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Resumo
Physarum notabile (Physaraceae, Physarales) tem sua primeira ocorrência registrada para a Região Centro-
Oeste brasileira, desenvolvendo-se sobre troncos vivos de pomar em uma área urbana da cidade de Anápolis,
Goiás. A caracterização da espécie e sua distribuição são apresentadas.
Palavras-chave: Cerrado, distribuição geográfica, Mixomicota, novo registro.
Abstract
The myxomycete Physarum notabile (Physaraceae, Physarales) has its first occurrence recorded for the
Brazilian Central-West Region, developing on living trunks of orchard trees in an urban area of the city of
Anápolis, Goiás. The characterization of the species and its distribution are presented.
Key words: Brazilian savanna, geographical distribution, Myxomycota, new record.
Primeira ocorrência de Physarum notabile (Physaraceae, Physarales)
para a Região Centro-Oeste, Brasil
First record of Physarum notabile (Physaraceae, Physarales) for the Central-West Region, Brazil
Francisco Junior Simões Calaça1,2 & Jéssica Conceição Araújo1
Rodriguésia 66(3): 881-885. 2015
http://rodriguesia.jbrj.gov.br
DOI: 10.1590/2175-7860201566315
1 Universidade Estadual de Goiás, Câmpus de Ciências Exatas e Tecnológicas, Laboratório de Biodiversidade do Cerrado, BR 153, 3105, C.P. l 459, 75132-400,
Fazenda Barreiro do Meio, Anápolis, GO, Brasil.
2 Autor para Correspondência: calacafjs@gmail.com
O filo Myxomycota abriga organismos
popularmente conhecidos como mixomicetos
ou fungos mucilaginosos, pertencentes ao Reino
Protozoa e caracterizados por uma fase ameboide,
com mixamebas flageladas ou não; uma fase
plasmodial, assimilativa, multinucleada de vida
livre; e outra fase reprodutiva, o esporóforo
(Alexopoulos et al. 1996).
De acordo com Lado (2013), existem
aproximadamente mil espécies conhecidas de
mixomicetos, em sua maioria cosmopolita. No
Brasil, há o registro de 242 espécies conhecidas,
conforme aponta Cavalcanti (2015). Para Região
Centro-Oeste, a qual compreende os estados de
Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, além do
Distrito Federal, o primeiro registro de ocorrência
de mixomicetos data da década de 60, quando
a espécie Physarum alvoradianum Gottsb. foi
encontrada em uma área de Cerrado na região da
Serra Geral de Alvorada do Norte (Goiás) e descrita
como uma nova espécie por Gottsberger (1968).
Posteriormente, Cavalcanti et al. (1982)
citam uma segunda ocorrência de mixomiceto para
a região (Diderma deplanatum Fr.), desta vez para
Mato Grosso. Assim, com trabalhos posteriores, o
número de espécies de mixomicetos conhecidas para
a região Centro-Oeste aumentou para 36 espécies:
Arcyria cinerea (Bull.) Pers., Arcyria denudata (L.)
Wettst., Arcyria incarnata (Pers. ex J.F.Gmel.) Pers.,
Ceratiomyxa fruticulosa (O.F.Müll.) T.Macbr.,
Collaria arcyrionema (Rostaf.) Nann.-Bremek.
ex Lado, Comatricha elegans (Racib.) G.Lister,
Craterium aureum (Schumach.) Rostaf., Craterium
leucocephalum (Pers. ex J.F.Gmel.) Ditmar,
Cribraria cancellata (Batsch) Nann.-Bremek.,
Diachea leucopodia (Bull.) Rostaf., Diderma
deplanatum Fr., Diderma hemisphaericum (Bull.)
Hornem., Diderma saundersii (Berk. & Broome
ex Massee) Lado, Didymium comatum (Lister)
Nann.-Bremek., Hemitrichia calyculata (Speg.)
M.L. Farr, Hemitrichia clavata (Pers.) Rostaf.,
Hemitrichia serpula (Scop.) Rostaf., Hemitrichia
spinifera M.L. Farr, Lycogala epidendrum (L.) Fr.,
Lycogala exiguum Morgan, Metatrichia vesparia
(Batsch) Nann.-Bremek. ex G.W.Martin & Alexop.,
Oligonema schweinitzii (Berk.) G.W.Martin,
Perichaena depressa Lib., Perichaena vermicularis
(Schwein.) Rostaf., Physarum alvoradianum
Gottsb., Physarum galbeum Wingate, Physarum
melleum (Berk. & Broome) Massee, Physarum
nucleatum Rex, Physarum pusillum (Berk. &
Curtis) G.Lister, Physarum stellatum (Massee)
882 Calaça, F.J.S. & Araújo, J.C.
Rodriguésia 66(3): 881-885. 2015
G.W.Martin, Stemonitis axifera (Bull.) T.Macbr.,
Stemonitis flavogenita E.Jahn, Stemonitis fusca
Röth, Stemonitis splendens Rostaf., Trichia
favoginea (Batsch) Pers., Tubifera microsperma
(Berk. & M.A.Curtis) G.W.Martin (Carvalho et
al. 2011; Araújo et al. 2012; Cavalcanti 2015).
Portanto, este trabalho objetivou ampliar a
distribuição biogeográfica dos mixomicetos,
particularmente Physarum notabile T. Macbr., no
Brasil.
Durante o mês de abril de 2014, na estação seca
do bioma Cerrado (Aquino et al. 2008), esporângios
de P. notabile foram coletados sobre troncos vivos
de duas espécies vegetais, o limoeiro [Citrus limon
(L.) Burm. f.] e a aceroleira (Malphighia glabra L.),
em áreas urbanas (quintais residenciais) da cidade
de Anápolis, Goiás (Fig. 1). Após observação e
registro fotográfico dos esporângios, estes foram
removidos dos troncos com auxílio de um canivete,
retirando-se sempre parte do substrato, de modo a
manter a integridade dos corpos de frutificação do
mixomiceto. Posteriormente, o material coletado
foi acondicionado em caixas de papelão e levado
ao Laboratório de Biodiversidade do Cerrado
(LABBIC), localizado no Câmpus de Ciências
Exatas e Tecnológicas da Universidade Estadual de
Goiás, onde o mesmo foi identificado, fotografado
macro e microscopicamente, herborizado e
Figura 1 – a-b. representação dos espécimes vegetais nos quais foram coletados exemplares de P. notabile. c. detalhe
macroscópico dos esporângios desenvolvendo-se sobre o ritidoma de aceroleira (estruturas acinzentadas, indicadas
pelas setas brancas). Imagens dos autores.
Figure 1 – a-b. representation of plant specimens in which the specimens of Physarum notabile were collected. c. macroscopic details
of sporangia developing over the rhytidome of acerola (see the gray structures, indicated by white arrows). Images of the authors.
10 cm
3 cm 1 cm c
a
b
Primeira ocorrência de Physarum notabile no Centro-Oeste
Rodriguésia 66(3): 881-885. 2015
883
incluso na coleção de mixomicetos do Herbário
da Universidade Estadual de Goiás sob o número
HUEG-9152.
Physarum é um dos gêneros mais ricos da
família Physaraceae (Alexopoulos et al. 1996;
Shuang-Lin et al. 2012). P. notabile é referida
em alguns trabalhos como de rara ocorrência
(Cavalcanti et al. 2005; Stephenson et al. 1993),
sendo relatada esporulando desde em resíduos
vegetais em decomposição, como liteira (ou
serrapilheira), ou ainda troncos e cascas de árvores
vivas a fezes de animais herbívoros (Shuang-Lin
et al. 2012; Krug et al. 2004). Dados como estes
indicam que muitas espécies de mixomicetos
podem apresentar um amplo espectro de substratos
possíveis de colonização, fato que explica sua
característica cosmopolita e facilidade adaptativa
no que se refere a substratos não usuais, como fezes
de herbívoros, materiais de construção, tecidos e
outros (Araújo et al. 2012; Eliasson 2013).
P. notabile se distribui mundialmente pelo
México, Costa Rica, Jamaica, Ilhas de Barlavento,
Bolívia, Argentina, Colômbia, China, Europa e
regiões da América do Norte (Lado & Wrigley de
Basanta 2008; Shuang-Lin et al. 2012). No Brasil
há registros da ocorrência desta espécie na Região
Sul, no estado do Paraná (Putzke 1996) e na Região
Sudeste, no estado de São Paulo (Farr 1968; Putzke
1996; Hochgesand & Gottsberger 1996; Maimoni-
Rodella 2002).
Physarum notabile T. Macbr., N. Amer. Slime-
Moulds, Edn 2 (New York): 80 (1922) Fig. 2
Características macroscópicas. Frutificação
do tipo esporângio com altura total variando
entre 0,5 a 1 mm, esparsos a gregários e eretos.
Figura 2 – Physarum notabile. a-b. esporângios parcialmente gregários, com perídio rompido. c. detalhe de um
esporângio com capilício exposto (seta). d. detalhe da columela (seta). e. nódulo de cálcio (seta). f. detalhe do capilício
(seta). g-h: detalhe dos esporos. Imagens dos autores.
Figure 2 – Physarum notabile. a-b. sporanges partially gregarious, with broken peridium c. detail of a sporangium with capillitium
exposed (arrow). d. detail of columella (arrow). e. lime nodes of the capillitium (arrow). f. detail of the capillitium (arrow). g-h. detail
of spores. Images of the authors.
1 mm 1 mm
0,5 mm0,5 mm
20 µm
10 µm
5 µm
20 µm
a b e
f
gd
ch
884 Calaça, F.J.S. & Araújo, J.C.
Rodriguésia 66(3): 881-885. 2015
Possui esporoteca globosa, de coloração branca
acinzentada, com perídio simples, incrustado com
grânulos de cálcio esbranquiçados, umbilicado
abaixo, deiscência irregular (petaloide em alguns
casos). Pedicelo curto, variando entre 0,5–0,7 mm,
corrugado, de coloração castanho escuro. Esporada
castanho escura a preta.
Características microscópicas. Possui capilício
hialino, interligado por grânulos irregulares de cálcio
esbranquiçados a incolores. Os esporos apresentam
coloração castanha violácea em microscopia ótica,
minimamente verrugosos, medindo entre 10–11,3
µm de diâmetro.
Material examinado: BRASIL. GOIÁS: Município de
Anápolis, bairro Vila Norte, 10.IV.2014, troncos vivos de
árvores de acerola, F.J.S. Calaça FJSC-32 (HUEG 9152).
As características do material examinado
conferem exatamente com as descrições encontradas
nos trabalhos de Farr (1976), Neubert et al. (1995)
e Poulain et al. (2011). No material observado, os
esporos variaram em tamanho entre 10 a 11 µm;
entretanto, ainda de acordo com Neubert et al.
(1995), esta média pode variar entre 9 a 13 µm.
Esta espécie pode ser encontrada sob duas formas
de esporângio, o qual pode ser séssil ou pedicelado,
fato observado no material encontrado, sendo que
as formas sésseis foram encontradas basicamente
em associação com briófitas. Este é o primeiro
registro da espécie para o Centro-oeste brasileiro.
Este estudo indica que a diversidade de
espécies de mixomicetos para o Brasil tende a
aumentar ao se considerar a inclusão de localidades
ainda não exploradas para coletas de substratos.
Conforme apontam alguns trabalhos (Farr 1976;
Andrade et al. 2006; Araújo et al. 2012), estes
organismos podem se desenvolver sobre vários
substratos, assim diferentes alternativas de coletas
desse material podem permitir um incremento para
regiões pouco conhecidas quanto à mixobiota. Os
autores agradecem à Universidade Estadual de
Goiás pelo suporte técnico laboratorial e à Izabel C.
Moreira pela ajuda na determinação da espécie. Aos
Revisores Anônimos, pelos comentários valorosos.
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Artigo recebido em 15/06/2014. Aceito para publicação em 26/04/2015.