre boa
forma e beleza difundido pelas revistas femininas, que
emoldura o comportamento das mulheres na busca
pelo corpo ideal e a sua relação com classe social.
Para realizar o presente estudo utilizou-se
para a coleta de dados a análise de conteúdo, com
uma abordagem qualitativa e categorial temática,
tendo como unidade de registro o tema boa forma
e beleza, e para a interpretação dos resultados, a
codicação foi realizada com base em um formulário
(Tabela 1) com os seguintes pontos:
de grupos sociais de acordo com padrões estabeleci-
dos culturalmente, pois para ele a disposição estética
constitui-se como “una expresión distintiva de una
posición privilegiada em el espacio social, cuyo valor
distintivo se determina objectivamente en la relación
com expresiones engendradas a partir de condiciones
diferentes” (BORDIEU, 1998, p. 53).
Featherstone (1999) reitera que os processos
de distinção social surgem com a cultura de consumo,
ao armar que
se é possível armar o funcionamento de uma
lógica do capital derivada da produção, talvez seja
possível armar também uma “lógica do con-
sumo”, que aponta para os modos socialmente
estruturados de usar bens para demarcar relações
sociais (FEATHERSTONE, 1999, p. 35).
Importante ressaltar que o estudo dos
padrões de boa forma e beleza está relacionado com
corpo e classe social. Segundo Foucault (1987), a
análise do corpo é elemento essencial para a compre-
ensão das estruturas sociais e suas relações de poder.
Desse modo, pretende-se com este estudo enriquecer
as análises sobre o efeito da mídia na sociedade e a
relação da boa forma e beleza com a classe social.
Assim, é necessário proceder a uma análise
crítica, com uma postura atenta e questionadora,
sobre as informações que são veiculadas nas revistas
femininas, problematizando os conteúdos sobre boa
forma e beleza.
A escolha do objeto de estudo, a revista femi-
nina Claudia, da Editora Abril, se deve ao fato de ser
destinada a este público, estar há 48 anos no mercado
e contemplar na linha editorial assuntos de interesse
feminino, tais como saúde, boa forma, sexo, família,
casa e beleza. A preferência pelo período analisado
pode ser justicada pelas edições abordarem com mais
ênfase a temática da beleza e boa forma por causa da
TABELA 1 - Formulário para análise de conteúdo sobre o tema forma e beleza
1 Temática do conteúdo Boa Forma Saúde Beleza
2 Conotação do conteúdo Mensagem ligada a status social Mensagem neutra Informativa
3 Conteúdo da mensagem Boa forma Saúde Beleza
4 Conteúdo da mensagem sobre boa forma Magreza e beleza Magreza e status social Magreza e saúde
5 Conteúdo da mensagem sobre saúde Status social Saúde Beleza
6 Conteúdo da mensagem sobre beleza Status social Saúde Beleza
7 Motivação dos cuidados com o corpo Status social Saúde Beleza
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de instrução, posse de objetos e os relacionamentos,
uma vez que os grupos e relacionamentos tendem a
ser formado por pessoas do mesmo padrão social.
Pierre Bordieu (1998) sustenta que o status
seria a possibilidade de desfrutar certos bens sim-
bólicos, pois estes determinam de certa maneira
a classe social que o indivíduo ocupa. Segundo o
sociólogo, os bens simbólicos são instrumentos de
conhecimento, comunicação e integração social,
podem ser apropriados pelo conjunto de um grupo
ou produzidos por especialistas, determinando o
status. Para Srour (1987), os bens simbólicos podem
ser livros, revistas, restaurantes, carros e até as men-
sagens que estão na mídia.
Na sociedade moderna o corpo também
adquire um valor simbólico, na medida em que ele
também é um identicador de classe social. Segundo
Goldenberg (2002), o corpo é um agente das dife-
renças sociais e, sendo “cultivado sob a moral da
boa forma, surge como marca indicativa de certa
virtude superior daquele que o possui. Um corpo
coberto de signos distintos que, mesmo nu, exalta
e torna visíveis as diferenças entre grupos sociais”
(GOLDENBERG, 2002, p. 10).
Bourdieu aponta para a linguagem corporal
como marcador de distinção social:
O corpo é a mais irrecusável objetivação do
gosto de classe, que se manifesta de diversas
maneiras. Em primeiro lugar, no que tem de
mais natural em aparência, isto é, nas dimensões
(volume, estatura, peso) e nas formas (redon-
das ou quadradas, rígidas e exíveis, retas ou
curvas, etc...) de sua conformação visível, mas
que expressa de mil maneiras toda uma relação
com o corpo, isto é, toda uma maneira de tratar
o corpo, de cuidá-lo, de nutri-lo, de mantê-lo,
que é reveladora das disposições mais profundas
do habitus (BOURDIEU, 2001, p. 188).
Para Malysse (2002), o “corpo natural”
é sinônimo do corpo social, na medida em que se
torna metáfora da sociedade, encarnando desigual-
dades sociais de acesso às construções corporais.
A armação de Pierre Bordieu (2001) torna mais
claros os argumentos de Malysse. Segundo o autor,
a sociedade capitalista e burguesa legitima seu poder
econômico-social por meio da criação de arquétipos
e produtos que contribuem para que haja uma nítida
delimitação entre ricos e pobres.
A escolha da análise de conteúdo se justica
pelo fato de ser indicada para detectar tendências
de noticiabilidade, agendamentos, enquadramentos,
descrever e classicar produtos, gêneros e formatos
jornalísticos, além de ajudar a entender o processo
de divulgação e recepção das mensagens.
DESCRIÇÃO DO OBJETO
A revista Claudia é uma publicação da
Editora Abril e está há 48 anos no mercado, abor-
dando o dia a dia da mulher, como relacionamentos,
as grandes mulheres que zeram história, família,
lhos, carreira, sucesso, dinheiro, moda, beleza, saúde,
etc., além de temas atuais. A mídia possui em média
190 páginas e está dividida nas seguintes editorias:
Família e Filhos, Casa e Consumo, Atualidade e Gente,
Beleza e Saúde, Moda, Emoções e Espiritualidade,
Sempre em Claudia, com um público-alvo composto
por mulheres de classe média alta, entre 25 e 45 anos,
que trabalham fora e tem uma vida familiar ativa.
Corpo como valor simbólico
Para que a pesquisa proposta seja desenvol-
vida, trabalha-se com os conceitos de classe social,
status, corpo, consumo, beleza, mídia e inuência.
Antes de entrar na questão do corpo, dene-
se primeiramente o que é classe social. Karl Marx
(1988) arma que as classes constituem a estrutura de
uma sociedade. O sociólogo não as dene com base
na renda ou na origem de seus rendimentos, mas de
acordo com a propriedade dos meios de produção.
Robert Henry Srour (1987) fornece a fun-
damentação, uma vez que classica as classes sociais
em camadas, ou seja, de acordo com a escala de ren-
dimento: altas, médias e baixas. A denição de status
social se torna necessária nesse ponto, pois é elementar
para que se possa entender o conjunto social, uma vez
que o conceito de status está intimamente relacionado
com classe social e sua relação com a sociedade.
Para Raymond Boudon e Baechler (1995),
status social diz respeito à honra social ou ao prestígio
que o indivíduo ocupa na sociedade, uma vez que está
fundado em juízos de valor e avaliações feitas pelos
membros da comunidade. O autor ainda ressalta que
uma forma de determinar o status de uma pessoa é
observar seus hábitos, estilo de vida, prossão, nível
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para a mídia, a mensagem da boa forma e beleza é algo
que produz lucro; desta forma o assunto é propagado
em todos os veículos de comunicação exaustivamente.
Produtos, técnicas, dietas e exercícios físicos são citados
exaustivamente como meios para obter o almejado
corpo perfeito, mas para conseguir atingir este patamar
é preciso consumir alguns destes dispositivos. Desse
modo, não é apenas a busca pela saúde e beleza que
faz com que pessoas gastem fortunas para ter o corpo
ideal, mas também pelo status que ele proporciona, uma
vez que ele é um meio de representação social.
Siqueira e Faria (2007) reiteram que nos
meios de comunicação de massa a experiência do corpo
se confunde com a de consumo. Segundo elas, “não é
o espetáculo do martírio que interessa (os suplícios e
as diculdades para alcançar o corpo modelo), mas o
espetáculo do resultado das transformações (a conver-
são do corpo), ou seja, o corpo convertido ao modelo
é o espetáculo” (SIQUEIRA; FARIA, 2007, p. 179).
Garrini (2007) enfatiza que os meios de
comunicação social colocam o consumo como agente
motivador para obter as formas físicas desejadas e
ainda exaltam os bens simbólicos destinados para o
tratamento da boa forma e beleza.
Fontanella (2005) diz que na cultura de con-
sumo o corpo serve como elemento para exclusão,
pois os indivíduos que não estão de acordo com os
estereótipos são colocados em situações de cons-
trangimentos, principalmente por meio da mídia.
Mídia e influência
A discussão sobre o poder de controle dos
meios de comunicação tem na reexão de Adorno
e Horkheimer (1985) e Harold Laswell (2006 apud
WOLF, 2006) as principais referências teóricas. Os
autores apontam a inuência das mídias, seus efeitos,
bem como sua relação com a indústria cultural, no
que se refere à difusão de valores estéticos impostos
à sociedade.
Adorno e Horkheimer (1985) armam que
os meios de comunicação de massa impõem padroni-
zação, e uma das táticas utilizadas para que as pessoas
sigam os modelos é utilizar estereótipos. Laswell (2006
apud WOLF, 2006), em uma de suas premissas, sustenta
que a comunicação na mídia é intencional e orientada
para obter um efeito nos indivíduos. Segundo Santos
e Serra (2003), o poder da mídia está em produzir
sentidos, projetá-los e legitimá-los.
Essa delimitação é também construída
através do consumo. Roland Barthes (1980) aponta
que o consumo possui duplo aspecto: satisfazer
às necessidades materiais e carregar estruturas e
símbolos sociais e culturais, aspectos que considera
inseparáveis. Guy Debord (1997) arma que o cará-
ter prestigioso de um objeto se deve a ter ele sido
colocado no centro da vida social.
A assimilação das mercadorias com prestí-
gio social e nanceiro é realizada com base no poder
econômico e cultural. Bordieu (1998) argumenta que
o capital econômico é também um capital cultural, e
os hábitos relacionados aos cuidados com o corpo e
os padrões estéticos permitem identicar a origem
social do indivíduo. O sociólogo explica que, com o
advento da sociedade de consumo, a diferenciação
de classe baseada nos conceitos de beleza se torna
ainda mais evidente.
A explicação de Featherstone (1995) é
fundamental para a compreensão da relação entre
sociedade de consumo e questão social, pois mostra
como as mercadorias proporcionam prestígio social
e serve para delimitar a classe social do indivíduo:
Usar a expressão cultura de consumo signica
enfatizar que o mundo das mercadorias e seus
princípios de estruturação são centrais para a
compreensão da sociedade contemporânea.
Isso envolve um foco duplo: em primeiro
lugar, na dimensão cultural da economia, a
simbolização e o uso de bens materiais como
“comunicadores”, não apenas como utilidades;
em segundo lugar, economia dos bens culturais,
os princípios de mercado – oferta, demanda,
acumulação de capital, competição e mono-
polização – que operam dentro da esfera dos
estilos de vida, bens culturais e mercadorias
(FEATHERSTONE, 1995, p. 127).
Para Karl Marx (1988), a mercadoria é tam-
bém a forma elementar da riqueza capitalista, tem a
propriedade de satisfazer todas as necessidades do
ser humano e adquire um valor de uso quando se
realiza o consumo. Desse modo, pode-se compreen-
der como os cosméticos, as cirurgias, as academias
e os personal trainners, na sociedade capitalista da boa
forma e beleza, são utilizados para criar vínculos e/
ou para estabelecer distinções sociais.
Na mídia, a experiência do corpo se confunde
com a de consumo. Mike Featherstone explica que,
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de independência emocional e nanceira, força de
vontade e sedução.
É importante ressaltar que na edição 578
há um especial com várias atrizes brasileiras, que dão
suas dicas de boa forma, saúde, alimentação e beleza,
e indicam técnicas, produtos e dietas que não são aces-
síveis a todas as mulheres, por terem preço elevado.
Após identicar os conteúdos relativos à beleza,
foram analisados os relacionados à boa forma, que
podem ser encontrados também na editoria Beleza
e Saúde. As dicas e reportagens sobre saúde, na
verdade, são mais sobre boa forma. Apenas uma
teve caráter informativo, sem nenhuma associação
com status social. Foram registradas apenas nove
mensagens sobre a temática, mas oito relacionando
boa forma com status social, ao indicar técnicas
para emagrecimento, dietas e exercícios físicos que
demandam investimentos não muito baixos.
Os conteúdos relacionados com boa forma
também mostraram a mesma tendência dos de beleza,
ou seja, a prossão das entrevistadas revela a mensa-
gem conotativa de condição social elevada, dicas de
atrizes e personal trainners com exercícios que exigem
uma academia para serem realizados. O cuidado com
a boa forma não é motivado apenas pela saúde, mas
também pela boa aparência física, o prestígio social
de ostentar um corpo magro, persistência, determi-
nação, e por se enquadrar no estereótipo ditado pela
mídia e aceito pela sociedade.
De acordo com a análise da codicação, pode-
se constatar que, além dos conteúdos estarem voltados
para a questão do status social, ainda há uma exaltação
à magreza: neste corpo magro há uma mulher forte,
determinada, bonita e rica, fato presente em todas as
edições analisadas. A apreciação dos conteúdos também
constatou que o veículo de comunicação é especialmente
voltado para mulheres das classes médias e altas.
No mês de outubro, por exemplo, na
editoria de Beleza, a chamada da matéria dizia “Os
melhores cremes preenchedores de rugas: produtos
que prometem diminuir rugas e sulcos, sem picadas e
sem dor”. Outra matéria que relaciona status social e
boa forma é “Três meses para entrar em forma”, na
edição de agosto. No conteúdo da reportagem são
dados conselhos para cada mês – dietas, tratamen-
tos estéticos e exercícios físicos –, mas todos estes
passos, além de exigirem disciplina, ainda requerem
dinheiro, uma vez que os métodos são de alto custo.
Outro ponto que merece destaque é a ques-
tão do consumo. Ao fornecer dicas sobre produtos
Para Castro (2001), os meios de comunica-
ção são importantes difusores de um ideal de beleza
a ser alcançado, na medida em que garante que a
temática esteja sempre presente, levando ao recep-
tor as últimas novidades sobre o assunto, ditando
e incorporando tendências, e as revistas femininas
são um dos meios.
Conforme Moraes (2006), as revistas femi-
ninas ensinam qual o corpo que as mulheres devem
ter e desejar, além de ensinar a atingir o ideal e como
utilizá-lo. Dessa forma, percebe-se que os modelos
de beleza que a sociedade tem atualmente são os
estipulados pela mídia, que é um corpo magro e bem
torneado, além dos seios e do bumbum volumosos para
as mulheres e um corpo musculoso para os homens.
ANÁLISE DA PESQUISA
Para realizar o presente estudo utilizou-se
uma pesquisa qualitativa com análise de conteúdo,
sendo o universo de pesquisa a amostra dos conte-
údos sobre beleza e boa forma da editoria Beleza
e Saúde publicados na revista Claudia entre julho a
novembro de 2009, que correspondem respectiva-
mente às edições 574, 575, 576, 577 e 578.
Primeiramente, foram identicados os con-
teúdos relativos à beleza em todas as cinco edições
da revista, e pôde-se constatar que há em média de
três a quatro matérias e dicas sobre o assunto em
cada edição. Dessa forma, somou-se um total de 20
conteúdos sobre a temática. A análise do quadro
analítico proposto para a codicação da pesquisa
mostrou que todos os 20 conteúdos estão relacio-
nados com status, pois apresentam uma mensagem
que relaciona beleza com posição social, ao indicar
produtos com preços elevados, técnicas com altos
custos para deixar a pele e o corpo mais bonitos e
saudáveis, além de dietas com alimentos também de
preços não acessíveis a todos.
A prossão das entrevistadas ainda revela
a mensagem conotativa de status social elevado, pois
muitas delas são mulheres com uma carreira sólida,
têm bons salários e educação até o terceiro grau. Suas
prossões também as associam ao status, tais como
advogadas, funcionárias públicas, jornalistas, dentistas
e atrizes. Os conteúdos mostram ainda que os cuida-
dos com a beleza são motivados para alcançar não
só a “perfeição” física, mas também reconhecimento
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Desse modo, o presente trabalho se encerra
não com uma conclusão, mas sim com uma reexão
sobre o papel da mídia na construção de estereóti-
pos sociais, pois, com seus discursos, os meios de
comunicação contribuem para a estigmatização e o
preconceito contra quem não se enquadra nos padrões
ditados por eles mesmos, favorecendo ainda para a
baixa autoestima desses indivíduos e a segregação social
entre belos e feios, magros e gordos, ricos e pobres.
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para beleza, estética e nutrição, há ainda a conotação
do consumismo. Se a mulher deseja parecer com uma
atriz, ter o corpo, a pele e o cabelo de determinada
modelo, ela precisa usar o produto que a referida usa.
Dessa forma, percebe-se que a revista cons-
trói um padrão de boa forma e beleza centrado na
classe social que o indivíduo ocupa e no corpo que
ostenta, pois, ao recomendar técnicas e produtos de
preço elevado, está sugerindo que apenas as pessoas
com alto poder aquisitivo podem ser bonitas e magras,
pois elas têm condição para usufruir dos produtos
e o corpo saudável é o magro.
A forma como a revisa Claudia apresenta
os padrões de beleza, corpo magro e saudável,
reete na sociedade a concepção da construção
do estereótipo do que é belo. Dessa forma, prin-
cipalmente as mulheres buscam a qualquer preço
se adequar a este padrão; no entanto, algumas
técnicas ou dietas podem trazer consequências
graves para a saúde e até mesmo para o corpo, se
feitas de modo errado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise mostra que a mídia, por meio de seu dis-
curso, impõe na sociedade os padrões de beleza e boa
forma e ainda os relaciona com status social. Alguns
títulos fazem apologia ao desprezo do que está fora do
estereótipo, e, deste modo, muitos indivíduos passam
a acreditar nestes arquétipos e buscam a todo custo
atingir o corpo ideal para serem aceitos na sociedade.
Adorno e Horkheimer armam que quanto
mais forte cam os estereótipos, mais difícil para as
pessoas mudarem de opinião sobre determinado
assunto. Assim são com os padrões de boa forma
e beleza. A mídia repete incessantemente que ser
belo é ser magro e, implicitamente, ser belo, magro,
é ser de boa condição social, pois o indivíduo pode
pagar uma academia, fazer lipoaspiração, dieta e
comprar cosméticos caros. Dessa forma, o padrão
de beleza construído pela mídia pode ser resumido
em magreza e riqueza.
Além de enaltecer o corpo e fazer dele
distintivo de classe social, o discurso das revistas
femininas contribuem para que a indústria da beleza
aumente seus lucros e a sociedade continue ainda
mais consumista – pois a cada dia surge um novo
creme, um novo redutor de estrias e celulites, uma
nova técnica para reduzir medidas.
FLOR, G.274
Rev. Estud. Comun., Curitiba, v. 10, n. 23, p. 267-274, set./dez. 2009
Recebido: 10/11/2009
Received: 11/10/2009
Aprovado: 19/11/2009
Approved: 11/19/2009
Revisado: 18/01/2010
Reviewed: 01/18/2010
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