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Revista Psicologia: Teoria e Prática, 15(2), 119-129. São Paulo, SP, maio-ago. 2013. ISSN 1516-3687 (impresso), ISSN 1980-6906 (on-line).
Sistema de avaliação: às cegas por pares (double blind review). Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Índices complementares para o estudo
de uma representação social a partir
de evocações livres: raridade, diversidade
e comunidade
Rafael Pecly Wolter
1
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro – RJ – Brasil
João Wachelke
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia – MG – Brasil
Resumo: Este artigo visa apresentar, com exemplos empíricos, três índices calculáveis
a partir de dados de evocações livres. Dois desses índices foram elaborados por Fla-
ment e Rouquette (2003) e indicam o grau de diversidade e de raridade das evocações.
O terceiro índice permite o estudo da proporção de elementos comuns a dois corpora
de evocações, por isso foi nomeado de índice de comunidade. A partir desses três indi-
cadores, é possível ter informações sobre o grau de compartilhamento social de cada
objeto, seu nível de idiossincrasia e a proporção de comunidade entre dois corpora.
Essas informações, quando associadas a outras técnicas, podem ser úteis para uma
melhor compreensão da relação população-objeto.
Palavras-chave: análise de evocações; índice de raridade; índice de diversidade; índice
de comunidade; representações sociais.
COMPLEMENTARY INDEXES TO STUDY A SOCIAL REPRESENTATION FROM FREE
EVOCATIONS DATA: RARITY, DIVERSITY AND COMMUNITY
Abstract: This paper aims at presenting three indexes that can be calculated from free
evocation data. Two of those indexes were elaborated by Flament and Rouquette
(2003), and they indicate the diversity and rarity degrees of evocations. The third index
allows for the study of the proportion of elements common to two evocation corpora.
From these three indicators it is possible to have information about the degree of social
sharing of each object, their idiosyncrasy level and the community proportion between
two corpora. When associated with other techniques, such information might be useful
for a better understanding of the population-object relationship.
Keywords: evocation analysis; rarity index; diversity index; community index; social
representations.
ÍNDICES ADICIONALES PARA EL ESTÚDIO DE UNA REPRESENTACIÓN SOCIAL
CON EVOCACIONES: RAREZA, DIVERSIDAD Y COMUNIDAD
Resumen: Este artículo tiene como objetivo presentar, con ejemplos empíricos, tres
índices estimados a partir de datos de evocaciones libres. Dos de estos índices fueron
desarrollados por Flament y Rouquette (2003) e indican el grado de diversidad y rareza
de las evocaciones. El tercer índice permite estudiar la proporción de elementos comu-
1
Endereço para correspondência: Rafael Pecly Wolter, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, Uni-
versidade do Estado do Rio de Janeiro, Rua São Francisco Xavier, 524, 10º andar, sala 10.009, bloco F, Maracanã,
Rio de Janeiro – RJ – Brasil. CEP: 20550-900. E-mail: rafaelpeclywolter@gmail.com.
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nes a los dos corpora de evocaciones, por lo que fue llamado el índice de la comunidad.
A partir de estos tres indicadores es posible tener información sobre el grado de parti-
cipación social de cada objeto, su nivel de la idiosincrasia y la proporción de comunidad
entre los dos corpora. Esta información, cuando se combina con otras técnicas, puede
ser útil para una mejor comprensión de la relación población-objeto.
Palabras clave: análisis de las evocaciones; índice de rareza; índice de diversidad; índi-
ce de comunidad; representaciones sociales.
A técnica de associação verbal, às vezes chamada de técnica de associação livre de
palavras ou evocação livre, é muito popular nos estudos de representações sociais
(Camargo, Barbará, & Bertolo, 2007; Gomes & Oliveira, 2005; Gomes, Oliveira, & Sá,
2008; Oliveira & Costa, 2007; Naiff, Soares, Azamor, & Almeida, 2008; Sá, 1996; Tura,
1998; Wachelke, 2009). Essa técnica consiste em pedir aos participantes para que evo-
quem o que têm em mente quando se deparam com o indutor, que geralmente é o
objeto de representação social do estudo. Não existem limites ou regras para a quan-
tidade de palavras a serem evocadas, pois ficam a critério do pesquisador. Usualmente
os pesquisadores solicitam de três a cinco evocações, sob forma de palavras ou expres-
sões. Essas evocações podem ser analisadas de diversas maneiras: com análises fato-
riais (por exemplo, Deschamps, 2003; Fonseca, Azevedo, Araújo, Oliveira, & Coutinho
2007), análise prototípica e seus desdobramentos (Vergès, 1992; Sá, 1996; Abric, 2003;
Wachelke & Wolter, 2011) e análise de conteúdo (Bardin, 2003).
Essa técnica de coleta de dados tem a vantagem de fornecer informações numero-
sas, de maneira rápida e pouco dispendiosa para os participantes e pesquisadores. Com
uma simples pergunta, é possível saber o que o indutor ativa na população estudada.
No campo das representações sociais, vários fatores poderiam explicar o sucesso
dessa técnica. Dois desses fatores são a sua facilidade de aplicação e o fato de permitir
o acesso simultâneo ao conteúdo e à estrutura representacional, a partir da análise
das evocações hierarquizadas.
Este artigo tem por objetivo apresentar dois índices, desenvolvidos por Flament e
Rouquette (2003), que estudam duas dimensões do corpus de evocação: a diversidade
dos termos evocados e seu compartilhamento social. Essa apresentação será ilustrada
por um exemplo empírico. Em seguida, será apresentado um índice inédito que traduz
o grau de comunidade entre dois corpora de evocações.
Características do corpus representacional
Na maioria dos casos, um corpus de evocação livre não é simplesmente um aglome-
rado de respostas individuais reagrupadas para formar um conjunto. Por essa razão, é
necessário estudar as características globais das respostas, pois elas podem nos dar
informações acerca do objeto representacional, as quais são úteis para uma melhor
compreensão da relação população-objeto. As características globais do corpus per-
mitem também uma comparação entre diferentes corpora. Como veremos a seguir,
tomar conhecimento da quantidade (ou proporção) de evocações diferentes, da quan-
tidade (ou proporção) de termos que são evocados somente uma vez ou da frequência
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média em que os termos são evocados permite uma melhor compreensão do compar-
tilhamento social e do nível de estruturação do objeto. De modo algum, essas infor-
mações substituem a análise das evocações, desenvolvida por Vergès (1992), a partir
da ordem de evocação e da frequência. São simplesmente análises diferentes e com-
plementares dos mesmos dados (ver Quadro 1).
Quadro 1. Diferenças entre as análises de um corpus de evocação livre
Análise prototípica Índices de distribuição
Restrita a uma parte do corpus Totalidade do corpus
Ligada à teoria do núcleo central Ligada à abordagem estrutural em geral
Específica Global
Não permite testes de significância Permite testes de significância
Interessa-se pelo conteúdo representacional Não se interessa pelo conteúdo representacional
Fonte: Elaborado pelos autores.
A seguir ilustraremos, com dois exemplos empíricos, como é possível, a partir de
evocações livres, obter informações complementares às obtidas com a análise prototí-
pica de Vergès (1992).
Método
Amostra e procedimentos
Os dados acerca dos índices de diversidade e raridade foram obtidos com uma
amostra composta por 151 estudantes universitários italianos (110 mulheres e 41 ho-
mens; média de 21,4 anos; desvio padrão de 1,85 ano), cada um evocou três termos ou
expressões a partir dos indutores “família” e “trabalho”. O segundo exemplo empírico ,
sobre o índice de comunidade, contou com a participação de 57 sujeitos (34 mulheres
e 23 homens; média de idade de 36,2 anos; desvio padrão de 10,4 anos) e todos pa-
risienses. Os participantes forneceram até quatro evocações a partir dos seguintes
termos indutores: “bairro”, “bairro ideal” e “bairro anti-ideal”.
Análise a partir dos índices complementares
Uma tarefa de associação de palavras, também chamada de tarefa de evocação de
palavras, fornece ao pesquisador um corpus de palavras e expressões em que se po-
dem distinguir:
• o número total de evocações (N);
• o número total de evocações diferentes (elementos), denominadas, segundo a
nomenclatura de Flament e Rouquette (2003), tipos (T);
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• a quantidade elementos que só são evocados uma única vez ou Hapax (H);
• a frequência de evocação dos tipos (elementos).
A partir do número de evocações diferentes, da quantidade de tipos e de Hapax,
Flament e Rouquette (2003) desenvolveram dois índices que permitem estudar uma
população de respostas.
Índice de diversidade (T/N)
O primeiro índice que apresentamos é relativo à diversidade das evocações. O índi-
ce T/N corresponde à proporção de tipos (termos diferentes) sobre o número total de
evocações do corpus. Caso o total de evocações do corpus seja igual ao número de ti-
pos, então T/N = 1. Por exemplo, se, para o objeto “futebol”, cinco participantes evo-
carem as palavras apresentadas no Quadro 2, teremos cinco evocações e cinco tipos
(termos diferentes). Nesse caso, como cada participante deu uma resposta singular e
idiossincrática, o compartilhamento social do objeto é nulo.
Quadro 2. Exemplo de evocações livres a partir do indutor “futebol”
Participante Evocação
Participante 1 Flamengo
Participante 2 Bola
Participante 3 Campo
Participante 4 Cartola
Participante 5 Torcida
Fonte: Elaborado pelos autores.
No caso oposto, se todos os participantes evocarem o mesmo termo, o índice será
próximo de 0. Por exemplo, se, para o objeto “mesa”, todos os 100 sujeitos de um hi-
potético estudo evocarem o termo “cadeira”, teremos então 100 evocações (N = 100)
e um tipo (cadeira). Nesse caso, o índice será de 1/100 = 0,01. Um índice próximo de 0
traduz um pensamento único e estereotipado.
Os objetos de representação social não são extremos como esses exemplos e tendem
a ter índices de diversidade mais moderados. O importante, nos casos não tão extre-
mos, é observar se o índice tende para 0, o que significaria um compartilhamento social
elevado do objeto, ou, no caso oposto, se o índice tende a se aproximar de 1, o que
traduziria uma grande idiossincrasia das evocações para o grupo estudado. Convém
ressaltar que De Rosa (2003) apresentou uma medida intitulada índice de estereotipia
que é similar ao índice de diversidade. A única diferença reside no fato de multiplicar
por 100 a razão de T sobre N. Mantendo a nomenclatura de Flament e Rouquette
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(2003), o índice de estereotipia corresponde a (T/N) × 100. Ou seja, em vez de variar de
0 a 1, esse indicador varia de 0 a 100.
Índice de raridade (H/T)
Geralmente dentro de um corpus de respostas, encontram-se termos que só foram
evocados uma vez e por uma única pessoa; esses termos com frequência mínima são
chamados de Hapax. Se todos os termos de um corpus forem Hapax, então nenhum
termo se repetirá e será compartilhado; nesse caso H, T e N serão iguais.
O índice de raridade é a proporção de Hapax sobre o número de termos diferentes
evocados (tipos). Se a quantidade de Hapax dentro do corpus é igual à quantidade de
tipos (H/T = 1), isso significa que o objeto não é compartilhado socialmente e o corpus
é composto por um conjunto de respostas individuais. Se a quantidade de Hapax for
nula (e H/T = 0), isso significará que nenhuma resposta é idiossincrática. No caso dos
estudos de representação social, é comum ter alguma quantidade de Hapax, porém,
se essa quantidade for alta e simultaneamente o índice de raridade for baixo, haverá
um indício de baixo compartilhamento social do objeto.
Os dois índices, de raridade e de diversidade, possuem semelhanças, mas, como
afirmam Flament e Rouquette (2003, p. 63), eles correspondem a
[...] “olhares” diferentes sobre a população de respostas, e todo o problema é saber qual dos olhares
responde da melhor forma à investigação em desenvolvimento. A diversidade é uma medida global da
variedade interna das populações, e a raridade é uma medida de rendimento relativo a essa variedade.
Os dois podem então se combinar: estudadas em conjunto, a minimização da diversidade (T/N) e a
maximização da raridade (proporção de Hapax) reforçam o diagnóstico da existência de uma represen-
tação estruturada.
Índice de comunidade: a proporção de elementos comuns a dois corpora
Quando dois corpora de evocações são comparados, é possível estudar a propor-
ção de elementos comuns aos dois conjuntos sobre o total de elementos evocados.
Isso equivale a retomar o índice de Jaccard (1901) para o estudo das evocações. Esse
índice é muito usado em estatística (Youness & Saporta, 2004) e até mesmo para a
análise de dados verbais (Rossignol & Sebillot, 2006). Concretamente, no caso das
evocações, esse índice corresponde à divisão do número de evocações presentes nos
dois corpora sobre o total de elementos evocados.
Formalização do índice de comunidade
Após uma tarefa de associação livre em que os participantes evocam o que lhes
vêm à mente a partir de dois estímulos, A e B, obtêm-se dois corpora de evocações:
corpus A e corpus B. Têm-se então dois corpora pertencentes ao conjunto N (total de
respostas associativas). Cada evocação (anotada x) pertence ao conjunto N, o que cor-
responde a
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x
N
Existem três possibilidades para esse elemento evocado:
• x
A, x
B (x está presente no corpus A e não está presente no corpus B);
• x
B, x
A (x está presente no corpus B e não está presente no corpus A);
• x
A, x
B (x está presente nos corpora A e B).
Essa terceira possibilidade corresponde à interseção entre os corpora A e B. Quan-
do se somam os elementos da primeira condição com os da segunda e terceira condi-
ções, obtém-se a totalidade dos elementos evocados. Esse índice interessa-se pela
proporção de elementos comuns sobre o total de elementos e, consequentemente,
corresponde à divisão da possibilidade 3 sobre a soma de 1 + 2 + 3. Ou seja, isso sig-
nifica que se divide:
• a quantidade de elementos (evocações diferentes) comuns aos dois corpora/ sobre
a totalidade dos elementos (evocações diferentes) evocados pelos dois corpora.
A totalidade de elementos evocados corresponde ao T da nomenclatura de Flament
e Rouquette (2003), pois corresponde à totalidade de evocações diferentes dos corpo-
ra. A quantidade de elementos comuns aos dois corpora será chamada de C. Com essa
nomenclatura, o índice de comunidade pode ser escrito como C/T.
Esse índice tem as seguintes características:
• C
T.
• 0 C/T 1.
• Se C = T, logo C/T =1.
• Se C = 0, logo C/T = 0.
Caso o total de elementos compartilhados seja igual ao total de elementos evoca-
dos, o resultado do índice será 1. Nesse caso, todos os elementos dos corpora são
comuns aos dois grupos, e nenhum elemento pertence a um grupo sem pertencer
ao outro. No caso oposto, em que nenhum elemento é compartilhado, o resultado do
índice é 0. Quando o índice se situa entre esses extremos, quanto mais se aproxima
de 1, mais os corpora estudados compartilham elementos, e, quanto mais se aproxi-
ma de 0, menos os corpora têm elementos em comum.
Resultados
Exemplo empírico acerca dos índices de raridade e variedade
Na Tabela 1, é possível observar que “trabalho” tem uma quantidade maior de ti-
pos e de Hapax, resultado que se traduz nos índices de diversidade e de raridade. O
índice de diversidade do objeto “família” (0,29) é menor que o do objeto “trabalho”
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(0,41). Isso demonstra que o objeto “família” evoca proporcionalmente menos tipos
que o objeto “trabalho” para os estudantes italianos, ou seja, existe uma maior varie-
dade de evocações para o objeto “trabalho” comparativamente “família”. Como con-
sequência dessa maior variedade, um tipo é geralmente evocado 3,48 vezes quando o
objeto é “família”, enquanto a média é de 2,45 vezes quando o objeto é o “trabalho”,
e essa diferença é significativa [t(313) = 1,76; p < 0,05; d = 0,20)].
Tabela 1. Características dos corpora de evocação por objeto
Família Trabalho
Quantidade de evocações (N) 453 453
Quantidade de Tipos (T) 130 185
Quantidade de Hapax (H) 69 129
Frequência média de evocação dos Tipos (N/T) 3,48 2,45
Índice de diversidade (T/N) 0,29 0,41
Índice de raridade (H/T) 0,53 0,70
Fonte: Elaborada pelos autores.
Quanto ao índice de raridade, é possível observar que a proporção de Hapax sobre
os tipos é maior para o objeto “trabalho” (0,70) que para “família” (0,53). Quando
comparamos as proporções de Hapax e de não Hapax (ver Tabela 2) dos dois objetos
com o teste do χ², a diferença é significativa (χ² = 9,07; gl = 1; p < 0,01). Com esses
resultados, podemos afirmar que a quantidade de Hapax é maior para o objeto “tra-
balho”, o que traduz uma maior proporção de respostas idiossincráticas para esse
indutor comparativamente ao indutor “família”.
Tabela 2. Quantidade de Hapax e não Hapax por objeto
Família Trabalho Total
Quantidade de Hapax 69 129 198
Quantidade de não Hapax 61 56 117
Total 130 185 315
Fonte: Elaborada pelos autores.
Essa primeira análise das evocações permitiu uma comparação dos dois objetos,
mostrando que o indutor “trabalho” ativa uma maior variedade de termos e uma
maior quantidade de termos idiossincráticos, e que suas evocações são menos compar-
tilhadas que as do indutor “família”. Esse resultado traduziria uma menor elaboração
social do objeto “trabalho”, o que talvez pudesse ser explicado pelo fato de que os
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participantes são estudantes e tiveram, de modo geral, pouco contato com o mundo
do trabalho. Por sua vez, a “família” é algo vivido por todos e tem um papel estrutu-
rador em qualquer sociedade humana (Lévi-Strauss, 1948), além de ser um dos locais
privilegiados em que os indivíduos se socializam e aprendem a viver em sociedade.
Não é de se espantar que, para estudantes universitários, o objeto “família” seja mais
elaborado e compartilhado que “trabalho”.
Exemplo empírico do índice de comunidade
A Tabela 3 apresenta os tipos e termos evocados em função dos objetos estudados:
“bairro”, “bairro ideal” e “bairro anti-ideal”.
Tabela 3. Quantidade de tipos e termos evocados em função do objeto
Bairro Bairro ideal Bairro anti-ideal
Tipos (T) 107 103 102
Termos evocados (N) 181 177 170
Fonte: Elaborada pelos autores.
Para calcular o índice de comunidade, é necessário conhecer a quantidade de tipos
comuns aos corpora de evocações estudados. A Tabela 4 indica que as evocações de
“bairro” e “bairro ideal” compartilham 33 tipos. Por sua vez, “bairro” e “bairro anti-
-ideal” compartilham 11 elementos, enquanto “bairro ideal” e “bairro anti-ideal”
compartilham 5 tipos.
Tabela 4. Proporção de tipos comuns aos diferentes objetos
Bairro – bairro ideal Bairro – bairro anti-ideal Bairro ideal – bairro anti-ideal
Tipos comuns aos corpora 33 11 5
Tipos não comuns 144 187 195
Fonte: Elaborada pelos autores.
O cálculo do índice de comunidade (ver Tabela 5) mostra que os corpora de “bair-
ro” e “bairro ideal” compartilham mais tipos (índice de 0,19) que “bairro” e “bairro
anti-ideal” (0,06). Isso demonstra que, para essa população, o indutor “bairro” tem
mais elementos em comum com o indutor “bairro ideal” que com o indutor “bairro
anti-ideal”. De maneira previsível, “bairro ideal” e “bairro anti-ideal” têm poucas evo-
cações em comum. A partir do índice de comunidade, foi possível ordenar a comuni-
dade entre os corpora da seguinte maneira: “bairro – bairro ideal” > “bairro – bairro
anti-ideal” > “bairro ideal – bairro anti-ideal”.
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Tabela 5. Índices de comunidade para os diferentes objetos
Bairro Bairro ideal Bairro anti-ideal
Bairro 1 0,19 0,06
Bairro ideal 1 0,02
Bairro anti-ideal 1
Fonte: Elaborada pelos autores.
Discussão
A partir de uma tarefa de evocação, é possível fazer uma grande quantidade de
análises; a maioria delas interessa-se pelo conteúdo evocado e não pela organização.
Com os índices aqui apresentados, é possível ter informações sobre a totalidade do
corpus, e essas informações permitem uma melhor compreensão da representação
social estudada. O objetivo aqui não é propor que o estudo do conteúdo represen-
tacional seja abandonado, mas atribuir maior atenção às características do corpus
representacional.
Este artigo apresentou ao leitor brasileiro dois índices, recentemente elaborados
na França (Flamente & Rouquette, 2003), voltados às características globais das evoca-
ções. Os índices de diversidade e raridade baseiam-se em três informações: a quanti-
dade de evocações (N), de tipos (T) e de Hapax (H). As três características permitem um
mapeamento do corpus não acessível com outras técnicas e análises de dados. A ob-
servação dessas características permite também a utilização de testes de significância
(χ², t de Student e Anova), caso mais de um corpus seja estudado. Parece-nos que co-
nhecer o nível de compartilhamento do corpus e a diversidade dos elementos evoca-
dos é importante, até mesmo como indicação sobre a adequação do objeto à teoria
das representações sociais (TRS). Caso o nível de compartilhamento não seja elevado,
é bem provável que a teoria das representações sociais não seja uma boa escolha para
a interpretação dos dados. Quanto à diversidade dos termos evocados e de seu índice,
eles indicam o grau de estereotipia do objeto na população. Estereotipia aqui tem o
sentido de “hipersimplificação categorial de uma realidade” (De Rosa, 2003, p. 92).
Além disso, quando se estudam vários corpora (com mais de uma população e/ou mais
de um objeto), é possível obter outro indicador: a quantidade de termos comuns (C).
A adaptação do índice de Jaccard, como no caso dos índices de raridade e diver-
sidade, pode ser útil quando associada à análise prototípica (Abric, 2003; Sá, 1996;
Vergès, 1992, 1994). O índice de comunidade permitiria, sem perguntas suplementa-
res, obter informações sobre o grau de compartilhamento entre corpora de evoca-
ções. Quando mais de dois corpora estão presentes, é possível ordená-los, do mais
alto grau de comunidade ao mais baixo. Quanto mais as representações forem “pró-
ximas”, mais o índice será alto, traduzindo o nível de homogeneidade dos corpora.
No exemplo apresentado no texto, uma mesma população produzia evocações para
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vários objetos, mas o índice pode ser usado para populações diferentes e para um
mesmo objeto e até mesmo objetos diferentes.
Todos esses indicadores e índices são ateóricos e podem ser usados dentro do qua-
dro teórico das representações sociais ou de qualquer outra teoria. No entanto, pare-
ce-nos que, dentro da teoria das representações sociais, o estudo das características de
comunidade, raridade e diversidade fornece informações importantes para o diagnós-
tico da representação para o grupo estudado. Saber se o que o objeto ativa numa
determinada população é idiossincrático, compartilhado entre os membros do grupo
e comum a outro objeto ou população permite um melhor conhecimento da relação
população-objeto, um dos maiores objetivos dos pesquisadores no campo da teoria
das representações sociais.
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Submissão: 06.05.2012
Aceitação: 03.04.2013