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Revista Brasileira de Cancerologia, 2001, 47(2): 163-70
ARTIGOS / ARTICLES
EVOLUÇÃO DA MORTALIDADE E ANOS POTENCIAIS
DE VIDA PERDIDOS POR CÂNCER CÉRVICO-UTERINO
EM SALVADOR (BA), 1979-1997*
Trends and Years of Potential Life Lost on Cervical Cancer
Mortality in Salvador (BA), Brazil 1979-1997
Susanne Andrade Derossi1, Jairnilson Silva Paim2,
Estela Aquino3 e Lígia Maria Vieira da Silva3
* Projeto “Análise da Situação de Saúde do município de Salvador segundo Índices de Condições de Vida”. Acordo OPS/CNPq/DRC/RPD/63/5/12. Processo
521.820/93/6 (CNPq).
1 Mestranda em Saúde Coletiva. Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA). Enviar correspondência para S.A.D. Rua
Machado Neto 223, aptº 1104, Pituba; 41830-510 Salvador, BA, Brasil. E-mail: susanne@ufba.br
2 Professor Titular do ISC/UFBA.
3 Professor Adjunto do ISC/UFBA.
RESUMO
O câncer cérvico-uterino, quando diagnosticado e tratado precocemente, constitui-se em
uma causa de morte evitável. Entretanto, no Brasil, a mortalidade por esta causa ainda é
elevada, persistindo como problema de saúde pública. O objetivo deste trabalho é descrever
a evolução da mortalidade e estimar os anos potenciais e produtivos de vida perdidos por esta
neoplasia, em Salvador (BA), entre 1979 e 1997. Trata-se de um estudo de agregados de série
temporal, no qual foram considerados todos os óbitos de mulheres com idade igual ou superior
a 20 anos, que tiveram como causa básica de morte o câncer de colo uterino e de porção não
especificada do útero. Utilizou-se como fontes de dados o CD ROM: DATA SUS-MS (Sistema
Único de Saúde-Ministério da Saúde), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
e a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (SESAB). Os indicadores empregados foram as
taxas de mortalidade específicas por idade, brutas e padronizadas por idade. Houve um
decréscimo de 50,6% na taxa padronizada de mortalidade por este tipo de câncer, no período
analisado, cujos valores variaram de 17,6/100.000 mulheres em 1979 a 8,7/100.000 em
1997. Observou-se ainda que o risco de morte por esta causa cresce à medida que aumenta a
idade, sendo a sua magnitude mais expressiva a partir de 40 anos. A variação da média de
anos potenciais de vida perdidos por mulher foi de 15,5 no ano de 1986 a 20,4 em 1980. Os
autores concluem que a mortalidade por câncer cérvico-uterino neste município ainda é alta
e discutem os possíveis fatores determinantes da evolução desta mortalidade. Destacam a
necessidade de ações efetivas na prevenção da morbi-mortalidade por esta causa.
Palavras-chave: neoplasias do colo uterino; coeficiente de mortalidade; indicadores de
morbi-mortalidade; anos de vida perdidos.
164
Derossi, S. A., Paim, J. S., Aquino, E. e Silva, L. M. V.
INTRODUÇÃO
O câncer cérvico-uterino é uma doença
de evolução gradativa, que se inicia com
alterações neoplásicas intra-epiteliais, as quais
podem evoluir para um processo invasivo em
um período médio de 10 a 20 anos. Como
possui etapas bem definidas e evolução lenta,
permite a interrupção do seu curso a partir
de um diagnóstico precoce e tratamento
oportuno.1
Em países com programas organizados de
rastreamento com adequada cobertura, as
taxas de incidência e de mortalidade por este
câncer vêm se reduzindo.2 Desse modo, esse
tipo de neoplasia está sob controle nos países
industrializados, o que não ocorre naqueles
de desenvolvimento dependente, onde persiste
como problema de saúde pública.3
No Brasil, foi estimada para 2001, uma
taxa de incidência de 18,9/100.000 mulheres,
sendo que no Sudeste esta taxa foi de 27,7,
enquanto o valor deste indicador correspon-
deu a 33,4 no Norte e a 31,5 no Nordeste.4
Em 1990, a mortalidade por esta causa,
no país, ajustada por idade, segundo popu-
lação padrão mundial, foi de 5,5/100.000
mulheres, ou seja, quase quatro vezes superior
à do Canadá e dos Estados Unidos, onde estas
taxas foram de 1,4 e 1,7, respectivamente.2
A mortalidade por câncer de colo de útero e
porção não especificada do útero foi
responsável pela morte de 4.998 mulheres no
Brasil, em 1988, o que o tornou a sétima causa
de morte por câncer na população geral.
Sendo de 6.420, o número absoluto de óbitos
estimado para 1998, significa um crescimento
de 28,5% nestes dez anos, representando a
segunda causa de óbito por câncer entre
mulheres no Brasil e 15% dos tumores
malignos do sexo feminino, ao analisar o
câncer cérvico-uterino.5-7 Neste mesmo ano,
o Ministério da Saúde realizou uma
Campanha Nacional de Combate ao Câncer
de Colo Uterino, tendo como objetivo a redu-
ção da morbimortalidade por esta doença,
através da realização do teste Papanicolaou
em aproximadamente 3.600.000 mulheres,
prioritariamente na faixa de 35-49 anos.
Embora tenha definido como uma de suas
metas iniciar o tratamento de todas as mulhe-
res com qualquer indício de infecção, lesão
ou câncer no colo do útero, seis meses após
o final da campanha não havia informações
disponíveis sobre a situação das mulheres que
apresentaram alterações em seus exames.8
Revista Brasileira de Cancerologia, 2001, 47(2): 163-70
ABSTRACT
When early diagnosed and treated, cervical cancer is an avoidable cause of death. In Brazil,
however, mortality from cervical cancer is still high and remains a public health problem. This
study is aimed at both describing the evolution of such mortality and estimating the potential and
productive years of life lost due to this neoplasia in Salvador (BA), Brazil, between 1979 and 1997.
Aggregates of time series were chosen for analysis by considering all deaths of women aged 20 or
older who had either cervical cancer or cancer in an unspecified part of the cervix as their basic
cause of death. DATA from SUS/MS CD-ROM, Brazilian Institute of Geography and Statistics
(IBGE), and the Health Department of the State of Bahia (SESAB) were used. Crude, age-specific
and age-standardized mortality rates were taken as indicators. A decrease of 50.6% in the
standardized mortality rate for this disease was noted in the period, with values ranging from 17.6/
100.000 women in 1979 to 8.7/100.000 in 1997. The risk of death due to this neoplasia was
found to increase with age, markedly after the age of forty. The average of potencial years of life lost
ranged from 15.5 in 1986 to 20.4 in 1980. Mortality from cervical cancer in Salvador was then
shown to be still high and the possible determining factors for such evolution were discussed. The
need for effective action on the prevention of such morbidity and mortality is emphasized.
Key words: cervix neoplasms; mortality rate; indicators of morbity and mortality; years of lost
life.
165
Evolução da Mortalidade e Anos Potenciais de Vida Perdidos por Câncer Cérvico-uterino em Salvador (BA), 1979-1997
Em Salvador, capital do estado da Bahia,
a mortalidade proporcional por câncer de
útero (colo de útero, útero e porção não
especificada) em relação às principais
localizações de neoplasias malignas em
mulheres adultas, no ano de 1995 foi de
14,3% , e também ocupou a segunda posição
em relação a todos os óbitos por câncer entre
mulheres.7 No Hospital Aristides Maltez,
especializado em câncer neste município, o
carcinoma de colo do útero correspondeu a
30,8% dos tumores mais freqüentes, no ano
de 1993.6
A relevância da neoplasia cervical como
determinante de óbito entre mulheres nesse
município, tanto pela sua magnitude, como
por se tratar de uma causa de morte evitável,
aliado à carência de estudos mais detalhados
sobre a mortalidade por esta causa, determi-
naram o interesse desta pesquisa. Assim, este
trabalho tem como objetivo descrever a
evolução da mortalidade por câncer cérvico-
uterino e estimar seu impacto em anos poten-
ciais e anos produtivos de vida perdidos na
cidade de Salvador, no período compreendido
entre 1979 e 1997.
METODOLOGIA
Foi realizado um estudo de agregados de
série temporal, em Salvador, que em 1996
possuía 2.211.539 habitantes, dos quais
1.172.017 eram do sexo feminino.
Consideraram-se todos os óbitos de
mulheres residentes no referido município,
com idade igual ou superior a 20 anos, que
faleceram no período de 1979 a 1997 e que
tiveram como causa básica de morte o câncer
de colo uterino e de porção não especificada
do útero. Estas causas correspondem, res-
pectivamente, aos códigos 180 e 179 na 9ª
Revisão da Classificação Internacional de
Doenças (CID), utilizadas na seleção das
causas básicas dos óbitos ocorridos entre 1979
e 1995, e a C53.8, C53.9 e C55, na CID/
10ª Revisão, empregada na codificação dos
óbitos ocorridos nos anos de 1996 e 1997. A
decisão de se incluir os cânceres de porção
não especificada do útero deveu-se ao fato de
que estudos realizados em São Paulo aponta-
ram que 85% deles na realidade referiam-se
a câncer de colo de útero.9
A fonte de dados para os óbitos ocorridos
de 1979 a 1995 foi o CD ROM: DATA SUS
produzido pelo Ministério da Saúde, e para
os anos de 1996 e 1997 foram consultados
relatórios fornecidos pelo Centro de Infor-
mações de Saúde, da Secretaria de Saúde do
Estado da Bahia (CIS/SESAB).
Para cada ano do estudo foram calculadas
as taxas de mortalidade específicas por idade
e as taxas brutas, sendo estas padronizadas
pelo método direto, usando-se como referên-
cia a População Padrão Mundial.10 As estima-
tivas da população, utilizadas como denomina-
dores para o cálculo desses indicadores, foram
fornecidas pelo CIS/SESAB, exceto as popu-
lações dos anos de 1980, 1991 e 1996, cuja
fonte foi o IBGE.
A análise dos dados foi feita através da
representação gráfica da curva de tendência
temporal das taxas brutas e padronizadas de
mortalidade, bem como pela sua comparação
com outra curva delineada a partir do empre-
go da técnica estatística das médias móveis
integradas auto-regressivas de ordem 5.11
Para o cálculo dos anos potenciais de vida
perdidos (APVP) foi utilizada a população
feminina da faixa etária de 20-69 anos, em
sub-grupos de 10 em 10 anos.12 Para a estima-
tiva dos anos produtivos de vida perdidos,
considerou-se como 60 anos o limite deter-
minado para o cálculo.
O processamento dos dados foi feito ele-
tronicamente, com a utilização do Microsoft
Excel versão 8.0, e os gráficos foram elabo-
rados pelo emprego do programa Microsoft
Grafh 97.
RESULTADOS
No período analisado, a taxa de mortali-
dade por câncer cérvico-uterino declinou de
20,7/100.000 mulheres em 1979 para 10,6
em 1997, o que representou uma redução de
48,8%. Esta tendência manteve-se após a
padronização desses indicadores, com a
ampliação do decréscimo para 50,6%;
entretanto este declínio não foi uniforme,
observando-se picos dessas taxas nos anos de
1982, 1988 e 1990 (Tabela 1 e Gráfico 1).
A tendência decrescente dessa mortalidade
persistiu mesmo após as oscilações das taxas
terem sido suavizadas por meio da técnica
Revista Brasileira de Cancerologia, 2001, 47(2): 163-70
166
estatística das médias móveis. (Gráfico 2)
Observa-se na Tabela 1 e no Gráfico 3 que
o risco de morte por esta causa cresce à
medida que aumenta a idade, e mais
acentuadamente a partir dos 40 anos. A maior
taxa de mortalidade na faixa de 20-29 anos
foi de 2,7/100.000 mulheres, no ano de 1995,
e para aquelas de idade igual ou superior a
70 anos houve uma variação de 137,6 em
1979 a 54,3 em 1997.
Na série histórica estudada houve uma
variação, de 680 anos potenciais de vida
perdidos (APVP) por mulheres que faleceram
devido a esta neoplasia no ano de 1986, a
1.615 em 1990. As maiores médias de APVP
por mulher ocorreram nos anos de 1980
(20,4), 1987 (20,1) e 1988 (20,0), e a menor
ocorreu em 1986, o que representou 15,5
anos perdidos por mulher. A menor média
de anos potenciais de vida perdidos ocorreu
em 1986, sendo esta de 10,9 anos por mulher,
e a maior foi de 15,4, em 1988. Na década
de 90, estes valores variaram de 11,6 em
1997, a 14,3 em 1995 (Tabela 2 e Gráfico 4).
Revista Brasileira de Cancerologia, 2001, 47(2): 163-70
Derossi, S. A., Paim, J. S., Aquino, E. e Silva, L. M. V.
Gráfico 1 - Taxas brutas e padronizadas de mortalidade por câncer cérvico-uterino* em mulheres com idade igual ou maior que 20 anos, por 100.000
mulheres, segundo ano de ocorrência. Salvador, 1979-1997. *Câncer de colo do útero + os referentes ao útero, porção não especificada
Tabela 1 Taxa de mortalidade por câncer cérvico-uterino* por 100.000 mulheres segundo faixa etária e ano de
ocorrência. Salvador, 1979-1997.
Faixa Etária 20-29 30-39 40-49 50-59 60-69 70 + TOTAL
ANO Nº CM Nº CM Nº CM Nº CM Nº CM Nº CM Nº CMnpd CMpd
Nº: Número; CM: Coeficiente de Mortalidade; CMnpd: Coeficiente de Mortalidade não padronizado; CMpd: Coeficiente de Mortalidade padronizado
*Câncer de colo do útero + os referentes ao útero, porção não especificada
-
2
-
2
3
-
5
-
1
5
2
4
1
-
1
1
3
-
1
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
-
1,2
-
1,2
1,7
-
2,7
-
0,5
2,4
0,9
1,8
0,4
-
0,4
0,4
1,2
-
0,4
6
10
10
10
6
6
4
5
11
10
10
11
6
10
6
8
10
6
7
6,4
10,4
10,1
9,8
5,7
5,6
3,6
4,3
9,1
8,1
7,9
8,4
3,5
5,8
3,4
4,4
5,4
3,1
3,5
14
13
20
18
15
13
14
7
16
23
9
17
23
8
15
19
21
25
10
21,7
19,8
29,5
25,8
20,9
17,6
18,5
8,7
19,4
27,1
10,4
19,0
23,0
7,9
14,3
17,8
19,3
19,5
7,7
20
19
15
23
20
15
13
17
23
18
20
36
16
24
18
16
20
17
23
49,3
43,8
33,4
49,8
42,1
30,1
25,9
32,1
42,1
32,0
34,8
60,8
25,4
37,5
27,3
23,8
29,2
23,3
31,1
15
10
14
22
20
17
14
15
10
20
17
17
21
19
20
19
20
25
16
60,7
39,3
53,2
81,2
71,8
59,3
47,6
48,2
31,2
60,6
50,4
48,9
50,6
45,0
46,0
42,8
44,2
52,5
33,1
24
12
13
14
17
20
20
20
19
19
18
19
26
23
32
24
23
22
20
137,6
65,0
68,1
71,3
84,1
96,3
93,7
88,7
81,8
79,4
73,6
75,4
87,9
76,5
103,3
75,9
71,3
60,7
54,3
79
66
72
89
81
71
70
64
80
95
76
104
93
84
92
87
97
95
77
20,7
16,0
16,9
20,3
18,0
15,3
14,7
12,7
15,4
17,8
13,9
18,5
14,8
13,1
14,0
12,9
14,1
13,3
10,6
17,6
13,1
14,2
17,5
15,6
13,6
12,5
11,4
12,7
14,9
11,9
15,5
12,6
11,2
12,0
10,9
11,7
10,9
8,7
167Revista Brasileira de Cancerologia, 2001, 47(2): 163-70
Evolução da Mortalidade e Anos Potenciais de Vida Perdidos por Câncer Cérvico-uterino em Salvador (BA), 1979-1997
Gráfico 2 - Médias Móveis (de ordem 5) das taxas brutas e padronizadas de mortalidade por câncer cérvico-uterino* em mulheres com idade igual ou maior
que 20 anos, segundo ano de ocorrência. Salvador, 1979-1997. *Câncer de colo do útero + os referentes ao útero, porção não especificada
Obs.: A não
vizualização de
alguns anos no
gráfico decorre da
aplicação da técnica.
Gráfico 3 - Coeficiente de Mortalidade por câncer cérvico-uterino*, por 100.000 mulheres, segundo faixa etária e ano de ocorrência. Salvador, 1979-
1997. *Câncer de colo do útero + os referentes ao útero, porção não especificada
Tabela 2 Anos Potenciais de Vida Perdidos de mulheres entre 20 e 69 anos e Anos Produtivos de Vida Perdido
entre 20 e 59 anos, devido ao câncer cérvico-uterino*. Salvador, 1979-1997.
Faixa Etária 20-29 30-39 40-49 50-59 60-69 TOTAL MÉDIA
ANO POT PRO POT PRO POT PRO POT PRO POT POT PRO Xa POT Xa PRO
-
90
-
90
135
-
225
-
45
225
90
180
45
-
45
45
135
-
45
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
-
70
-
70
105
-
175
-
35
175
70
140
35
-
35
35
105
-
35
210
350
350
350
210
210
140
175
385
350
350
385
210
350
210
280
350
210
245
150
250
250
250
150
150
100
125
275
250
250
275
150
250
150
200
250
150
175
350
325
500
450
375
325
350
175
400
575
225
425
575
200
375
475
525
625
250
210
195
300
270
225
195
210
105
240
345
135
255
345
120
225
285
315
375
150
300
285
225
345
300
225
195
255
345
270
300
540
240
360
270
240
300
255
345
100
95
75
115
100
75
65
85
115
90
100
180
80
120
90
80
100
85
115
75
50
70
110
100
85
70
75
50
100
85
85
105
95
100
95
100
125
80
935
1.100
1.145
1.345
1.120
845
980
680
1.225
1.520
1.050
1.615
1.175
1.005
1.000
1.135
1.410
1.215
965
460
610
625
705
580
420
550
315
665
860
555
850
610
490
500
600
770
610
475
17,0
20,4
19,4
17,9
17,5
16,6
19,6
15,5
20,1
20,0
18,1
19,0
17,5
16,5
16,7
18,0
19,1
16,6
16,9
11,5
13,5
13,9
13,3
13,2
12,4
15,3
10,9
13,0
15,4
13,5
12,5
13,3
11,7
12,5
13,6
14,3
12,7
11,6
Xa POT: Média de Anos Potenciais de Vida Perdidos por mulher; Xa PRO: Média de Anos Produtivos de Vida Perdidos por mulher; POT: Anos Potenciais
de Vida Perdidos; PRO: Anos Produtivos de Vida Perdidos.
168 Revista Brasileira de Cancerologia, 2001, 47(2): 163-70
DISCUSSÃO
O câncer cérvico-uterino ainda é uma
causa de óbito importante em Salvador, apesar
do decréscimo de 50,6% observado na taxa
padronizada por idade, no período analisado.
Em 1990, a taxa de mortalidade por esse
agravo, neste município, foi de 15,5/100.000
mulheres, quase três vezes superior àquela
verificada para o Brasil neste mesmo ano.2 A
magnitude desse decréscimo foi superior
àquela verificada na Bélgica, entre 1955 e
1989, que correspondeu a um declínio de
39,7%, mesmo tratando-se de um intervalo
de tempo de 15 anos maior do que o do
presente estudo.13 É possível que a queda mais
rápida da mortalidade por esta causa em
Salvador tenha decorrido do fato desta se
tratar de uma cidade em que as taxas ainda
são muito altas, não tendo atingido um pata-
mar que permita considerá-la sob controle,
enquanto na Bélgica as baixas taxas (3,8/
100.000 mulheres em 1985 a 1988) parecem
indicar que o controle da mortalidade por esta
doença está próximo ou já foi alcançado. Essa
mesma tendência foi observada em Shandong,
China, nos anos compreendidos entre 1970
e 1992, assim como em 24 países europeus
(1955-1994), e na região dos Apalaches, nos
Estados Unidos, entre os anos de 1976 e
1996, indicando a possibilidade desta reali-
dade ser uma tendência mundial.14-16
Ao contrário da tendência observada na
capital baiana, no Rio Grande do Sul a morta-
lidade por esta doença, no período de 1970 a
1989, mostrou-se ascendente, com a taxa
padronizada de 7,37/100.000 mulheres em
1989, e em São Paulo este valor correspondeu
a 4,0, com um leve decréscimo entre 1980
(4,82/100.000 mulheres) e 1989, enquanto
em Salvador o valor deste indicador, neste
mesmo ano, foi de 11,9. A tendência obser-
vada no Rio Grande do Sul foi atribuída, den-
tre outros fatores, a uma possível melhoria
da acuidade diagnóstica e/ou cuidado no
preenchimento dos atestados de óbito.17, 18
Faerstein19 refere que o subregistro de
óbito acontece principalmente nas camadas
mais pobres da população, por razões sócio-
econômicas, onde o câncer cervical é mais
freqüente. Uma das possíveis causas deste
subregistro é a falta de identificação desta
neoplasia como causa básica de óbito, quando
a mesma já atingiu outras partes do organismo
ao ser atestado este óbito. Certamente, o
subregistro e sub-notificação de óbitos são
fatores que devem ser considerados na análise
do presente trabalho, pois os mesmos podem
ter influenciado na magnitude da mortalidade
em Salvador, porém, se for assumido que não
houve alteração no sistema de informação de
morte neste período, é provável que a ten-
dência ao declínio observada, seja uma
realidade. Esta hipótese pode-se constituir em
um futuro objeto de investigação.
Possivelmente, um outro fator deter-
minante da evolução desta mortalidade em
Salvador é a informação da população acerca
da importância do cuidado com a saúde, cujo
acesso foi facilitado através da mídia, com a
modernização da sociedade, especialmente
nas capitais do país, levando as mulheres a
buscarem um atendimento pré-natal, plane-
jamento familiar e outros, realizando assim o
exame preventivo da neoplasia cervical. Em
1974, foi criado o Centro Integrado de
Derossi, S. A., Paim, J. S., Aquino, E. e Silva, L. M. V.
Gráfico 4 - Média de Anos Potenciais e Protutivos de Vida Perdidos por mulher devido ao câncer cérvico-uterino*, segundo o ano de ocorrência. Salvador,
1979-1997. *Câncer de colo do útero + os referentes ao útero, porção não especificada
169
Revista Brasileira de Cancerologia, 2001, 47(2): 163-70
Evolução da Mortalidade e Anos Potenciais de Vida Perdidos por Câncer Cérvico-uterino em Salvador (BA), 1979-1997
Controle do Câncer (CICAN) em Salvador,
a princípio, voltado exclusivamente para a
atenção à saúde da mulher, e transformado
em Serviço Estadual de Oncologia/CICAN
em 1992, com maior abrangência. Este
centro, desde a sua criação, vem oferecendo
atendimento de prevenção e detecção do
câncer cérvico-uterino, o que pode ter exer-
cido influência no decréscimo desta mortali-
dade nesse município.20
De acordo com alguns autores, o risco de
morte por câncer cérvico-uterino é maior em
idades elevadas, tendendo a um aumento
progressivo com a idade, o que foi também
verificado em Salvador; é provável que essas
mulheres tenham sido expostas a fatores de
riscos diferentes por fazerem parte de gerações
distintas. Este perfil também foi encontrado
no México, Estados Unidos e Bélgica.2, 13
O impacto sócio-econômico da morta-
lidade por câncer cérvico-uterino nesse
município foi analisado através do cálculo dos
anos potenciais e anos produtivos de vida
perdidos pois, segundo Reichenheim,21 a
morte em uma etapa produtiva da vida, pena-
liza o indivíduo e o grupo que lhe é próximo,
além de privar a sociedade de seu potencial
econômico e intelectual. Esta observação
aplica-se com mais propriedade ainda aos anos
produtivos de vida perdidos, cujas médias
encontradas por Lessa et al22 para as regiões
Sudeste (14,4 anos) e Sul (16,0 anos), em
1988, são semelhantes àquela observada em
Salvador (15,4 anos) neste mesmo ano. Por
sua vez, a variação da média de 15,5 a 20,4
anos potenciais de vida perdidos por mulher,
no período estudado, correspondeu a valores
muito altos, especialmente por se tratar de
uma causa de morte 100% evitável.
Assim, os resultados apontados por este
estudo indicam que, embora tenha apre-
sentado um declínio, ainda existe um grande
risco de morte por câncer cervical em Salvador
e, conseqüentemente, as perdas sociais são
significativas e portanto, esta neoplasia con-
tinua a ser um grande problema de saúde
pública nesta capital. Apesar do decréscimo
observado, impõe-se uma maior atenção, por
parte dos órgãos competentes, no desen-
volvimento de atividades organizadas e
continuadas de prevenção desta enfermidade
e mortalidade. Ao descrever e analisar o
padrão da tendência histórica desta causa de
óbito em Salvador, o presente estudo poderá
representar um ponto de partida para uma
possível avaliação, nesta capital, do impacto
do Programa Nacional de Combate ao Câncer
de Colo Uterino realizado em 1998 pelo
Ministério da Saúde no Brasil.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem às professoras
Maria da Conceição Nascimento Costa e Ines
Lessa pelas críticas e sugestões apresentadas,
e a todos aqueles que contribuíram para a
realização deste trabalho.
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