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Enquanto a Maternidade Não Vem: A Infertilidade e a Pressão Social como Pano de Fundo para a Adoção

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Abstract

Este trabalho trata da espera pela maternidade no contexto da ado- ção, enfocando aspectos sociais envolvidos na situação de impossibilidade biológica de gestar. Objetiva compreender alguns significados da materni- dade para mulheres que aguardam a adoção do primeiro filho, assim como compreender fatores contextuais envolvidos no fenômeno. Realizou-se uma pesquisa de caráter qualitativo, com a participação de oito mulheres que estavam na fila de espera pela adoção, há pelo menos seis meses, na Comarca de uma cidade do Rio Grande do Sul /RS. Os dados foram submetidos à análise de conteúdo. As análises permitiram constatar que as participantes apresentam concepções tradicionais relacionadas à materni- dade e à gestação, como aquela que realiza a mulher. Constatou-se também que as participantes sofrem duplamente, primeiro por que enfrentam a infertilidade e segundo por que precisam conviver com a pressão social por parte da família e dos amigos para tornarem-se mãe, sendo frequentes as críticas frente à impossibilidade biológica de gerar um bebê. Essa pressão social parece fazer com que elas continuem na espera pelo filho adotivo. Palavras-chave: adoção; família; infertilidade; maternidade; pressão social.
Enquanto a Maternidade Não Vem: A Infertilidade e a
Pressão Social como Pano de Fundo para a Adoção
Fernanda Donato Mahl1
Fernanda Pires Jaeger2
Naiana Dapieve Patias3
Ana Cristina Garcia Dias4
Resumo
Este trabalho trata da espera pela maternidade no contexto da ado-
ção, enfocando aspectos sociais envolvidos na situação de impossibilidade
biológica de gestar. Objetiva compreender alguns significados da materni-
dade para mulheres que aguardam a adoção do primeiro filho, assim como
compreender fatores contextuais envolvidos no fenômeno. Realizou-se
uma pesquisa de caráter qualitativo, com a participação de oito mulheres
que estavam na fila de espera pela adoção, há pelo menos seis meses,
na Comarca de uma cidade do Rio Grande do Sul /RS. Os dados foram
submetidos à análise de conteúdo. As análises permitiram constatar que as
participantes apresentam concepções tradicionais relacionadas à materni-
dade e à gestação, como aquela que realiza a mulher. Constatou-se também
que as participantes sofrem duplamente, primeiro por que enfrentam a
infertilidade e segundo por que precisam conviver com a pressão social por
parte da família e dos amigos para tornarem-se mãe, sendo frequentes as
críticas frente à impossibilidade biológica de gerar um bebê. Essa pressão
social parece fazer com que elas continuem na espera pelo filho adotivo.
Palavras-chave: adoção; família; infertilidade; maternidade; pressão
social.
While the Motherhood Doesn’t Come:
Infertility and Social Pressure as a Background for Adoption
1Psicóloga, Mestranda em Distúrbios da Comunicação Humana, Universidade Federal de
Santa Maria (UFSM), Santa Maria/RS.
2Psicóloga, Mestre em Psicologia, PUC/RS, Professora do Curso de Psicologia do Centro
Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS.
3Psicóloga, Especialista em Criança e Adolescente em Situação de Risco (UNIFRA), Mestre
em Psicologia (UFSM), Santa Maria/RS.
4Psicóloga, Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento (USP), Coordenadora do
Programa de Pós Graduação em Psicologia (UFSM), Santa Maria, RS.
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Abstract
This paper deals with the hopes for motherhood in the context of
adoption, focusing on the social aspects involved in the situation of the
biological impossibility of gestating. It aims to understand some meanings
of motherhood for women who are waiting to adopt their first child, as well
as understand the contextual factors involved in this phenomenon. We have
conducted a qualitative research study, which has included the participation
of eight women who have been on the waiting list for adoption, at least
six months, the County in a city of Rio Grande do Sul/RS. The data were
subjected to content analysis. The collected data revealed that participants
have traditional views regarding motherhood and pregnancy, as that which
makes the woman. It was also found that participants suffer doubly, first by
facing infertility and second, because they need to live with the social pres-
sure from family and friends to become a mother, and are often criticized
about the biological impossibility of conceiving a child. This social pressure
seems to make them continue in the struggle to hold the adoptive child.
Keywords: adoption; family; infertility; motherhood; social pressure.
Introdução
No século XVIII houve uma revolução nas ideias e nas representações
sobre a maternidade, sendo discutida a função materna e sua importância
para o desenvolvimento das crianças. Durante esse período, a criança
passou a ter um lugar mais privilegiado e valorizado na família. Ariés (1981)
ressalta que no século XVIII surgiram novos sentimentos no contexto fami-
liar associados principalmente à valorização da infância. Dessa maneira,
foram efetuadas mudanças nos hábitos de criação e educação dos filhos,
as crianças eram enviadas para receber a escolarização fora do ambiente
doméstico.
Além disso, outras mudanças, a exemplo do reconhecimento da igual-
dade entre os filhos no direito à herança, modificaram práticas existentes
anteriormente. As mães passaram a ocupar outras funções no contexto
doméstico, sendo recomendado que as mesmas cuidassem pessoalmente
de seus filhos, dedicando-se exclusivamente à maternidade. De fato, foram
elaborados diferentes discursos que sugeriam que o amor materno é natural
e espontâneo, reconhecendo a mãe como a principal figura responsável
pelo desenvolvimento dos filhos (Badinter, 1985).
O mito do amor materno foi desenvolvido e difundido, sendo todas
as mulheres conclamadas a cumprir seus deveres de mães, cuidando
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exclusivamente da sobrevivência de seus filhos (Motta, 2001). Assim, foi
exigido das mulheres que abrissem mão de seu tempo e de sua liberdade
em favor dos cuidados com o filho. Com isso, a “nova mãe” passou a dedi-
car muito mais tempo à criação dos filhos e a maternidade adquiriu novos
significados. Durante esse período, a mulher começou a ser percebida como
apresentando diferentes características, como docilidade, sensatez, pas-
sividade e dedicação. Por isso, ela deveria desenvolver um amor materno
incondicional pelo filho, recebendo como recompensa dessa dedicação o
reconhecimento e amor incondicional dos filhos (Badinter, 1985).
Ariés (1981) discute que, com o advento da família burguesa, ocor-
reu uma valorização dos laços familiares e, cada vez mais, a convivência
e a dedicação aos filhos se tornou parte fundamental do papel feminino
na família. Maldonado (2002) afirma que as atitudes maternas bem como
o papel de mãe têm se modificado no decorrer de nossa história, o que
pode levar a pensar a maternidade como um comportamento social, que se
adequa ao contexto socio-histórico no qual ela se desenvolve. Desse modo,
pode-se afirmar que os discursos são construídos e atravessados por um
espaço, um tempo e uma cultura, que determinam elementos históricos e
sociais associados às representações de maternidade.
Como visto ao longo dos séculos a maternidade tornou-se um valor
natural e social, que ainda é cultivado na sociedade. Castro (2002) relata
que a maternidade é culturalmente definida como um amor incondicional,
como forma de naturalizar o papel social da mulher, remetendo à geradora
biológica toda a responsabilidade de cuidar e educar a criança. De fato, a
ideologia da maternidade vivida atualmente confere a todas as mulheres a
capacidade natural de amar os filhos e cuidar deles sem restrições (Motta,
2001).
Nesse sentido, ainda hoje a sociedade mantém certos ideais em rela-
ção às mulheres, sendo o mais forte deles a ideia de que a maternidade é
indispensável à realização feminina (Motta, 2001). Por outro lado, a figura
feminina vem desenvolvendo novas funções. Além de mãe, é esperado da
mulher que ela se faça presente no mercado de trabalho, podendo optar
por uma profissão que lhe traga benefícios pessoais e prestígio profissio-
nal. Ademais, em muitas famílias a mulher se tornou uma fonte de renda
complementar e de autoridade no lar, além de continuar cumprindo as
tarefas já desenvolvidas no contexto doméstico – cuidado da casa e dos
filhos (Patias & Buaes, 2012).
Essas construções sociais, vinculadas às representações de ma-
ternidade (ser mulher é ser, necessariamente, mãe, por exemplo), geram
pressão social para que a mulher se torne mãe. Quando isso não acontece,
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as mulheres sentem o peso social dessas representações que consideram
a maternidade como um destino feminino (Patias & Buaes, 2009). Contudo,
pergunta-se: como se sentem as mulheres que não possuem filhos, pois
estão incapacitadas biologicamente de gerá-los? Nesse trabalho serão
abordados aspectos relativos a alguns significados da maternidade para
mulheres que aguardam a adoção do primeiro filho, bem como os fatores
sociais envolvidos diante da impossibilidade de uma gestação biológica.
Considera-se que compreender esses aspectos é importante, a fim de
pensar estratégias de intervenções para essas mulheres e suas famílias.
Método
Esse trabalho possui carater qualitativo e exploratório. Minayo (1997)
considera que esse tipo de delineamento se propõe a trabalhar com um
universo de significados, opiniões e atitudes de processos e fenômenos
estudados. Desta forma, é possivel aprofundar e compreender o fenômeno
estudado.
Participantes
Participaram do estudo oito mulheres, recrutadas a partir dos seguintes
critérios de inclusão: a) autorização e consentimento da participante para
participar da pesquisa, por meio do Termo de Consentimento Livre e Escla-
recido; b) possuir idade entre 30 a 45 anos; c) estar em um relacionamento
estável ou casada e d) estar aguardando o processo de adoção por um
período de no mínimo seis meses na Vara da Infância e da Juventude do
Fórum de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul/RS. Já os critérios
de exclusão foram: a) possuir filhos biológicos ou adotivos e b) não estar
cadastrada na fila para adoção na Vara da Infância e da Juventude do Fó-
rum da cidade na qual a pesquisa foi realizada. Na tabela 1 apresenta-se
uma breve descrição das participantes, que foram identificadas por meio
de nomes fictícios.
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Procedimentos e Instrumentos
Para a coleta de dados dessa pesquisa, inicialmente realizou-se
contato com o Fórum de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul/RS.
Em seguida, foi entregue à Juíza da Vara de Infância e Juventude uma
solicitação de permissão para acesso à lista de pretendentes à adoção.
A solicitação continha explicações e objetivos deste trabalho. Após seis
dias o pedido foi deferido. Em seguida, foi aprovado pelo Comitê de Ética
do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA) - CONEP Nº 1246 e pelo
Conselho de Ética em Pesquisa CEP-UNIFRA 341.2008.3. O projeto ob-
servou os procedimentos éticos de pesquisa previstos com seres humanos
da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
Após a aprovação do projeto, entrou-se em contato com as partici-
pantes via telefone, explicou-se detalhadamente os objetivos do estudo,
convidando as mesmas a participarem de uma entrevista individual. Houve
quatro pessoas que rejeitaram a participação no estudo, uma devido à falta
No me fictíc io Idade Tempo de
casada
Tempo de
espera na fila
da adoção
Motivo que
impos sibilitou
a gestação
biológica
Letícia 31 anos 3 anos 1 ano
Aborto de
repetição (causa
desconhecida)
Renata 33 anos 6 anos 3 anos
Ovário Policístico
Ângela 33 anos 5 anos 2 anos
Ovário Policístico
Mariana 42 anos 18 anos 1 ano e meio
Miomas
Luiza 42 anos 20 anos 6 anos
Cistos
Tânia
Ana
42 anos
43 anos
12 anos
12 anos
2 anos
5 anos
Miomas
Trompas
Obstruídas
Tabela 1 - Dados das participantes
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de tempo e as outras três em função da falta de interesse em colaborar
com a pesquisa. Para aquelas que aceitaram o convite foi entregue o Ter-
mo de Consentimento Livre e Esclarecido para esclarecimentos éticos e
explicação do estudo e assinatura. A pesquisa não apresentava nenhum
risco direto às participantes, contudo, foi esclarecido que caso ocorresse
algum constrangimento ou desconforto em relação à entrevista/pesquisa,
a entrevistada poderia desistir de participar do estudo. Dessa forma, as
participantes foram detalhadamente informadas sobre os propósitos da
pesquisa, bem como o direito de interromper a participação quando dese-
jassem caso considerassem necessário.
O agendamento das entrevistas foi marcado conforme a disponibi-
lidade de horário e local das participantes. Quatro mulheres optaram por
realizar a entrevista em seu local de trabalho, uma escolheu sua residên-
cia e as outras três a Clínica Escola do Centro Universitário Franciscano
(UNIFRA).
É importante salientar que, em todas as entrevistas, foi apresentada
a autorização dada pela Juíza da Vara da Infância e Juventude. Explicou-
se às participantes que somente se obteve os dados referentes à lista de
pretendentes, as informações pessoais prestadas serão mantidas em sigilo.
Para a coleta dos dados utilizou-se uma entrevista semiestruturada. Com
esse modelo de entrevista, pretende-se colher informações detalhadas,
busca-se o conhecimento do que o entrevistado considera como mais
relevante em relação a certo fenômeno ou problema de pesquisa, assim,
são investigadas as opiniões, sentimentos e percepções do indivíduo (Ri-
chardson, 1999).
O roteiro de perguntas contemplou as seguintes questões norteadoras:
(a) Como foi o processo que antecedeu a decisão pela busca da adoção?
(b) Quando surgiu a vontade de ser mãe? (c) Quais as expectativas quanto
à criança a ser adotada? (d) Como está sendo o processo de espera pela
adoção? (e) A decisão de adotar mudou alguma coisa na sua vida? (f)
Essas questões foram construídas a partir da literatura sobre maternidade
e adoção. Possuíam o objetivo de compreender os motivos pelos quais as
mulheres bucaram a adoção frente à impossibilidade biológica de gestar.
Análise dos dados
Após as gravações das entrevistas, o material foi transcrito e analisa-
do, conforme proposta da análise de conteúdo. Esse método é entendido
como um conjunto de técnicas para análise das comunicações por meio
de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
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mensagens, que buscam obter indicadores qualitativos. Essa é uma técnica
que pretende analisar, sobretudo, as falas e as informações coletadas, de
forma extensiva (Bardin, 1977).
A análise se constituiu de três momentos cronológicos: a pré-análise,
a exploração do material e tratamento dos resultados e a interpretação dos
dados. No primeiro momento foi feita a organização do material, ou seja, a
transcrição das entrevistas e a leitura exaustiva das mesmas, o que possi-
bilitou a formulação de indicadores, a partir das entrevistas e das questões
norteadoras do estudo. Esses indicadores foram aplicados no material
coletado, seguindo as regras de exaustividade, de representatividade, de
homogeneidade e de pertinência (Bardin, 1977). Por fim, procedeu-se ao
tratamento dos resultados e a interpretação, na qual se buscou realizar uma
comparação entre as informações obtidas e a literatura revisada sobre o
fenômeno.
Resultados e discussões
Este trabalho trata da espera pela maternidade no contexto da adoção,
enfocando os aspectos sociais envolvidos na situação de impossibilidade
biológica de gestar. Objetiva compreender alguns dos significados da ma-
ternidade para mulheres que aguardam a adoção do primeiro filho, assim
como compreender os fatores contextuais envolvidos no fenômeno. Foram
desenvolvidas três categorias temáticas para compreender o fenômeno:
Adoção: solução encontrada face à pressão social para a realização da
maternidade, Sentimentos gerados pela infertilidade no contexto da adoção
e A valorização social de uma barriga – a filiação biológica. Destaca-se
que cada categoria trata de um tema central, que acaba se relacionando
as demais categorias.
Adoção: solução encontrada face à pressão social para a realização
da maternidade
A discussão dos fatores sociais envolvidos nesta categoria congregou
as falas das participantes que revelaram que os significados da maternidade
estão associados às representações tradicionais de família e de materni-
dade veiculadas em nossa sociedade. Observa-se que a concepção de
família é aquela composta por pai, mãe e filhos. A mulher e a família só
se completam quando a maternidade/parentalidade se concretiza. Essas
concepções levaram essas mulheres a buscar a adoção como uma solução
para seus problemas gerados pela impossibilidade biológica de gestar.
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Foram identificadas várias razões pelas quais as participantes re-
correm à maternidade adotiva. Dentre elas, foi citada principalmente a
grande pressão social exercida por parte da família e amigos para que as
participantes se tornassem mãe do primeiro filho. “A pressão social para o
primeiro filho é muito grande para todas as mulheres, e para mim também. É
um fardo muito grande pra gente carregar” [sic] (Tânia, 42 anos). “As outras
pessoas pressionam a gente, tu não vai ter teu primeiro filho? Já tá na hora
né? As pessoas sempre me cobram isso!” [sic] (Renata, 33 anos).
A pressão social exercida sobre a mulher para ser mãe associa-se
ao projeto pessoal de maternidade que essas mulheres já possuíam, mas
que, devido à impossibilidade biológica para gestar, não pode ser concre-
tizado. As falas de Letícia e Mariana retratam esta situação. “Eu tô louca
pra ter um filho, ter alguém pra preencher minha vida. Este plano já tenho
faz tempo.Vou me ocupar com coisas boas pra mim, que será meu filho,
eu quero usufruir tudo depois com o filho” [sic] (Letícia, 31 anos). “A gente
precisa de alguma coisa, alguma novidade, falta alguma coisa, falta um
filho mesmo e a prioridade vai ser o filho, eu sonho com isso, eu quero
isso” [sic] (Mariana, 42 anos).
Constatou-se que a maioria das participantes tem um interesse primá-
rio e pessoal em ter um filho. Ou seja, a expectativa de ser mãe encontra-
se presente no cotidiano dessas mulheres, sendo um projeto acalentado,
considerado uma forma de alcançar a realização pessoal. O estudo de
Cezne (2009) também demonstra que as mulheres que desejam e lutam
para se tornarem mães durante um longo período de tempo tendem a super
investir na maternidade, focalizando todos os interesses nesse fato. Além
disso, as participantes afirmam que outras razões ou motivações externas
se associaram a busca pela adoção, por exemplo, as frequentes críticas dos
familiares à impossibilidade delas gerarem um bebê. Esse fato faz com que
elas compreendam a maternidade como uma necessidade em suas vidas.
“Me casei sábado, a gente ficou fora uma noite só, no domingo chegamos
em casa e minha família disse, tá e aí? E minha netinha?” [sic] (Letícia, 31
anos). “Tem fases em que todas as cunhadas e irmãs tão grávidas, e tu
acaba se envolvendo, te bate aquilo, e tu pensa, eu também tenho que ter
meus filhos!” [sic] (Luíza, 42 anos)
Otuka, Scorsolini-Comin e Santos (2012) ressaltam que culturalmente
muitos casais são tomados por concepções tradicionais de maternidade
e família que valorizam a parentalidade, o que pode explicar o desejo de
um casal ter um filho para sentir-se dentro dos padrões de “normalidade”
familiar, ditados pela sociedade. “Tu imagina, chega uma fase em que todo
mundo tem filhos, daí tu começa a comprar revista de decoração de quar-
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tinho e tal, bate aquela coisa e nossa! Eu tenho que ter meus filhos logo,
assim como os outros”. [sic] (Letícia, 31 anos). “Vejo minha irmã e elas
já têm filhos, as cunhadas têm, quando tu vê sente que queria pra ontem
também ter o teu né!” [sic] (Ângela, 33 anos).
Brazelton e Cramer (2002) apontam que o desejo de ser mãe é in-
fluenciado pela sociedade, uma vez que esta, de diferentes formas, cobra
da mulher a maternidade, como sendo uma confirmação de sua condição
natural feminina. Braga e Amazonas (2005), por sua vez, observam que
a maternidade dá visibilidade ao feminino, uma vez que historicamente
está ligada diretamente à feminilidade: ao cuidado, à doação, à educação
dos filhos e a tudo o que diz respeito ao ambiente doméstico. Dessa for-
ma, a maternidade ainda hoje é percebida como elemento fundamental à
construção da identidade feminina, apesar da mulher atualmente exercer
diversas funções na sociedade, que não se restringem ao papel materno
(Ribeiro, 2004).
A partir do final do século XIX, a mulher passou a assumir diferentes
papéis na sociedade. Por exemplo, ela teve a possibilidade de adentrar
no mercado de trabalho, contribuindo com as despesas do lar, o que ante-
riormente era uma tarefa exclusivamente masculina (Biasoli-Alves, 2000;
Barbosa & Rocha-Coutinho, 2007). Hoje o trabalho feminino é associado
também à satistação da mulher, pois, além de proporcionar status, pode
levar ao crescimento individual combinado aos projetos de desenvolvimento
profissional (Fiorin, Patias & Dias, 2011). Contudo, isto leva a uma dupla
jornada de trabalho, na qual algumas mulheres assumem a chefia do lar,
não só afetivamente (dando carinho, educação e amor aos filhos), mas
também economicamente, auxiliando nas despesas do lar (Fiorin, Patias,
Walczack & Dias, 2011). Esses fenômenos podem ser observados nas falas
das participantes: “Por enquanto não tem criança, então vou trabalhando.
Enquanto não vier eu trabalho normal. Agora somos só eu e ele, depois vou
ter que saber dividir entre minha vida pessoal e profissional”. [sic] (Renata,
33 anos). “Hoje eu me debrucei no trabalho. Mas pretendo parar de trabalhar
tanto assim que eu tiver meu filho, pra curtir né. Daí vou ter que me dividir
entre meu trabalho, meu filho e minha casa” [sic] (Luíza, 42 anos).
Esses acontecimentos levaram a mulher a viver experiências comple-
xas e contraditórias. Algumas mulheres, ainda hoje, se encontram divididas
entre a necessidade de firmar-se profissionalmente e o desejo de dedicar-se
exclusivamente à maternidade, realizando um acompanhamento próximo do
desenvolvimento dos filhos (Maluf & Kahhale, 2010). No entanto, apesar de
muitas participantes afirmarem que terão que administrar uma dupla jornada
em suas vidas (profissional e materna), e que isso pode gerar sobrecarga
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física e emocional, encaram a infertilidade como algo que lhes traz grande
tristeza e dor, se constituindo em uma situação a ser “resolvida”. Este tema
será tratado na próxima categoria.
Sentimentos gerados pela infertilidade no contexto da adoção
A partir da análise das falas das participantes foi possível identificar
que todas vivenciaram algum tipo de sofrimento por não conseguirem
engravidar. Essa categoria busca compreender a experiência subjetiva
dessas mulheres sobre a situação de infertilidade. Schettini, Amazonas e
Dias (2006) revelam que é comum casais inférteis sentirem-se discriminados
socialmente por não poderem, biologicamente, gerar filhos, percebendo-se
diferentes daqueles que o conseguem. Esses mesmos sentimentos foram
também encontrados em estudo realizado por Patias e Buaes (2009) com
mulheres que não possuem filhos por opção. As mulheres entrevistadas
por essas autoras relataram sentir diariamente o peso de sua escolha, uma
vez que amigos, familiares e colegas de trabalho lhes cobram justificativas
ante ao fato de não desejarem ou mesmo terem filhos.
Nessa pesquisa observa-se que as participantes sentem-se tristes e
angustiadas face à impossibilidade e cobranças por não poderem gestar.
Esse fato gera inúmeros questionamentos e sentimentos de incapacida-
de. Observe os depoimentos a seguir: “Mas eu levo a marca comigo. Por
que será que não consegui segurar um filho aqui? É esta a sensação, de
estranheza, e questionamento junto com incapacidade. Por que não deu?”
[sic] (Tânia, 42 anos). “Não vou dizer que estou curada 100% da ferida,
isso vou levar pra sempre” [sic] (Luiza, 42 anos).
Percebe-se que a futura mãe, que concretizará seu projeto através da
adoção, é inevitavelmente afetada pelo estresse decorrente da infertilidade
e pelo o sofrimento por não conseguir engravidar ou gestar. Levinzon (2004)
lembra que um dos fatores mais comuns encontrados nos processos de
adoções é a esterilidade de um dos cônjuges. Esta pode trazer diferentes
problemas para os indivíduos e casais. Assim, algumas famílias adotantes
buscam na perfilhação, via da adoção, uma forma de suprir seu desejo de
parentalidade e lidar com o problema gerado pela infertilidade (Schettini,
Amazonas & Dias, 2006; Weber, 2004, Zacharias & Mallmann, 2010).
Segundo Schettini et al. (2006), as mulheres sentem-se diferentes
quando não possuem filhos. A situação da infertilidade parece promover uma
profunda ferida narcísica nas mulheres, pois essas revelam sentimentos de
inferioridade diante de outras pessoas que conseguem gestar e ter filhos.
A adoção representa uma solução final para lidar com a ideia de fracasso
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face à infertilidade (Zacharias & Mallmann, 2010). Observe as falas a seguir:
“Como o bebê não veio depois de várias tentativas, agora eu estou na fila
da adoção, por que a gente dança conforme a música e com isso espero
ter meu filho” [sic] (Mariana, 42 anos). “Depois que casei pensei em ter um
filho de barriga, dai tentei, tentei e não veio. Agora inverteu a ordem e na
adoção espero ter meu filho” [sic] (Renata, 33 anos).
Na percepção dessas participantes, a infertilidade (aliada ao não
exercício da parentalidade) gera exclusão social e críticas dos familiares e
amigos. Observa-se em dois dos relatos a seguir, que não apenas sentimen-
tos de exclusão são vividos, mas outros papéis que a mulher desempenha
na sociedade podem estar ameaçados face à infertilidade. “Eu até disse
para meu marido, vamos nos separar! Por que eu não vou conseguir te
dar um filho nunca!” [sic] (Ângela, 33 anos). “Minha sogra me disse estes
dias, tu vê o fulano casado nunca teve filhos, trocou de esposa e teve filho.
Daí meu marido disse: tá mãe, mas eu não vou trocar a Renata por isso!”
[sic] (Renata, 33 anos).
Na análise dos relatos, observa-se uma necessidade dessas partici-
pantes se colocarem em uma situação de similitude às demais mulheres
que podem conceber. Percebe-se, no caso destas entrevistadas, que existe
certo desconforto face à sua diferença de condição quando se comparam
a outras mulheres com filhos. No entanto, a chegada do primogênito trará,
em suas concepções, a neutralização dessa “diferença” e inserção no grupo
social. “A gente se sente muito discriminada, vai tomar chimarrão na praça
daí já vem todo mundo com seus filhinhos brincando, vamos ao shopping,
todo mundo com seus filhinhos andando. Então assim, este tipo de coisa
comove a gente, e a gente quer ter também como os outros um filhinho” [sic]
(Letícia, 31 anos). “Tem uma diferença entre as mulheres, as com filhos e as
sem filhos. As com filhos se reúnem mais em relação às crianças, e neste
sentido elas tem mais proximidade umas com as outras, e eu que tenho
problema não tenho tanta proximidade. Então quando começa assunto de
filhos, eu não tenho assunto e fico excluída” [sic] (Luiza, 42 anos).
Para Otuka, Scorsolini-Comin e Santos (2012), a sensação de ex-
clusão social frente a não realização da maternidade parece ser suprida
apenas quando as mulheres tornam-se mães, pois, culturalmente somente
uma família com pai, mãe e filhos é promotora de afeto, proteção e união
entre os membros. Essa concepção é fortalecida e afirmada por diferentes
atitudes presentes no contexto social das entrevistadas. Além disso, his-
tórica e culturalmente, considera-se família o casal com filhos. Apesar de
existirem várias configurações familiares (homoparental, casais sem filhos,
famílias recompostas, etc), ainda há, no imaginário social, a concepção
Pensando Famílias, 16(2), dez. 2012; (85-102)
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de que uma família, para ser completa, precisa de filhos (Patias, Gabriel &
Abaid, 2011). Dessa forma, é visível que os discursos referentes à mater-
nidade e à família ditam o perfil esperado da mulher em nossa sociedade
ainda hoje, pois as convenções socioculturais influenciam o papel que
cada mulher deve representar. Ocorre uma cobrança da família extensa,
que associa casamento, maternidade, família e filhos (Patias & Buaes,
2012). A situação de infertilidade denuncia esses diferentes significados
associados à familia e maternidade que geram a pressão social para ter
filhos, já abordados na primeira categoria.
Além do sentimento de exclusão por não ter um filho, uma criança
representa para as entrevistadas possibilidades de identificação e conví-
vio grupal. Ao ser mãe, essas entrevistadas consideram que se tornarão
idênticas a outras mulheres presentes no meio onde vivem. Isso lhes fará
sentirem-se iguais às demais mulheres, o que lhes despertará um senti-
mento de pertença ao grupo feminino. Segundo Zimerman (2000), todo ser
humano necessita de algum tipo de reconhecimento, sendo esse sentimento
vital para a manutenção da autoestima. Por isso, é relevante ser admitido
em um grupo tanto no plano familiar quanto no social, fato que pode vir
a ocorrer na percepção dessas mulheres quando a maternidade ocorrer,
mesmo que pela via da adoção (Costa & Rossetti-Ferreira, 2007).
Como se pode perceber, a maternidade é um fator que contribui tanto
para o processo de socialização quanto para a valorização e pertencimento
à família. A situação de infertilidade parece fazer com que a mulher adquira
uma maior consciência sobre esses significados que circulam em nossa
sociedade. É esperado que a maternidade ocorra em um contexto de uma
união estável, principalmente dentro do casamento, sendo a parentalidade
o fator definidor, em muitos casos, da efetivação do núcleo familiar (Borlot
& Trindade, 2004). Por isso, a maternidade é cobrada de todas as mulhe-
res e uma mulher infértil é, muitas vezes, vista como uma árvore seca,
impossibilitada de gerar frutos (Mansur, 2003). Isso pode ser constatado na
frase a seguir. “É uma mistura confusa, por que é uma mistura de angústia,
tristeza, às vezes tu te sente uma droga, por que ah poxa vida, por que
eu não tenho capacidade de ter um filho? Eu fico triste às vezes por isso”
[sic] (Letícia, 31 anos).
Tais elementos parecem ser fortalececidos pelas representações
tradicionais de maternidade, que tratam a mesma como condição natural
e aspecto máximo da realização do sexo feminino. Nesse sentido, perce-
bemos que existe uma valorização da gestação biológica e, consequente-
mente, das vivências e a barriga, fruto da mesma. Esse tema será tratado
na próxima categoria.
Pensando Famílias, 16(2), dez. 2012; (85-102)
Enquanto a Maternidade Não Vem - F. D. Mahl, F. P. Jaeger, N. D. Patias, Ana C. G. Dias 97
A valorização social de uma “barriga” – a filiação biológica
Esta categoria aborda como as questões que envolvem a impossi-
bilidade de uma gestação biológica influenciam na opção pela adoção.
Demonstra ainda a importância social conferida à parentalidade biológica
e as evidências físicas relacionadas a essa forma de filiação. Evidencia
principalmente como a ausência de uma barriga parece associar-se ao
sentimento de incapacidade presente na situação da infertilidade.
A concretização da gestação é percebida pelas modificações no
corpo da mulher, principalmente, pela barriga que cresce, sendo a mesma
percebida pelas mulheres entrevistadas, como um valor social. Ter uma
“barriga de gestação” parece representar uma conquista, associada à rea-
lização da identidade feminina. As entrevistadas parecem sofrer ao relatar
que gerar um filho e ter uma “barriga” pode ser uma conquista grande na
vida feminina. Desta forma, ante a impossibilidade do desenvolvimento de
um “barrigão”, observa-se a presença de sofrimento e frustração. Observe
as falas: “Eu sofro só de ficar vendo barrigas, imagina até no meu prédio
tem uma loja de bebês! Então assim, no aniversário de um ano da nossa
afilhada, eu fui pro banheiro chorar, várias vezes, por que tava cheio de
mulheres com barrigas, e dá uma coisa na gente, uma tristeza, uma dor,
uma coisa indescritível” [sic] (Letícia, 31 anos). “A gente tem de tudo, só
falta o principal, que é a barriga. É uma gestação sem barriga, e não uma
gravidez com barriga. Quando eu percebo que alguém está grávida, eu
fico assim, um pouco sentida por mim. Olha a fulana que maravilha, tão
felizes, barrigão e tal. E daí a gente pensa, mas bem que podia ser eu!”
[sic] (Ângela, 33 anos).
Para Raphael-Leff (1997), de todas as experiências humanas, a
gravidez é a que mais enfatiza nossas diferenças básicas de gênero. O
significado da concepção não se relaciona apenas à maternidade (Cez-
ne, 2009), as participantes acreditam que a barriga de uma gestação dá
visibilidade à mulher, estando associada à admiração e ao sentimento de
realização frente a uma tarefa cumprida, além de ser fonte de atenção e
carinho de outras pessoas. “Eu gostaria de ter uma barriga de gravidez, por
que meu marido é super carinhoso, ia ficar ligado em mim, o tempo todo
alisando minha barriga que seria perfeita” [sic] (Renata, 33 anos). “Ah por
que eu não fico assim grávida, como elas ficam. Eu queria ter a barriga e
me sentir plena e completa” [sic] (Ana, 43 anos).
Através das falas, percebe-se o quanto a concretização da gestação
está associada, além da questão biológica, a representações culturais,
pois a barriga é relatada como um valor social e a confirmação física e
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98 Enquanto a Maternidade Não Vem - F. D. Mahl, F. P. Jaeger, N. D. Patias, Ana C. G. Dias
concreta da gestação e da feminilidade. Mostrá-la significa evidenciar para
as pessoas que se está cumprindo, enquanto mulher, um papel esperado
e socialmente valorizado. A mulher que expõe sua barriga grávida está
demonstrando o quanto é feminina e apresenta a capacidade de gerar um
filho (Badinter, 1985, Mansur, 2003, Costa & Rossetti-Ferreira, 2007).
Percebe-se que diferentes sentimentos emergem neste período, de-
pendendo das experiências específicas vivenciadas por cada mulher ou
até mesmo pelo casal. Silva e Lopes (2011) ressaltam que o desejo pela
parentalidade pode aumentar a coesão do casal, promovendo à redução
de conflitos e o aumento da comunicação entre ambos. Por outro lado,
os relatos deste estudo indicam as inúmeras dificuldades pelas quais os
casais inférteis se deparam, podendo gerar frustração e conflitos. Observe
o próximo depoimento: “A gente achava que poderia ter um bebê. Então
sofremos muito, eu e meu marido. Por que a gente não consegue ter algo
tão comum para todos os casais e pessoas, que é ter uma barriguinha de
gestação e ter um filho” [sic] (Renata, 33 anos). Ribeiro (2004), por sua
vez, afirma que se torna doloroso para um casal o fato de não poder gerar
filhos, pois a infertilidade abala antigas certezas em relação ao conceito
de maternidade e paternidade, marcadas especialmente pelas influências
dos fatores culturais.
Considerações finais
A maternidade foi, ao longo do tempo, sendo construída cultural e
socialmente como uma tarefa exclusivamente feminina e indispensável à
mulher. Dessa forma, percebe-se que os inúmeros discursos sociais acabam
por influenciar na opção pela maternidade. Quando a mulher depara-se
com a impossibilidade biológica de gestar, essa pode buscar outras formas
de exercer a maternidade, como ocorre na situação de adoção. Neste es-
tudo buscou-se enfocar as vivências da espera pela adoção em contexto
de infertilidade biológica. Sabe-se que as vivências da maternidade são
atravessadas por desejos e necessidades relacionadas a questões muito
subjetivas e a adoção de uma criança torna-se uma solução possível face à
infertilidade. A infertilidade torna mais evidente uma série de representações
que circulam na sociedade associados às noções de familia e maternidade.
A opção pela adoção não exime os indivíduos da vivência de lutos frente
à ausência da experiência biológica e psicológica de gravidez, fato que se
tornou evidente nos relatos das participantes desse estudo.
As participantes do estudo sentem-se cobradas socialmente para
serem mães do primeiro filho, sendo que parte dessa pressão decorre da
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Enquanto a Maternidade Não Vem - F. D. Mahl, F. P. Jaeger, N. D. Patias, Ana C. G. Dias 99
existência de uma associação entre família, casamento e maternidade.
Social e culturalmente existe uma representação de que ser mulher significa
ser mãe, que se alia à concepção tradicional de que um filho une o casal e
mantém os laços familiares mais sólidos; o que garantiria a existência de
uma família feliz e completa (Patias & Buaes, 2012). Essas concepções
difundem a ideia de que a concretização da família como núcleo afetivo
só se torna possível quando a família for preenchida através das relações
entre pais e filhos.
Dessa forma, aquelas que fogem à regra (pelo adiamento, opção de
não ter ou pela infertilidade) sofrem com as pressões sociais ante a não
maternidade. Frente à impossibilidade biológica de gestar, as mulheres
recorrem à adoção, a fim de corresponder às normativas sociais e ao de-
sejo de gestar. Contudo isso não as isenta de sofrimento, primeiro, por que
continuam a conviver com as pressões sociais e familiares para tornar-se
mãe do primeiro filho e, segundo, por que enfrentam a infertilidade e a
impossibilidade de vivenciar a gestação e ter um filho biológico.
Os profissionais da saúde, dentre eles os psicólogos, tem um papel
essencial no atendimento dessa população. É possível realizar grupos com
casais que esperam pela adoção, para que possam, juntamente com outros
casais que passam pela mesma situação, elaborar lutos, discutir essas
diferentes representações e valores associados à família, parentalidade
biológica, infertilidade e parentalidade adotiva, entre outros temas possi-
veis. Além disso, os dados demonstram que é importante discutir aspectos
relativos ao desejo real de ser mãe, já que muitas vezes a maternidade
parece não ser realmente uma opção, mas quase uma imposição social
à mulher.
Por fim, destacam-se algumas limitações do presente trabalho; cabe
lembrar que algumas possíveis participantes do estudo não aceitaram
participar da pesquisa, desta forma, não se sabe se estas pessoas compar-
tilham das representações aqui encontradas ou se possuem outras ideias e
características que não foram expressas nesse trabalho. O estudo utilizou
um delineamento transversal, desta forma não foi possível acompanhar se,
de fato, as expectativas desses casais se concretizaram, pois, foram obtidas
apenas as percepções e sentimentos das mulheres face ao fenômeno.
Considera-se importante a realização de futuras pesquisas que
abordem as estratégias utilizadas por essas mulheres para lidar com essa
pressão social face à maternidade. Pesquisas com os companheiros e com
os familiares de mulheres nessa situação de espera de adoção também
podem auxiliar a compreender se e como essas representações e valores
encontrados neste estudo estão sendo construídos e perpetuados. Além
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100 Enquanto a Maternidade Não Vem - F. D. Mahl, F. P. Jaeger, N. D. Patias, Ana C. G. Dias
disso, cabe lembrar que atualmente a adoção está sendo buscada por
diferentes indivíduos, com diferentes configurações familiares, havendo,
possivelmente, similaridades e diferenças nessas situações. Desta forma,
seria interessante investigar como essas situações novas (por exemplo,
adoção por casais homossexuais) se relacionam às questões sociais de
filiação e representação de família presentes em nossa sociedade.
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Endereço para correspondência
fe.donato@hotmail.com;
nandadonato@yahoo.com.br
Enviado em 16/08/2012
1ª revisão em 17/10/2012
Aceito em 29/11/2012
Pensando Famílias, 16(2), dez. 2012; (85-102)
102 Enquanto a Maternidade Não Vem - F. D. Mahl; F. P. Jaeger; N. D. Patias, Ana C. G. Dias
... In fi ve studies there are results that corroborate this idealization of motherhood (Lage et al., 2014;Mahl et al., 2012;Maux & Dutra, 2009; Sonego & Lopes, 2009), in which women were interviewed regarding adoptive motherhood, revealing traditional representations of family and motherhood, indicating that the family is made up of father, mother and children and that this institution only reaches completeness when the parenthood is solidifi ed. It should be noted that this composition, according to what is presented in the statements of the participants of these studies, is based on a heteronormative perspective of these roles, establishing rigid models of parenthood that delegate to the man (father) and the woman (mother) specifi c functions according to their gender. ...
... Regarding the motivations for performing adoption, some of the studies retrieved address the issue of infertility (male or female) as one of the main reasons. It was possible to observe that traditional concepts regarding family and motherhood served as the background for these couples to seek adoption, a solution to the biological impossibility of pregnancy, as well as recognition of the exercise of parenthood (Lage et al., 2014;Mahl et al., 2012;Maux & Dutra, 2009;Sonego & Lopes, 2009). In the study by Maux and Dutra (2009) on fertile women who chose to adopt because of their infertile spouses and in the study by Mahl et al. (2012) on female infertility, characteristics associated with the social pressure related to motherhood, exercised by the extended family and/or by the social group of these women were evidenced. ...
... It was possible to observe that traditional concepts regarding family and motherhood served as the background for these couples to seek adoption, a solution to the biological impossibility of pregnancy, as well as recognition of the exercise of parenthood (Lage et al., 2014;Mahl et al., 2012;Maux & Dutra, 2009;Sonego & Lopes, 2009). In the study by Maux and Dutra (2009) on fertile women who chose to adopt because of their infertile spouses and in the study by Mahl et al. (2012) on female infertility, characteristics associated with the social pressure related to motherhood, exercised by the extended family and/or by the social group of these women were evidenced. In this sense, the social constructions linked to the representations of motherhood that naturalize the idea that being a woman is, necessarily, being a mother, exert a strong infl uence in making the decision to have children, whether they are consanguineous or adopted. ...
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The present study aimed to understand how the gender category emerges in studies about adoption in the Brazilian context. The guiding question was: How do researches in the context of adoption, regarding children, parents and professionals, address gender issues? An integrative literature review was conducted on the databases LILACS, SciELO and PePISC with the descriptors adoption, gender and parentality, published between 2007 and 2017. Seventeen articles had been recovered and three categories were constituted: (a) Exercise of maternity in the context of adoption; (b) (In)visibility of paternity in the discussion about adoptive parenting; (c) Homoparentality: meanings of reproductive technology and adoption. The studies brought to light reflections about adoptive parenting and adoptive homoparentality, as well as highlighting the way these couples exercise their parental roles. It is concluded that understanding how parental roles are exercised in these different realities makes it possible to understand different family arrangements, opening more space for families by adoption. It is recommended to expand the gender discussions in order to provide questions and tensions for this scenario, dialoguing with different developmental and clinical perspectives.
... Portanto, pode-se sugerir que, nesses casos, a perda é um tema presente desde o início da adoção (Rampage et al., 2016). Alguns autores sugerem que o período de espera pela adoção pode compreender também um período de elaboração da perda do filho biológico (Mahl, Jaeger, Patias, & Dias, 2012;Schettini et al., 2006). Quando se trata da infertilidade nas mulheres, é preciso ressaltar que o fato de não conseguir engravidar pode ser interpretado como uma distorção em sua condição enquanto mulher. ...
... O estudo de Selwyn (1991) destacou que casais com problemas de infertilidade, como é o caso dessa entrevistada, podem experimentar a sensação de perda de controle e aumento do sentimento de impotência diante da experiência de rejeição no processo de habilitação. Assim, se faz importante o acompanhamento psicológico dessas famílias a fim de elaborar os lutos ligados à infertilidade (Mahl, Jaeger, Patias, & Dias, 2012;Schettini et al., 2006) e à negação de sua única alternativa para o exercício da parentalidade. ...
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Resumo Este estudo tem o objetivo de compreender quais os sentimentos relatados por mulheres na espera pela adoção em dois diferentes momentos: na espera durante o processo de habilitação à adoção e na fila do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA). Esses anseios têm sido descritos na literatura de forma pouco específica no que diz respeito às etapas do processo de adoção, ainda que mulheres em espera pela adoção experimentem emoções singulares devido à indeterminação temporal em sua transição para a maternidade. Participaram deste estudo quatro mulheres, com idade entre 38 e 44 anos, ativas e em espera no SNA há menos de um ano. Por meio da análise qualitativa dos dados, identificou-se que as diferentes fases do processo de adoção mobilizavam diferentes sentimentos. Durante a habilitação à adoção, sentimentos como apreensão, frustração, dor e morosidade foram descritos. Já na espera no SNA, os sentimentos puderam ser alocados em duas categorias: esperança e desesperança. Os resultados desta pesquisa contribuem para a literatura sobre o processo de espera na adoção por meio da elucidação dos sentimentos envolvidos nas duas distintas etapas.
... Os avanços da legislação no que concerne aos processos de adoção também estão atravessados pelas constantes transformações familiares ocorridas nas últimas décadas. A configuração familiar é cada vez mais diversa, com crescente número de adolescentes grávidas, pessoas que optam por conceber e criar filhos sozinhos, filhos de pais separados e recasados, aumento nos casos de infertilidade, famílias homoafetivas, entre outras configurações existentes (Mahl, Jaeger, Patias, & Dias, 2012;Miranda Júnior, 1998). No trabalho da equipe psicossocial na habilitação de pretendentes à adoção, a complexidade envolvida nos distintos processos pelos quais são responsáveis se apresenta como um desafio para a prática. ...
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Resumo Este estudo objetivou investigar e refletir sobre o papel da equipe psicossocial do Judiciário na fase de inserção, ou em termos legais colocação, nos processos de adoção. Foram entrevistados sete psicólogos e 11 assistentes sociais judiciários de sete cidades do Rio Grande do Sul. A partir da análise de conteúdo foi possível constatar que a maioria das colocações são conduzidas pela equipe do Juizado da Infância, com ou sem auxílio da equipe da instituição de acolhimento, e em algumas comarcas conduzidas apenas pelas equipes dessas instituições. Observaram-se também diferenças entre as práticas dos profissionais, ficando os psicólogos mais encarregados dos processos considerados complexos, a exemplo dos casos de adoção tardia. Discute-se a falta de uma metodologia consensuada nesta etapa, bem como o papel do psicólogo apenas nos casos considerados mais difíceis. Também se aponta a importância de se atentar para práticas realmente voltadas para o melhor interesse da criança.
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A partir da modernidade, final do seculo XVIII, a familia passou por algumas transformacoes importantes, culminando na familia contemporânea. Essas transformacoes sao marcadas principalmente pelas mudancas do papel da mulher neste contexto. Isso se da especialmente pela saida da mulher do ambiente privado domestico para o publico atraves do trabalho. Assim o presente estudo busca realizar uma breve revisao de literatura sobre o papel da mulher e da mae contemporânea, buscando compreender como essas mudancas geram impacto para propria mulher, em sua familia e na educacao dos seus filhos. Percebe-se que os novos papeis femininos trazem sentimentos ambiguos e conflituosos para mulher, pois competem com papeis mais tradicionais, gerando assim, tensao no ambiente familiar e dificuldades na forma de educar os filhos.
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RESUMO A concepção de maternidade como um destino inevitável vem sendo questionada na contemporaneidade, a partir do crescente posicionamento de mulheres que optam por não viver essa experiência e não cumprir, dessa forma, uma das normas sociais mais fortemente ligadas à constituição da identidade feminina. O presente trabalho buscou compreender como se constituem as identidades femininas de mulheres de classe média, casadas, ou que coabitam com o companheiro, e que optaram por não ter filhos, residentes em cidade do interior do Rio Grande do Sul. Para tanto, realizou-se uma pesquisa qualitativa a partir de entrevistas semiestruturadas que foram avaliadas por meio da técnica de análise de conteúdo. Os resultados sugerem que as mulheres que optam por não viver a maternidade constituem suas identidades a partir da negação de representações culturais dominantes que afirmam a materni-dade como destino natural de toda mulher, e o amor materno como sentimento inerente à existência feminina. ABSTRACT The concept of motherhood as an inevitable fate is being questioned in the contemporary, from the growing importance of women who choose not to live this experience and does not comply, thus, one of the social norms more strongly linked to the formation of feminine identity. This study sought to understand how they constitute the identities of female middle-class women, married or cohabiting with a partner, and have chosen not to have children, living in the countryside cities of Rio Grande do Sul. Therefore, we held a qualitative study from semi-structured interviews that were evaluated using the technique of content analysis. The results suggest that women who choose not to live up to leave their identities from the denial of dominant cultural representations that claim motherhood as natural destination of every woman, and maternal love as a feeling in the existence of women.
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Este artigo apresenta os resultados de um estudo exploratório inicial desenvolvido com o objetivo de melhor entender como as mulheres estão encarando a maternidade, bem como a opção de adiá-la e/ou não ter filhos. Para tanto, foram entrevistadas quatro mulheres de classe média na faixa de 37 a 50 anos com uma carreira profissional, duas que optaram por não ter filhos e duas que optaram pelo adiamento da maternidade para depois dos 35 anos. Nossos resultados apontam para o fato de que, apesar de novas possibilidades terem se aberto para as mulheres, antigas visões, como a de que a realização de uma mulher passa obrigatoriamente pela maternidade, ainda prevalecem no discurso social.
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O presente artigo trata das especificidades da paternidade adotiva ao apontar diferenças marcantes na constituição da identidade dos pais adotivos e demarcar elementos importantes para um trabalho preventivo. Na adoção, a criança chega à família de forma diferente da usual, com uma história pré-adotiva e dois casais parentais. Quando a parentalidade adotiva é estabelecida a partir da impossibilidade de gerar o filho biológico, lutos e perdas entram em cena e precisam ser elaborados. Fatores conscientes (a esterilidade, as cobranças da sociedade, a história pré-adotiva da criança, os pais biológicos, os preconceitos) e fatores inconscientes (medos, desejos, fantasias, as demandas de cada cônjuge) precisam ser considerados e trabalhados. É indispensável que os candidatos a pais compreendam a própria dinâmica psicológica para que tenham condições de estabelecer os parâmetros de uma relação saudável com os futuros filhos.
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O presente trabalho trata das transformações que se operam na idéia de família que desenvolvemos no Ocidente. Tais mudanças se devem, entre outros fatores, aos diferentes lugares que a mulher passou a ocupar na família e na sociedade e à constituição de sua identidade pela via da maternidade. Isso também é acompanhado pela decadência do modelo patriarcal, o que gera intensas discussões a respeito de um possível fator de feminilização da cultura e declínio da função paterna. A essas questões somam-se os avanços tecnológicos no campo da medicina da reprodução e as intervenções sobre o corpo feminino, o que tem proporcionado tanto mudanças quanto reforços no modelo de família tradicional ocidental.
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Assistimos surgir no Brasil uma nova cultura de adoção que busca famílias para crianças e não crianças para famílias. Essa proposta comporta um novo projeto de família, de maternidade e paternidade, atribuindo novos sentidos ao ser pai e mãe, distinto do tradicional modelo associado à consangüinidade. A adoção tardia insere-se nesse novo contexto. Para compreender os processos de construção de maternidade e paternidade nessas circunstâncias, é importante investigar as significações produzidas pelo casal ao tornar-se pai/mãe. Este artigo foca a produção discursiva de um casal durante entrevistas domiciliares, realizadas no decorrer do processo de adoção tardia de duas irmãs (4 e 5 anos). São apresentados os sentidos produzidos na conversação, em resposta à pergunta sobre como era ser pai ou ser mãe naquele momento. A análise aponta especificidades do tornar-se pai/mãe por adoção tardia, a difícil e frágil construção de vínculos e a necessidade de acompanhamentos pós-adotivos.
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The reproductive technologies and the social representations of biological children. Social representations of biological child in couples who underwent reproductive treatment were studied. Our objectives were to analyze the life trajectory of the couple from the moment infertility was diagnosed and identify the social representations of biological children. Five couples of Great Vitória (Espírito Santo State, Brazil) were interviewed and none of them had success with respect to pregnancy. We used semi-structured interviews, individually taken. The script followed the same pattern for both the man and the woman, including items about the acceptance of the infertility diagnosis, the kind of treatment, the meaning of motherhood, fatherhood, marriage and biological child. The analysis of the results pointed to a strengthening of the bond in the marriage after the acceptance of the infertility diagnosis and highlighted the importance that couples attribute to the biological child. The elements of social representation which appear prominently were: "sangue do meu sangue" (expression equivalent to "my own flesh and blood"), progeny, physical resemblance, social pressure.
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O século XX, em muitas sociedades, caracteriza-se por movimento de constantes alterações em valores, práticas e papéis; contudo, a literatura tem evidenciado também continuidades em todos esses aspectos. O presente artigo tem como objetivo analisar as mudanças e continuidades no papel da mulher, principalmente no contexto familiar brasileiro, com base em dados de pesquisas realizadas na região sudeste. Os dados são provenientes de entrevistas realizadas com homens e mulheres de diversas faixas etárias, nascidos a partir do final do século XIX até meados dos anos 70. Os resultados enfatizam a nova forma de a mulher ser considerada. A imagem de ser frágil e necessitado de proteção, sob o domínio dos sentimentos, atuando na intimidade e presa aos cuidados com a prole, ganha outros contornos, fazendo dela um ser em construção, na busca de seu desenvolvimento e realização de potencialidades. Os caminhos traçados pela evolução marcam, contudo, continuidades ao lado de rupturas.