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Avaliação de intervenções de Gestão da Clínica na
qualificação do cuidado e na oferta de leitos em
um hospital público de grande porte
Evaluation of clinical governance interventions on qualification of care and
supply of beds in a large public hospital
Fernando Anschau1,2,3, Jacqueline Webster1, Nelson Roessler1, Eduardo de Oliveira Fernandes1,
Viviane Klafke1, Carine Paim da Silva1, Gabriel Mersseshmidt1, Samantha Ferreira1, Sandra Maria Sales Fagundes1,
José Accioly Jobim Fossari1
1 Hospital Nossa Senhora da Conceição. Porto Alegre, RS.
2 Centro de Educação Tecnológica e de Pesquisa em Saúde - Escola GHC, Grupo Hospitalar Conceição. Porto Alegre, RS.
3 Escola de Medicina, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Porto Alegre, RS.
RESUMO
OBJETIVOS: Descrever os resultados alcançados em indicadores de desempenho hospitalar e na oferta de leitos com a estratégia de incorporação
da Gestão da Clínica no processo assistencial da unidade de retaguarda do Hospital Nossa Senhora da Conceição.
MÉTODOS: O estudo foi realizado na unidade de retaguarda do Hospital Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
A unidade de retaguarda é um setor de internação de curta permanência (abaixo de 10 dias de internação) destinado a pacientes do setor de
emergência do hospital. No período do estudo essa unidade possuía capacidade para 27 leitos. Foram adotadas como ferramentas da Gestão
da Clínica a implantação de equipes de referência multiprossionais e de rounds multidisciplinares, a instituição do sistema Kanban para
monitoramento do tempo médio de permanência; a introdução do Projeto Terapêutico Singular por ocasião do ingresso do paciente no hospital
(setor de emergência); e a regulação interna dos leitos pelo Núcleo Interno de Regulação. Os indicadores hospitalares número de internações,
tempo médio de permanência, resolubilidade, taxa de mortalidade e índice de rotatividade foram comparados entre os anos 2015 (antes da
implementação da estratégia Gestão da Clínica) e 2016 (após a implementação da estratégia).
RESULTADOS: Após a introdução da Gestão da Clínica, houve aumento no número de internações de 1395 para 1537 ao ano. Ocorreram 1240
altas para o domicílio (média de 104 ao mês), mostrando um aumento de 101,9% em relação ao período anterior. Também foi observada dimi-
nuição no número de transferências internas (entre a unidade de retaguarda e outros setores do hospital), aumento no índice de rotatividade de
51,6 para 56,9, diminuição no tempo médio de permanência de 7,2 dias para 6,6 dias e diminuição na taxa de mortalidade de 3,5 para 0,7 (p < 0.05).
CONCLUSÕES: A implantação da Gestão da Clínica no contexto do trabalho assistencial na unidade dos leitos de retaguarda do hospital em
estudo associou-se a melhorias nos processos de cuidado, proporcionando maior oferta de leitos aos usuários.
DESCRITORES: gestão da clínica; governança clínica; administração de serviços de saúde; equipe interdisciplinar de saúde; relações interprossionais; gestão da qualidade
em saúde; sistema Kanban.
ABSTRACT
AIMS: To describe the results achieved in hospital performance indicators and supply of beds, with the strategy of incorporating clinical
management into the care process of the backup unit of the Nossa Senhora da Conceição Hospital.
METHODS: The study was carried out in the backup unit of the Nossa Senhora da Conceição Hospital, in Porto Alegre, Rio Grande do Sul,
Brazil. The backup unit is an inpatient hospital with beds intended for hospital emergency patients characterized by short stay (less than
10 days of hospitalization) and in the study period it had 27 beds. As clinic management tools we implemented multidisciplinary reference
teams and multidisciplinary rounds, established a Kanban system to monitor mean length of stay, and introduced the unique therapeutic
project at the hospital entrance (emergency room) and management of beds by the Internal Regulation Center. We monitored the hospital
indicators number of hospitalizations, mean length of stay, resolvability, mortality rate and turnover rate over a period of 12 months (2016,
after implementation of the strategy) and made comparisons with the same period of the previous year.
RESULTS: After the introduction of Clinic Management, there was an increase in the number of hospitalizations from 1395 to 1537/year. There
were 1240 discharges to home (an average of 104 a month), showing an increase of 101.9% in relation to the previous period. There was also
a decrease in the number of internal transfers (between the back unit and other sectors of the hospital), an increase in the turnover rate from
51.6 to 56.9, decrease in the mean stay time of 7.2 days to 6.6 days and a signicant decrease in the mortality rate from 3.5 to 0.7 (p < 0.05).
CONCLUSIONS: The implementation of clinical management in the context of care work in the hospital’s backup bed unit fostered
improvements in care processes, as well as ensuring greater supply of beds to users.
KEY WORDS: clinical management; clinical governance; health services management; interdisciplinary health team; interprofessional relations; health quality management;
Kanban System.
Scientia Medica
Artigo originAl Open Access
Sci Med. 2017;27(2):ID26575
e-ISSN: 1980-6108 | ISSN-L: 1806-5562
10.15448/1980-6108.2017.2.26575
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em qualquer meio, desde que a publicação original seja corretamente citada.
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Recebido: fevereiro, 2017
Aceito: maio, 2017
Publicado: junho, 2017
Correspondência: fernando.anschau@pucrs.br
Hospital Nossa Senhora da Conceição
Av. Francisco Trein, 596 – CEP 913502-000, Porto Alegre, RS, Brasil
Sci Med. 2017;27(2):ID26575 2/7
INTRODUÇÃO
A Gestão da Clínica pode ser entendida como
práticas assistenciais e gerenciais desenvolvidas a
partir da caracterização do perl dos usuários por
meio da gestão de leitos, co-responsabilização das
equipes e avaliação de indicadores assistenciais [1].
Outro autor caracteriza a Gestão da Clínica como o
conjunto de tecnologias de microgestão da clínica que
tem por objetivo a provisão de uma atenção à saúde
de qualidade, centrada nas pessoas, efetiva e segura,
além de eciente, oportuna, equitativa e ofertada de
forma humanizada [2]. Algumas ferramentas da Gestão
da Clínica já foram apontadas como estratégias que
promovem a interação entre os diversos prossionais
de saúde, em especial entre médicos e enfermeiros,
qualicando o cuidado [3, 4].
Podemos destacar algumas ações com potencial
para gerar resultados positivos na qualicação
assistencial, na garantia de mais acesso e na organização
administrativa/assistencial de um hospital como: o
sistema Kanban, o Projeto Terapêutico Singular (PTS),
as equipes de referência multiprossional e os rounds
multidisciplinares [5-7].
O sistema Kanban, no presente contexto, é uma
ferramenta que deixa transparente e de fácil acesso
todos os tempos médios de permanência (TMP) e a
permanência dos pacientes de cada serviço/unidade
hospitalar, possibilitando a lembrança do indicador a
todos os prossionais envolvidos com a assistência.
Para isso, o Kanban consta de uma lista informatizada
com todos os leitos e pacientes da unidade de internação
em questão, com informações sobre diagnóstico,
tempo de permanência e previsão de alta, além do
elenco de pendências para a alta do paciente. Através
dessa ferramenta é possível uma classicação em cores
sobre o status da internação, da seguinte forma: verde
para tempo de internação dentro do previsto como
adequado, amarelo no dia anterior ao previsto para a
alta, vermelho para os casos em que o tempo estimado
da alta foi ultrapassado [5].
O PTS é um conjunto de propostas de condutas
terapêuticas articuladas para um paciente, resultado
da discussão coletiva de uma equipe interdisciplinar.
Na abordagem do paciente no setor de emergência
do hospital utilizam-se as avaliações médicas, da
enfermagem, da sioterapia, da nutrição e do serviço
social para compor o PTS. O PTS possibilita um olhar
multidisciplinar para iniciar o processo do cuidado a
cada paciente admitido na unidade [6, 7].
As equipes de referência multiprossionais são
compostas por prossionais de diversas áreas, como
médicos, farmacêuticos, enfermeiros, assistentes
sociais, nutricionistas e sioterapeutas, com objetivo
de promover a qualidade da atenção ao usuário, a
agilização dos processos de trabalho e a qualicação
da alta hospitalar. Nos rounds multidisciplinares, as
equipes de referência tratam os casos clínicos dos
pacientes internados, as pendências relacionadas
ao diagnóstico e terapêutica e a previsão para a alta
hospitalar, agregando melhor as discussões e tornando
mais clara a condução dos casos. O grupo de ferramentas
de gestão na construção da Gestão da Clínica é variado
e pode ser aplicado com diferentes intensidades,
adaptando-se a cada realidade organizacional [6-8].
Ao propor mudanças na gestão do trabalho
assistencial, é importante utilizar indicadores capazes
de demonstrar os resultados após a intervenção.
Os indicadores número de internações e índice de
rotatividade podem demonstrar, quando em elevação,
que está sendo proporcionada maior oferta de leitos
pelo hospital. O menor tempo médio de permanência
(TMP) dos pacientes, além de contribuir para a
maior oferta de leitos, pode indicar maior capacidade
resolutiva da equipe assistencial. O indicador taxa de
mortalidade atua como forte balizador da qualidade
assistencial, sendo identicada melhora na assistência
quando seus resultados são menores.
O objetivo deste estudo foi descrever os resul-
tados alcançados nos indicadores TMP, número
de internações, taxa de mortalidade e índice de
rotatividade, com a estratégia de incorporação da
Gestão da Clínica no processo assistencial da unidade
de retaguarda do Hospital Nossa Senhora da Con-
ceição (HNSC).
MÉTODOS
O HNSC, um hospital público geral com 843
leitos e uma taxa de ocupação superior a 90%, está
localizado em Porto Alegre, capital do Rio Grande
do Sul. O presente estudo foi realizado na unidade de
retaguarda desse hospital. A unidade de retaguarda é
um setor de internação de curta permanência (tempo de
permanência hospitalar abaixo de 10 dias de internação)
destinado a pacientes do setor de emergência. No
período do estudo essa unidade possuía capacidade
para 27 leitos, sob a responsabilidade da equipe médica
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Abreviaturas: HNSC, Hospital Nossa Senhora da Conceição;
PTS, projeto terapêutico singular; TMP, tempo médio de
permanência.
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da Medicina Interna. Para tanto, foram introduzidas as
seguintes medidas: adoção de equipes de referência
multiprossionais e de rounds multidisciplinares;
instituição do sistema Kanban para monitoramento do
TMP e das pendências para resolução do caso de cada
paciente; introdução do PTS no setor de emergência,
onde ocorre o ingresso do paciente no hospital; e
regulação interna dos leitos pelo Núcleo Interno de
Regulação.
Diante das características nosológicas e do perl
social dos pacientes do HSNC, além da disposição
de recursos humanos, optou-se por formar equipes
compostas por médicos clínicos gerais, enfermeiros,
assistentes sociais, sioterapeutas, nutricionistas
e farmacêuticos. Durante dois meses (novembro e
dezembro de 2015) a concepção de equipe – aqui
tratada como multiprossional – foi trabalhada e
supervisionada pela equipe gerencial do hospital
(apoio institucional). Considera-se que a dinâmica
do round multidisciplinar pode explicitar melhor as
intervenções necessárias para um olhar mais amplo
sobre o paciente e suas necessidades assistenciais. O
round foi denido como a reunião, que ocorria duas
vezes por semana, de monitoramento e organização
clínica de cada paciente, onde os assuntos atinentes a
cada área de conhecimento da equipe e necessários à
condução do caso eram discutidos, visando qualicar
a assistência e concluir o tratamento da doença que
trouxe o paciente à internação.
O sistema Kanban (a exemplo do utilizado na
estratégia de administração de produção em uma
indústria, no qual cartões de sinalização controlam os
uxos de produção ou transporte), foi utilizado para
controle visual do tempo de permanência e, de acordo
com a previsão de alta, com o apontamento (explícito
no painel de acompanhamento) das pendências para
tanto [5]. A equipe responsável pela unidade dos
leitos de retaguarda alimentava os dados sobre as
pendências no Kanban, que estava ligado ao sistema
informatizado do hospital, vinculado à prescrição. O
sistema Kanban demonstrava, em forma de tabela, os
leitos, nomes e idades dos pacientes, bem como seu
tempo de permanência no hospital e as pendências para
a efetivação das medidas clínicas na internação e para
a alta hospitalar.
O PTS, como ferramenta multidisciplinar, foi a
estratégia usada para qualicar a identicação dos
diversos aspectos que deveriam ser abordados para um
cuidado integral do paciente na internação e no plano
de alta, com o envolvimento do próprio paciente e de
familiares quando necessário. Em verdade, como citado
na literatura, o PTS funciona como uma variação das
reuniões para discussão de caso clínico, mas utilizada
de forma sistemática para todos os pacientes [6, 7].
Após o período de dois meses (últimos dois meses
de 2015) de introdução da tecnologia Gestão da Clínica,
já com as concepções das ferramentas acima citadas
incorporadas ao processo assistencial, foi iniciado
o monitoramento dos resultados da estratégia para
compor o presente estudo. Foi feito um fechamento
preliminar dos dados após seis meses e, com resultados
animadores na qualicação assistencial e em maior
acesso hospitalar, os mesmos foram publicados [8].
A manutenção da estratégia e o monitoramento
prolongado, durante o período de janeiro a dezembro
de 2016, foi importante para observar o impacto da
Gestão da Clínica no número de internações, TMP, taxa
de mortalidade e índice de rotatividade da unidade de
leitos de retaguarda do HNSC por um período mais
estendido. Através do sistema informatizado do Grupo
Hospitalar Conceição (GHC) efetuou-se a comparação
dos resultados no período do estudo com aqueles do
ano de 2015, quando a estratégia Gestão da Clínica não
se fazia presente na unidade.
Os indicadores seguiram as seguintes denições:
(i) como número de internações consideramos o nú-
mero de pacientes admitidos
para ocupar um leito hospi-
talar por um período igual ou maior a 24 horas; (ii) por
TMP foi considerada a relação entre total de pacientes
dia e o total de pacientes que tiveram saída do hospital
em determinado período, incluindo óbito; (iii) o índice
de rotatividade, que representa a utilização do leito
hospitalar durante o período, considerado indicador hos-
pitalar de produtividade, foi calculado como o número
de saídas dividido pelo número de leitos no mesmo
período; (iv) a taxa de mortalidade reete a relação entre
o número de óbitos ocorridos em pacientes internados e
o número de pacientes que tiveram saída do hospital, em
determinado período; (v) como resolubilidade do setor
foi utilizado o número de altas para a residência no
período, aqui classicadas como “com resolução ade-
quada” enquanto o número de transferências internas para
outros setores do hospital e/ou o óbito do paciente foram
classicados como “sem resolução adequada” [9-11].
A distribuição dos dados foi apresentada em
frequência e percentuais e o teste de Qui-quadrado
foi usado para avaliar a associação entre a Gestão da
Clínica e as taxas de mortalidade e de alta hospitalar.
Os valores de p inferiores a 0,05 foram considerados
signicativos. A análise estatística foi realizada uti-
lizando o programa SPSS Statistics versão 17.
O estudo foi aprovado e recomendado para pu-
blicação pela Direção do HNSC (documento HNSC-
GUI-012/17).
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RESULTADOS
Durante o ano de 2015, antes da implantação da
estratégia Gestão da Clínica, o número de internações
na unidade de retaguarda foi de 1395, (média de 116
internações por mês). O número de transferências
internas nesse período de 12 meses foi de 726 pa-
cientes. Ocorreram 619 altas hospitalares (média de
51,5 ao mês). Em 2016, após a introdução da Gestão
da Clínica, o número de internações aumentou para
1537 (média de 128 internações ao mês), um acréscimo
de 142 internações no ano, para o mesmo número de
leitos. Ocorreram 1240 altas (média de 104 ao mês),
mostrando um aumento de 101,9% em relação ao
período anterior. O número de transferências internas
diminuiu, e o índice de rotatividade aumentou de 51,6
para 56,9 (Tabela 1).
No período de janeiro a dezembro de 2015 o TMP
foi de 7,2 dias enquanto que no ano de 2016, após a
implantação da estratégia Gestão da Clínica, o TMP
foi de 6,6 dias, ainda com potencial para diminuição,
uma vez que em abril de 2016 o mesmo foi de 5,8
dias. A taxa de mortalidade diminuiu de 3,5 para 0,7
na unidade de retaguarda, comparando o ano de 2015
com o ano de 2016 (p < 0.05) (Tabela 1).
Tabela 1. Indicadores hospitalares antes e após a implantação
da Gestão da Clínica na unidade de retaguarda (27 leitos) do
Hospital Nossa Senhora da Conceição em Porto Alegre, RS,
nos anos de 2015 e 2016.
Indicador
Período
2015
(sem Gestão
da Clínica)
2016
(com Gestão
da Clínica)
Internações (n) 1.394 1.537
Transferências 726 278
Altas 619 1.248
Óbitos 49 11
Tempo médio de permanência (dias) 7,2 6,6
Taxa de mortalidade* (%) 3,5 0,7
Índice de rotatividade (pacientes/leito) 51,6 56,9
* Qui quadrado: p < 0.05.
Comparando os dois períodos (2015 com 2016) não
houve mudança no perl nosológico das internações e
manteve-se a mesma distribuição etária e por sexo na
unidade em estudo.
Analisando a resolubilidade da unidade hospitalar,
considerada como capacidade de resolução clínica e
alta hospitalar, sem transferência do cuidado a outras
unidades ou óbito do paciente, foi possível observar
maior potencial de resolução após a implantação
da Gestão da Clínica. Vericou-se associação esta-
tisticamente signicativa entre a aplicação da Gestão
da Clínica e a resolução da internação hospitalar
(p < 0.05) (Tabela 2).
DISCUSSÃO
Assim como já havia sido indicado em um estudo
preliminar, após a implantação da Gestão da Clínica
aumentou a atividade hospitalar por aumento da
eciência, medida tanto pelo TMP quanto pela taxa
de mortalidade e pelo número de altas hospitalares.
O período de um ano foi conclusivo para consolidar
a estratégia e raticar os resultados de qualicação
assistencial e garantia de acesso apontados em nosso
estudo anterior, com seis meses de desenvolvimento
da Gestão da Clínica [8].
Quando buscamos o desenvolvimento do prin-
cípio da integralidade na assistência à saúde no am-
biente hospitalar, necessariamente o fazemos através
das equipes de saúde, pela sua compreensão das
necessidades de saúde dos pacientes e pelo seu
entendimento das estratégias do modo de atender
àquelas necessidades [12]. A introdução de ferramentas
de gestão objetivando implantar a Gestão da Clínica
na unidade de retaguarda do HNSC proporcionou
maior oferta de leitos aos pacientes e indicou maior
qualicação assistencial, com aumento das altas
hospitalares e diminuição das transferências internas
e da taxa de mortalidade. No setor foram alocados
recursos humanos que já dispunham de trabalho em
equipes horizontais, o que facilitou a implantação
da Gestão da Clínica. Entendemos que foi
possível ampliar a concepção do papel do
hospital para além da promoção, prevenção
e assistência aos pacientes, incorporando
a necessidade de gerenciamento e foco no
usuário [13, 14].
No processo de organização do grupo
de prossionais para a introdução das
ferramentas da Gestão da Clínica, que in-
cluiu o PTS, o sistema Kanban, as equipes
de referência multiprossionais e os rounds
Tabela 2. Gestão da clínica e resolubilidade na unidade de retaguarda
(27 leitos) do Hospital Nossa Senhora da Conceição em Porto Alegre, RS,
nos anos de 2015 e 2016.
Com resolução
adequada* Sem resolução
adequada†Total p‡
Com Gestão da Clínica 1248 (81,2%) 289 (18%) 1537 (100%) <0,05
Sem Gestão da Clínica 619 (44,4%) 775 (55,6%) 1394 (100%)
Total 1867 (63,6%) 1064 (36,4%) 2931 (100%)
* Resolução adequada: alta hospitalar; † Sem resolução adequada: transferência para outra unidade ou óbito;
‡ Qui-quadrado.
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multidisciplinares, a presença de um Núcleo Interno de
Regulação foi de extrema importância, uma vez que os
pacientes classicados com o perl nosológico para os
leitos de retaguarda puderam ser direcionados para a
unidade com eciência. O Núcleo Interno de Regulação
possui o mapa de leitos hospitalares e a identicação
dos pacientes que entram pela emergência do hospital,
trabalhando ininterruptamente para a gestão de leitos.
Essas equipes, trabalhando em conjunto e utilizando
as ferramentas da Gestão da Clínica, possibilitaram a
redução do TMP e o aumento aproximado de 10,2%
no número de internações, com elevação do índice de
rotatividade. A menor duração das internações tem
o potencial de diminuir a ocorrência de infecções
hospitalares, aumentar o acesso da população ao
sistema de saúde e reduzir os gastos assistenciais [15].
Já no momento da entrada no hospital, no setor
de emergência, a adoção de uma ferramenta para
registo do PTS foi de grande relevância para a
identicação de ações facilitadoras da alta hospitalar,
como por exemplo diculdades sociais (pacientes
sem residência xa ou com desagregação familiar).
Como explicam Campos e Amaral [16], o PTS consiste
em um atendimento interdisciplinar, que inclui a
contribuição de várias especialidades e prossões. A
partir de uma avaliação compartilhada, são planejados
os procedimentos que carão a cargo de cada membro
da equipe multiprossional, denominada equipe de
referência. Cada prossional da equipe de referência
tem o encargo de acompanhar os pacientes ao longo
da internação, solicitando a intervenção de outros
prossionais ou serviços de apoio quando necessário
e, nalmente, proporcionando a alta e a continuação
do acompanhamento em outro nível do sistema de
saúde [16, 17]. Essas medidas de responsabilização
do cuidado tem demonstrado melhora na qualicação
e segurança da alta hospitalar [18].
O PTS pôde classicar adequadamente os pacientes
e a introdução dessa ferramenta proporcionou maior
acurácia na regulação interna e direcionamento aos
leitos, aqui caracterizados como de retaguarda ao
setor de emergência. Classicar adequadamente não
somente o paciente quanto a sua gravidade na porta de
entrada do hospital (setor de emergência) mas também
de acordo com as suas necessidades assistenciais é de
grande relevância para o planejamento terapêutico e
necessita de um claro entendimento dos prossionais
sobre essa classicação [19]. O setor de emergência do
HNSC já possui experiência em sistema de classicação
de risco (a classicação de Manchester está implantada
no setor) e as equipes de internação já classicam a
gravidade dos pacientes pelo índice de comorbidades
de Charlson, o que facilitou a introdução de sistema
que visa a classicação e ordenamento interno dos
pacientes [20-23]. A estratégia de aplicação do PTS
na entrada dos pacientes tornou possível visualizar
a integração dos processos a partir do usuário,
entendendo como eles deveriam ser realizados ou
modicados, para otimizar a internação hospitalar e
qualicar a assistência [24].
Pela atuação da equipe multiprossional, na visão
de diferentes prossões e suas variadas abordagens ao
processo da doença e do cuidado, podemos ampliar
o espaço subjetivo do paciente, contribuindo para
sua humanização [25]. A equipe multiprossional
e o funcionamento em rounds multidisciplinares de
fato ampliaram o olhar aos pacientes e qualicaram a
assistência na unidade de retaguarda, em especial quando
observamos a diminuição das taxas de mortalidade e o
aumento no número de altas hospitalares no período. A
taxa de mortalidade caiu em mais de 100% e o número
de altas entre os dois períodos do estudo dobrou. A
diminuição de óbitos é fato de extrema relevância
clínica, assim como o aumento no número de altas hos-
pitalares. Considerando a persistência do perl noso-
lógico, etário e de distribuição por sexo dos pacientes da
unidade estudada, a diminuição da taxa de mortalidade
indica uma melhora signicativa na resolubilidade e na
qualidade da assistência entre os dois períodos.
Segundo Da Silva et al. [26] a efetivação do PTS
nas equipes de saúde precisa incluir boa comunicação
e integração entre a equipe, além da existência de
espaços para discussão multidisciplinar. Assim sendo,
enfatiza-se a construção do PTS como atividade
rotineira a ser desenvolvida nos serviços de saúde. O
PTS busca atender a demandas de saúde complexas e
por isso a equipe multidisciplinar, deve adquirir e trocar
conhecimentos, possibilitando também autonomia
ao usuário, tornando-o sujeito ativo na construção
do processo de saúde e priorizando a qualidade do
cuidado [26]. Diversas intervenções que qualicam o
processo de alta já foram apontadas na literatura, e a
Gestão da Clínica, como abordada neste estudo, com
seu pacote de ferramentas, contribui nessa direção,
promovendo a cultura de uma alta hospitalar segura
e qualicando os processos de comunicação entre
as equipes [14].
A Gestão da Clínica aproxima áreas
técnicas assistenciais às áreas estratégico-gerenciais,
fortalecendo dessa maneira o próprio processo de
gestão que busca a qualidade institucional [13].
Este estudo demonstra que a Gestão da Clínica pode
aumentar o número de internações diminuindo o TMP,
além de garantir maior resolução aos casos atendidos
nos leitos da unidade de retaguarda, aumentando as
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altas hospitalares e diminuindo a taxa de mortalidade.
Dessa forma, podemos concluir que a implantação da
Gestão da Clínica no contexto do trabalho assisten-
cial na unidade dos leitos de retaguarda do HNSC
associou-se a melhorias nos processos de cuidado,
proporcionando maior oferta de leitos aos usuários.
NOTAS
Declaração de conflito de interesses
Os autores declaram não haver conitos de interesses rele-
vantes ao conteúdo deste estudo, informam ter tido acesso a todos
os dados obtidos e assumem completa responsabilidade pela
integridade dos resultados.
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