ArticlePDF Available

Trabalho docente e relações de gênero: algumas indagações

Authors:
Revista Brasileira de Educação 77
Trabalho docente e relações de gênero
Algumas indagações
Marília Pinto de Carvalho
Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo
A discussão sobre o trabalho docente, no Bra-
sil, tem se desenrolado em torno de duas coorde-
nadas principais, que ora se complementam, ora se
alternam: de um lado, a compreensão da escola co-
mo organização burocrática e, de outro, a análise
da atividade docente a partir do conceito marxis-
ta de trabalho. A primeira tendência caminhou da
defesa da burocratização como forma de comba-
ter os vícios personalistas das organizações tradi-
cionais — tendo como bom exemplo o estudo de
Luís Pereira (1967) — até as críticas à hierarquia
e divisão de trabalho pressupostas nas organiza-
ções burocráticas. Exemplificam essas críticas as
análises de Maurício Tratemberg (1978, 1985) e
Fernando Motta (1982, 1984), que também pro-
põem alternativas para a administração em geral
e escolar, em especial. Um segundo debate cen-
trou-se sobre a natureza do trabalho pedagógico,
tendo como referência as categorias marxistas de
trabalho produtivo e improdutivo, material e não-
material. Expressaram diferentes posições nessa
discussão os estudos de Dermeval Saviani (1984),
Vitor Paro (1988, 1995), Nicanor Palhares de Sá
(1986) e Romualdo Portela de Oliveira (1993),
entre outros. Articuladas a esse debate, vêm se de-
senvolvendo análises sobre o processo de prole-
tarização do magistério, tentativas de definição de
sua situação de classe e de seu grau de controle e
autonomia sobre o processo de trabalho, como
expressam os estudos de Miguel Arroyo (1985),
Bruno Pucci e colaboradores (1991) e Álvaro Mo-
reira Hypolito (1991).1
Refiro-me aqui a essa literatura apenas para
chamar a atenção sobre duas lacunas muito fre-
qüentes que ela tem apresentado. Em primeiro lu-
gar, a fragilidade do material empírico sobre o qual
se fundamenta: quase sempre, esses estudos são in-
terpretações teóricas e debates conceituais, pouco
dispondo de contribuições monográficas, de estu-
dos de caso ou mesmo de levantamentos quantita-
1 Um interessante balanço da bibliografia sobre tra-
balho docente foi produzido por Álvaro Moreira Hypolito
(1994), em sua dissertação de mestrado, onde procura evi-
denciar as lacunas relativas ao gênero nesta literatura.
78 Mai/Jun/Jul/Ago 1996 N
º 2
tivos. Disso resulta que muitas vezes são feitas trans-
posições para a escola de categorias gestadas na
análise do trabalho fabril ou em outros setores de
serviços. Se, por um lado, esse âmbito teórico da
discussão é fundamental e se, ainda, os paralelos
com as formas de organização do trabalho em ou-
tros setores revelaram aspectos importantes do tra-
balho docente, por outro lado, a fragilidade e a re-
petição desses debates podem ser tomados como
indicadores do esgotamento dessa via.
Uma segunda lacuna, provavelmente articula-
da à anterior, é a quase inexistência de referências
à composição majoritariamente feminina do magis-
tério. Desenvolvidas a partir de matrizes teóricas
que não incorporam as determinações de gênero,2
essas discussões tendem a se utilizar de categorias
sexualmente cegas,3 incapazes de revelar as possí-
veis conseqüências do fato de os trabalhadores em
questão serem homens ou mulheres.
Os dados indicam que, nas primeiras quatro
séries do 1º grau (antigo primário), a predominân-
cia feminina já vem desde os anos 20 deste século
no Brasil. Maria Cândida Delgado Reis, por exem-
plo, mostra como, “desde o século XIX, o magis-
tério já vinha se delineando claramente como um
campo de trabalho feminino”, chegando as mulhe-
res a “70% do total de funcionários encarregados
do ensino”, em 1921, de acordo com afirmação do
educador Lourenço Filho (Reis, 1991, p. 67 e 72).
Em 1990, a presença feminina já avançara das sé-
ries iniciais para as séries finais do 1º grau, para o
2º grau e os cargos de especialistas, resultando no
seguinte quadro no estado de São Paulo:
Porcentagem de mulheres na rede
estadual de ensino (SP) - 1990
Supervisoras ............................................... 72,3%
Diretoras de escola ..................................... 76,0%
Assistentes de direção ................................. 79,5%
Professoras de 1ª a 4ª série ......................... 97,2%
Professoras de 5ª a 8ª séries/2º grau............ 75,5%
Fonte: DRHU/SEE-SP
Além disso, do ponto de vista do conjunto do
mercado de trabalho, a ocupação de professora tem
significado um dos principais guetos femininos.
Segundo Cristina Bruschini (1994, tabela 13), em
1988, de cada cem trabalhadoras brasileiras, doze
eram professoras.
Ora, a feminização tem efeitos múltiplos so-
bre a educação escolar, entre eles, sobre as formas
de organização do trabalho docente. Ela torna ne-
cessário compreender o trabalho das educadoras na
escola tendo como referência o trabalho domésti-
co, mais do que o trabalho industrial, ou em outros
setores de serviços (Rosemberg, 1992, p. 173), já
que o trabalho doméstico é tido como definidor das
atividades ditas femininas e tem presença inexorável
na vida da maioria das mulheres.
Em pesquisas etnográficas que desenvolvi ante-
riormente (Carvalho, 1991, 1994; Carvalho e Vian-
na, 1993, 1994) pude constatar que as falas e atitu-
des das educadoras, a maneira como enxergavam o
trabalho docente, como organizavam o tempo e o
espaço, assim como as relações que estabeleciam com
as crianças e com as mães das crianças tinham como
referencial a vida no lar, o trabalho doméstico, a
maternagem,4 a socialização recebida para a vida
doméstica. Uma parte daquilo que observamos no
cotidiano permanece inexplicável se não levamos em
consideração, também, as relações de gênero e a pre-
2 Utilizo o conceito de gênero como proposto por Joan
Scott (1990, p. 14): “Gênero é um elemento constitutivo de
relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre
os sexos e gênero é um primeiro modo de dar significado
às relações de poder.”
3 Tomo de empréstimo a expressão utilizada por Eli-
zabeth Souza-Lobo, com referência à discussão do trabalho
feminino em geral, no âmbito das Ciências Sociais (Souza-
Lobo, 1991).
4 A diferenciação entre maternagem (mothering) e ma-
ternidade (motherhood) parece-me relevante para dissociar
os processos biológicos da maternidade dos processos só-
cio-culturais de cuidado com os filhos.
Marília Pinto de Carvalho
Revista Brasileira de Educação 79
sença constante do trabalho doméstico no âmbito
da escola, enquanto referência fundamental de tra-
balho para as educadoras.
Estou afirmando, portanto, em primeiro lugar,
que o gênero dos protagonistas é relevante na aná-
lise do processo de trabalho docente. Michael Apple
(1987) chama a atenção para essa lacuna e propõe
a articulação entre classe e gênero como possibili-
dade de aprofundamento de nossa compreensão do
trabalho docente: “A menos que vejamos as cone-
xões entre essas duas dinâmicas, classe e gênero, não
poderemos compreender nem a história nem as ten-
tativas atuais para racionalizar a educação ou as
raízes e os efeitos da proletarização sobre o próprio
trabalho de ensinar” (p. 6).
Mas, na verdade, são os próprios conceitos,
tais como proletarização, profissionalismo e qua-
lificação, que devem ser questionados à luz das ca-
tegorias teóricas e das articulações sugeridas pela
incorporação da dinâmica de gênero na análise, co-
mo indicam Jenny Ozga e Martin Lawn:
Não apenas precisamos saber muito mais sobre
os vínculos históricos entre feminização e proletari-
zação, mas também examinar a construção baseada
no gênero presente na própria tese. Tal como o pro-
fissionalismo, a proletarização é construída com base
numa definição “masculina” da qualificação (1991,
p. 153).
Isto é, admitir que faz diferença no estudo do
trabalho docente o fato de termos uma maioria de
mulheres como professoras significa admitir que em
qualquer processo de trabalho, seja exercido por
homens ou por mulheres, o gênero faz diferença. E
que a incorporação dessa perspectiva não pode ser
apenas um aditivo a nossas análises habituais, ba-
seadas na dinâmica de classe, mas exige uma revi-
são de todas as categorias explicativas.
No caso do trabalho docente no Brasil, parti-
cularmente após a difusão dos estudos produzidos
nos anos 80 que procuravam focalizar a composi-
ção majoritariamente feminina do magistério (No-
vaes, 1984; Mello, 1987), consolidou-se uma abor-
dagem onde os modelos de profissional e de prole-
tário — aparentemente neutros — são masculinos.
As professoras são comparadas a esses modelos e,
a partir daí, “acusadas” de serem pouco profissio-
nais ou pouco proletárias por articularem dimen-
sões públicas e privadas em seu trabalho, mistura-
rem saberes técnicos e saberes domésticos, percebe-
rem-se como segundas mães ou tias dos alunos.
Mas a separação estrita entre público e priva-
do, tendo o trabalho assalariado como baliza, é ape-
nas uma das maneiras de conceber essa articulação.
Sócrates Nolasco, em instigante análise sobre a cons-
trução social da identidade masculina, mostra o pa-
pel central ocupado pelo trabalho (entendido como
ocupação remunerada) nessa construção. Ele destaca
a separação rigorosa estabelecida pelos homens, ao
contrário das mulheres, entre vida familiar e traba-
lho: “O trabalho, para os homens, tem uma dimen-
são cartográfica, pois define a linha divisória entre
as vidas pública e privada.” (1993, p. 50). O que
vemos nas análises do trabalho docente é esse mo-
delo ideal masculino de trabalhador, difundido em
nossa sociedade atual, sendo tomado como parâ-
metro universal de ser humano, não problematizado.
Isso tem impedido que se perceba, por exem-
plo, a importância da maternagem no trabalho das
professoras primárias, como já foi desenvolvido pa-
ra o caso da educação de crianças pequenas (Had-
dad, 1991). Diversos estudos sobre creches e pré-
escolas nos colocam questões instigantes sobre o
trabalho docente nas séries iniciais do 1º grau:
“A creche possibilita uma visão ampliada ou
depurada de que, mesmo no espaço público e ins-
titucionalizado, a educação de crianças se apóia em
aptidões e afetos (de proximidade e rejeição) cultu-
ralmente desenvolvidos pelas mulheres para o exer-
cício da maternagem.” (Rosemberg, 1992, p. 173)
No caso da professora primária, pesquisas em
diversos países têm demonstrado que a construção
histórica de sua imagem social e de sua prática teve
origem na vinculação entre educação escolar e famí-
lia e entre mãe e professora (David, 1980; Steadman,
1985, no caso inglês; Badinter, 1980, para a Fran-
ça) Entre esses estudos, destaco o de Etelvina San-
doval Flores (1982), que, realizando pesquisa etno-
Trabalho docente e relações de gênero
80 Mai/Jun/Jul/Ago 1996 N
º 2
gráfica recente entre professoras mexicanas, encon-
trou também a presença da maternagem, não ape-
nas nos discursos, mas na prática docente, traduzida
numa “disposição particular para a atenção a sua
classe, na qual se privilegiam aspectos como a for-
mação de hábitos ou atitudes” (p. 67, tradução nos-
sa). E procurou mostrar a ambigüidade de signifi-
cados dessa referência que, de reafirmação das atri-
buições mais tradicionais das mulheres em nossa so-
ciedade, pode transitar para uma estratégia de auto-
valorização profissional e redundar igualmente em
benefícios para a educação, pelo sentido que carrega
de responsabilidade e compromisso com as crianças.
No Brasil, há estudos do ponto de vista histó-
rico, tais como o de Eliane Marta Teixeira Lopes
(1991), que mostram a superposição flagrante en-
tre as imagens de professora e mãe no discurso pe-
dagógico. Porém, sobre os discursos e as formas
atuais da prática educacional nas escolas, quase ne-
nhum material empírico foi levantado e permane-
cemos nas conjecturas. Sabemos que os cursos de
formação de professoras estão repletos de recomen-
dações de paciência e dedicação maternais e que, ao
falar sobre o próprio trabalho, as professoras pri-
márias usam referências e comparações com a ma-
ternidade (Assunção, 1994). Entretanto, nossas sa-
las de aula aguardam a observação de pesquisado-
res capazes de distinguir, na prática cotidiana das
professoras, o recurso e a referência à maternagem,
ao trabalho doméstico e às relações familiares. E
capazes também de articular essas observações aos
debates em curso sobre o processo de trabalho do-
cente, de forma que as relações de gênero não se-
jam tomadas como uma especificidade a ser adi-
cionada a posteriori à análise global, mas como uma
determinação que pode estar alterando o significa-
do de categorias e processos tais como proletari-
zação, profissionalismo, qualificação, autonomia,
privatismo, burocratização etc.
Gênero e qualificação
Dentre estes processos, é particularmente re-
levante para a compreensão do trabalho docente o
conceito de qualificação, repensado a partir da no-
ção de divisão sexual do trabalho. Para o conjunto
dos trabalhadores, essa discussão vem sendo desen-
volvida por estudiosas/os da sociologia do trabalho,
que apontam a centralidade do debate sobre a qua-
lificação (Rolle, 1989; Hirata, 1988, 1994; Kergoat,
1982, 1986, 1989).
Para esses pesquisadores, a qualificação é de-
finida como uma relação social, como resultado,
sempre cambiante, de uma correlação de forças (Hi-
rata, 1994). Pierre Rolle (1989) mostra que a coin-
cidência entre “um modo de organização do traba-
lho, um saber e um bem dotado de valor econômi-
co”, que num primeiro momento parece definir a
qualificação, é apenas uma aparência (p. 83). Ele
propõe que a qualificação não seja relacionada a
características concretas da tarefa a ser executada
mas “a proporções entre durações e a articulações
entre relações sociais.” (p. 86)
Essa abordagem evidencia as dimensões sim-
bólicas da qualificação, pois toda relação social en-
volve também a construção de significados. E, dessa
forma, as relações de gênero interferem diretamente
nas definições de qualificação e desqualificação,
atribuindo significados diferentes à qualificação
masculina e à feminina. Como mostra Elizabeth
Souza-Lobo em seus estudos sobre operárias pau-
listas, quando homens e mulheres realizam a mes-
ma tarefa, quase sempre as mulheres são conside-
radas menos qualificadas, situação que só pode ser
explicada pela representação social do feminino e
pelas relações sociais de gênero como um todo, e
não pelas características da tarefa: “O que parece
ocorrer é que, uma vez feminilizada, a tarefa passa
a ser classificada como ‘menos complexa’. [...] O
sexo daqueles(as) que realizam as tarefas, mais do
que o conteúdo da tarefa, concorre para identificar
tarefas qualificadas e não qualificadas” (Souza-Lo-
bo, 1991, p. 150-151)
Na verdade, como assinala Helena Hirata
(1986), o que importa é a percepção social que se
tem das qualidades requeridas para cada tarefa e
das qualidades possuídas por cada tipo de traba-
lhador, homem ou mulher. E essa percepção de-
Marília Pinto de Carvalho
Revista Brasileira de Educação 81
pende de todo o contexto social e histórico de cada
país, do qual fazem parte o sistema de trabalho, os
sistemas de emprego, de salários e de classifica-
ções, as relações de gênero etc.
Nesta discussão, ganha especial relevância o
conceito de qualificação tácita, social ou informal.
Trata-se dos componentes implícitos e não organi-
zados da qualificação, aqueles adquiridos pela so-
cialização e que incluem atitudes, comportamentos
e valores, além de conhecimentos e técnicas. Já nos
anos 80, Danièle Kergoat apontava, a partir de aná-
lise da situação de operárias francesas, a necessidade
de repensar a questão da qualificação, levando em
consideração a socialização para o trabalho domés-
tico. Em texto publicado no Brasil em 1989, ela
afirma que devem ser abandonadas as explicações
tradicionais para a localização das operárias nos
níveis mais baixos da escala de classificação, basea-
das nas idéias de desigualdade de oportunidades de
formação:
Em vez de dizer que as mulheres operárias têm
uma formação nula ou mal adaptada, dizemos ao con-
trário que elas têm uma formação perfeitamente adap-
tada ao tipo de empregos industriais que lhes são pro-
postos, formação adquirida de início por um apren-
dizado (a “profissão” de futuras mulheres quando
eram meninas) e em seguida por uma “formação con-
tínua” (trabalhos domésticos). As mulheres operárias
não são operárias não-qualificadas ou ajudantes por-
que são mal-formadas pelo aparelho escolar, mas por-
que são bem formadas pelo conjunto do trabalho re-
produtivo (Kergoat, 1989, p. 94).
Presente nesse novo raciocínio está o esforço
em tratar de forma articulada as esferas da produ-
ção e da reprodução, o trabalho assalariado e a fa-
mília, deixando de lado as dicotomias e polariza-
ções e ampliando o conceito de trabalho, incluin-
do na análise dos processos de qualificação a arti-
culação entre as esferas produtiva e reprodutiva
(Bruschini, 1994; Blass, 1994).
Nos setores em que vêm sendo implantados o
trabalho dito flexível e novas formas de organiza-
ção dos processos de trabalho, características liga-
das à socialização feminina podem ser revalorizadas
e tomadas como qualificação. É o que percebeu Li-
liana Segnini (1994) em relação às bancárias. Em
pesquisa realizada junto a um banco estatal de São
Paulo, ela mostra como elementos da socialização
para o trabalho doméstico — especialmente a ca-
pacidade de lidar com diferentes produtos e infor-
mações ao mesmo tempo, a responsabilidade, a ini-
ciativa e a amabilidade e atenção para com o cliente
— têm sido ao mesmo tempo utilizados pelas mu-
lheres bancárias como instrumentos de ascensão na
carreira e absorvidos pelos bancos como habilida-
des capazes de aumentar a produtividade.
Mas essa situação parece ser uma exceção. A
regra mais geral é de que as habilidades adquiridas
pelas mulheres em seu processo de socialização, em-
bora fartamente utilizadas no processo produtivo,
sejam solenemente ignoradas enquanto componen-
tes da qualificação de seus empregos, não signifi-
cando, portanto, nenhum reconhecimento, seja sa-
larial, seja de status social para as trabalhadoras.
É o que constatou Alice Rangel de Paiva Abreu
(1993) com relação às costureiras empregadas em
indústrias de confecção no Rio de Janeiro, por exem-
plo. Enquanto a experiência doméstica de costura
fazia parte da qualificação operatória das trabalha-
doras, a qualificação exigida e valorizada pelas em-
presas referia-se ao aprendizado industrial:
As qualidades efetivamente requeridas para as
tarefas que realizavam tinham sido aprendidas na es-
fera doméstica; a longa experiência de costura não era,
contudo, uma qualificação reconhecida no ambiente
industrial, que utilizava como critério de classificação
o manejo da máquina de costura industrial (p. 129).
Essa situação, encontrada em todos os países
capitalistas, deve ser analisada — como nos apon-
ta Danièle Kergoat (1989) — no contexto das re-
lações de força entre capital e trabalho, onde o pa-
tronato procura sempre negar a qualificação dos
trabalhadores, sejam homens ou mulheres. Entre-
tanto, a especificidade da situação das mulheres,
ainda segundo Kergoat, é de que esta qualificação
não é adquirida pelos canais institucionais reconhe-
Trabalho docente e relações de gênero
82 Mai/Jun/Jul/Ago 1996 N
º 2
cidos, sendo mais facilmente negada pelos empre-
gadores. Além disso, “o não reconhecimento das
qualidades que se exige [das operárias] parece so-
cialmente legítimo, pois tais qualidades são consi-
deradas inatas e não adquiridas, como fatos de na-
tureza e não de cultura” (Kergoat, 1989, p. 94).
Habilidades adquiridas durante toda uma vi-
da, num longo processo de socialização e discipli-
narização, são consideradas inerentes a uma pre-
tensa “natureza feminina”. Naturalizadas, elas não
são levadas em consideração na classificação hie-
rárquica, nem no salário. As mesmas conclusões são
encontradas em estudos sobre o trabalho feminino
na indústria paulista (Rodrigues, 1992) e nas ma-
quillas mexicanas (Le Doaré, 1986), em todos os
casos revelando naturalização do processo social de
diferenciação e hierarquização dos gêneros.
Qualificação e trabalho docente
Esse debate parece extremamente pertinente
para o estudo do trabalho docente no ensino elemen-
tar, exercido quase exclusivamente por mulheres na
maioria dos países ocidentais, desde que levemos em
consideração as especificidades da docência, princi-
palmente o fato de ser exercida majoritariamente
como emprego público. A mediação estatal introduz,
evidentemente, novos elementos na dinâmica da re-
lação empregador/empregada, que não se explicam
pela dinâmica da relação capital/trabalho.
Com essas ressalvas, muitas questões podem
ser levantadas. Caberia, por exemplo, discutir aque-
la qualificação tácita das professoras adquirida na
socialização para o trabalho doméstico e a mater-
nagem, assim como na sua execução cotidiana, pa-
ralelamente ao trabalho docente. Os debates sobre
a escola e as professoras não têm incorporado a
necessidade de conhecer a dimensão e a qualidade
dessa qualificação, as habilidades aí envolvidas e os
significados que são construídos a partir dessa so-
cialização, a não ser de maneira pejorativa, relacio-
nando características maternais e domésticas das
professoras com incompetência técnica e desmobi-
lização sindical. Ao mesmo tempo, pouco se conhe-
ce sobre a qualificação operatória das professoras,
isto é, que habilidades e saberes — entre os quais
aqueles adquiridos na socialização e execução do
trabalho doméstico e maternagem — elas empre-
gam efetivamente para enfrentar suas situações de
trabalho em sala de aula.
Especialmente o problema da qualificação do-
cente tem tido destaque na mídia e nas políticas
educacionais, transformando-se em verdadeiro slo-
gan de algumas administrações, que atribuem boa
parte dos problemas do sistema de ensino à “falta
de qualificação dos professorES”. Ora, uma vez que
se trata de uma maioria de professorAS, não será
o momento preciso para perceber suas qualificações
não reconhecidas e investigar os caminhos de sua
construção? O que sabemos efetivamente sobre sua
prática em sala de aula e sobre os valores, recursos,
habilidades e saberes de que dispõem para cumprir
suas tarefas? O que conhecemos sobre seu proces-
so de socialização, que papel o preparo para o tra-
balho doméstico e a maternagem tem em suas vi-
das? Até que ponto o discurso sobre a desqualifi-
cação docente está articulado à crença socialmen-
te legitimada da desqualificação feminina?
E mais ainda: através de que mecanismos os
saberes da professora primária maternal, aquela que
se reconhece como tia ou segunda mãe, tornam-se
não-saberes, a sua qualificação faz-se desqualifi-
cação? Como as habilidades atribuídas à natureza
feminina são percebidas ou não e valorizadas ou
não por elas próprias? Como o (raro) professor pri-
mário do sexo masculino desempenha as mesmas
tarefas? Como lida com a representação social de
que a tarefa de educar crianças corresponde a uma
pretensa natureza feminina?
A resposta a essas questões depende de pesqui-
sas que desvendem o mistério da sala de aula e se
proponham a conhecer o modo como as professoras
(e professores) organizam sua prática cotidiana.
MARÍLIA PINTO DE CARVALHO é professora da
Faculdade de Educação da USP, onde também é doutoran-
da. Tem se dedicado à pesquisa sobre a escola pública de
Marília Pinto de Carvalho
Revista Brasileira de Educação 83
1º grau em diversos aspectos de seu funcionamento: sua
relação com a chamada comunidade, sua organização in-
terna, os processos de trabalho docente e a feminização do
magistério.
Referências bibliográficas
ABREU, Alice Rangel de Paiva, (1993). Mudança tecno-
lógica e gênero no Brasil: primeiras reflexões. Novos Es-
tudos CEBRAP, nº 35, p. 121-32, São Paulo, mar.
APPLE, Michael, (1988). Ensino e trabalho feminino: uma
análise comparativa da história e da ideologia. Cadernos
de Pesquisa, nº 64, p. 14-23, São Paulo, fev.
__________, (1987). Relações de classe e de gênero e modi-
ficações no processo de trabalho docente. Cadernos de
Pesquisa, nº 60, p. 3-14, São Paulo, fev.
ARROYO, Miguel G, (1985). Mestre, educador, trabalha-
dor: organização do trabalho e profissionalização. Tese
de Titulação. Universidade Federal de Minas Gerais, Fa-
culdade de Educação.
ASSUNÇÃO, Madalena, (1994). As invisíveis armadilhas
do magistério primário. Dissertação de mestrado. Uni-
versidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Edu-
cação.
BADINTER, E., (1980). Um amor conquistado: o mito do
amor materno. São Paulo: Círculo do Livro.
BLASS, Leila Maria da Silva, (1994). Gênero e trabalho:
trajetórias de uma problemática. III Congresso Luso-afro-
brasileiro de Ciências Sociais, Lisboa, jul. Mimeo.
BRUSCHINI, Cristina, (1994). A mulher no mercado de
trabalho brasileiro na década de oitenta: uma compara-
ção regional. Seminário Mulher e Cidadania, Associação
Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP), São Paulo,
mai. Mimeo.
CARVALHO, Marília Pinto de, (1991). Uma identidade
plural: estudo de uma escola pública na região metropo-
litana de São Paulo. Dissertação de mestrado. Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.
__________, (1994). Mestra sim, tia também: professoras
de 1º grau na periferia de São Paulo. Projeto História,
nº 11, p. 91-100, São Paulo, nov.
__________, VIANNA, Claudia Pereira, (1994). Educado-
ras e mães de alunos: um (des) encontro In: BRUSCHINI,
Cristina, SORJ, Bila (orgs.). Novos olhares: mulheres e
relações de gênero no Brasil. São Paulo: Marco Zero/
Fundação Carlos Chagas.
__________, VIANNA, Claudia Pereira, (1993). Relações
entre educadoras e mães de alunos em escolas públicas
de 1º grau: um (des) encontro. Relatório de pesquisa. São
Paulo: Fundação Carlos Chagas.
DAVID, Miriam, (1980). The state, the family and edu-
cation. Londres: Routledge Kegan Paul.
FLORES, Etelvina Sandoval, (1992). Condición femenina,
valoración social y autovaloración del trabajo docente.
Nueva Antropología, vol.12, nº 42, p. 9-26, México, jul.
HADDAD, Lenira, (1991). A creche em busca de identida-
de: perspectivas e conflitos na construção de um projeto
educativo. São Paulo: Loyola.
HIRATA, Helena S., (1986). La qualification masculine:
notes a partir du cas japonais et brésilien. Seminário So-
ciologie du Travail: Bilan et Perspectives, Nantes, 13-14
jan. Mimeo.
__________, (1994). Da polarização das qualificações ao
modelo da competência. In: FERRETTI, Celso J. et al
(org.). Novas tecnologias, trabalho e educação: um de-
bate multidisciplinar. Petrópolis: Vozes.
__________, ROGERAT, C., (1988). Technologie, qualifi-
cation et division sexuelle du travail. In: TRÉATON,
J.R. (org.). Revue Française de Sociologie, v. XXIX, nº
1, Paris, jan./mar.
HYPOLITO, Álvaro Moreira, (1991). Processo de trabalho
na escola: algumas categorias para análise. Teoria & Edu-
cação, nº 4, p. 91-108, Porto Alegre.
__________, (1994). Processo de trabalho docente: uma aná-
lise a partir das relações de classe e de gênero. Disserta-
ção de mestrado. Faculdade de Educação da Universidade
Federal de Minas Gerais.
KERGOAT, Danièle, (1982). Les ouvrières. Paris: Le Sy-
comore.
__________, (1986). Em defesa de uma sociologia das rela-
ções sociais: da análise crítica das categorias dominantes
à elaboração de uma nova conceituação. In: KART-
CHEVSKY-BULPORT, Andreè et al. O sexo do traba-
lho. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
__________, (1989). Da divisão do trabalho entre os sexos.
Tempo Social, nº 1, v. 2, p. 88-96, São Paulo.
LE DOARÈ, Hélène, (1986). Divisão sexual do trabalho:
reflexões a partir das fábricas subcontratadas de monta-
gens (México-Haiti). In: KARTCHEVSKY-BULPORT,
Andreè et al. O sexo do trabalho. Rio de Janeiro: Paz e
Terra.
Trabalho docente e relações de gênero
84 Mai/Jun/Jul/Ago 1996 N
º 2
LOPES, Eliane Marta Teixeira, (1991). A educação da mu-
lher: a feminização do magistério. Teoria & Educação,
nº 4, p. 22-40, Porto Alegre.
MELLO, Guiomar Namo de, (1987). Magistério de 1º grau:
da competência técnica ao compromisso político. São
Paulo: Cortez.
MOTTA, Fernando C.P., (1982). Participação e co-gestão:
novas formas de administração. São Paulo: Brasiliense.
__________, (1984). Administração e participação: reflexões
para a educação. Revista da Faculdade de Educação, v.
10, nº 2, p. 199-206, São Paulo, jul./dez.
NOLASCO, Sócrates, (1993). O mito da masculinidade. Rio
de Janeiro: Rocco.
NOVAES, Maria Eliana, (1984). Professora primária: mes-
tra ou tia? São Paulo: Cortez.
OLIVEIRA, Romualdo Luís de, (1993). A organização do
trabalho como fundamento da administração escolar:
uma contribuição ao debate sobre a gestão democrática
da escola. Caderno Idéias, nº 16, p. 114-24, São Paulo.
OZGA, Jenny, LAWN, Martin, (1991). O trabalho docen-
te: interpretando o processo de trabalho do ensino. Teoria
& Educação, nº 4, p. 140-58, Porto Alegre.
PARO, Vitor Henrique, (1988). Administração escolar: uma
reflexão crítica. São Paulo: Cortez.
__________, (1995). Por dentro da escola pública. São Paulo:
Xamã.
PEREIRA, Luís, (1967). A escola numa área metropolita-
na. São Paulo: Pioneira/Edusp.
PIZA, Edith, (1992). A contaminação de práticas no traba-
lho de magistério: notas para reflexão. São Paulo. Mimeo.
PUCCI, Bruno, (1991). O processo de proletarização dos
trabalhadores em educação. Teoria & Educação, nº 4,
p. 91-108, Porto Alegre.
REIS, Maria Candida Delgado, (1991). Tessitura de desti-
nos: mulher e educação. Dissertação de mestrado. Pon-
tifícia Universidade Católica de São Paulo.
RODRIGUES, Arakcy Martins, (1992). Lugar e imagem da
mulher na indústria. In: COSTA, Albertina de O., BRUS-
CHINI, Cristina (org.). Uma questão de gênero. Rio de
Janeiro: Rosa dos Tempos; São Paulo: Fundação Carlos
Chagas.
ROLLE, Pierre, (1989). O que é qualificação do trabalho?.
Tempo Social, nº 1, v. 2, p. 83-7, São Paulo.
ROSEMBERG, Fúlvia, (1992). Educação formal e mulher:
um balanço parcial. In: COSTA, Albertina de O., BRUS-
CHINI, Cristina (org.). Uma questão de gênero. Rio de
Janeiro: Rosa dos Tempos; São Paulo: Fundação Carlos
Chagas.
SÁ, Nicanor Palhares de, (1986). O aprofundamento das
relações capitalistas no interior da escola. Cadernos de
Pesquisa, nº 57, p. 20-9, São Paulo, mai.
SAVIANI, Dermeval, (1984). Ensino público e algumas falas
sobre universidade. São Paulo: Cortez.
SCOTT, Joan, (1990). Gênero, uma categoria útil de aná-
lise histórica. Educação e Realidade, v. 16, nº 2, p. 5-22,
Porto Alegre, jul./dez.
SEGNINI, Liliana Rolfsen Petrilli, (1994). Feminização do
trabalho bancário. In: BRUSCHINI, Cristina, SORJ, Blia
(orgs.). Novos olhares: mulheres e relações de gênero no
Brasil. São Paulo: Marco Zero/Fundação Carlos Chagas.
SOUZA-LOBO, Elizabeth, (1991). A classe operária tem
dois sexos: trabalho, dominação e resistência. São Pau-
lo: Secretaria Municipal de Cultura/Brasiliense.
STEADMAN, Carolyn, (1985). The mother made concious:
the historical development of a primary school pedagogy.
History Workshop, nº 20, outono.
TRATEMBERG, Maurício, (1978). A escola como organi-
zação complexa. In: GARCIA, W. (org.). Educação bra-
sileira contemporânea: organização e funcionamento. São
Paulo: McGraw-Hill.
__________, (1985). Relações de poder na escola. Educa-
ção e Sociedade, nº 20, p. 40-5, São Paulo, jan./abr.
Marília Pinto de Carvalho
... Diversas frentes de estudo localizadas em âmbitos interdisciplinares e relacionadas à docência têm apontado que as relações de gênero estão em todo espaço em que coexistem os respectivos profissionais. Nesse contexto, constituído de espaços relacionais, muitos estudos se dedicaram à problemática envolvendo gênero ao englobar temas voltados à questão da feminização (Alvarenga;Vianna, 2012;Carvalho, 1996;Catani et al., 1997;Hypólito, 1997; entre outros), à existência de professores do sexo masculino na educação infantil (Ferreira, 2008;Ramos, 2011) e à masculinidade na docência (Ferraz, 2006;Hentges;Jaeger, 2012). No entanto, apesar de esses trabalhos permitirem interlocuções abundantes sobre algum enfoque do gênero, ainda são escassas pesquisas que levem diretamente à reflexão sobre o gênero masculino e o contexto de licenciatura, especialmente quando se pressupõe que os espaços sociais em que se constrói a possibilidade de se tornar professor são permeados da negociação de significados por meio da interação e do discurso muitas vezes localizados em torno do gênero. ...
... Diante disso, pode-se afirmar que as questões envolvendo o trabalho profissional docente, integradas a uma perspectiva cultural, no caso, o contexto brasileiro, endossam valores diferenciados ao tratamento e às relações protagonizadas por indivíduos do sexo masculino e feminino, e não raro criam estereótipos sobre o papel do sexo na profissão (Pereira, 2002). Para Carvalho (1996), há notória diferença entre as práticas realizadas por indivíduos do sexo masculino e os do sexo feminino em contextos de sala de aula. Acrescentando Louro (2011a, p. 99), "embora professores e professoras passem a compartilhar da exigência de uma vida pessoal modelar, estabelecem-se expectativas e funções diferentes para eles e para elas". ...
... Diversas frentes de estudo localizadas em âmbitos interdisciplinares e relacionadas à docência têm apontado que as relações de gênero estão em todo espaço em que coexistem os respectivos profissionais. Nesse contexto, constituído de espaços relacionais, muitos estudos se dedicaram à problemática envolvendo gênero ao englobar temas voltados à questão da feminização (Alvarenga;Vianna, 2012;Carvalho, 1996;Catani et al., 1997;Hypólito, 1997; entre outros), à existência de professores do sexo masculino na educação infantil (Ferreira, 2008;Ramos, 2011) e à masculinidade na docência (Ferraz, 2006;Hentges;Jaeger, 2012). No entanto, apesar de esses trabalhos permitirem interlocuções abundantes sobre algum enfoque do gênero, ainda são escassas pesquisas que levem diretamente à reflexão sobre o gênero masculino e o contexto de licenciatura, especialmente quando se pressupõe que os espaços sociais em que se constrói a possibilidade de se tornar professor são permeados da negociação de significados por meio da interação e do discurso muitas vezes localizados em torno do gênero. ...
... Diante disso, pode-se afirmar que as questões envolvendo o trabalho profissional docente, integradas a uma perspectiva cultural, no caso, o contexto brasileiro, endossam valores diferenciados ao tratamento e às relações protagonizadas por indivíduos do sexo masculino e feminino, e não raro criam estereótipos sobre o papel do sexo na profissão (Pereira, 2002). Para Carvalho (1996), há notória diferença entre as práticas realizadas por indivíduos do sexo masculino e os do sexo feminino em contextos de sala de aula. Acrescentando Louro (2011a, p. 99), "embora professores e professoras passem a compartilhar da exigência de uma vida pessoal modelar, estabelecem-se expectativas e funções diferentes para eles e para elas". ...
Article
São analisadas e problematizadas as performances discursivas de indivíduos do sexo masculino do curso de Letras relacionadas à licenciatura como opção de curso e à docência como futura profissão. Para isso, um estudo de caso interpretativista de orientação qualitativa foi conduzido com sete acadêmicos de uma universidade pública localizada no interior de Goiás. Compõem o material de análise os discursos produzidos a partir das entrevistas semiestruturadas realizadas com os participantes, as quais foram posteriormente discutidas sob o viés da linguística aplicada crítica. Os resultados indicam a existência de performances discursivas heteronormativas masculinizadas, hegemônicas, bessencialistas e segregacionistas de gênero em relação ao homem que cursa Letras. Determinados estigmas são históricos, ideológicos, sociais, culturais e, portanto, urgentes de problematização, tendo em vista que a escolha do curso não pode ser balizada por uma matriz exclusiva de gênero.
... Estes discursos, segundo Bakhtin (2004), fazem parte dos sistemas ideológicos já constituídos e veiculam nos diversos espaços de circulação das crianças como a casa, a escola, influenciando nas suas formas de compreensão do mundo. Carvalho (1996) afirma a partir de análises feitas do trabalho docente feminino que, o trabalho doméstico, não somente contribui na definição de atividades que são tidas como femininas, mas estão presentes na vida da maioria das mulheres. Esta autora constatou que: [...] as falas e atitudes das educadoras, a maneira como enxergavam o trabalho docente, como organizavam o tempo e o espaço, assim como as relações que estabeleciam com as crianças e com as mães das crianças tinham como referencial a vida no lar, o trabalho doméstico, a maternagem, a socialização recebida para a vida doméstica. ...
... É importante salientar que nestas construções sociais que associam a docência a maternidade, o que deve ser questionado é a negatividade que se construiu historicamente para aquilo que Carvalho (1996) denomina de habilidades adquiridas pelas mulheres no seu processo de socialização. A autora também afirma que caberia aos estudos do trabalho docente deixar de tomar as características maternais e domésticas das professoras de forma pejorativa, como incompetência técnica, e passar a reconhecê-las como qualificações, que podem ou não se fazer presente em suas práticas em sala de aula e nas suas relações com os/as alunos/as. ...
Article
OS DISCURSOS DE CRIANÇAS SOBRE AS QUESTÕES DE GÊNERO NO TRABALHO DOCENTE E NO MAGISTÉRIO
... gender point of view" (CATANI et al., 1997;BARRETTO, 2009). Carvalho (1996), Louro (1997) and Cunha (2012), based on research carried out on the historical process of feminization of teaching in Brazil, add that, from the 19th century onwards, the teaching profession became a representative element of the teaching work done by women. For reasons of power, domination and hierarchization throughout history between social and cultural groups and, above all, about the division of labor between men and women in the country, some professions, which at the beginning of the construction of Brazilian society were characterized as represented by men -like the teaching profession, which in the period of colonization of Brazil, with the Jesuits, had teachers characterized as male -, became a reference in terms of women's work. ...
Article
Full-text available
Este texto apresenta uma análise acerca do perfil sociocultural dos estudantes da Licenciatura Interdisciplinar em Educação do Campo da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (LEDOC/UFERSA). Com base em um levantamento documental, toma para análise informações de 257 discentes da referida graduação. A análise se encontra sistematizada em cinco “eixos temáticos”, a saber: a) número de discentes homens e mulheres; b) faixa etária dos formandos; c) pertença étnico-racial; d) faixa de renda familiar; e) naturalidade dos estudantes. Como conclusão, sobrelevamos que a maior parte do alunado é constituída por mulheres, possui faixa etária entre 17 e 25 anos, se autodeclara parda ou preta, tem como renda familiar até dois salários mínimos e possui naturalidade referente a cidades circunscritas na Mesorregião do Oeste Potiguar do Estado do Rio Grande do Norte. Esses aspectos, entre outros, apontam para a feminização na formação de professores da Educação do Campo e para a inclusão de grupos sociais do semiárido potiguar na Educação Superior, os quais foram marginalizados na formação da sociedade brasileira.
... Leta (2003) conclui que apesar do crescimento da participação das mulheres nas atividades de pesquisa, suas chances de sucesso e reconhecimento ainda são reduzidas, numa inserção que tem sido desprestigiada quanto às ocupações de cargos e disputa por reconhecimento. A ascensão docente feminina esbarra em impedimentos simbólicos, "uma espécie de teto de vidro", enquanto a ascensão docente masculina caminha sobre uma "escada rolante de vidro" encontrando cada vez menos obstáculos (CARVALHO, 1996). ...
Article
Full-text available
Este artigo apresenta dados referentes à distribuição das bolsas produtividade em pesquisa do CNPq distribuídas entre os docentes da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) no ano de 2007, considerando a categoria gênero. O ano de 2007 foi extremamente importante para a maior universidade mineira, considerando que marca os oitenta anos da instituição. O texto começa registrando esse momento, que suscitou amplo debate na universidade sobre a sua vocação. Na sequência, busca compreender como as ideias de universidade, ciência e tradição podem desvelar desigualdades de gênero. Este artigo resulta de pesquisas do Programa Conexões de Saberes na UFMG que propôs mapear os processos (in) visíveis de exclusão na academia a partir da realidade da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
... Além disso, tais descritores não contemplavam as "professoras orientadoras" ou "orientadoras", sendo tais descritores incluídos na busca. Assim, foram realizadas quatorze combinações 2 com esses descritores, levando a um total de 720 produções; A despeito desse aspecto, Carvalho (1996), Louro (1997) ...
Article
Full-text available
Esta pesquisa, a partir de um levantamento documental, analisou teses disponibilizadas no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, a CAPES, com foco nos professores orientadores de estágios supervisionados das licenciaturas. A questão norteadora deste estudo é: o que apontam as teses no tocante aos professores orientadores dos estágios supervisionados, seu papel formador no contexto dos estágios nas licenciaturas? Em termos metodológicos, analisamos o conjunto de seis produções doutorais por meio da abordagem qualitativa de pesquisa e da análise documental como técnica de coleta de dados. Como consideração principal, a partir do que apontam as teses, enfatizamos que a orientação nos estágios supervisionados nos cursos de licenciatura do Brasil deve ser concebida como orientação formativa, isto é, como práxis educativa. Compreendemos que esse entendimento ajuda a pensarmos os processos organicamente articulados de formação inicial docente, sem o dualismo que separa a teoria da prática.
Article
Full-text available
A rede estadual de ensino do Rio de Janeiro oferta, em Nível Médio, o Curso Normal-Formação de Professores, o qual é uma modalidade de formação de profissionais para atuarem na Educação Infantil e no Ensino Fundamental I. Os professores que atuam nessas etapas da Educação Básica são à base do processo ensino-aprendizagem. Este artigo retrata a representação social dos professores do Curso Normal, estudantes da 3ª série do Curso e professores dos anos iniciais da Educação Básica do Rio de Janeiro. A investigação visa compreender qual a representação social que os professores do Curso Normal e os dos anos iniciais têm sobre o ‘aprendizado do estudante’. Assim como, entender como os estudantes da 3ª série do Ensino Médio, na modalidade Curso Normal, matriculados na rede estadual de ensino do Rio de Janeiro veem –se como futuros professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental I da Educação Básica. A pesquisa foi realizada por meio do Teste de Associação Livre de Palavras (TALP) através da plataforma SurveyMonkey, com o termo indutor ‘aprendizado do estudante’. A análise dos dados, à luz da Teoria das Representações Sociais (Moscovici, 1978) e da Teoria do Núcleo Central (Abric, 1998), com o aporte do software Evocation 2002 e do CmapsTools, mostra que as regras e as crenças compartilhadas são diferentes nos três grupos sociais participantes da pesquisa. Os professores formadores, responsáveis pelo estágio supervisionado curricular, compartilham um viés profissional; os estudantes partilham o afeto e muitas expectativas do que será a profissão, preocupados em concluir o curso, e os professores dos anos iniciais parecem não ter regras compartilhadas em relação ao aprendizado, com pouca discussão pedagógica.
Article
Durante a pandemia do novo Coronavírus e as demandas educacionais derivadas, professores e professoras assumiram os desafios do ensino remoto e dos tensionamentos advindos das circunstâncias emergentes. Para algumas professoras, a realização das atividades profissionais acrescidas às responsabilidades maternas e domésticas trouxe implicações relacionadas à dinâmica de gênero no âmbito da docência. Focalizando este aporte, o texto busca examinar as condições de polivalência e sobrecarga de trabalho de cinco professoras pesquisadas. A estratégia metodológica articula dados obtidos de um questionário semiestruturado para embasar uma análise qualitativa da problemática. Constatou-se que o processo de subjetivação de gênero emergiu nos tempos e espaços docentes impactando de modo expressivo o desenvolvimento das aulas remotas, mas, ao mesmo tempo, evidenciando a capacidade de resiliência das professoras em suas reinvenções cotidianas.
Article
O texto traz parte das reflexões elaboradas ao longo de uma pesquisa realizada com quatro formadoras de professores(as) de uma instituição pública, cujo objetivo central foi buscar os elementos constituidores de suas identidades e subjetividades. Neste recorte é apresentada uma resumida reconstituição histórica do modo como as representações sobre o gênero feminino foram sendo tecidas, numa tentativa de mapear as concepções sobre a mulher formuladas no interior de uma sociedade fundada no modelo europeu que disseminou entre nós o pensamento androcêntrico do universal masculino. Tal retomada foi feita com o objetivo de construir um caminho possível para resgatar o trajeto da inserção do gênero feminino na carreira docente em nosso país. Reconhecer as imagens, fixadas pelo imaginário social, sobre a mulher ajudaram na tarefa de compreender a composição da profissionalidade das professoras no Brasil. O período sobre o qual o levantamento se circunscreve abarca o espaço de tempo situado entre os séculos XVIII e XX, no plano mais geral e no Brasil. A historiografia que trata da mulher, do magistério e da feminização da profissão é o suporte para a compreensão do processo de constituição das identidades e da profissionalidade da mulher-professora. O estudo indicou que, mesmo submetida a forte resistência, a presença feminina no escopo da vida pública e profissional sempre foi uma realidade. Demonstrando que a consciência sobre o papel de sujeito históricoe da história é fundamental - seja para mulheres, seja para homens -, para a compreensão e efetiva participação dos/nos processos históricos.
Article
Full-text available
Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa de Mestrado cujo objetivo foi conhecer quem são os pedagogos que atuam nas instituições de ensino público da Superintendência Regional de Ensino de Ouro Preto / MG. O estudo, de abordagem qualitativa, fez uso de análise documental, questionário e entrevista para coletar os dados, com posterior tratamento das entrevistas pela análise de conteúdo. Os resultados indicaram que esses pedagogos têm na base de sua formação o curso de Magistério e são os especialistas de educação formados na vigência do Parecer CFE nº 252/69, quando o curso de Pedagogia estava estruturado por habilitações. Ao analisarmos a formação inicial que receberam identificamos que ela foi bem teórica, com pouco incentivo à pesquisa, e que o contato com o campo profissional se deu essencialmente a partir do estágio. A formação continuada da qual participam hoje não é específica para esses profissionais que atuam na coordenação pedagógica, demonstrando uma lacuna nessa formação.
Article
Full-text available
Gênero, Gram. Categoria que indica por meio de desinência uma divisão dos nomes baseada em critérios tais como sexo e associações psicológicas. Há gêneros masculino, feminino e neutro. Novo Dicionário da Língua Portuguesa (Aurélio B. de Hollanda Ferreira). Aqueles que se propõem a codificar os sentidos das palavras lutam por uma causa perdida, porque as palavras, como as idéias e as coisas que elas significam, têm uma história. Nem os professores de Oxford, nem a Academia Francesa foram inteiramente capazes de controlar a maré, de captar e fixar os sentidos livres do jogo da invenção e da imaginação humana. Mary Wortley Montagu acrescentava a ironia à sua denúncia do "belo sexo" ("meu único consolo em pertencer a este gênero é ter certeza de que nunca vou me casar com uma delas") fazendo uso, deliberadamente errado, da referência gramatical. Ao longo dos séculos, as pessoas utilizaram de forma figurada os termos gramaticais para evocar traços de caráter ou traços sexuais. Por exemplo, a utilização proposta pelo Dicionário da Língua Francesa de 1879 era: "Não se sabe qual é o seu gênero, se é macho ou fêmea, fala-se de um homem muito retraído, cujos sentimentos são desconhecidos". E Gladstone fazia esta distinção em 1878: "Atenas não tinha nada do sexo a não ser o gênero, nada de mulher a não ser a fama". Mais recentemente – recentemente demais para encontrar seu caminho nos dicionários ou na enciclopédia das ciências sociais – as feministas começaram a utilizar a palavra "gênero" mais seriamente, no sentido mais literal, como uma maneira de referir-se à organização social da relação entre os sexos. A conexão com a gramática é ao mesmo tempo explícita e cheia de possibilidades inexploradas. Explícita, porque o uso gramatical implica em regras que decorrem da designação do masculino ou feminino; cheia de possibilidades inexploradas, porque em vários idiomas indo-europeus existe uma terceira categoria – o sexo indefinido ou neutro. Na gramática, gênero é compreendido como um meio de classificar fenômenos, um sistema de distinções socialmente acordado mais do que uma descrição objetiva de traços inerentes. Além disso, as classificações sugerem uma relação entre categorias que permite distinções ou agrupamentos separados. No seu uso mais recente, o "gênero" parece ter aparecido primeiro entre as feministas americanas que queriam insistir na qualidade fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo. A palavra indicava uma rejeição ao determinismo biológico implícito no uso de termos como "sexo" ou "diferença sexual". O "gênero" sublinhava também o aspecto relacional das definições normativas de feminilidade. As que estavam mais preocupadas com o fato de que a produção dos estudos femininos centrava-se sobre as mulheres de forma muito estreita e isolada, utilizaram o termo "gênero" para introduzir uma noção relacional no nosso vocabulário analítico. Segundo esta opinião, as mulheres e os homens eram definidos em termos recíprocos e nenhuma compreensão de qualquer um poderia existir através de estudo inteiramente separado. Assim, Nathalie Davis dizia em 1975: "Eu acho que deveríamos nos interessar pela história tanto dos homens quanto das mulheres, e que não deveríamos trabalhar unicamente sobre o sexo oprimido, da mesma forma que um historiador das classes não pode fixar seu olhar unicamente sobre os camponeses. Nosso objetivo é entender a importância dos sexos, dos grupos de gêneros no passado histórico. Nosso objetivo é descobrir a amplitude dos papéis sexuais e do simbolismo sexual nas várias sociedades e épocas, achar qual o seu sentido e como funcionavam para manter a ordem social e para mudá-la".
A educação da mulher: a feminização do magistério
  • Eliane Marta Lopes
  • Teixeira
LOPES, Eliane Marta Teixeira, (1991). A educação da mulher: a feminização do magistério. Teoria & Educação, nº 4, p. 22-40, Porto Alegre.
Magistério de 1º grau: da competência técnica ao compromisso político
  • Guiomar Mello
  • Namo De
MELLO, Guiomar Namo de, (1987). Magistério de 1º grau: da competência técnica ao compromisso político. São Paulo: Cortez.
Administração e participação: reflexões para a educação. Revista da Faculdade de Educação
__________, (1984). Administração e participação: reflexões para a educação. Revista da Faculdade de Educação, v. 10, nº 2, p. 199-206, São Paulo, jul./dez.
O mito da masculinidade
  • Sócrates Nolasco
NOLASCO, Sócrates, (1993). O mito da masculinidade. Rio de Janeiro: Rocco.
Professora primária: mestra ou tia
  • Maria Eliana Novaes
NOVAES, Maria Eliana, (1984). Professora primária: mestra ou tia? São Paulo: Cortez.
A organização do trabalho como fundamento da administração escolar: uma contribuição ao debate sobre a gestão democrática da escola. Caderno Idéias, nº 16
  • Romualdo Oliveira
  • Luís De
OLIVEIRA, Romualdo Luís de, (1993). A organização do trabalho como fundamento da administração escolar: uma contribuição ao debate sobre a gestão democrática da escola. Caderno Idéias, nº 16, p. 114-24, São Paulo.
O trabalho docente: interpretando o processo de trabalho do ensino
  • Jenny Ozga
  • Martin Lawn
OZGA, Jenny, LAWN, Martin, (1991). O trabalho docente: interpretando o processo de trabalho do ensino. Teoria & Educação, nº 4, p. 140-58, Porto Alegre.
Administração escolar: uma reflexão crítica
  • Vitor Paro
  • Henrique
PARO, Vitor Henrique, (1988). Administração escolar: uma reflexão crítica. São Paulo: Cortez.