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Identicação de doenças
fúngicas foliares
emergentes em cana-de-
açúcar
Katia de Lima Nechet1
Nilza Patrícia Ramos2
Bernardo de Almeida Halfeld Vieira3
53
ISSN 1516-8638
Jaguariúna, SP
Dezembro, 2016
Técnico
1 Engenheira Agrônoma, Doutora em Fitopatologia, pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente, Jaguariúna, SP. E-mail: katia.nechet@embrapa.br
2 Engenheira Agrônoma, Doutora em Fitotecnia, pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente, Jaguariúna, SP. E-mail: nilza.ramos@embrapa.br
3
Engenheiro Agrônomo, Doutor em Fitopatologia, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, Jaguariúna, SP. E-mail: bernardo.halfeld@embrapa.br
Comunicado
Introdução
O Brasil possui aproximadamente 9,8 milhões de
hectares de área colhida com cana-de-açúcar (FAO,
2016), dos quais 54% é cultivado em terras paulis-
tas, utilizando colheita mecanizada e crua (FREDO
et al., 2014). Esta relevância se deve ao aproveita-
mento quase total da cultura como matéria-prima,
voltada para a produção de açúcar, biocombustível,
fertilizante e eletricidade (GOLDEMBERG, 2007;
ROSSETTO et al., 2008; BIOETANOL…, 2009),
passando a ser referenciada como fonte de
biomassa.
Na safra 2015/2016 a área total cultivada foi
ampliada para 5,97 milhões de hectares (UNICA,
2016). O aumento da área cultivada e da produção
tem sido acompanhado de crescente preocupação
com os impactos ambientais e sociais causados
por essa cultura. Uma das medidas adotadas, na
década passada para mitigar o impacto da cul-
tura foi a proibição da queimada em canaviais no
Estado de São Paulo, seguindo um esquema de
restrições legais progressivas até o ano de 2021,
em áreas com possibilidade de mecanização total
da colheita, e até 2031 para as demais áreas
segundo Decreto no 47.700 de 11/3/2003, que
regulamenta a Lei no 11.241 de 19/9/2002 (SÃO
PAULO, 2003).
A manutenção da palhada em áreas sem queima
prévia (cana crua) e a adoção de outras práticas
conservacionistas como o cultivo mínimo, o plantio
direto (RECOMENDAÇÕES…, 2016) e a substituição
de fertilizantes nitrogenados químicos por inoculantes
(SCHULTZ et al. 2012) são medidas que tendem a
reduzir os riscos de degradação produtiva na cultura.
Entretanto, essas mudanças em sistema de produção
estabelecido, como da cana-de-açúcar, interferem, ao
longo do tempo, na tossanidade da cultura e conse-
quentemente no manejo da cultura (DINARDO-MIRAN-
DA; FRACASSO, 2013; GUIMARAES et al., 2008).
Foto: Katia de Lima Nechet
2Identicação de doenças fúngicas foliares emergentes em cana-de-açúcar
As principais doenças da cana-de-açúcar estão
relacionadas a patógenos que causam manchas
foliares, como a ferrugem alaranjada [Puccinia kue-
hnii (W. Krüger) E.J. Butler] e a ferrugem marrom
(Puccinia melanocephala Syd. & P. Syd.), e patóge-
nos sistêmicos transmitidos por toletes infectados,
como o mosaico (Sugarcane mosaic virus), escalda-
dura das folhas [(Xanthomonas albilineans (Ashby)
Dowson] e o raquitismo-da-soqueira (Leifsonia xyli
subsp xyli (Lxx) (TOKESHI; RAGO, 2005). O uso de
variedades resistentes a manchas foliares e o trata-
mento de toletes por termoterapia são medidas de
controle que vem sendo adotadas para a redução de
perdas na cultura em função de incidência de doen-
ças (SANTOS, 2010; URASHIMA; GRACHET, 2012).
Entretanto, nos últimos três anos, observou-se
uma alta incidência das doenças fúngicas foliares,
mancha anelar e podridão vermelha (apenas com
sintoma de mancha foliar), em fazendas comerciais
nos municípios de Iracemápolis (variedade CTC-04),
Araras (RB-845210) e Guaíra (RB-867515 e IAC95-
500), no estado de São Paulo. Ambas doenças são
consideradas secundárias no sistema produtivo da
cana-de-açúcar, e há escassez de ilustrações dos sin-
tomas, que podem ser confundidos com os sintomas
de outras manchas foliares registradas em publica-
ções técnicas (TOKESHI, 1982).
Em função dessa mudança de prevalência na ocor-
rência de doenças o objetivo desse documento é
apresentar ilustrações dos sintomas dessas duas
doenças e a identicação dos agentes causais
visando facilitar o diagnóstico correto de manchas fo-
liares em cana-de-açúcar e complementar a literatura
referente a doenças na cultura.
Mancha Anelar – agente causal Lep-
tosphaeria sacchari Breda de Haan
A mancha anelar é considerada uma doença comum
em canaviais, mas considerada de pouca importân-
cia econômica, uma vez que sua ocorrência sempre
esteve associada às folhas velhas e senescentes da
planta (TOKESHI; RAGO, 2005). Embora, os sintomas
ocorram, principalmente nas folhas, o fungo pode ata-
car a bainha e o caule das plantas (TOKESHI, 1982).
A doença tem sido considerada fator de estudo, ape-
nas nos programas de melhoramento, na eliminação
de genótipos suscetíveis (OLIVEIRA et al., 2009).
Os sintomas da mancha anelar são caracterizados
por manchas de formato fusiforme inicialmente
amarronzadas com bordos escuros (Figura 1A). Com
o progresso da doença a lesão expande e se torna
cor de palha (Figura 1B). Em seu centro é comum se
observar pontuações pretas e pequenas que são os
corpos de fruticação do fungo.
Figura 1. Sintomas de mancha anelar em folha de cana-de-
açúcar, causada pelo fungo Leptospaheria sacchari, mostrando
detalhe de lesão inicial (in) (A) e de lesões mais velhas da man-
cha anelar com centro cor de palha (B). (Fotos: Kátia de Lima
Nechet).
A estrutura de L. sacchari pode ser visualizada em
microscópio ótico através de corte do tecido do
hospedeiro. O fungo é um ascomiceto, cujo as-
coma é um pseudotécio, uniloculado, disperso ou
agregado e imerso no tecido do hospedeiro (Figura
2A). Dentro do ascoma observam-se ascos cilíndri-
cos, bitunicados, contendo 8 ascósporos (Figura
2B). Os ascósporos são hialinos, elipsoides, com
extremidades obtusas, e apresentam 3 septos, com
a segunda célula ligeiramente inchada (Figura 2C)
(HOLLIDAY, 1980).
Figura 2. Estruturas do fungo Leptosphaeria sacchari visualizadas
em microscópio ótico. (A) Ascoma imerso no tecido do hospe-
deiro. (B) Ascas contendo ascósporos. (C). Ascósporos (Fotos:
(A) Kátia de Lima Nechet; (B) e (C). Bernardo de Almeida Halfeld
Vieira).
A mancha anelar está ocorrendo não apenas em
folhas senescentes (Figura 3A), mas também em
folhas novas de cana-de-açúcar (Figura 3B) e em
alguns casos com uma severidade alta (Figura 3C).
3
Identicação de doenças fúngicas foliares emergentes em cana-de-açúcar
Figura 3. Sintoma da mancha anelar, causada pelo fungo Lepto-
sphaeria sacchari, em folhas de cana-de-açúcar senescentes (A)
e em folha nova com baixa (B) e alta severidade (C) (Fotos: Kátia
de Lima Nechet).
Podridão vermelha - agente causal
Colletotrichum falcatum Went 1893
A podridão vermelha ocorre em vários estádios da
planta e com sintomatologia diferenciada, causando
morte de gemas, ocasionando redução da germina-
ção de toletes, manchas em folhas e apodrecimento
do colmo do órgão (TOKESHI, 1982). Quando o
ataque é nos colmos, em função da suscetibilidade
da cultivar, ocorre redução de produção devido à
morte dos colmos e à redução do conteúdo e pureza
da sacarose, que é convertida em frutose e glucose
(BAILEY, 2011). Nessa situação, a doença tem
grande impacto econômico em países produtores
como a Índia (SATHYABHAMA et al., 2015). No
Brasil, as perdas de podridão vermelha estão associa-
das a lesões causadas pela broca-da-cana (Diatraea
saccharalis) (PANNUTI et al., 2013).
Todo sintoma associado ao fungo C. falcatum é de-
nominado de podridão vermelha, embora a podridão
só ocorra quando o ataque é nos colmos das plantas.
Os sintomas em folhas não ocasionam podridão,
mas teoricamente podem ser fonte de inóculo para a
infecção em outras partes da planta (Abbot, 1938).
Em nosso levantamento, observamos os sintomas da
doença tipicamente distribuídos na nervura central
das folhas, o que facilita a identicação da doença.
As lesões são inicialmente ovaladas de coloração
bege e circundadas por halo vermelho (Figura 4A).
Com o progresso da doença as lesões tornam-se
maiores e assumem coloração vermelho-amar-
ronzada (Figura 4B). Algumas lesões se tornam
escuras quando mais velhas (Figura 4C). Em uma
mesma área é possível encontrar plantas com
diferentes níveis de severidade, com sintomas de
pequenas lesões isoladas até o avermelhamento
completo da nervura central, caracterizando o
sintoma típico de estria avermelhada da nervura
central (Figura 4D).
Figura 4. Sintomas da podridão vermelha, causada pelo fungo
Colletotrichum falcatum, na nervura central de folhas de cana-de-
açúcar. (A) Lesões Iniciais de coloração bege com halo vermelho.
(B) Lesão mais velha de coloração vermelho-amarronzada. (C).
Lesão mais velha de coloração escura. (D). Diferentes níveis de
severidade da doença. (Fotos: Kátia de Lima Nechet).
Em microscópio ótico, observam-se as estruturas
de C. falcatum que apresenta conidióforos e setas na
superfície foliar dor tecido do hospedeiro (Figura 5 A) e
formação de conídios falcados e hialinos (Figura 5 B).
Figura 5. Estruturas do fungo Colletotrichum falcatum em folha de
cana-de-açúcar visualizadas em microscópio ótico. (A) Acérvulo
do fungo com setas. (B) Conídios falcados e coloridos com azul de
algodão (Fotos: Kátia de Lima Nechet).
Na maioria das observações as duas doenças
ocorreram simultaneamente (Figura 6).
Figura 6. Ocorrência simultânea de podridão vermelha (lesão no
centro da nervura principal), causada pelo fungo Colletotrichum
falcatum, e da mancha anelar (lesão no limbo foliar), causada pelo
fungo Leptosphaeria sacchari, em folha de cana-de-açúcar (Foto:
Kátia de Lima Nechet).
4Identicação de doenças fúngicas foliares emergentes em cana-de-açúcar
Estudos complementares sobre esses patossitemas
serão conduzidos visando correlacionar a produtividade
da cultura com diferentes níveis de severidade dessas
doenças. Também espera-se elucidar quão variável
geneticamente é o patógeno, comparando isolados
que causam infecção em diferentes órgãos, assim
como a capacidade do inóculo de C. falcatum de
ocorrência nas folhas em ocasionar a incidência de
podridão vermelha nos colmos de cana-de-açúcar.
Essas duas questões são importantes uma vez que é
assumido que a capacidade do patógeno em causar a
podridão em colmos esteja intimamente relacionada
à sua associação com a broca da cana-de-açúcar.
A adoção de novas práticas agrícolas no sistema de
cultivo da cana-de-açúcar interfere na ocorrência de
doenças na cultura. A incidência de doenças con-
sideradas secundárias deve ser monitorada visando
avaliar seu impacto no manejo tossanitário da cul-
tura. O diagnóstico precoce e correto das doenças é
a principal ferramenta para embasar esse acompan-
hamento ao longo do tempo.
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