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Ensino - aprendizagem com Modelagem matemática

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Abstract

O objetivo do texto é mostrar a modelagem matemática como uma estratégia para o ensino e aprendizagem de matemática.
Sum´ario
1 Modelagem Matem´atica Um etodo cient´ıfico de pesquisa ou uma es-
trat´egia de ensino e aprendizagem? 15
1.1 Introdu¸c˜ao...................................... 15
1.2 Considera¸oes sobre Modelagem Matem´atica . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
1.2.1 Modelagem e Modelos Matem´aticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
1.2.2 Usos da Modelagem Matem´atica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
2 ecnicas de Modelagem 43
2.1 Introdu¸c˜ao...................................... 43
2.2 Formula¸ao de Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
2.2.1 Escolhadetemas.............................. 45
2.2.2 Coletadedados .............................. 46
2.2.3 Formula¸ao de modelos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
2.3 Regress˜ao ou Ajuste de Curvas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
2.3.1 AjusteLinear................................ 58
2.3.2 AjusteQuadr´atico ............................. 84
2.4 Varia¸c˜oes ...................................... 85
2.4.1 Varia¸c˜oesDiscretas............................. 87
2.4.2 Varia¸oes Cont´ınuas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
2.5 Equa¸c˜oesdeDiferen¸cas .............................. 98
2.5.1 Equa¸oes de Diferen¸cas Lineares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
2.5.2 Sistemas de Equa¸oes de Diferen¸cas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108
2.5.3 Equa¸oes de Diferen¸cas ao-lineares (1a
¯ordem) - estabilidade . . . . . 117
2.6 Equa¸oes Diferenciais Ordin´arias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124
2.6.1 Equa¸oes Diferenciais Ordin´arias de 1a
¯ordem..............125
2.6.2 Equa¸oes diferenciais lineares ordin´arias de 2a
¯ordem..........141
2.6.3 Modelos compartimentais lineares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151
2.6.4 Modelos compartimentais ao-lineares . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157
3 Modelagem Matem´atica em Programas de Cursos Regulares 171
3.1 Modela¸c˜aoMatem´atica...............................171
3.2 Modelagem matem´atica uma disciplina emergente nos programas de
forma¸c˜aodeprofessores ..............................179
3.2.1 Modelagem Matem´atica: uma disciplina para forma¸ao de professores. 181
5
3.3 Algumas Experiˆencias de Modelagem em Disciplinas Regulares . . . . . . . . 184
3.3.1 Escolha de um tema para todo o curso . . . . . . . . . . . . . . . . . . 184
3.3.2 Modelagem Parcial e Resolu¸ao de problemas . . . . . . . . . . . . . . 185
4 Modelagem como Estrat´egia para Capacita¸ao de Professores de
Matem´atica 203
4.1 Introdu¸c˜ao......................................203
4.2 Programa para Cursos de Aperfei¸coamento de Professores . . . . . . . . . . . 204
4.2.1 Justificativas para o ensino de matem´atica . . . . . . . . . . . . . . . . 206
4.2.2 Diretrizes asicas para planejamento do curso . . . . . . . . . . . . . . 208
4.2.3 Etapas de desenvolvimento do programa . . . . . . . . . . . . . . . . . 209
4.3 CasosEstudados ..................................214
4.3.1 Tema:abelha................................214
4.3.2 Tema: MAC¸ ˜
A ...............................234
4.4 An´alise de dados (M´etodos estat´ısticos) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 242
4.5 ModelosVariacionais................................248
4.5.1 Processo de Resfriamento da Ma¸a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 248
4.5.2 Propaga¸ao de Doen¸cas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 253
4.5.3 Tema:Vinho ................................257
5 Modelagem na Inicia¸ao Cient´ıfica 287
5.1 Introdu¸c˜ao......................................287
5.1.1 opicos ou conceitos isolados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 287
5.1.2 Conceitos interrelacionados ou mat´eria espec´ıfica . . . . . . . . . . . . 290
5.1.3 Disciplinaespec´ıca ............................291
5.2 Projeto de Inicia¸ao Cient´ıfica
“Modelagem Matem´atica de Fenˆomenos Biol´ogicos” . . . . . . . . . . . 293
5.2.1 Programa desenvolvido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 293
5.2.2 Modelos Desenvolvidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 295
5.2.3 Considera¸c˜oes................................319
5.3 Inicia¸ao Cient´ıfica em outros pa´ıses . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 321
6 Evolu¸ao de Modelos 325
6.1 Introdu¸c˜ao......................................325
6.2 Modelos Determin´ısticos de Popula¸oes Isoladas . . . . . . . . . . . . . . . . . 326
6.2.1 ModeloMalthusiano ............................330
6.2.2 Modelo Log´ıstico cont´ınuo (Verhurst) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 333
6.2.3 Modelo de Montroll (1971) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 340
6.2.4 Modelo de Gompertz (1825) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 343
6.2.5 Modelo de Smith (1963) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 345
6.2.6 Modelo de Ayala, Ehrenfeld, Gilpin (1973) . . . . . . . . . . . . . . . 346
6.2.7 Modelos Mesosc´opicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 347
6.2.8 Crescimento em peso de corvinas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 351
6
6.2.9 Dinˆamica Populacional de molusco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 352
6.3 Modelos Subjetivos de Crescimento Populacional . . . . . . . . . . . . . . . . 356
6.3.1 Modelo Estoastico de Pielou . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 356
6.3.2 Modelos variacionais Fuzzy [1] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 360
6.4 Modelos de Intera¸ao entre esp´ecies . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 362
6.4.1 Modelo de Lotka-Volterra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 362
6.4.2 Modelo Geral de Kolmogorov . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 369
6.4.3 Modelo de Holling-Tanner . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 370
6.5 Controle Biol´ogico de Pragas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 371
6.5.1 Controle Biol´ogico da Broca Cana-de-A¸ucar . . . . . . . . . . . . . . 372
6.5.2 Modelo do tipo Lotka-Volterra: vespa ×broca .............376
6.5.3 Modelo de Nicholson-Bailey (1935) [15] . . . . . . . . . . . . . . . . . 380
7
8
Apresenta¸ao
Este livro come¸cou a ser escrito nos meados da ecada de 90. A cada nova experiˆencia
realizada, alguma informa¸ao era acrescentada ou retirada. O plano original sofreu modi-
fica¸oes cont´ınuas, geradas pela pr´opria dinˆamica dos argumentos envolvidos, e pela nossa
atua¸ao em cursos regulares, em programas de aperfei¸coamento de professores e em proje-
tos de Inicia¸ao Cient´ıfica. Do trabalho com modelagem matem´atica surgiu a maioria dos
exemplos citados. A dinˆamica pr´opria da modelagem gerou a cole¸ao deste material que
apresentamos ao leitor preocupado com o desenvolvimento dos programas/disciplinas que
em a matem´atica como eixo central.
Acreditamos que este livro possa ser utilizado em diversas situa¸oes: como texto com-
plementar para disciplinas espec´ıficas (C´alculo Diferencial e Integral, Equa¸oes Diferenciais
etc), como material para desenvolvimento de programas de Inicia¸ao Cient´ıfica, como texto
para programas de capacita¸ao e aperfei¸coamento de professores ou simplesmente, para es-
tudos individuais.
ao seria poss´ıvel, pelo menos atualmente, comparar seu conte´udo com algum programa
desenvolvido em cursos regulares ou a uma coletˆanea de opicos constantes de alguma ementa
com estrutura r´ıgida e est´atica. Deve ser visto como um projeto de ensino e aprendizagem de
matem´atica onde o leitor, sem muito esfor¸co, poder´a se aventurar a construir seus pr´oprios
modelos. A variedade dos modelos apresentados permite que, a partir de uma abordagem
comum, os interesses diversos dos leitores possam ser enfatizados por conta pr´opria.
A diversidade de aplica¸oes contribuiu para que o livro ao tivesse um car´ater regional no
seu endere¸camento e, desde o in´ıcio, tivemos o prop´osito de transcrever nosso depoimento
pessoal sobre modelagem, procurando quase sempre uma maneira simples e atraente de
apresent´a-la.
Os pr´e-requisitos matem´aticos utilizados na modelagem ao, em geral, modestos e muitas
vezes desenvolvidos na pr´opria formula¸ao dos modelos, facilitando propositadamente a sua
compreens˜ao por qualquer leitor, independentemente do seu interesse principal.
Os projetos propostos destinam-se a verificar o aprendizado das ecnicas e conceitos e,
principalmente, estimular o leitor a formular e analisar seus modelos.
No Cap´ıtulo 1 apresentamos a conceitua¸ao informal de modelagem matem´atica, sua
importˆancia como estrat´egia de ensino-aprendizagem e a caracteriza¸ao de alguns tipos
de modelos. No Cap´ıtulo 2 tratamos das ecnicas mais simples de modelagem, desde a
obten¸ao de uma tabela de dados, passando pelo ajuste de curvas at´e a elabora¸ao dos
modelos. Salientamos a importˆancia da tradu¸ao de uma linguagem usual para a linguagem
matem´atica e vice-versa. ao evidenciados termos ling¨ısticos como varia¸ao e estabilidade,
pr´oprios da maioria das situa¸oes modeladas com equa¸oes diferenciais e de diferen¸cas. Neste
caso, procuramos utilizar os dois tratamentos matem´aticos, visando transferir os argumentos
de uma matem´atica superior, como as derivadas, para conceitos mais simples, como as
diferen¸cas, e que podem ser apresentados facilmente no ensino edio.
Experiˆencias de modelagem em cursos regulares ao apresentadas no Cap´ıtulo 3, na
tentativa de exemplificar seu uso quando se tem um programa preestabelecido. Sugerimos
tamb´em, neste cap´ıtulo, o programa de uma disciplina que poderia ser adotado nos cursos
de licenciatura de matem´atica.
Em todo esse tempo que trabalhamos com projetos de capacita¸ao de professores de
matem´atica, usando as ecnicas de modelagem, foram abordados mais de uma centena de
temas de estudo. No Cap´ıtulo 4 apresentamos as etapas de um programa desenvolvido
em cursos de aperfei¸coamento de professores, juntamente com trˆes temas estudados neste
contexto: abelhas, ma¸a e vinho.
A modelagem na Inicia¸ao Cient´ıfica ´e discutida no Cap´ıtulo 5, onde mostramos o pro-
cesso e os temas desenvolvidos em duas situa¸oes distintas.
A evolu¸ao de modelos, caracter´ıstica fundamental da modelagem, est´a enfatizada no
processo de dinˆamica populacional que apresentamos no Cap´ıtulo 6. A elabora¸ao dos
modelos populacionais segue uma ordem cronol´ogica e de complexidade, come¸cando com
o modelo de Malthus, passando por modelos fuzzy e indo at´e modelos de sistemas “presa-
predador”. Finalizamos o cap´ıtulo, estabelecendo dois modelos de controle biol´ogico da
broca da cana-de-a¸ucar, um deles desenvolvido em um curso de aperfei¸coamento de profes-
sores em Piracicaba.
A realiza¸ao deste livro ao seria poss´ıvel sem a interven¸ao e coopera¸ao de arias
pessoas. Particularmente, gostar´ıamos de expressar nossos agradecimentos aos professores
U. D’Ambrosio e A. Barretos que nos iniciaram nesta aventura ao excitante: como ver
matem´atica em situa¸oes ou fenˆomenos os mais variados; Aos colegas e alunos de tantos
cursos que, com suas sugest˜oes e d´uvidas nos motivaram a empreender este caminho em
busca de novos horizontes. Um agradecimento especial aos alunos/amigos Cardoso, Luciano,
Cant˜ao, Geraldo e Marina que ajudaram diretamente na finaliza¸ao deste livro. A minha
fam´ılia pelo constante incentivo e, particularmente `a Carla que, mesmo sendo historiadora,
ao se inibiu diante da matem´atica e deu arias sugest˜ao para a melhoria e compreens˜ao do
texto.
De fato, carinho e amor ao se agradece, retribui-se.
Campinas, maio de 2002
Rodney C. Bassanezi
Pref´acio
Ser convidado para prefaciar um livro ´e muito honroso. Particularmente, quando o autor
´e um amigo, colega e ex-aluno. E, sobretudo, tratando-se de um dos mais conceituados
especialistas na ´area, reconhecido nacional e internacionalmente, como ´e o caso de Rodney
C. Bassanezi.
A modelagem matem´atica ´e matem´atica por excelˆencia. As origens das id´eias centrais
da matem´atica ao o resultado de um processo para entender e explicar fatos e fenˆomenos
observados na realidade. O desenvolvimento dessas id´eias e sua organiza¸ao intelectual se
ao a partir de elabora¸oes sobre representa¸oes do real. A linguagem, desde a natural at´e
uma mais espec´ıfica e formal, permite compartilhar socialmente essas id´eias, estruturando-as
como teorias. Algumas dessas teorias ao difundidas e incorporadas ao pensamento domi-
nante, tornando-se instrumentos fundamentais para o desenvolvimento das ciˆencias. Assim
´e a matem´atica acadˆemica, desde suas origens mediterrˆaneas. Ap´os uma amplia¸ao, orga-
niza¸ao e cr´ıtica, durante a Idade edia Islˆamica e Europ´eia, a matem´atica legada pelos
gregos deu origem, a partir do final do eculo XVIII, ao instrumental do alculo Diferen-
cial, desenvolvido inicialmente por Isaac Newton e Gottfried W. Leibniz, e sobre o qual
foram constru´ıdas as bases do pensamento moderno. Muitos historiadores consideram a
matem´atica a espinha dorsal da civiliza¸ao moderna.
A partir das teorias pode-se trabalhar outros fatos e fenˆomenos propostos pela realidade,
elaborando modelos do mundo real. Mais ou menos precisos, esses modelos, devidamente
calibrados e convalidados, permitem entender e explicar, com diferentes graus de precis˜ao e
detalhamento, esses fatos e fenˆomenos. Modelagem ´e, portanto, matem´atica por excelˆencia.
Os sistemas educacionais em sido, nos ´ultimos duzentos anos, dominados pelo que se
poderia chamar uma fascina¸ao pelo te´orico e abstrato. Teorias e ecnicas ao apresen-
tadas e desenvolvidas, muitas vezes, sem relacionamento com fatos reais, mesmo quando
ao ilustradas com exemplos, geralmente artificiais. Entende-se a raz˜ao disso. A realidade ´e
muito complexa. Para que se possa lidar com problemas reais, ´e necess´ario que o observador
tenha grande flexibilidade e conhecimentos variados. Trabalhar com a realidade intimida,
inibindo sua abordagem no ensino. Fica-se no te´orico e abstrato, mencionando que ”essas
teorias e ecnicas servem para isso ou aquilo”e ilustrando com exemplos artificiais, manip-
ulados e descontextualizados. Isso ´e particularmente notado nos cursos universit´arios de
alculo, assim como no ensino fundamental e edio da matem´atica. Este livro prop˜oe um
tratamento alternativo. Reconhecendo as dificuldades inerentes `a abordagem de problemas
e situa¸oes reais, o autor dedica todo um cap´ıtulo `a capacita¸ao de docentes.
O autor inicia este bel´ıssimo livro com um oportuno apanhado do que seriam as bases
te´oricas da Modelagem Matem´atica. Faz uma breve hist´oria da emergˆencia da modelagem no
ensino, da qual ele ´e um dos protagonistas, com referˆencias muito ´uteis e interessantes sobre
o que se passou e vem se passando nos cen´arios nacional e internacional. As bases cognitivas
sobre as quais repousa a modelagem ao abordadas na justa medida para a compreens˜ao do
porquˆe e das vantagens da metodologia proposta, fazendo tamb´em uma sugest˜ao de curr´ıculo
que, mesmo subordinado aos programas existente, muitas vezes dif´ıceis de mudar, conduz `a
pr´atica da modelagem.
A maior parte do livro ´e ocupada por modelos da realidade. As reflex˜oes te´oricas ao
feitas a partir de modelos. Por exemplo, o volume de um tronco de cone tem como motiva¸ao
as ecnicas, aprendidas de seus ancestrais, utilizadas por ”seu”Joaquim, um produtor de
vinho de Iju´ı, RS. Um belo exemplo de Etnomatem´atica, que tem, no livro de Bassanezi,
seu encontro natural com a Modelagem Matem´atica. A dinˆamica populacional das til´apias
servem para introduzir Equa¸oes de Diferen¸ca e conduz, naturalmente, a uma discuss˜ao da
seq¨encia de Fibonacci e do umero ´aureo, enriquecida com referˆencias hist´oricas.
A preocupa¸ao com a forma¸ao de pesquisadores ´e igualmente presente. Um cap´ıtulo, in-
teiramente dedicado `a Inicia¸ao Cient´ıfica, discute a importˆancia dessa etapa na prepara¸ao
do futuro pesquisador. Sempre a partir de exemplos, o autor mostra as arias etapas da
pesquisa, inclusive a busca bibliogr´afica, ilustrando com um projeto completo de ”Mode-
lagem Matem´atica de Fenˆomenos Biol´ogicos”. Todas as fases do desenvolvimento de proje-
tos, inclusive de sub-projetos, como, por exemplo, o modelo de crescimento em peso de aves
e o modelo de enterramento de larvas de moscas, ao mostradas com detalhes.
O autor termina o livro deixando bem claro que ao existem modelos definitivos. A
modelagem ´e um processo. Um modelo de fato ou fenˆomeno real sempre pode ser melhorado.
Assim justifica a discuss˜ao do ´ultimo cap´ıtulo, que intitulou “Evolu¸ao de Modelos”.
Sempre recorrendo a exemplos muito interessantes, Bassanezi revela sua predile¸ao por
modelos biol´ogicos. Como um dos introdutores da ´area de Biomatem´atica no Brasil, e um
dos seus mais destacados cultores, discute modelos elaborados de dinˆamica populacional.
Sem compromissar o rigor, apresenta, numa linguagem clara e muito acess´ıvel, modelos
variacionais fuzzy e o cl´assico modelo de Lotka-Volterra sobre intera¸ao entre esp´ecies.
O livro ´e riqu´ıssimo em bibliografia, equilibrando, com excelente crit´erio, referˆencias
nacionais e internacionais, e mencionando interessantes projetos no Brasil e no exterior.
Rodney C. Bassanezi oferece aos alunos, professores e pesquisadores, um livro que a
muito se fazia necess´ario, enriquecendo a bibliografia acadˆemica brasileira.
Ubiratan D’Ambrosio
ao Paulo, 16/04/2002
`
A minha mulher e `aqueles que
acreditam num mundo melhor
Cap´ıtulo 1
Modelagem Matem´atica Um etodo
cient´ıfico de pesquisa ou uma estrat´egia
de ensino e aprendizagem?
“A educa¸ao existe por toda parte e, muito mais do que a escola, ´e o resultado
da ao de todo meio ocio-cultural sobre os seus participantes. ´
E o exerc´ıcio
de viver e conviver o que educa. A escola de qualquer tipo ´e apenas um lugar
e um momento provis´orios onde isto pode acontecer.”
C. Brand˜ao
1.1 Introdu¸ao
Lev´a-lo a gostar mais de Matem´atica ´e, leitor, o objetivo principal desse livro.
Acreditamos que esse gosto se desenvolve com mais facilidade quando ´e movido por inter-
esses e est´ımulos externos `a Matem´atica, vindos do ”mundo real”. A matem´atica aplicada
´e o caminho.
Ao contr´ario dos que acreditam ser a matem´atica aplicada uma matem´atica inferior
onde os problemas ao abordados com ecnicas modestas ou etodos computacionais que
desvalorizam esta ciˆencia pensamos que, para o desenvolvimento de um novo modelo de
educa¸ao menos alienado e mais comprometido com as realidades dos indiv´ıduos e sociedades,
necessitamos lan¸car ao de instrumentos matem´aticos interrelacionados a outras ´areas do
conhecimento humano. ´
E tamb´em nessa capacidade de estabelecer rela¸oes entre os campos
da matem´atica e os outros, evitando reproduzir modos de pensar estanques fracionados,
que, a nosso ver, est´a o futuro da forma¸ao de novos quadros de professores e pesquisadores,
prontos a enfrentar o desafio de pensar a unidade na multiplicidade.
Na pr´opria atividade de ensino, elementar e edio, o porquˆe de se ensinar matem´atica
deve ser questionado. Os conhecimentos asicos de alculo, geometria e estruturas alg´ebricas
seriam meros “jogos” destinados a desenvolver habilidades intelectuais (como ocorre com
freq¨encia em nossas escolas) ou deveriam ser instrumentos aplic´aveis aos usos cotidianos?
Est´a pergunta ´e ainda mais relevante se considerarmos que a grande maioria dos alunos, mais
tarde, saber´a utilizar ou se lembrar´a de apenas uma pequena parcela dos conhecimentos
15
16 Modelagem Matem´atica
matem´aticos ensinados nesse est´agio de forma¸ao e que, mesmo no ambiente de sala de
aula, nem todos se divertem com os “jogos” aprendidos. ao queremos com isso insinuar
que a Matem´atica deva ser abolida do programa escolar ou que seja mat´eria curricular
ensinada somente `aqueles que pretendem utiliz´a-la num futuro. Ao contr´ario, acreditamos
que os professores devem valorizar o que ensinam de modo que o conhecimento seja ao
mesmo tempo interessante, por ser ´util, e estimulante, por ser fonte de prazer. Assim, o que
propomos ´e a busca da constru¸ao de uma pr´atica de ensino-aprendizagem matem´atica que
combine “jogos” e resultados pr´aticos. A matem´atica ao deve ser considerada importante
simplesmente por alguma defini¸ao arbitr´aria ou porque mais tarde ela poder´a ser aplicada.
Sua importˆancia deve residir no fato de poder ser ao agrad´avel quanto interessante.
Nessa nova forma de encarar a matem´atica, a modelagem que pode ser tomada tanto
como um etodo cient´ıfico de pesquisa quanto como uma estrat´egia de ensino-aprendizagem
tem se mostrado muito eficaz. A modelagem matem´atica consiste na arte de transformar
problemas da realidade em problemas matem´aticos e resolvˆe-los interpretando suas solu¸oes
na linguagem do mundo real.
As vantagens do emprego da modelagem em termos de pesquisa podem ser constatadas
nos avan¸cos obtidos em arios campos como a ısica, a Qu´ımica, a Biologia e a Astrof´ısica
entre outros. A modelagem pressup˜oe multidisciplinariedade. E, nesse sentido, vai ao en-
contro das novas tendˆencias que apontam para a remo¸ao de fronteiras entre as diversas
´areas de pesquisa.
Partindo do pressuposto de que todas as ciˆencias ao ao mesmo tempo emp´ıricas e
te´oricas, saberes em que a busca da verdade deve ser impulsionada por indica¸oes emp´ıricas
aliadas `a atividade criadora a procura de leis (formula¸ao de problemas e ensaios de
hip´oteses a serem testadas e avaliadas) para as quais a utiliza¸ao da ogica e das ferramentas
matem´aticas ´e fundamental, ´e acil percebermos o potencial da aplica¸ao da modelagem nos
campos cient´ıficos com etodos e finalidades comuns. Pesquisadores fluentes na linguagem
matem´atica trazem contribui¸oes importantes para suas ´areas de pesquisa e transitam com
mais facilidade entre os diversos campos do conhecimento cient´ıfico.
No setor educacional, a aprendizagem realizada por meio da modelagem facilita a com-
bina¸ao dos aspectos l´udicos da matem´atica com seu potencial de aplica¸oes. E mais, com
este material, o estudante vislumbra alternativas no direcionamento de suas aptid˜oes ou
forma¸ao acadˆemica.
Acreditamos que os professores de matem´atica, considerados paramatem´aticos, em a
obriga¸ao de mostrar aos alunos as duas possibilidades que na verdade se completam: tirar
de um “jogo” resultados significativos (matem´atica aplicada) ou montar um “jogo” com
regras fornecidas por alguma realidade externa (cria¸ao de matem´atica). A modelagem
fomenta essas possibilidades num processo de ensino-aprendizagem em que a Matem´atica
pode ser encarada como um jogo maior em que os perdedores ao aqueles que ao conseguem
se divertir jogando (o que ocorre muitas vezes, por deficiˆencia dos pr´oprios treinadores, que
est˜ao mais preocupados com as regras do jogo do que com o prazer de efetivamente jogar).
Em termos de pol´ıticas p´ublicas e op¸oes culturais e educacionais, acreditamos que as
ciˆencias asicas devam ter o mesmo peso que as tecnol´ogicas ao sendo encaradas como
Rodney Carlos Bassanezi 17
um luxo permitido apenas a pa´ıses desenvolvidos. Cada na¸ao precisa procurar formar
seus pr´oprios especialistas, e ao simplesmente importar conhecimentos, programas curric-
ulares e de pesquisa estrangeiros. No caso espec´ıfico da Matem´atica, ´e necess´ario buscar
estrat´egias alternativas de ensino-aprendizagem que facilitem sua compreens˜ao e utiliza¸ao.
A modelagem matem´atica, em seus arios aspectos, ´e um processo que alia teoria e pr´atica,
motiva seu usu´ario na procura do entendimento da realidade que o cerca e na busca de
meios para agir sobre ela e transform´a-la. Nesse sentido, ´e tamb´em um etodo cient´ıfico
que ajuda a preparar o indiv´ıduo para assumir seu papel de cidad˜ao: A educa¸ao inspirada
nos princ´ıpios da liberdade e da solidariedade humana tem por fim o preparo do indiv´ıduo e
da sociedade para o dom´ınio dos recursos cient´ıficos e tecnol´ogicos que lhes permitem utilizar
as possibilidades e vencer as dificuldades do meio. (Lei 4024 - 20/12/61)
1.2 Considera¸oes sobre Modelagem Matem´atica
A ciˆencia ´e uma atividade essencialmente desenvolvida pelo ser humano que procura en-
tender a natureza por meio de teorias adequadas; ainda que a natureza continue existindo e
funcionando independente das teorias cient´ıficas, o homem utiliza tais teorias para avan¸car
seus conhecimentos que possibilitam num futuro tomar decis˜oes e agir corretamente. A
ciˆencia ´e o produto da evolu¸ao mental-emocional-social da humanidade sendo pois um
fenˆomeno acumulativo natural. A ciˆencia como conhecimento acumulado, depende de cod-
ifica¸oes e ımbolos associados `as representa¸oes orais ou visuais de comunica¸oes (a¸ao
comum para entender, explicar e manejar a realidade), dando origem `a linguagem e repre-
senta¸ao gr´afica. “As representa¸oes incorporam-se `a realidade como artefatos, da mesma
maneira que os mitos e s´ımbolos, sem necessidade de recurso `a codifica¸ao, tamb´em se in-
corporam `a realidade por´em como mentefatos. Assim a realidade ´e permanentemente trans-
formada pela incorpora¸ao de factos (ambos artefatos e mentefactos) e eventos, os primeiros
pela ao direta, consciente ou subconsciente, individual ou coletiva, do homem, e os segun-
dos por conjun¸oes que constituem o que se convencionou chamar hist´oria (D’Ambrosio,
[3]).
A matem´atica e a ogica, ciˆencias essencialmente formais, tratam de entes ideais, ab-
stratos ou interpretados, existentes apenas na mente humana constroem os pr´oprios ob-
jetos de estudo embora boa parte das id´eias matem´aticas sejam originadas de abstra¸oes
de situa¸oes emp´ıricas (naturais ou sociais). Tais id´eias, quando trabalhadas, enveredam-se
pelo caminho do est´etico e do abstrato, e quanto mais se afastam da situa¸ao de origem,
maior ´e o “perigo” de que venham a se tornar um amontoado de detalhes ao complexos
quanto pouco significativos fora do campo da matem´atica.
Com excess˜ao das ciˆencias f´ısicas que foram valorizadas e evoluiram respaldadas por teo-
rias formuladas com o aux´ılio da matem´atica, as outras ciˆencias factuais (biologia, qu´ımica,
psicologia, economia, etc.),via de regra, usavam apenas a linguagem comum para exprimir as
id´eias, o que geralmente resultava em falta de clareza e imprecis˜ao. A matem´atica vinha em
aux´ılio destas ciˆencias, apenas na an´alise superficial dos resultados de pesquisas emp´ıricas.
18 Modelagem Matem´atica
Fazia-se uso ao somente de algumas ferramentas da estat´ıstica indicativa evidente de um
disfarce da falta de conceitos adequados de uma matem´atica mais substancial.
A ciˆencia contemporˆanea, entretanto, ´e fruto de experiˆencias planificadas e auxiliadas por
teorias sujeitas `a evolu¸ao. A consistˆencia de uma teoria ou sua pr´opria valida¸ao tem sido
dependente, muitas vezes, da linguagem matem´atica que a envolve. Toda teoria espec´ıfica
´e, na verdade, um modelo matem´atico de um peda¸co da realidade” (Bunge, [1]).
Quando se prop˜oe analisar um fato ou uma situa¸ao real cientificamente, isto ´e, com
o prop´osito de substituir a vis˜ao ingˆenua desta realidade por uma postura cr´ıtica e mais
abrangente, deve-se procurar uma linguagem adequada que facilite e racionalise o pensa-
mento.
O objetivo fundamental do “uso” de matem´atica ´e de fato extrair a parte essencial da
situa¸ao-problema e formaliz´a-la em um contexto abstrato onde o pensamento possa ser
absorvido com uma extraordin´aria economia de linguagem. Desta forma, a matem´atica
pode ser vista como um instrumento intelectual capaz de sintetizar id´eias concebidas em
situa¸oes emp´ıricas que est˜ao quase sempre camufladas num emaranhado de vari´aveis de
menor importˆancia.
O crescimento cient´ıfico pode se dar em superf´ıcie, expandindo por acumula¸ao, gen-
eralizala¸ao e sistematiza¸ao (processo baconiano) ou ent˜ao em profundidade com a in-
trodu¸ao de novas id´eias que interpretam as informa¸oes dispon´ıveis (processo newtoniano).
A aplica¸ao correta da matem´atica nas ciˆencias factuais deve aliar de maneira equilibrada
a abstra¸ao e a formaliza¸ao, ao perdendo de vista a fonte que originou tal processo. Este
procedimento construtivo conduz ao que se convencionou chamar de Matem´atica Aplicada,
e teve seu in´ıcio declarado (nas ciˆencias ao-f´ısicas) no come¸co do eculo XX, ganhando for¸ca
ap´os a segunda guerra mundial com o interesse marcado pelo aprofundamento das pesquisas
na busca da teoriza¸ao em campos mais diversos.
Oetodo cient´ıfico passou a ser constituido da mistura de aud´acia especulativa com
a exigente compara¸ao emp´ırica, e as teorias obtidas passaram a constituir sistemas de
afirma¸oes com os quais se pode inferir outras afirma¸oes, quase sempre com ajuda da
matem´atica ou da ogica.
A unifica¸ao e esclarecimento de toda ciˆencia, ou de todo conhecimento foi preconizado
pelo etodo da raz˜ao, vislumbrado no sonho de Descartes e transmitido no seu elebre
“Discurso sobre o etodo de bem conduzir a raz˜ao na busca da verdade”, de 1637.
A busca do conhecimento cient´ıfico, em qualquer campo, deve consistir, essencialmente,
em:
1. Aceitar somente aquilo que seja ao claro em nossa mente, que exclua qualquer uvida;
2. dividir os grandes problemas em problemas menores;
3. argumentar, partindo do simples para o complexo; e
4. verificar o resultado final.
Rodney Carlos Bassanezi 19
Duas gera¸oes mais tarde Liebnitz se referia `a character´ıstica universalis o sonho de
um etodo universal, pelo qual todos os problemas humanos, fossem cient´ıficos, legais ou
pol´ıticos, pudessem ser tratados racional e sistematicamente, atrav´es de uma computa¸ao
ogica (vide Davis-Hersh, 1988 [5]).
Nas pesquisas cient´ıficas, a matem´atica passou a funcionar como agente unificador de
um mundo racionalizado, sendo o instrumento indispens´avel para a formula¸ao das teorias
fenomenol´ogicas fundamentais, devido, principalmente, ao seu poder de ıntese e de gener-
aliza¸ao.
O reconhecimento de uma teoria cient´ıfica passou a ter como condi¸ao necess´aria o fato
de poder ser expressa em uma linguagem matem´atica. A pr´opria matem´atica teve uma
evolu¸ao substancial, em decorrˆencia da demanda das diversas ´areas de pesquisa por novas
teorias matem´aticas.
Pode-se dizer que as ciˆencias naturais como ısica, a Astrof´ısica e a Qu´ımica a estejam
hoje amplamente matematizadas em seus aspectos te´oricos. As ciˆencias biol´ogicas, apoiadas
inicialmente nos paradigmas da F´ısica e nas analogias consequentes foram ficando cada
vez mais matematizadas. Nesta ´area a matem´atica tem servido de base para modelar,
por exemplo, os mecanismos que controlam a dinˆamica de popula¸oes, a epidemiologia, a
ecologia, a neurologia, a gen´etica e os processos fisiol´ogicos.
ao se pode dizer que a modelagem matem´atica nas ciˆencias sociais a tenha conseguido o
mesmo efeito, compar´avel em exatid˜ao, com o que se obteve nas teorias ısicas, no entanto,
a simples interpreta¸ao de dados estat´ısticos tem servido, por exemplo, para direcionar
estrat´egias de ao nos meios comerciais e pol´ıticos. A Economia utiliza um forte aparato
matem´atico para estabelecer as teorias da concorrˆencia, dos ciclos e equil´ıbrios de mercado.
O advento dos computadores digitais favoreceu o desenvolvimento e a aplica¸ao da
matem´atica em quase todos os campos do conhecimento at´e mesmo na arte, na usica,
na lingu´ıstica ou nos ogmas intoc´aveis da religi˜ao!
ao queremos dizer que todo “fenˆomeno” possa ser matematizado ou convertido numa
forma que permita que seja processado num computador. Esfor¸cos na tentativa de modelar
matematicamente a vida interior do ind´ıviduo (amor, sonho, ci´umes, inveja, desejo, saudade,
etc.) em tido, por enquanto, alguns poucos resultados significativos como os modelos
topol´ogicos apresentados por Lacan para expressar tendˆencias do comportamento humano.
1.2.1 Modelagem e Modelos Matem´aticos
Quando se procura refletir sobre uma por¸ao da realidade, na tentativa de explicar, de
entender, ou de agir sobre ela o processo usual ´e selecionar, no sistema, argumentos ou
parˆametros considerados essenciais e formaliz´a-los atrav´es de um sistema artificial: o modelo
(vide “A trat´oria”, no box da pr´oxima agina).
A ambiguidade do termo modelo, usado nas mais diversas situa¸oes, nos leva a considerar
aqui apenas o que concerne `a representa¸ao de um sistema. Nos limitaremos neste texto a
apenas dois tipos de modelos:
Modelo Objeto ´e a representa¸ao de um objeto ou fato concreto; suas caracter´ısticas
20 Modelagem Matem´atica
predominantes ao a estabilidade e a homogeneidade das vari´aveis. Tal representa¸ao
pode ser pict´orica (um desenho, um esquema compartimental, um mapa, etc.), con-
ceitual (f´ormula matem´atica), ou simb´olica. A representa¸ao por estes modelos ´e
sempre parcial deixando escapar varia¸oes individuais e pormenores do fenˆomeno ou
do objeto modelado. Um modelo epidemiol´ogico (sistema de equa¸oes diferenciais) que
considera o grupo de infectados como sendo homogˆeneo onde todos os seus elementos
em as mesmas propriedades ´e um exemplo de um modelo objeto; Um desenho para
representar o alv´eolo usado pelas abelhas ´e tamb´em um modelo deste tipo.
Um modelo te´orico ´e aquele vinculado a uma teoria geral existente ser´a sempre con-
struido em torno de um modelo objeto com um odigo de interpreta¸ao. Ele deve
conter as mesmas caracter´ısticas que o sistema real, isto ´e, deve representar as mes-
mas vari´aveis essenciais existentes no fenˆomeno e suas rela¸oes ao obtidas atrav´es de
hip´oteses (abstratas) ou de experimentos (reais).
Chamaremos simplesmente de Modelo Matem´atico um conjunto de s´ımbolos e rela¸oes
matem´aticas que representam de alguma forma o objeto estudado.
Cada autor se aventura dar uma defini¸ao de modelo matem´atico. Por exemplo, para
McLone [20] “um modelo matem´atico ´e um construto matem´atico abstrato, simplificado
que representa uma parte da realidade com algum objetivo particular”. Ferreira Jr. [30],
apresenta uma defini¸ao generalizada de modelo matem´atico a partir de uma abordagem
abstrata dos conceitos asicos de dimens˜ao, unidade e medida.
A importˆancia do modelo matem´atico consiste em se ter uma linguagem concisa que
expressa nossas id´eias de maneira clara e sem ambiguidades, al´em de proporcionar um
arsenal enorme de resultados (teoremas) que propiciam o uso de etodos computacionais
para calcular suas solu¸oes num´ericas.
Os modelos matem´aticos podem ser formulados de acordo com a natureza dos fenˆomenos
ou situa¸oes analisadas e classificados conforme o tipo de matem´atica utilizada:
i. Linear ou ao-linear, conforme suas equa¸oes asicas tenham estas caracter´ısticas;
ii. Est´atico, quando representa a forma do objeto por exemplo, a forma geom´etrica
de um alv´eolo; ou Dinˆamico quando simula varia¸oes de est´agios do fenˆomeno por
exemplo, crescimento populacional de uma colm´eia.
iii. Educacional, quando ´e baseado em um n´umero pequeno ou simples de suposi¸oes,
tendo, quase sempre, solu¸oes anal´ıticas. O modelo presa-predador de Lotka-Volterra
´e um exemplo ıpico de tais modelos. O etodo empregado por tais modelos envolve
a investiga¸ao de uma ou duas vari´aveis, isoladas da complexidade das outras rela¸oes
fenomenol´ogicas. Geralmente estes modelos ao representam a realidade com o grau de
fidelidade adequada para se fazer previs˜oes. Entretanto, a virtude de tais modelos est´a
na aquisi¸ao de experiˆencia e no fornecimento de id´eias para a formula¸ao de modelos
mais adequados `a realidade estudada; ou Aplicativo ´e aquele baseado em hip´oteses
real´ısticas e, geralmente, envolve interrela¸oes de um grande umero de vari´aveis,
Rodney Carlos Bassanezi 21
fornecendo em geral sistemas de equa¸oes com numerosos parˆametros. Neste caso, um
tratamento anal´ıtico pode ser imposs´ıvel e os etodos utilizados para obten¸ao das
solu¸oes devem ser computacionais. E quanto mais complexo for o modelo, mais dif´ıcil
ser´a mostrar sua validade, isto ´e, que ele descreve a realidade!
A trat´oria
Muitos problemas que serviram para testar etodos matem´aticos ou estimular desafios e competi¸oes
entre matem´aticos nos eculos XVII e XVIII, tiveram sua origem na observao de processos mecˆanicos,
geralmente simples.
O estudo de curvas especiais que servissem para modelar tais fenˆomenos ısicos, proporcionou o de-
senvolvimento tanto da Mec˜anica como do pr´oprio alculo Diferencial e Integral. No rol das curvas que
surgiram na ocasi˜ao, podemos citar a caten´aria, a braquist´ocrona, a vel´aria, a trat´oria entre outras tantas.
Destas, a trat´oria ´e a menos conhecida atualmente. Acredita-se que o problema que a originou tenha sido
proposto por C. Perrault por volta de 1670 que, para ilustrar a quest˜ao, puxava seu rel´ogio de bolso, apoiado
sobre uma mesa, pela corrente. Movendo a ponta da corrente sobre a borda da mesa, o rel´ogio descrevia
uma curva que tendia `a borda, era a trat´oria. Para a obten¸ao da equa¸ao da trat´oria, basta entender que,
durante o movimento de arrasto do rel´ogio, a corrente est´a sempre tangente `a tra jet´oria descrita pelo rel´ogio.
Tamem, a distˆancia entre o ponto de tangˆencia (rel´ogio) e o eixo-x (borda da mesa), sobre a reta tangente
(corrente), ´e constante (comprimento da corrente esticada). A tradu¸ao desta linguagem para a linguagem
matem´atica permite descrever o fenˆomeno pelo modelo:
dy
dx =y
pa2y2
cuja solu¸ao ´e a trat´oria.
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y
a
ya
x x
arios matem´aticos estudaram e escreveram sobre a trat´oria, entre eles, J. Bernoulli, L’Hopital e
Huygens (1670/90)a.
aBos, H.J.M.-O “C´alculo no eculo XVIII: ecnicas e Aplica¸oes”. Edit. UnB, unid. 5, 1985, pp. 29-30.
iv. Estoc´astico ou Determin´ıstico, de acordo com o uso ou ao de fatores aleat´orios nas
equa¸oes.
22 Modelagem Matem´atica
Os modelos determin´ısticos ao baseados na suposi¸ao que se existem informa¸oes
suficientes em um determinado instante ou num est´agio de algum processo, ent˜ao todo
o futuro do sistema pode ser previsto precisamente.
Os modelos estoc´asticos ao aqueles que descrevem a dinˆamica de um sistema em
termos probabil´ısticos (cf. M. Thompson). Os modelos pr´aticos tendem a empregar
etodos estoasticos, e quase todos os processos biol´ogicos ao formulados com estes
modelos quando se tem pretens˜oes de aplicabilidade.
De qualquer forma, quando se trabalha com uma amostra grande de indiv´ıduos, podendo
ser caracterizada como uma distribui¸ao cont´ınua, uma trajet´oria determin´ıstica pode rep-
resentar a edia dos casos considerados isoladamente. Por exemplo, se considerarmos uma
popula¸ao sujeita a um crescimento exponencial, a teoria determin´ıstica indica que o cresci-
mento populacional ¡dN
dt ¢´e proporcional ao umero de indiv´ıduos da popula¸ao (N) em
cada instante t. Se λdenota o coeficiente de crescimento desta popula¸ao, ent˜ao o modelo
matem´atico pode ser dado por: dN
dt =λN
cuja solu¸ao ´e N(t) = N0eλt, onde N0=N(0) ´e a popula¸ao inicial. Tem-se ent˜ao o valor
da popula¸ao Nem cada instante, dada por uma equa¸ao determin´ıstica que pressup˜oe a
taxa λconstante.
Entretanto, o processo de crescimento populacional ´e essencialmente estoc´astico uma vez
que a taxa λao ´e necessariamente constante.
Se for considerada a probabilidade p(N, t) de que, em um dado instante t, a popula¸ao
´e igual a N, tem-se, de acordo com Pielou (1969)
p(N, t) = (N1)!
(N01)!(NN0)!eλN0t(1 eλt)(NN0).
Neste caso, o parˆametro λ´e considerado como a taxa edia de crescimento.
Calculando o valor esperado N, ou seja, a popula¸ao edia num instante t, vem:
N=
X
N=0
Np(N, t) = N0eλt
e portanto, neste caso, a solu¸ao determin´ıstica expressa o estado edio do processo es-
toc´astico atual.
Estudos recentes em mostrado que o uso de modelos fuzzy (sistemas com parˆametros e
vari´aveis imprecisas) conduzem ao fato que as solu¸oes determin´ısticas ao as mais prov´aveis
ou as preferidas.
Neste livro daremos mais ˆenfase aos modelos determin´ısticos, ao por preconceito mas,
simplesmente, por quest˜ao de praticidade did´atica e gosto pessoal.
Um modelo matem´atico bem estruturado deve ser composto de resultados parciais in-
terrelacionados. As leis fundamentais da f´ısica ao formuladas matematicamente para pro-
porcionarem uma primeira gera¸ao de modelos matem´aticos que depois ao sujeitos a arias
Rodney Carlos Bassanezi 23
corre¸oes, algumas emp´ıricas. A dinˆamica de popula¸oes de diferentes esp´ecies, pressup˜oe
inicialmente, seus crescimentos independentes para se obter as respectivas taxas de repro-
dutividade. No entanto, tais parˆametros podem ser redimensionados quando as esp´ecies
convivem num mesmo habitat.
Enquanto a Biof´ısica, que possui uma filosofia basicamente reducionista, tenta reduzir os
fenˆomenos biol´ogicos a simples processos f´ısico-qu´ımicos, para deduzir o comportamento de
um sistema complexo pelo estudo dos comportamentos indiv´ıduais dos componentes isola-
dos, a Biomatem´atica procura analisar a estrutura do sistema de maneira global, tentando
preservar as caracter´ısticas biol´ogicas essenciais.
Quando modelamos um sistema complexo, considerando partes isoladas deste sistema e
ignorando as interrela¸oes dos sub-modelos, podemos obter um conjunto de modelos alidos
do ponto de vista microsc´opico (para cada por¸ao isolada) mas que, globalmente, podem
ao representar o sistema completo.
O poema de J.G. Saxe (1816-1877) a uma id´eia do que pode ocorrer quando um modelo
´e obtido a partir de sub-modelos que ao est˜ao interrelacionados corretamente (veja Bender,
1978, [14]).
Subida e Descida:Litografia de M.C.Escher de 1960. Quando os resultados parciais ao est˜ao
corretamente interrelacionados o modelo do todo se torna imposs´ıvel.
24 Modelagem Matem´atica
The Blind Men and the Elephant
It was six men of Indostan The Fourth reached out an eager hand,
To learning much inclined, And left about the knee.
Who went to see the Elephant “What most this wondrous beast is like
(Though all of them were blind), Is mighty plain”, quoth he;
That each by observation “’Tis clear enough the Elephant
Might satisfy his mind. Is very like a tree!”
The first approached the Elephant, The Fifth who chanced to touch the ear,
And happening to fall Said: “E’en the blindest man
Against his broad and study side, Can tell what this resembles most;
At once began to bawl: Deny the fact who can,
“God bless! but the Elephant This marveed of an Elephant
Is very like a wall!” Is very like a fan!”
The Second, feeling of the tusk, The sixth no sooner had begun
Cried, “Ho! what have we here About the beast to grope,
So very round and smooth and sharp? Than, seizing on the swinging tail
To me ’tis mighty clear That fell within his scope,
This wonder of an Elephant “I see,” quoth he, “the Elephant
Is very like a spear!” Is very like a rope!”
The third approached the animal And so these men of Indostan
And happening to take Disputed loud and long
The squirming trunk within his hands, Each in his own opinion
Thus boldly up an and spoke: Exceeding stiff and strong.
“I see,” quoth he, “the Elephant Though each was partly in the right
Is very like a Snake!” And all were in the wrong!
John Godfrey Saxe (1816–1887)
Reprinted in Engineering Concepts
Curriculum Project
Modelagem Matem´atica ´e um processo dinˆamico utilizado para a obten¸ao e valida¸ao
de modelos matem´aticos. ´
E uma forma de abstra¸ao e generaliza¸ao com a finalidade de
previs˜ao de tendˆencias. A modelagem consiste, essencialmente, na arte de transformar
situa¸oes da realidade em problemas matem´aticos cujas solu¸oes devem ser interpretadas na
linguagem usual.
A modelagem ´e eficiente a partir do momento que nos concientizamos que estamos sem-
pre trabalhando com aproxima¸oes da realidade, ou seja, que estamos elaborando sobre
representa¸oes de um sistema ou parte dele.
ao ´e nossa inten¸ao neste livro fazer uma apologia da modelagem matem´atica como
instrumento de evolu¸ao de outras ciˆencias. Pretendemos simplesmente mostrar, atrav´es
Rodney Carlos Bassanezi 25
de exemplos representativos, como este etodo pode ser aplicado em arias situa¸oes de
ensino-aprendizagem, com a intens˜ao de estimular alunos e professores de matem´atica a
desenvolverem suas pr´oprias habilidades como modeladores.
A modelagem ao deve ser utilizada como uma panac´eia descritiva adaptada a qualquer
situa¸ao da realidade como aconteceu com a teoria dos conjuntos. Em muitos casos, a
introdu¸ao de um simbolismo matem´atico exagerado pode ser mais destrutivo que esclare-
cedor (seria o mesmo que utilizar granadas para matar pulgas!) O conte´udo e a linguagem
matem´atica utilizados devem ser equilibrados e circunscritos tanto ao tipo de problema como
ao objetivo que se prop˜oe alcan¸car. Salientamos que, mesmo numa situa¸ao de pesquisa,
a modelagem matem´atica tem arias restri¸oes e seu uso ´e adequado se de fato contribuir
para o desenvolvimento e compreens˜ao do fenˆomeno analisado.
A obten¸ao do modelo matem´atico pressup˜oe, por assim dizer, a existˆencia de um
dicion´ario que interpreta, sem ambiguidades, os s´ımbolos e opera¸oes de uma teoria
matem´atica em termos da linguagem utilizada na descri¸ao do problema estudado, e vice-
versa. Com isto, transp˜oe-se o problema de alguma realidade para a Matem´atica onde ser´a
tratado atrav´es de teorias e ecnicas pr´oprias desta Ciˆencia; pela mesma via de interpreta¸ao,
no sentido contr´ario, obt´em-se o resultado dos estudos na linguagem orginal do problema.
Esquematicamente, poder´ıamos representar este processo com o diagrama da figura 1.1.
Figura 1.1: Processo de modelagem.
arios coment´arios devem ser feitos neste ponto. Primeiro, a teoria matem´atica para a
26 Modelagem Matem´atica
constru¸ao do modelo matem´atico adequado ao problema original pode ao existir. Esta
situa¸ao exige do estudioso uma tarefa talvez hist´orica: desenvolver um novo ramo da
Matem´atica. Obviamente isto ao acontece todos os dias. Como um exemplo recente pode-
mos citar a Teoria dos Jogos criada por J. Neumann para modelar situa¸oes de competi¸ao
econˆomica. De qualquer maneira, o objetivo (e a esperan¸ca) de todo matem´atico aplicado
ao estudar um problema ´e construir um modelo dentro de uma teoria matem´atica a de-
senvolvida e amplamente estudada, que facilite a obten¸ao de resultados. Afinal, a sua
miss˜ao deve ser resolver o problema da maneira mais simples poss´ıvel, e ao complic´a-lo
desnecessariamente.
Segundo, mesmo que o modelo matem´atico da situa¸ao estudada possa ser constru´ıdo
dentro de uma teoria matem´atica conhecida, ainda assim pode acontecer que as ecnicas e
etodos matem´aticos existentes nesta teoria sejam insuficientes para a obten¸ao dos resulta-
dos desejados. Neste caso, a situa¸ao ao ´e ao dram´atica como antes, mas de qualquer forma
vai exigir do matem´atico aplicado habilidade e criatividade essencialmente matem´aticas para
desenvolver os etodos necess´arios. Estas situa¸oes se constituem nas grandes motiva¸oes
para o desenvolvimento de teorias matem´aticas a estabelecidas. Isto ´e amplamente exem-
plificado no caso das Equa¸oes Diferenciais, desde a sua origem at´e os dias de hoje.
Observe que as setas de interpreta¸ao do nosso esquema acima ligam, em grande parte,
a teoria matem´atica ao ramo de conhecimnto de onde vem o problema original. Com isto,
queremos dizer que, mesmo no tratamento matem´atico do modelo, ´e interessante que os
etodos e ecnicas matem´aticas possam ser frequ¨entemente interpretados na linguagem do
fenˆomeno original. Em alguns casos esta interpreta¸ao ´e decisiva no aux´ılio ao desenvolvi-
mento matem´atico da quest˜ao e pode acontecer que o argumento matem´atico seja inade-
quado e deva ser substituido por argumentos mais claros na ´area do problema original. Este
tipo de desenvolvimento na argumenta¸ao, perfeitamente aceito na Matem´atica Aplicada,
talvez seja o ponto que provoque maior descontentamento entre matem´aticos ditos puristas.
´
E obvio que uma argumenta¸ao desta natureza, apesar de sua importˆancia cient´ıfica, mesmo
para a Matem´atica, ao pode ser considerada como argumento estritamente matem´atico.
Este processo de intermedia¸ao entre o problema original e o modelo matem´atico ´e uma
atividade que poder´ıamos classificar como t´ıpica da Matem´atica Aplicada, exigindo uma
avalia¸ao competente da quest˜ao sob os dois pontos de vista. Talvez seja esta a atitude
mais importante quando se trabalha com modelagem, pois nos fornece a validade ou ao do
modelo.
A maior parte das id´eias que colocamos at´e aqui est˜ao na introdu¸ao de nosso livro
Equa¸oes Diferenciais com Aplica¸oes; Harbra (1988) pp: 1-7, que elaboramos juntamente
com Ferreira Jr. e achamos por bem repet´ı-las neste contexto (Veja [13]).
A modelagem matem´atica de uma situa¸ao ou problema real deve seguir uma sequˆencia
de etapas, simplificadamente visualizadas no esquema da figura 1.2:
As atividades intelectuais da Modelagem Matem´atica esbo¸cadas na figura 1.2 ao as
seguintes:
1. Experimenta¸ao ´
E uma atividade essencialmente laboratorial onde se processa a
obten¸ao de dados. Os etodos experimentais, quase sempre ao ditados pela pr´opria
Rodney Carlos Bassanezi 27
Figura 1.2: Esquema de uma modelagem: as setas cont´ınuas indicam a primeira aprox-
ima¸ao. A busca de uma modelo matem´atico que melhor descreva o problema estudado
torna o processo dinˆamico, indicado pelas setas pontilhadas.
natureza do experimento e objetivo da pesquisa. Entretanto, a contribui¸ao de um
matem´atico nesta fase, muitas vezes, pode ser fundamental e direcionar a pesquisa no
sentido de facilitar, posteriormente, o alculo dos parˆametros envolvidos nos modelos
matem´aticos. A ado¸ao de ecnicas e etodos estat´ısticos na pesquisa experimental podem
dar maior grau de confiabilidade aos dados obtidos. Muitas vezes, novas ecnicas de
pesquisa emp´ırica exercem press˜ao sobre o foco de interesse da teoria e permitem uma
melhor sele¸ao das vari´aveis essenciais envolvidas no fenˆomeno.
2. Abstra¸ao ´
E o procedimento que deve levar `a formula¸ao dos Modelos Matem´aticos.
Nesta fase, procura-se estabelecer:
a. Sele¸ao das vari´aveis A distin¸ao entre as vari´aveis de estado que descrevem a
28 Modelagem Matem´atica
evolu¸ao do sistema e as vari´aveis de controle que agem sobre o sistema. Uma das
exigˆencias fundamentais da pesquisa ´e que os conceitos (vari´aveis) com os quais se lida
sejam claramente definidos.
b. Problematiza¸ao ou formula¸ao aos problemas te´oricos numa linguagem pr´opria da
´area em que se est´a trabalhando.
A adequa¸ao de uma investiga¸ao sistem´atica, emp´ırica e cr´ıtica leva `a formula¸ao de
problemas com enunciados que devem ser explicitados de forma clara, compreens´ıvel e
operacional.Desta forma, um problema se constitui em uma pergunta cient´ıfica quando
explicita a rela¸ao entre as vari´aveis ou fatos envolvidos no fenˆomeno.
Enquanto que a escolha do tema de uma pesquisa pode ser uma proposta abrangente,
a formula¸ao de um problema ´e mais espec´ıfica e indica exatamente o que se pretende
resolver.
c. Formula¸ao de hip´oteses As hip´oteses dirigem a investiga¸ao e ao comumente for-
mula¸oes gerais que permitem ao pesquisador deduzir manifesta¸oes emp´ıricas es-
pec´ıficas. As hip´oteses devem incorporar parte da teoria que podem ser testadas e
desta forma constituem investimentos poderosos para o avan¸co da ciˆencia.
De uma maneira geral as hip´oteses se referem `a frequˆencia da interrela¸ao entre
as vari´aveis, observada experimentalmente (hip´oteses observacionais), mas podem
tamb´em ser enunciadas de forma universal quando se procura generalizar os resul-
tados investigados.
Em rela¸ao `a profundidade, as hip´oteses podem ser fenomenol´ogicas quando se referem
ao funcionamento interno do sistema, neste caso podem conter conceitos observacionais
ou contru¸oes abstratas mas ao especificam mecanismos, atributo das hip´oteses rep-
resentacionais onde o funcionamento externo do sistema ´e especificado.
A gera¸ao de hip´oteses se a de arios modos: observa¸ao dos fatos, compara¸ao
com outros estudos, dedu¸ao ogica, experiˆencia pessoal do modelador, observa¸ao de
casos singulares da pr´opria teoria, analogia de sistemas etc (veja Lakatos-Marconi,
[9]). A analogia entre sistemas ´e fundamental para a formula¸ao e desenvolvimento de
modelos.
Dois sistemas ao formalmente an´alogos quando podem ser representados pelo mesmo
modelo matem´atico o que implica numa correspondˆencia entre as propriedades dos
elementos de ambos os sistemas. Por exemplo, um sistema mecˆanico do tipo massa-
mola-amortecedor-for¸ca externa e um sistema el´etrico como os circuitos el´etricos RLC,
ao modelados com o mesmo tipo de equa¸ao matem´atica: a¨x+b˙x+cx =f(t), o
que permite a constru¸ao dos computadores anal´ogicos, ou seja, circuitos el´etricos
ajust´aveis de tal forma que possam simular uma vibra¸ao mecˆanica (veja Bassanezi-
Ferreira Jr. [13], pp. 114-124).
Rodney Carlos Bassanezi 29
A analogia entre sistemas presa-predador e processos epidemiol´ogicos propiciou, no
in´ıcio, o desenvolvimento destas duas ´areas de Biomatem´atica. A percep¸ao de analo-
gias pode ser tamb´em um fator negativo na modelagem quando seu sentido simplista
ignora outras propriedades essenciais inerentes do fenˆomeno analisado as ineg´aveis
analogias entre organismos e sociedades geraram o darwinismo social, uma filosofia
social est´eril e conservadora” (cf. Bunge, [1], pg. 197)
A montagem do modelo matem´atico, que se a nesta fase do processo de modelagem,
depende substancialmente do grau de complexidade das hip´oteses e da quantidade das
vari´aveis interrelacionadas. Um fenˆomeno biol´ogico por exemplo raramente pode
ser representado, de maneira completa e abrangente em toda sua complexidade, por
uma equa¸ao matem´atica ou um sistema de equa¸ao. De qualquer modo, toda teoria
tem sempre um est´agio embrion´ario e a insistˆencia sobre a profundidade desde o in´ıcio
poderia inibir seu crescimento.
d. Simplifica¸ao Os fenˆomenos que se apresentam para o estudo matem´atico ao, em
geral, excessivamente complexos se os considerarmos em todos os seus detalhes. O
etodo cient´ıfico anal´ıtico, iniciado com Galileu (1564-1642) e o etodo da raz˜ao de
Descartes, consistem exatamente em restringir e isolar o campo de estudo apropri-
adamente de tal modo que o problema seja trat´avel e, ao mesmo tempo, mantem sua
relevˆancia. Esta foi a atitude que rompeu com a Ciˆencia da Idade edia que pretendia
entender de uma o vez: a pedra filosofal!
R. Bellman (1924-1985), um matem´atico (aplicado), exprime bem este aspecto: ´
E
irˆonico que para compreendermos algo cientificamente precisemos lan¸car fora in-
forma¸oes. Isto acontece porque neste est´agio de nosso desenvolvimento intelectual
ao somos capazes de lidar com uma ordem de complexidade maior. Consequente-
mente devemos simplificar!”
ao ao raras as situa¸oes em que o modelo a origem a um problema matem´atico
que ao apresenta a m´ınima possibilidade de estudo devido `a sua complexidade. Neste
caso, a atitude ser´a de voltar ao problema original a tentar restringir as informa¸oes
incorporadas ao modelo a um ıvel que ao desfigure irremediavelmente o problema
original, mas que resulte em um problema matem´atico trat´avel. Ou, como diz Mark
Kac (1914-1983), um extraordin´ario matem´atico polonˆes: “Se vocˆe ao consegue re-
solver o problema a que se propˆos, ent˜ao tente simplific´a-lo. A condi¸ao ´unica ´e esta:
vocˆe ao deve simplific´a-lo demasiadamente a ponto de perder as informa¸oes essen-
ciais”. (texto do livro Equa¸oes Diferenciais com Aplica¸oes, Bassanezi-Ferreira Jr.,
[13]).
3. Resolu¸ao O modelo matem´atico ´e obtido quando se substitui a linguagem natural das
hip´oteses por uma linguagem matem´atica coerente e como num dicion´ario, a linguagem
matem´atica admite “sinˆonimos” que traduzem os diferentes graus de sofistica¸ao da lin-
guagem natural. Por exemplo, ´e muito frequente, em se tratando de modelar fenˆomenos
que envolvam dados temporais, obtermos equa¸oes que interpretam as varia¸oes das quan-
tidades (vari´aveis) presentes e consideradas essenciais. Neste caso, as hip´oteses formuladas
30 Modelagem Matem´atica
podem ser traduzidas por equa¸oes de varia¸oes discretas (equa¸oes de diferen¸cas finitas) ou
cont´ınuas (equa¸oes diferenciais).
A resolu¸ao de um modelo est´a sempre vinculada ao grau de complexidade empregado em
sua formula¸ao e muitas vezes o pode ser viabilizada atrav´es de etodos computacionais,
dando uma solu¸ao num´erica aproximada. De qualquer forma, os etodos computacionais
podem oferecer pistas e sugest˜oes para posteriores solu¸oes anal´ıticas.
A modelagem pode vir a ser o fator respons´avel para o desenvolvimento de novas ecnicas
e teorias matem´aticas quando os argumentos conhecidos ao ao eficientes para fornecer
solu¸oes dos modelos nisto consiste a riquesa do uso da modelagem, em se tratando de
pesquisa no campo pr´oprio da Matem´atica.
A resolu¸ao de modelos ´e uma atividade pr´opria do matem´atico, podendo ser completa-
mente desvinculada da realidade modelada.
4. Valida¸ao. ´
E o processo de aceita¸ao ou ao do modelo proposto Nesta etapa,
os modelos, juntamente com `as hip´oteses que lhes ao atribuidas, devem ser testados em
confronto com os dados emp´ıricos, comparando suas solu¸oes e previs˜oes com os valores
obtidos no sistema real O grau de aproxima¸ao desejado destas previs˜oes ser´a o fator
preponderante para sua valida¸ao.
Um modelo deve prever, no m´ınimo, os fatos que o originaram. Um bom modelo ´e aquele
que tem capacidade de previs˜ao de novos fatos ou rela¸oes insuspeitas.
O problema de aceita¸ao ou ao de um modelo depende muito mais de fatores que condi-
cionam o modelador, incluindo seus objetivos e recursos dispon´ıveis- O simples confronto
com os dados emp´ıricos pode ao bastar. De qualquer forma, um bom modelo matem´atico
´e aquele que o usu´ario, especialista na ´area onde se executou a modelagem, o considera
como tal, tendo as qualidades de ser suficientemente simples e representar razoalvelmente a
situa¸ao analisada.
A interpreta¸ao dos resultados obtidos atrav´es dos modelos pode ser feita com o uso de
gr´aficos das solu¸oes que facilita avaliar as previs˜oes ou mesmo sugerir um aperfei¸coamento
dos modelos.
5. Modifica¸ao Alguns fatores ligados ao problema original podem provocar a rejei¸ao
ou aceita¸ao dos modelos. Quando os modelos ao obtidos considerando simplifica¸oes e
idealiza¸oes da realidade, suas solu¸oes geralmente ao conduzem `as previs˜oes corretas e
definitivas. Tamb´em uma previs˜ao pode estar errada ou discordar da intui¸ao por for¸ca das
seguintes raz˜oes:
Alguma hip´otese usada pode ser falsa ou ao suficientemente pr´oxima da verdade, i.e.,
os pressupostos de partida ao incorretos e/ou constituem uma simplifica¸ao demasiado
dr´astica;
Alguns dados experimentais ou informa¸oes podem ter sido obtidos de maneira incor-
reta;
Rodney Carlos Bassanezi 31
As hip´oteses e os dados ao verdadeiros mas insuficientes, e nossa intui¸ao da realidade
´e inadequada;
Existem outras vari´aveis envolvidas na situa¸ao real que ao foram utilizadas no mod-
elo te´orico;
Foi cometido algum erro no desenvolvimento matem´atico formal;
“Um penetrante princ´ıpio novo foi descoberto” (Harvey J. Gold).
O aprofundamento da teoria implica na reformula¸ao dos modelos. Nenhum modelo
deve ser considerado definitivo, podendo sempre pode ser melhorado, e agora poder´ıamos
dizer que um bom modelo ´e aquele que propicia a formula¸ao de novos modelos. A refor-
mula¸ao de modelos ´e uma das partes fundamentais do processo de modelagem e isto pode
ser evidenciado se considerarmos que:
Os fatos conduzem constantemente a novas situa¸oes;
Qualquer teoria ´e pass´ıvel de modifica¸oes;
As observa¸oes ao acumuladas gradualmente de modo que novos fatos suscitam novos
questionamentos;
A pr´opria evolu¸ao da Matem´atica fornece novas ferramentas para traduzir a realidade
(Teoria do Caos, Teoria Fuzzy etc.).
A modelagem eficiente permite fazer previs˜oes, tomar decis˜oes, explicar e entender; enfim
participar do mundo real com capacidade de influenciar em suas mudan¸cas. Salientamos mais
uma vez que a aplicabilidade de um modelo depende substancialmente do contexto em que
ele ´e desenvolvido um modelo pode ser “bom” para o bi´ologo e ao para o matem´atico e
vice-versa. Um modelo parcial pode atender `as necessidades imediatas de um pesquisador
mesmo que ao comporte todas as vari´aveis que influenciam na dinˆamica do fenˆomeno
estudado.
De uma maneira geral podemos classificar como atividade do matem´atico aplicado a
constru¸ao e an´alise do modelo matem´atico sua aplicabilidade e valida¸ao ao predomi-
nantemente, atividades dos pesquisadores de outras ´areas. O intercˆambio do matem´atico
com estes pesquisadores ´e que proporciona a obten¸ao de modelos coerentes e ´uteis.
No esquema da figura 1.3, procuramos dar uma id´eia desta divis˜ao de atividades intelec-
tuais:
O quadro `a cima a, a grosso modo, as atividades do matem´atico. A interrela¸ao com
outros pesquisadores est´a essencialmente nos processos de formula¸ao de hip´oteses, escolha
de vari´aveis e valida¸ao do modelo.
32 Modelagem Matem´atica
Figura 1.3: Divis˜ao de atividades intelectuais.
1.2.2 Usos da Modelagem Matem´atica
Usualmente o termo aplica¸ao de matem´atica denota o fato de se utilizar seus conceitos
para entendimento de fenˆomenos do mundo real. Eventualmente, modelos matem´aticos,
ou mais geralmente, todo argumento matem´atico que ´e ou pode ser, de alguma forma,
relacionado com a realidade, pode ser visto como pertencente `a Matem´atica Aplicada (cf.
W. Blum, cap. I, [16]).
AMatem´atica Aplicada moderna pode ser considerada como a arte de aplicar
matem´atica a situa¸oes problem´aticas, usando como processo comum a modelagem
matem´atica. ´
E esse elo com as ciˆencias que distingue o matem´atico aplicado do matem´atico
puro. A diferen¸ca consiste, essencialmente, na atitude de se pensar e fazer matem´atica.
Modelagem como etodo cient´ıfico
Uma erie de pontos podem ser levantados para destacar a relevˆancia da modelagem
matem´atica quando utilizada como instrumento de pesquisa:
Pode estimular novas id´eias e ecnicas experimentais;
Pode dar informa¸oes em diferentes aspectos dos inicialmente previstos;
Pode ser um etodo para se fazer interpola¸oes, extrapola¸oes e previs˜oes;
Rodney Carlos Bassanezi 33
Pode sugerir prioridades de aplica¸oes de recursos e pesquisas e eventuais tomadas de
decis˜ao;
Pode preencher lacunas onde existem falta de dados experimentais;
Pode servir como recurso para melhor entendimento da realidade;
Pode servir de linguagem universal para compreens˜ao e entrosamento entre
pesquisadores em diversas ´areas do conhecimento.
A modelagem matem´atica, com toda sua abrangˆencia e poder de s´ıntese, ´e por excelˆencia
o etodo cient´ıfico usado nas ciˆencias factuais sua larga esfera de aplica¸ao e variedade
das id´eias matem´aticas utilizadas podem ser melhor expressas examinando-se suas atuais
´areas de pesquisa. (Vide G. G. Hall, in Mathematical Education, 1978, [18]).
F´ısica Te´orica
A evolu¸ao e complexidade dos modelos matem´aticos para a teoria dos campos, deu
impulso ao desenvolvimento de sistemas de equa¸oes diferenciais ordin´arias a estabilidade
e regularidade de solu¸oes tornou-se o alvo preferido dos matem´aticos. A Eletricidade e
o Magnetismo, a Hidrodinˆamica, a Elasticidade e em geral os fenˆomenos de difus˜ao levam
`as Equa¸oes Diferenciais Parciais. Todas estas sub-´areas da matem´atica em um ponto
inicial comum: a Teoria dos Campos Vetoriais. As ecnicas das eries de fun¸oes ortogonais,
juntamente com as transforma¸oes integrais, fornecem solu¸oes convenientes para um grande
umero de problemas espec´ıficos.
Com o desenvolvimento da Teoria da Relatividade e Teoria Quˆantica, as categorias f´ısicas
fundamentais de espa¸co, tempo e mat´eria foram re-examinadas e ao puderam se adaptar
aos conceitos intuitivos tradicionais. Em socorro vieram a Teoria dos Grupos de Lorentz e
a Teoria da ´
Algebra de Von Newmann, essenciais nos modelos, respectivamente, da Teoria
da Relatividade e da Teoria Quˆantica.
Muitas outras descobertas, al´em das citadas, est˜ao transformando o ısico te´orico num
indiv´ıduo cada vez mais especializado devido `a necessidade de trabalhar em teorias altamente
sofisticadas, que precisam de consider´aveis habilidades matem´aticas. A F´ısica Te´orica passou
a constituir, nos melhores centros de pesquisa, uma sub-´area ou disciplina da matem´atica
aplicada (tamb´em denominada F´ısica-Matem´atica).
Qu´ımica Te´orica
A Qu´ımica Te´orica est´a surgindo como uma disciplina distinta da F´ısica Te´orica, em-
bora tenha aplicado por muitos anos os conceitos da Mecˆanica (Estat´ıstica e Quˆantica).
A Qu´ımica procura entender as propriedades das mol´eculas individualizadas em termos dos
el´etrons e de outras part´ıculas. A princ´ıpio os modelos matem´aticos podem ser estabelecidos
e resolvidos em analogia com os fenˆomenos ısicos, mas o maior complicador est´a na escala
das opera¸oes. Por outro lado, o fato das propriedades qu´ımicas frequentemente seguirem
leis emp´ıricas simples, mostra aplica¸oes em arias dire¸oes: uso de equa¸oes diferenciais
34 Modelagem Matem´atica
para modelar velocidade de rea¸oes qu´ımicas (lei da ao das massas), teoria das matrizes e
grafos para descrever a estrutura das mol´eculas etc.
Biomatem´atica
As tentativas de representa¸ao matem´atica de fenˆomenos biol´ogicos ganharam alguma
credibilidade com os modelos did´aticos de intera¸ao entre esp´ecies devidos a Lotka-Volterra e
Kostitizin (vide Scudo Z. [28]) e com os modelos de epidemiologia de Kermack-McKendrick,
nos meados deste eculo. Tais modelos utilizavam a teoria das equa¸oes diferenciais, or-
din´arias ou parciais, invariavelmente baseadas nas leis ısicas de conserva¸ao.
A dificuldade maior em aplicar matem´atica `as situa¸oes biol´ogicas est´a no fato de que tais
fenˆomenos em um comportamento bem mais complexo que os da F´ısica suas vari´aveis em
um comportamento fortemente aleat´orio e muitas vezes sens´ıveis `as pequenas pertuba¸oes.
Nas ´ultimas ecadas a Biomatem´atica vem tendo um desenvolvimento fortemente encora-
jado pelo aparecimento de novas teorias matem´aticas (Teoria do Caos e as bifurca¸oes, Teoria
Fuzzy, Espa¸cos de Aspectos, etc.) e ecnicas derivadas de recursos computacionais. Recen-
temente, o surgimento de novos paradigmas, cada vez mais desvinculados dos tradicionais,
pressupostos pelo reducionismo, propiciam modelos mesosc´opicos mais realistas capazes de
simular, prever e influir nos fenˆomenos biol´ogicos tais como: dinˆamica de redes filamentares,
difus˜ao de insetos e poluentes, redes neuronais, agrega¸ao celular, padr˜oes de forma¸ao em
geral etc (Murray, 1990, [23]).
“A interface entre modelos microsc´opicos e macrosc´opicos de um mesmo fenˆomeno ´e
uma regi˜ao de dif´ıcil an´alise e a estrat´egia mais comum para seu estudo ´e a formula¸ao de
um modelo abrangente, o que implica no uso de escalas muito diversas. A transi¸ao destas
descri¸oes entre submodelos se faz quase sempre de maneira singular” (veja Ferreira Jr.,
[30]).
A complexidade dos fenˆomenos biol´ogicos que poderia ser a causa do desinteresse de
matematiza¸ao desta ciˆencia, ao contr´ario tem cada vez mais adeptos, mesmo porque a
Biomatem´atica se tornou uma fonte ertil para o desenvolvimento da pr´opria Matem´atica.
Aplica¸oes em outras ´areas
Um esfor¸co maior em Matem´atica Aplicada tem sido na solu¸ao de problemas industriais
e de engenharia. Nem todo problema tecnol´ogico ´e essencialmente ısico em natureza. Os
mais importantes e comuns nesta ´area ao originados dos processos de controle e automa¸ao.
A sofistica¸ao e automa¸ao de aquinas em sido desenvolvidas com o uso da ´algebra fuzzy,
teoria do controle, al´em das ecnicas modernas para resolver equa¸oes diferenciais parciais
com computadores (m´etodo dos elementos finitos, etodo da relaxa¸ao e outros).
ACiˆencia da Computa¸ao est´a em fase de ser cristalizada como disciplina. Ela inclui
muitas aplica¸oes da ogica matem´atica (teoria das aquinas de Turing) e mais recentemente
a ogica fuzzy, as fun¸oes recursivas, e de um modo geral a computabilidade. A intera¸ao
entre a computa¸ao e a matem´atica tem crescido de tal forma que seria dif´ıcil afirmar quem
ajuda quem em seu desenvolvimento.
As arias Ciˆencias Sociais est˜ao, gradualmente, tornando-se clientes do poder da
Rodney Carlos Bassanezi 35
Matem´atica para a organiza¸ao de seus dados e para testar a objetividade de seus pen-
samentos. Em Economia, a econometria tem se desenvolvido rapidamente e tornou-se um
estudo especializado por si mesmo. A an´alise de equil´ıbrio em Economia (equil´ıbrio de mer-
cado, equil´ıbrio de renda, d´ıvida etc.) tem usado a teoria de controle como instrumento
em busca de otimiza¸oes. A an´alise da dinˆamica de sistemas (modelos de ıvida externa,
renda familiar, mercado, ciclos de matura¸ao etc) utiliza sistemas de equa¸oes diferenciais e
de diferen¸cas. A programa¸ao matem´atica, alculo de varia¸oes e teoria dos jogos em sido
ferramentas matem´aticas utilizadas tamb´em em problemas de otimiza¸ao nesta ´area.
Outras ´areas sociais (Geografia, Hist´oria, Sociologia, Pol´ıtica, Psicologia, Antropologia
etc) ainda est˜ao nos primeiros passos (modelos elementares) no que se refere ao uso de
matem´atica em suas pesquisas e o progresso tem sido lento. Algumas aplica¸oes foram
obtidas com a An´alise Estat´ıstica de Dados, Teoria dos Grafos, Teoria da Informa¸ao e
Teoria dos Jogos, mas os resultados em sido pouco significativos.
A Arqueologia usa matrizes para a classifica¸ao de dados e reconhecimento de modelos; a
Lingu´ıstica usa um tratamento matem´atico para a gram´atica e para a sintaxe. A Arquitetura
acha inspira¸ao nas formas e modelos geom´etricos e a Filosofia tem sido influenciada pela
matematiza¸ao da ogica, por fil´osofos da matem´atica e pelo estudo dos etodos cient´ıficos.
As ecnicas de computa¸ao gr´afica em sido utilizadas nas artes criativas (televis˜ao, cinema,
pintura etc.) e a usica computacional est´a se iniciando (veja Hall, 1978, [18]).
Modelagem como estrat´egia de ensino-aprendizagem
O ˆexito dos modelos matem´aticos quanto `a previsibilidade - causal ou estoc´astica -tem
implicado seu uso tamb´em em situa¸oes menos favor´aveis e, neste sentido a Matem´atica
Aplicada vem ganhando terreno nas ´ultimas ecadas, proliferando como curso de gradua¸ao
e os-gradua¸ao estruturados em arias universidades bem conceituadas.
A onica dos cursos de gradua¸ao ´e desenvolver disciplinas matem´aticas ”aplic´aveis”,
em especial aquelas asicas que a serviram como auxiliares na modelagem de fenˆomenos
de alguma realidade como Equa¸oes Diferenciais Ordin´arias e Parciais, Teoria do Controle
´
Otimo, Programa¸ao Linear e ao Linear, Teoria das Matrizes, M´etodos Computacionais,
An´alise Num´erica etc.
Nos cursos de Mestrado e Doutorado, al´em de um aprofundamento das disciplinas
matem´aticas, o objetivo principal ´e desenvolver a criatividade matem´atica do aluno no sen-
tido de torn´a-lo um modelador matem´atico quando se dedica ao estudo de alguma situa¸ao
fenomenol´ogica.
O os-graduando pode tamb´em ser levado a realizar pesquisas visando a obten¸ao de
novos m´etodos e ecnicas que facilitem a modelagem (m´etodos num´ericos na maioria das
vezes ou teorias matem´aticas em alguns casos isolados). ´
E not´orio o crescimento da procura
por estes ”cursos aplicados” em detrimento do bacharelado em Matem´atica Pura.
“Conv´em lembrar que em grande escala, a aprendizagem teve in´ıcio a partir do eculo
XIX quando Ler-Escrever-Contar eram os 3 pilares da educa¸ao das pessoas. A matem´atica
vinha em terceiro lugar mas seu objetivo era bem claro: ensinar algor´ıtmos efetivos para
as 4 opera¸oes aritm´eticas e familiarizar o aluno com sistema de peso, volume, dinheiro e
36 Modelagem Matem´atica
tempo” (Garding, [7]).
O desenvolvimento de novas teorias matem´aticas e suas apresenta¸oes como algo acabado
e completo acabaram conduzindo seu ensino nas escolas de maneira desvinculada da reali-
dade, e mesmo do processo hist´orico de constru¸ao da matem´atica. Assim ´e que um teorema
´e ensinado, seguindo o seguinte esquema: enunciado demonstra¸ao aplica¸ao”,
quando de fato o que poderia ser feito ´e sua constru¸ao na ordem inversa (a mesma que deu
origem ao teorema), isto ´e, sua motiva¸ao (externa ou ao `a matem´atica), a formula¸ao de
hip´oteses, a valida¸ao das hip´oteses e novos questionamentos, e finalmente seu enunciado.
Estar´ıamos assim reinventando o resultado juntamente com os alunos, seguindo o processo
da modelagem e conjugando verdadeiramente o binˆomio ensino-aprendizagem.
A individualiza¸ao dos cursos de Matem´atica, com a separa¸ao artificial de Matem´atica
Pura” e “Matem´atica Aplicada”, pressup˜oe que a primeira se interessa mais pelas formal-
iza¸oes te´oricas enquanto que a segunda se dedica `as suas aplica¸oes. Esta separa¸ao pode
ter como causa o pedantismo exagerado dos puristas que se sentem autosuficientes e na
maioria das vezes, nunca experimentaram aplicar seus conhecimentos em outras ´areas
talvez com medo de falharem. Consideram a matem´atica aplicada de categoria inferior, da
mesma forma que os matem´aticos grecos consideravam o “c´alculo” uma ferramenta popular
e se isolavam em comunidades secretas para discutirem a “verdadeira matem´atica”.
ao pretendemos fazer uma apologia da matem´atica aplicada em detrimento da pura,
afinal a matem´atica ´e uma ciˆencia asica e importante para atender a arios interesses e
ao deve servir apenas aos seus usu´arios e `a sociedade em geral - deve tamb´em cuidar de
seus pr´oprios interesses.
No processo evolutivo da Educa¸ao Matem´atica, a inclus˜ao de aspectos de aplica¸oes
e mais recentemente, resolu¸ao de problemas e modelagem, em sido defendida por arias
pessoas envolvidas com o ensino de matem´atica. Isto significa, entre outras coisas, que
a mat´eria deve ser ensinada de um modo significativo matematicamente, considerando as
pr´oprias realidades do sistema educacional.
Selecionamos aqui alguns dos principais argumentos para tal inclus˜ao (veja Blum, [16])
1. Argumento formativo enfatiza aplica¸oes matem´aticas e a performace da modelagem
matem´atica e resolu¸ao de problemas como processos para desenvolver capacidade em
geral e atitudes dos estudantes, tornando-os explorativos, criativos e habilidosos na
resolu¸ao de problemas.
2. Argumento de competˆencia cr´ıtica focaliza a prepara¸ao dos estudantes para a
vida real como cidad˜aos atuantes na sociedade, competentes para ver e formar ju´ızos
pr´oprios, reconhecer e entender exemplos representativos de aplica¸oes de conceitos
matem´aticos.
3. Argumento de utilidade enfatiza que a instru¸ao matem´atica pode preparar o estu-
dante para utilizar a matem´atica como ferramenta para resolver problemas em difer-
entes situa¸oes e ´areas.
Rodney Carlos Bassanezi 37
4. Argumento intr´ınseco considera que a inclus˜ao de modelagem, resolu¸ao de proble-
mas e aplica¸oes fornecem ao estudante um rico arsenal para entender e interpretar a
pr´opria matem´atica em todas suas facetas.
5. Argumento de aprendizagem garante que os processos aplicativos facilitam ao es-
tudante compreender melhor os argumentos matem´aticos, guardar os conceitos e os
resultados, e valorizar a pr´opria matem´atica.
6. Arqumento de alternativa epistemol´ogica A modelagem tamb´em se encaixa no Pro-
grama Etnomatem´atica, indicado por D’Ambrosio ([3],[4]) “que prop˜oe um enfoque
epistemol´ogico alternativo associado a uma historiografia mais ampla. Parte da reali-
dade e chega, de maneira natural e atrav´es de um enfoque cognitivo com forte funda-
menta¸ao cultural, `a ao pedag´ogica”, atuando, desta forma, como uma metodologia
alternativa mais adequada `as diversas realidades ocio-culturais.
Apesar de todos estes argumentos favor´aveis ao uso da modelagem matem´atica, muitos
colocam obst´aculos, principalmente quando aplicada em cursos regulares. Estes obst´aculos
podem ser de tres tipos:
a. Obst´aculos instrucionais Os cursos regulares possuem um programa que deve ser
desenvolvido completamente. A modelagem pode ser um processo muito demorado
ao dando tempo para cumprir o programa todo. Por outro lado, alguns professores
em uvida se as aplica¸oes e conex˜oes com outras ´areas fazem parte do ensino de
Matem´atica, salientando que tais componentes tendem a distorcer a est´etica, a beleza e
a universalidade da Matem´atica. Acreditam, talvez por comodidade, que a matem´atica
deva preservar sua “precis˜ao absoluta e intoc´avel sem qualquer relacionamento com o
contexto ocio-cultural e pol´ıtico” (cf. D’Ambrosio, [4]).
b. Obst´aculos para os estudantes O uso de Modelagem foge da rotina do ensino tradi-
cional e os estudantes, ao acostumados ao processo, podem se perder e se tornar
ap´aticos nas aulas. Os alunos est˜ao acostumados a ver o professor como transmissor de
conhecimentos e quando ao colocados no centro do processo de ensino-aprendizagem,
sendo respons´aveis pelos resultados obtidos e pela dinˆamica do processo, a aula passa
a caminhar em r´ıtmo mais lento (veja Franchi, [31]).
A forma¸ao heterogˆenea de uma classe pode ser tamb´em um obst´aculo para que alguns
alunos relacionem os conhecimentos te´oricos adquiridos com a situa¸ao pr´atica em
estudo.Tamb´em o tema escolhido para modelagem pode ao ser motivador para uma
parte dos alunos provocando desinteresse.
c. Obst´aculos para os professores Muitos professores ao se sentem habilitados a desen-
volver modelagem em seus cursos, por falta de conhecimento do processo ou por medo
de se encontrarem em situa¸oes embara¸cosas quanto `as aplica¸oes de matem´atica em
´areas que desconhecem. Acreditam que perder˜ao muito tempo para preparar as aulas
e tamb´em ao ter˜ao tempo para cumprir todo o programa do curso.
38 Modelagem Matem´atica
Nossa experiˆencia pessoal ou de colegas com o emprego da modelagem em cursos regulares
(C´alculo Diferencial e Integral, ou mesmo quando aplicada no ensino fundamental e edio),
mostraram efetivamente que as dificuldades citadas podem aparecer.
A falta de tempo para “cumprir” um programa, a in´ercia dos estudantes para desenvolver
a modelagem e a inexperˆencia de professores ao dificuldades que podem ser minoradas
quando modificamos o processo cl´assico de modelagem, levando-se em conta o momento
de sistematiza¸ao do conte´udo e utilizando uma analogia constante com outras situa¸oes
problemas. A modelagem no ensino ´e apenas uma estrat´egia de aprendizagem, onde o mais
importante ao ´e chegar imediatamente a um modelo bem sucedido mas, caminhar seguindo
etapas onde o conte´udo matem´atico vai sendo sistematizado e aplicado. Com a modelagem o
processo de ensino-aprendizagem ao mais se a no sentido ´unico do professor para o aluno,
mas como resultado da intera¸ao do aluno como seu ambiente natural. (veja Disserta¸oes
de Mestrado: Burak [27], Gazzeta [32], Biembegut [26], Monteiro [34] e Franchi [31]).
A proposta deste texto ´e sugerir a modelagem matem´atica como uma estrat´egia a ser
usada para o ensino e aprendizagem de Matem´atica em cursos regulares ou ao e neste
contexto recebe o nome de Modela¸ao Matem´atica (modelagem em Educa¸ao).
Na modela¸ao a valida¸ao de um modelo pode ao ser uma etapa priorit´aria. Mais im-
portante do que os modelos obtidos ´e o processo utilizado, a an´alise cr´ıtica e sua inser¸ao no
contexto ocio-cultural. O fenˆomeno modelado deve servir de pano de fundo ou motiva¸ao
para o aprendizado das ecnicas e conte´udos da pr´opria matem´atica. As discuss˜oes sobre
o tema escolhido favorecem a prepara¸ao do estudante como elemento participativo da so-
ciedade em que vive “O indiv´ıduo, ao mesmo tempo que observa a realidade, a partir dela
e atrav´es da produ¸ao de novas id´eias (mentefatos) e de objetos concretos (artefatos), exerce
uma ao na realidade como um todo” (D’Ambrosio, [17]).
O mais conveniente, a nosso ver, seria a unifica¸ao dos cursos de gradua¸ao de
Matem´atica onde o ensino poderia ser desenvolvido de maneira equilibrada com teoria e
pr´atica se alternando para uma melhor compreens˜ao e motiva¸ao dos alunos.
Por enquanto podemos dizer que a modela¸ao tem sido aplicada com algum ˆexito em
diversos tipos de situa¸oes: em cursos regulares, isto ´e, com programas pr´e-estabelecidos, em
treinamento e aperfei¸coamento de professores de Matem´atica, em programas de reciclagem
de adultos, em cursos de servi¸co, como disciplina do curso de licenciatura e em programas
de Inicia¸ao Cient´ıfica.
A Inicia¸ao Cient´ıfica ´e o processo intermedi´ario entre a pesquisa e o ensino pois pre-
coniza a recria¸ao de modelos, baseados ou ao em outros incorporados `a realidades, o que
constitui o ponto central dos sistemas educativos. A Modela¸ao utiliza o mesmo etodo
da Inicia¸ao Cient´ıfica, voltado para a aprendizagem da Matem´atica como ciˆencia asica,
vinculado `as suas aplica¸oes `a realidade. Em nosso pa´ıs muitos professores-pesquisadores
de Matem´atica em procurado desenvolver suas atividades com os procedimentos delineados
pela Modelagem. Destes, destacamos aqueles que contribu´ıram mais de perto com a inicia¸ao
e encorajamento de nossas experiˆencias: Aristides Barreto (UFF) e Ubiratan D’Ambrosio
(Unicamp) e nossos alunos e orientandos, que transformaram nossos anseios e devaneios
em trabalhos efetivos, aos quais seremos eternamente gratos.
Referˆencias Bibliogr´aficas
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39
40 Modelagem Matem´atica
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Aprendizagem de Matem´atica em Cursos de 1o
¯e 2o
¯Graus - (Mestrado), UNESP, Rio
Claro.
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Rodney Carlos Bassanezi 41
[29] Dolis, M. (l989). Ensino de alculo e o Processo de Modelagem - (Mestrado), UNESP,
Rio Claro.
[30] Ferreira, Jr.,W. C. (l993). Modelos matem´aticos para dinˆamica de popula¸oes dis-
tribu´ıdas em espa¸cos de aspecto com intera¸oes ao locais: paradigmas de complexidade
- (Doutorado), IMECC-UNICAMP, Campinas.
[31] Franchi, R. H. O. L. (l993). M.M. como estrat´egia de aprendizagem do Calc. Dif. e
Integral nos curso de Engenharia - (Mestrado), UNESP, Rio Claro.
[32] Gazzetta, M. (l988). Modelagem como estrat´egia de aprendizagem da Matem´atica em
curso de aperfei¸coamento de professores - (Mestrado), UNESP, Rio Claro.
[33] Mendon¸ca. M. C. D. (l993). Problematiza¸ao: Um caminho a ser percorrido em Ed-
uca¸ao Matem´atica - (Doutorado), FE-Unicamp, Campinas.
[34] Monteiro, A. (l991). O ensino de Matem´atica para adultos atrav´es da Modelagem
Matem´atica - (Mestrado), UNESP, Rio Claro.
42 Modelagem Matem´atica
Cap´ıtulo 2
ecnicas de Modelagem
“Eu penso que seria uma aproxima¸ao relativamente boa da verdade (que
´e demasiadamente complexa para permitir qualquer coisa melhor que uma
aproxima¸ao) dizer que as id´eias matem´aticas em a sua origem em situa¸oes
emp´ıricas. . . Mas, uma vez concebidas, elas adquirem uma identidade e
crescimento pr´oprios governados quase que inteiramente por motiva¸oes
est´eticas. . .
J. Von Newmann 1903–1957
2.1 Introdu¸ao
A maior dificuldade que notamos para a ado¸ao do processo de modelagem, pela maioria
dos professores de matem´atica, ´e a transposi¸ao da barreira naturalmente criada pelo ensino
tradicional onde o objeto de estudo apresenta-se quase sempre bem delineado, obedecendo
a uma sequˆencia de pr´e-requisitos e que vislumbra um horizonte claro de chegada tal
horizonte ´e muitas vezes o cumprimento do programa da disciplina.
Na modelagem, o in´ıcio ´e apenas o tema de estudo escolhido quando ainda ao se tem
id´eia do conte´udo matem´atico que ser´a utilizado. Nesse est´agio, colocamos para os iniciantes
que quando ao se tem nenhuma id´eia do que fazer, comece “contando” ou “medindo”
com este procedimento, ´e natural aparecer uma tabela de dados e isto pode ser o come¸co
da modelagem. A disposi¸ao dos dados em um sistema cartesiano e um bom ajuste dos seu
valores, facilitar´a a visualiza¸ao do fenˆomeno em estudo, propiciando tentativas de propostas
de problemas, conjecturas ou leis de forma¸ao. A formula¸ao de modelos matem´aticos ´e
simplesmente uma consequˆencia deste processo. A situa¸ao colocada desta forma pode dar
a falsa impress˜ao que aprender modelagem matem´atica ´e como aprender o conte´udo de
uma disciplina cristalizada. Entretanto, o aprendizado de modelagem ao se restringe ao
aprendizado de ecnicas padronizadas ou procedimentos sequenciais tal como um protocolo
cir´urgico. Da mesma forma que o se pode aprender a jogar futebol, jogando, o se aprende
modelagem, modelando! O ecnico pode aprimorar o comportamento de um jogador e
ensaiar jogadas mais efetivas mas o resultado final depende exclusivamente da criatividade
e habilidade deste jogador; ainda assim, em cada partida sua atua¸ao e rendimento podem
ser bastante diferenciados, dependendo do comportamento da equipe advers´aria.
43
44 Modelagem Matem´atica
Aatividade de aplicar matem´atica ´e ao antiga quanto `a pr´opria matem´atica. ´
E sabido
que muitas id´eias em matem´atica surgiram a partir de problemas pr´aticos. Tamb´em ´e
verdade que o uso de matem´atica em outras ´areas do conhecimento tem crescido substan-
cialmente a ponto de se esperar que ela venha a resolver todos os tipos de situa¸oes. Apesar
disso, por mais que se treine os matem´aticos com o estudo de teorias, ´e poss´ıvel que boa
parte deles ao demonstre habilidades para empregar matem´atica em outras ´areas. O que
entendemos por habilidades neste contexto, consiste na capacidade de tomar um problema
definido em alguma situa¸ao pr´atica relativamente complexa, transform´a-lo em um modelo
matem´atico e procurar uma solu¸ao que possa ser reinterpretada em termos da situa¸ao
original.
Um esquema simples deste processo ´e dado por McLone [2].
Real
Mundo Matemático
Mundo
Formalização
Interpretação
Figura 2.1: Esquema simplificado de Modelagem Matem´atica.
Entretanto, tal esquema ao revela como se pode desenvolver habilidades de matem´atico
aplicado nem tampouco como adquir´ı-las, o que nos leva ao questionamento: ´e poss´ıvel
ensinar modelagem matem´atica?
Sem querer ser demasiadamente simplista na reposta, nem tampouco pern´osticos como
donos da verdade, dir´ıamos que a melhor maneira de se aprender modelagem matem´atica ´e
fazendo modelagem, e de preferˆencia juntamente com algu´em mais experiente.
Partimos da premissa de que ao ´e necessariamente o conte´udo matem´atico, mas o estilo
e atitudes considerados em um curso de Matem´atica Aplicada que proporcionam condi¸oes
favor´aveis para que os estudantes se sintam interessados e motivados pelas aplica¸oes.
A atividade de matematiza¸ao de situa¸oes reais ao ´e diferente em Biologia ou mesmo
em Hist´oria daquela obtida em aplica¸oes tradicionais como em F´ısica, por exemplo.
´
E importante para aqueles que se disp˜oem a trabalhar com modelagem matem´atica es-
tabelecer alguns crit´erios de qualidade. Os crit´erios devem ser adequados aos objetivos que
devem ser bem definidos a priori. Por exemplo, se vamos utilizar o processo de modelagem
matem´atica para motivar o aprendizado de certos conte´udos matem´aticos ou o reconhec-
imento do valor da pr´opria matem´atica, muitas vezes a valida¸ao dos modelos ao ´e um
crit´erio fundamental para sua qualifica¸ao. Por outro lado, se estamos mais interessados nos
resultados fornecidos pelo modelo para entender a situa¸ao modelada ent˜ao a sua valida¸ao
´e indispens´avel.
Alguns procedimento podem ser considerados gerais em modelagem:
Rodney Carlos Bassanezi 45
aquisi¸ao de ecnicas asicas e teoria (utiliza¸ao do “dicion´ario” bilingue: linguagem
usual-matem´atica, matem´atica linguagem usual);
estudo de problemas cl´assicos;
emprego de ecnicas conhecidas em situa¸oes novas;
questionamento ou cr´ıtica a respeito da fabilidade de modelos cl´assicos;
improvisa¸ao de novas t´ecnicas quando as existentes ao inadequadas;
abstra¸ao de princ´ıpios unificadores para certas situa¸oes;
formula¸ao de problemas em termos matem´aticos;
organiza¸ao de material (dados experimentais, bibliogr´aficos, etc.);
coopera¸ao com especialistas de outras ´areas.
Neste cap´ıtulo vamos introduzir alguns recursos asicos para a inicia¸ao `a modelagem,
ao perdendo de vista nosso objetivo principal que ´e o ensino-aprendizagem de matem´atica.
2.2 Formula¸ao de Problemas
A formula¸ao de problemas novos ou interessantes nem sempre ´e uma atividade muito
simples para um professor de matem´atica. Numa experiˆencia realizada com 30 professores
de alculo de universidades do sul do pa´ıs (UNICAMP-1981), pudemos verificar, intuitiva-
mente, que a criatividade para a formula¸ao de problemas novos ou com algum interesse
pr´atico foi muito pouco significativa. A situa¸ao colocada, na ocasi˜ao,aos professores era
simplesmente formular um problema pr´oprio, relativo ao programa que ensinavam na disci-
plina alculo I. Os professores tiveram 2 horas para cumprir esta atividade e os problemas
propostos foram, quase todos, exemplos encontrados nos livros texto adotados na ´epoca.
O resultado desta experiˆencia serviu-nos de motiva¸ao para a procura de estrat´egias que
possibilitassem o desenvolvimento de habilidades na cria¸ao de problemas. Neste sentido, a
modelagem pareceu-nos o procedimento mais eficaz.
2.2.1 Escolha de temas
O in´ıcio de uma modelagem se faz com a escolha de temas. Faz-se um levantamento de
poss´ıveis situa¸oes de estudo as quais devem ser, preferencialmente, abrangentes para que
possam propiciar questionamentos em arias dire¸oes. Por exemplo, se o tema escolhido for
vinho pode-se pensar em problemas relativos `a vinicultura, fabrica¸ao, distribui¸ao, efeitos
do ´alcool no organismo humano, constru¸ao de ton´eis, entre outros. Se for abelha, poder˜ao
surgir problemas de dinˆamica populacional, dispers˜ao de colm´eias, forma dos alv´eolos, com-
ercializa¸ao do mel, comunica¸ao dos insetos, intera¸ao com planta¸oes etc.
46 Modelagem Matem´atica
´
E muito importante que os temas sejam escolhidos pelos alunos que, desta forma, se
sentir˜ao co-respons´aveis pelo processo de aprendizagem, tornando sua participa¸ao mais
efetiva. ´
E claro que a escolha final depender´a muito da orienta¸ao do professor que discursar´a
sobre a exequibilidade de cada tema, facilidade na obten¸ao de dados, visitas, bibliografia
etc.
Tanto no caso onde haja apenas um tema escolhido como quando os temas ao diversi-
ficados, os alunos devem trabalhar em pequenos grupos com problemas espec´ıficos do tema
comum de cada grupo. Assim, o levantamento de problemas deve ser feito em grupos a
definidos o professor ao deve propor problemas mas deve atuar como monitor em cada
grupo, sugerindo situa¸oes globais que devem ser incorporadas pelos alunos.
2.2.2 Coleta de dados
Uma vez escolhido o tema, o pr´oximo passo ´e buscar informa¸oes relacionadas com o
assunto. A coleta de dados qualitativos ou num´ericos pode ser efetuada de arias formas:
Atrav´es de entrevistas e pesquisas executadas com os etodos de amostragem
aleat´oria. Neste caso a organiza¸ao de um question´ario eficiente e a utiliza¸ao de
alguns conceitos asicos de Estat´ıstica ao fundamentais;
Atrav´es de pesquisa bibliogr´afica, utilizando dados a obtidos e catalogados em livros
e revistas especializadas;
Atrav´es de experiˆencias programadas pelos pr´oprios alunos.
Os dados coletados devem ser organizados em tabelas que, al´em de favorecerem uma
an´alise mais eficiente, podem ser utilizadas para a constru¸ao dos gr´aficos das curvas
de tendˆencias.
2.2.3 Formula¸ao de modelos
A natureza dos dados obtidos ´e que, de certa forma, vai orientar a formula¸ao matem´atica
dos modelos.
Em rela¸ao aos tipos de formula¸oes matem´aticas, destacamos dois:
Formula¸ao est´atica
ao formula¸oes matem´aticas envolvendo equa¸oes ou fun¸oes com uma ou mais vari´aveis
onde os modelos matem´aticos traduzem uma correspondˆencia biun´ıvoca entre as vari´aveis da
formula¸ao e as vari´aveis f´ısicas do sistema caracterizado. As formula¸oes est´aticas utilizam,
geralmente, conceitos ligados `a ´area de geometria onde a vari´avel tempo ao tem interesse.
Experiˆencia vivida: fabrica¸ao de “pipas” de vinho
Ovinho foi foi um dos temas escolhidos num curso de Especializa¸ao para 28 professores
de Matem´atica, desenvolvido na Universidade de Ijui (RS) UNIJUI ([3]), no per´ıodo de
Rodney Carlos Bassanezi 47
erias escolares em 1989 e 90 (veja Cap. 4 - O Vinho). Os outros temas escolhidos foram:
madeira, ranicultura, evas˜ao escolar e miss˜oes jesu´ıtas.
As justificativas para a escolha do vinho como tema e da Modelagem como estrat´egia de
aprendizagem de Matem´atica, podem ser reconhecidas no dizeres dos alunos participantes
do projeto:
“Em nosso trabalho a escolha da situa¸ao-problema est´a ligada `a cultura do povo da regi˜ao.
O cultivo da videira foi trazido pelos colonizadores italianos no in´ıcio deste eculo e desde
ent˜ao a produ¸ao do vinho tornou-se essencial para a economia do munic´ıpio. . . Uma das
tendˆencias mais recentes em Educa¸ao Matem´atica, aponta para a necessidade de integrar
o ensino desta ciˆencia com o de outras ´areas, em todos os n´ıveis. Para que este processo
aconte¸ca e para que a Matem´atica seja valorizada como “disciplina”, e nos ajude a entender
e at´e modificar o meio em que vivemos, utilizamos a Modelagem Matem´atica com o objetivo
de associar sua teoria `a pr´atica . . .
Inicialmente foram feitas visitas `as granjas da regi˜ao e entrevistas com produtores os
dados colhidos foram completados com pesquisa bibliogr´afica. A pesquisa etnol´ogica e o
hist´orico do tema ocuparam a primeira etapa do processo.
“Seu Joaquim, al´em de produzir vinho, constroi suas pr´oprias pipas.”
O processo de constru¸ao das pipas pelo “seu” Joaquim chamou a aten¸ao dos alunos
que se interessaram em saber que “matem´atica” era aquela que ele usava em seus esquemas
geom´etricos, herdados de seus ancestrais (figura 2.2).
Figura 2.2: Croqui utilizado pelo“seu” Joaquim.
48 Modelagem Matem´atica
No croqui, a circunferˆencia maior representa a base da pipa e a menor, sua tampa.
As pipas ou reservat´orios de vinho em o formato de um tronco de cone (figura 2.3) e
ao constru´ıdas com ripas de madeira justapostas. As ripas ao de apia e em 2.5cm de
espessura, com largura variando entre 5cm e 10cm.
Para construir uma pipa com um volume pr´e-estabelecido, “seu” Joaquim deve cortar as
ripas de modo que se encaixem perfeitamente. No esbo¸co (figura 2.2), L´e a largura axima
da ripa a ser utilizada; `a largura a ser determinada e β´e o ˆangulo de encaixe entre duas
ripas.
Observamos que os valores de `eβdevem depender da largura inicial da ripa Le do
volume requisitado para a pipa.
Figura 2.3: A pipa.
Observamos que a planta utilizada (figura 2.2) ´e uma proje¸ao ortogonal de uma ripa da
pipa (figura 2.4)
O ˆangulo de encaixe β, entre duas ripas, ´e obtido considerando:
R: raio da base da pipa
L: largura da ripa na base
Todas as ripas justapostas devem formar, na base da pipa, uma circunferˆencia.
Rodney Carlos Bassanezi 49
Em 2001, foram produzidos 263 milh˜oes de litros de vinho no RS, sendo 33.4 milh˜oes de litros de
vinhos finos, e 17 milh˜oes de suco de uva.
ripa
proje¸ao da ripa
A
Bh
Rr
h0
r
β
α
B0
A0
H
l
L
O
Figura 2.4: Proje¸ao ortogonal de uma ripa.
Temos que o triˆangulo OAB ´e is´osceles e portanto
β= arccos L/2
R(2.1)
Por exemplo, se o diˆametro da base deve ter 98cm (R= 49) e a largura maior de cada ripa
50 Modelagem Matem´atica
´e 7cm, ent˜ao
β= arccos 3.5
49 = 85.9
Para determinar a forma da ripa cortada, dados R, L eβ(e supostamente tamb´em o raio
rda tampa), devemos ter o mesmo ˆangulo de encaixe na tampa, isto ´e,
cos β=`/2
r`= 2rcos β
Portanto,
`/2
r=L/2
R`=rL
R(2.2)
(Este mesmo resultado pode ser obtido da semelhan¸ca dos triˆangulos OAB eOA0B0).
Da figura 2.4, temos
h0= (Rr) cos β(proje¸ao ortogonal de h).
Usando as express˜oes (2.1) e (2.2) temos h0em fun¸ao de Le`, isto ´e,
h0=L`
2(2.3)
Ent˜ao, se H´e a altura da pipa, vem, do Teorema de Pit´agoras
h2=H2+ (Rr)2cos2β=H=ph2(Rr)2cos2β
ou
H=rh2(L`)2
4(2.4)
O volume de um tronco de cone ´e dado por
V=1
3πH(R2+rR +r2) (2.5)
e “seu” Joaquim aproxima este volume usando a ormula do cilindro edio, isto ´e, considera
rm=r+R
2V'πr2
mH(2.6)
O seguinte problema foi proposto pelos cursistas:
Problema: Construir uma pipa de 1000 litros, com altura 1.5m e diˆametro da base igual a
1m.
Solu¸ao:
Rodney Carlos Bassanezi 51
Suponhamos que as ripas sejam regulares (forma de retˆangulo) e tenham largura de
10cm.
Dados: V= 1000dm3,H= 15dm, R= 5dm e L= 1dm.
Usando a express˜ao (2.5) do volume, temos
r=R±qR24(R23V
πH )
2
como rdeve ser positivo, usando os dados, obtemos r= 4.20dm.
O valor de `´e obtido de (2.2)
`=rL
R=4.2
5= 0.84dm
e o valor de hvem de (2.3)
h=rH2+(L`)2
4= 15.0002dm
Ser˜ao utilizadas nripas, onde
n
=P
L=2πR
L= 31.4 ripas. Portanto, uma delas deve ser menor!
Se quisermos que todas as ripas utilizadas sejam iguais, devemos usar 32 ripas. Ent˜ao,
32
=2πR
L0L0= 0.98175dm
e
`0=rL0
R=4.20 ×L0
5= 0.82467dm
O ˆangulo de encaixe deve ser
β= arccos `0/2
r= arccos(0.098175) = 84.366.
Exerc´ıcio: Resolva o problema anterior, usando a ormula (2.6) do volume do “seu”
Joaquim.
Formula¸ao dinˆamica
A formula¸ao de modelos dinˆamicos, em geral, envolve dois tipos de vari´aveis (depen-
dentes e independentes) onde a vari´avel independente ´e geralmente o tempo. O conceito de
52 Modelagem Matem´atica
uma rela¸ao entre duas vari´aveis ´e bem conhecido, mas podemos fazer distin¸ao entre uma
rela¸ao funcional e uma rela¸ao estat´ıstica.
A rela¸ao funcional entre duas vari´aveis ´e expressa por uma ormula matem´atica:
y=f(x),
onde x´e a vari´avel independente e ya vari´avel dependente.
Exemplo 2.1. Til´apias do Nilo
A tabela 2.1 nos a, em ordem crescente, o peso edio e o comprimento da “Til´apia do
Nilo” (Sarotherodon niloticus) peixe de origem africana e bem adaptado em nossas ´aguas
em rela¸ao `a sua idade:
t: idade x: comp. m´edio y: peso edio
0 11.0 26
1 15.0 59.5
2 17.4 105.4
3 20.6 200.2
4 22.7 239.5
5 25.3 361.2
6 27.4 419.8
7 28.2 475.4
8 29.3 488.2
Tabela 2.1: Dados sobre a til´apia do Nilo.
Considerando as vari´aveis: peso edio ye o comprimento x, podemos relacion´a-las num
gr´afico como na figura 2.5 .
A curva de rela¸ao estat´ıstica (curva de regress˜ao), figura 2.6, indica a tendˆencia geral
entre o peso edio e o comprimento da esp´ecie estudada. Podemos, neste caso, observar que
a maioria dos pontos ao est˜ao sobre a curva esta dispers˜ao pode ser considerada como
sendo de natureza randˆonica.
Rela¸oes estat´ısticas ao frequentemente utilizadas quando ao se tem a exatid˜ao de uma
rela¸ao funcional.
Uma regress˜ao ou curva de tendˆencia pode ser o primeiro passo para uma Modelagem.
Uma rela¸ao funcional, obtida atrav´es de um ajuste dos dados, propicia condi¸oes para
a elabora¸ao de hip´oteses que levam `a formula¸ao dos modelos. Os modelos ao rela¸oes
funcionais que incorporam as particularidades do fenˆomeno analisado.
Por exemplo,
p(l) = b lλ
´e uma rela¸ao funcional entre o comprimento e o peso do peixe que incorpora a taxa de
metabolismo be a forma do peixe (traduzida pelo parˆametro λ). Com os dados espec´ıficos
Rodney Carlos Bassanezi 53
Figura 2.5: Gr´afico de dispers˜ao.
y= 0.0149x3.103
Figura 2.6: Curva de regress˜ao.
da tabela 2.1, temos
p(l) = 0.0149 l3.103
Esta rela¸ao funcional pode ainda ser considerada como um modelo est´atico da rela¸ao entre
as vari´aveis peso e comprimento da til´apia.
54 Modelagem Matem´atica
Agora, se considerarmos as rela¸oes funcionais:
p(t) = pmax ³1eβ
3t´3ou l(t) = lmax(1 eβλt)
temos modelos dinˆamicos que relacionam as vari´aveis de estado peso e comprimento do peixe
com o tempo, permitindo fazer previs˜oes destas vari´aveis (β´e a constante de catabolismo,
representando a taxa de energia gasta para o peixe se movimentar veja modelos de von
Bertalanffy, par´agrafo 2.6).
Muitos modelos interessantes ao formulados atrav´es de conhecimentos e dados obtidos
em estudos e pesquisas ligados `a Etnociˆencia ou mais particularmente `a Etnomatem´atica
([4],[5] e [6]) que, via de regra, incorpora situa¸oes regidas pelo princ´ıpio asico da Natureza:
minimizar o esfor¸co e obter o aximo rendimento”. Exemplos de modelagem baseada neste
princ´ıpio ao abundantes na literatura.
A Etnociˆencia prop˜oe a redescoberta de sistemas de conhecimentos adotados em outras
culturas. Quando estes conhecimentos utilizam, mesmo que intrinsicamente, algum proced-
imento matem´atico ent˜ao, por meio de modelagem pode-se chegar a sua origem de maneira
mais eficiente. Desta forma, muitas situa¸oes provenientes da Etnomatem´atica em pro-
duzido bons resultados, em rela¸ao ao ensino-aprendizagem, quando trabalhadas atrav´es da
modelagem matem´atica. A an´alise do croqui do “seu” Joaquim, para constru¸ao de ton´eis
de vinho, ´e um exemplo ıpico deste processo.
2.3 Regress˜ao ou Ajuste de Curvas
O termo regress˜ao surgiu no eculo XIX, utilizado por Sir Francis Galton que estudou
a rela¸ao entre altura de pais e filhos, observando que, na edia, havia um decr´escimo nos
valores encontrados entre as duas gera¸oes. Ele considerou esta tendˆencia como sendo uma
regress˜ao gen´etica e por algum motivo, ao muito claro, chamou este fato de regression to
mediocrity”([7]).
Uma regress˜ao ou ajuste de curvas ´e um recurso formal para expressar alguma tendˆencia
da vari´avel dependente yquando relacionada com a vari´avel independente x. Em outras
palavras, regress˜ao ´e um mecanismo ou artif´ıcio que fornece uma rela¸ao funcional quando
se tem uma rela¸ao estat´ıstica.
Se considerarmos os dados da tabela 2.1 sobre til´apias (comprimento ×peso) podemos
supor que exista, para cada n´ıvel de comprimento x, uma distribui¸ao de probabilidades do
peso ycorrespondente, conforme figura 2.7
Uma curva de regress˜ao ´e bastante ´util para uma formula¸ao simplificada dos dados ou
verifica¸ao de alguma tendˆencia entre eles.
Quando analisamos algum fenˆomeno ou situa¸ao atrav´es de dados num´ericos estamos in-
teressados, al´em da descri¸ao e tendˆencias locais fornecidas por uma curva de regress˜ao, em
saber se a rela¸ao funcional correspondente y=f(x) ´e tamb´em adequada para se fazer pre-
vis˜oes de yquando xescapa do intervalo pesquisado. Nos modelos est´aticos esta qualidade
Rodney Carlos Bassanezi 55
Figura 2.7: Distribui¸ao de probabilidade e curva de regress˜ao.
´e quase sempre preservada pelo ajuste, entretanto quando se trata de modelos dinˆamicos
outras considera¸oes sobre o comportamento fenomenol´ogico das vari´aveis devem ser avali-
adas.
Num programa simples de ajuste de curvas escolhemos, a priori, o tipo de curva que
desejamos para expressar a rela¸ao funcional entre as vari´aveis. Este processo nem sempre
satisfaz as condi¸oes ınimas exigidas para uma previs˜ao do relacionamento futuro destas
vari´aveis.
No caso da rela¸ao entre o comprimento e a idade da til´apia, observamos que a reta
(figura 2.8)
x= 2.2917 t+ 12.711
obtida do ajuste entre os dados t(idade) e x(comprimento) ao possibilita fazer “boas”
previs˜oes de xquando tcresce com valores superiores a 8. Assim, a reta ajustada ao pode
ser considerada um modelo matem´atico para o crescimento de peixes em fun¸ao da idade.
Neste caso, a reta ´e simplesmente uma curva que descreve uma tendˆencia deste crescimento
no intervalo pesquisado.
´
E claro tamb´em que, no intervalo 0 t8, podemos ter uma infinidade de curvas
de regress˜ao relacionando xet. Poder´ıamos considerar um ajuste quadr´atico (Fig 2.9) e
56 Modelagem Matem´atica
x= 2.2917 t+ 12.711
Figura 2.8: Ajuste linear tendˆencia do crescimento da til´apia no per´ıodo de 8 semanas.
obter´ıamos a rela¸ao funcional da forma
x=0.1752 t2+ 3.6934 t+ 11.076
que se aproxima ainda mais dos valores dados na tabela 2.1. Mesmo que com esta curva
se possa fazer alguma previs˜ao de futuros comprimentos, ainda assim, tal formula¸ao ao
poderia ser considerada um modelo matem´atico do fenˆomeno enquanto seus parˆametros ao
tiverem algum significado biol´ogico!
Quando consideramos tsuficientemente grande, t > 11 por exemplo, o ajuste quadr´atico
obtido mostra que a tendˆencia do comprimento do peixe ´e diminuir com a idade (figura 2.9)
o que ao condiz com a realidade.
O prop´osito da modelagem matem´atica ´e obter uma rela¸ao funcional que comporte em
seus parˆametros qualidades ou significados inerentes ao fenˆomeno analisado e para isto se
faz necess´ario um estudo mais detalhado do pr´oprio fenˆomeno. No caso do crescimento do
peixe devemos considerar, pelo menos, que seu tamanho tende a se estabilizar quando t
cresce. Esta ´e uma propriedade biol´ogica de todos os seres vivos!
Em termos de modelagem matem´atica de fenˆomenos caracterizados por um processo
dinˆamico, a formula¸ao do modelo pode muitas vezes preceder `a analise dos dados exper-
imentais. Nestes casos, o etodo de ajuste de curvas ´e fundamental para a valida¸ao dos
modelos estabelecidos a priori. A valida¸ao de um modelo matem´atico consiste na veri-
fica¸ao da aproxima¸ao do modelo com a realidade, ou seja, se os dados experimentais ou
observados ao est˜ao “muito longe” daqueles fornecidos pelo modelo.
Em geral, o modelo depende de parˆametros e sua valida¸ao exige a estima¸ao desses
Rodney Carlos Bassanezi 57
y=0.1752 x2+ 3.6934 x+ 11.076
Figura 2.9: Ajuste quadr´atico.
parˆametros, de modo que a curva (solu¸ao do modelo) ajustada represente, o mais pr´oximo
poss´ıvel, o fenˆomeno estudado.
´
E importante tamb´em, no caso da modelagem, analisar a sensibilidade do modelo aos
valores dos parˆametros, o que ´e tratado atrav´es de argumentos estat´ısticos o que ao
faremos sistematicamente, neste texto.
Um dos etodos mais usados para estima¸ao de parˆametros ou ajuste de curvas ´e de-
nominado etodo dos quadrados ınimos”, ou dos ınimos quadrados como ´e usualmente
conhecido (vide box).
etodo dos Quadrados M´ınimos
Considere um conjunto de ndados observados {xi, yi}, i = 1.2,3,...,n e uma fun¸ao y(x) =
f(x;a1, a2, . . . , ak), onde aj(j= 1,...,k) ao os parˆametros o eto do dos quadrados m´ınimos consiste
em determinar estes parˆametros de modo que “minimize” o valor de
S=
n
X
i=1
(yiyi)2=
n
X
i=1
[f(xi;a1, . . . , ak)yi]2,(2.7)
isto ´e, devemos minimizar a soma dos quadrados dos desvios entre os valores yiobservados e os valores
yi=f(xi, a1,...,ak) ajustados.
58 Modelagem Matem´atica
2.3.1 Ajuste Linear
Um ajuste ´e linear se for da forma
y(x) = f(x;a, b) = ax +b(equa¸ao de uma reta)
Neste caso, devemos encontrar os valores dos parˆametros aebque tornam ınimo o
valor da soma dos quadrados dos desvios:
S=S(b, a) =
n
X
i=1
(b+axiyi)2(2.8)
Tais valores devem satisfazer, necessariamente, `as condi¸oes:
∂S
∂b = 0
n
X
i=1
2(b+axiyi)=0
∂S
∂a = 0
n
X
i=1
2xi(b+axiyi) = 0
(2.9)
ou seja,
a=nPxiyiPxiPyi
nPx2
i(Pxi)2=Pxiyinxy
Px2
inx2
b=Px2
iPyiPxiPxiyi
nPx2
i(Pxi)2b=Pyi
naPxi
n=yax
(2.10)
onde x(respectivamente y) ´e a edia dos valores xi(respectivamente yi).
Quando fazemos um ajuste linear para relacionar duas vari´aveis ao sabemos a priori se
a reta encontrada ´e de fato o melhor modelo de ajuste. A verifica¸ao da existˆencia e do grau
de rela¸ao entre vari´aveis ´e objeto do estudo da correla¸ao.
A correla¸ao linear mede a rela¸ao existente entre as vari´aveis yi) dados, em torno de
uma reta ajustada y=ax +b.
Ocoeficiente de correla¸ao de Pearson r´e um instrumento de medida da correla¸ao
linear, ´e dado por:
r=Pxiyi(Pxi)(Pyi)
n
{[Px2
i(Pxi)2
n][Py2
i(Pyi)2
n]}1/2ou r=P(xix)(yiy)
P(xix)2P(yiy)1/2(2.11)
O coeficiente de correla¸ao de Pearson ´e obtido atrav´es do teste de hip´oteses H0sobre a
aceita¸ao ou ao do coeficiente angular de reta.
Rodney Carlos Bassanezi 59
O intervalo de varia¸ao de r´e entre 1 e +1, isto ´e,
1r1
A correla¸ao ser´a tanto mais forte quanto mais pr´oximo restiver de ±1, ser´a tanto mais
fraca quanto mais pr´oximo estiver de zero. Se r=±1, ent˜ao a correla¸ao entre as vari´aveis
´e perfeita. Se r= 0, ent˜ao ao existe nenhuma correla¸ao.
O sinal de rindica o sinal do coeficiente angular da reta ajustada.
Exemplo 2.2. Dados simulados
Calcular o coeficiente de correla¸ao linear entre renda e umeros de filhos para 8 fam´ılias
(tabela 2.2)
renda xno
¯de filhos y x2y2xy
700 2 49000 4 1400
8000 4 64000000 16 32000
3000 2 9000000 4 6000
3700 3 13690000 9 11100
7000 2 49000000 4 14000
200 3 40000 9 600
480 3 230400 9 1440
500 5 250000 25 2500
Pxi= 23580 Pyi= 24 P(xi)2= 136700400 P(yi)2= 80 Pxiyi= 69040
Tabela 2.2: Renda ×umero de filhos de 8 fam´ılias.
Calculando o coeficiente rde correla¸ao do ajuste, obtemos
r=69040 23580×24
8
{[136700400 (23580)2
8][80 242
8]}1/2=1700
[(67198350).(8)]1/2=0.073
O resultado r=0.073 indica uma fraca correla¸ao entre a renda e o umero de filhos
dessas 8 fam´ılias consideradas. Observamos que se a escolha das fam´ılias fosse aleat´oria
ent˜ao o resultado poderia ser diferente. Fca um teste, sorteando 10 fam´ılias em seu bairro.
Atualmente, a maioria das calculadoras cient´ıficas a em o programa de ajustes incorpo-
rado juntamente com o alculo do coeficiente de correla¸ao. O software Excel ´e um excelente
programa e tamb´em muito simples de ser utilizado.
Importante: Na impossibilidade de se fazer o ajuste linear com o uso de calculadoras,
uma maneira simples, e que pode ser usada pelos alunos do 2o
¯grau, ´e considerar os dados
60 Modelagem Matem´atica
Figura 2.10: Ajuste linear no “olhˆometro”.
Figura 2.11: Elenco de fun¸oes t´ıpicas.
experimentais dispostos num gr´afico sobre um papel milimetrado e usar uma egua para
tra¸car, aproximadamente ou no olhˆometro, a reta a justada.
De qualquer forma, sempre se pode fazer uma compara¸ao da reta chutada com a reta
ajustada pelo etodo dos quadrados ınimos as contas da express˜ao (2.10) ao bastante
simples!
Para modelos dados por outras fun¸oes (n˜ao lineares), o etodo do ajuste linear ´e ainda
Rodney Carlos Bassanezi 61
aplic´avel se conseguirmos escrever estas fun¸oes na forma
f(τ) = ατ +β
mediante uma mudan¸ca de vari´avel τ=g(y).
Na pr´atica ´e bom considerar um elenco de fun¸oes ıpicas (figuras 2.11a-h)
Ajuste linear do Modelo Exponencial
As curvas esbo¸cadas nas figuras 2.11a e 2.11b ao do tipo exponencial
y(x) = b eax, b > 0 (2.12)
Se considerarmos a mudan¸ca de vari´avel z= ln y, teremos a equa¸ao (2.12) na forma de
uma reta:
z= ln y=ax + ln b(α=aeβ= ln b) (2.13)
Se a > 0, a exponencial ser´a crescente e se a < 0, decrescente.
Exemplo 2.3. Poupan¸ca
A tabela 2.3 fornece a evolu¸ao do capital em uma caderneta de poupan¸ca, em um ano.
es - xicapital - yizi= ln yix2
ixiziz2
i
0 1000.0 6.90775528 0 0 47.7170830
1 1009.7 6.91740854 1 6.91740854 47.8505409
2 1021.8 6.92932106 4 13.8586421 48.0154903
3 1032.2 6.93944773 9 20.8183432 48.1559347
4 1045.3 6.95205920 16 27.8082368 48.3311272
5 1056.9 6.96309537 25 34.8154769 48.4846972
6 1065.8 6.97148097 36 41.8288858 48.6015469
7 1077.1 6.98202752 49 48.8741927 48.7487083
8 1089.7 6.99365771 64 55.9492617 48.9112481
9 1110.1 7.01220538 81 63.1098484 49.1710243
10 1121.0 7.02197642 100 70.2197642 49.3081529
11 1132.2 7.03280077 121 77.3608084 49.4602866
P= 83.6232359 = 506 = 384.20006 = 582.75584
Tabela 2.3: Rendimento da poupan¸ca em um ano e dados auxiliares
Se considerarmos o modelo exponencial para o ajuste dos dados, seu alculo ser´a facil-
itado se acrescentarmos dados auxiliares na tabela, com a mudan¸ca de vari´avel zi= ln yi,
62 Modelagem Matem´atica
juntamente com os componentes da ormula (2.10).
α=PxiziPxiPzi
n
P(xi)2(Pxi)2
n
=461.54 66×83.62
12
506 662
12
=1.63
143 = 0.0114
e portanto,
β=Pzi
nαPxi
n=83.62
12 0.011466
12 = 6.9058
A equa¸ao da reta ajustada ´e dada por:
z= 0.0114x+ 6.9058
R2= 0.9969
z= 0.0114 x+ 6.9058
Figura 2.12: Reta ajustada.
Como β= ln beα=a, ent˜ao a curva exponencial ajustada ser´a (veja figura 2.13)
y=beax = 998.04e0.0114xpara x0
Observa¸ao 2.1. Como ax=exln a, temos que
e0.0114x=exln(1.011465) = 1.011465x
Portanto, o ajuste exponencial pode ser escrito na forma
y= 998.04 ×1.011465x= 998.04 ×(1 + 0.011465)x
A express˜ao (1 +0.011465) indica que para cada unidade de tempo (mˆes) a um acr´escimo de
0.011465, ou seja, a sua taxa edia mensal de crescimento (juro), no per´ıodo, ´e de 1.1465%
ao es.
Rodney Carlos Bassanezi 63
y= 998.04e0.0114x
Figura 2.13: Modelo do rendimento, na forma exponencial.
Observa¸ao 2.2. Os modelos que ao formulados com a proposi¸ao:
A varia¸ao de y´e proporcional a y
sempre nos conduzem `as formas exponenciais.
O exemplo anterior (poupan¸ca) poderia ser expresso por: A varia¸ao mensal do capital
´e proporcional ao capital que se tem no in´ıcio de cada es”.
Seja y(x) o capital no in´ıcio do es x(x= 0.1,2, . . . 11) com y(0) = 1000; ent˜ao,
[y(x+ 1) y(x)] ´e a varia¸ao do capital em dois eses consecutivos.
A tradu¸ao (formula¸ao) matem´atica da express˜ao para crescimento de capital ent˜ao ´e
dada por
y(x+ 1) y(x) = αy(x)y(x+ 1) = (α+ 1)y(x) (2.14)
onde α´e o juro edio mensal (α= 0.011465).
A solu¸ao de (2.14) pode ser obtida por recorrˆencia, ou seja,
y(1) = y(0)(1 + α)
y(2) = y(1)(1 + α) = y(0)(1 + α)2
y(3) = y(2)(1 + α) = y(0)(1 + α)3
64 Modelagem Matem´atica
alculo do valor e(Euler)
O modelo discreto (mensal) de juros compostos pode ser aproximado por um modelo cont´ınuo (o
tempo variando continuamente):
Suponhamos que a taxa de juros seja di´aria, isto ´e, α'α
30 onde α´e a taxa mensal. Ent˜ao, de (2.15)
temos
y(x)'y(0) 1 + α
30 30x
onde o capital cresce dia-a-dia (30 vezes em cada mes) Podemos pensar ainda em computar o capital n
vezes em cada dia, de tal forma que se nfor “muito grande”, o tempo entre os alculos ser´a “muito pequeno”.
Assim, o modelo discreto (tempo discreto) deve se aproximar de um modelo cont´ınuo:
y(x)'y(0) 1 + α
nnx ,com n“grande”
Consideremos, para efeito de alculo, a seguinte mudan¸ca de vari´avel α
n=1
h, ent˜ao
y(x) = y(0) 1 + 1
hhαx
.
Temos que se ncresce enao α
ntende a zero, e o mesmo se a com 1
hquando hcresce. Vamos
calcular aproximadamente o valor de 1 + 1
hh
quando hcresce sem limita¸ao.
h1= 1 1 + 1
h1h1= 2
h2= 10 1 + 1
10 10 =2.59374246
h3= 100 1 + 1
100 100 =2.704813829
h4= 1000 1 + 1
1000 1000 =2.716923932
h5= 10000 1 + 1
10000 10000 =2.718145927
h6= 100000 (1.00001)100000 =2.718268237
Temos que a sequˆencia λi=1 + 1
10i10i
´e mon´otona, crescente e “limitada” e portanto ´e
convergente, ou seja,
lim
h→∞ 1 + 1
hh
´e um valor real, aproximadamente, igual a 2.7182 (erro de 104). Tal valor irracional ´e o umero de Euler
e.
Assim, o modelo cont´ınuo que aproxima o modelo discreto ´e dado por
y(x)'y(0)eαx 'y01 + α
n,com nsuficientemente grande!
Observe que no Exemplo 2.3, α= 0.011465 para o modelo discreto e α= 0.0114 para o modelo cont´ınuo!
Rodney Carlos Bassanezi 65
e, continuando o processo, teremos o modelo discreto de juro composto
y(x) = y(0)(1 + α)x(2.15)
Modelos discretos, como este, ser˜ao analisados no par´agrafo 2.5.
Ajuste Linear de Modelos Geom´etricos
Os modelos geom´etricos ao dados por fun¸oes potˆencias
y(x) = axb, a > 0 e b > 0 (2.16)
A configura¸ao da curva ´e do tipo da figura 2.11f e o ajuste dos parˆametros pode ser efetuado,
via ajuste linear, com as seguintes mudan¸cas de vari´aveis
Y= ln yeX= ln x(2.17)
De fato, a fun¸ao potˆencia (2.16) pode ser escrita como
ln y= ln a+bln x
e portanto, nas novas vari´aveis YeX, ´e dada por
Y=α+bX, onde α= ln aa=eα
Exemplo 2.4. Comprimento e peso da til´apia
x: comp. y: peso X= ln x Y = ln y
11 26 2.39789527 3.25809654
15 59.5 2.70805020 4.08597631
17.4 105.4 2.85647021 4.65776264
20.6 200.2 3.02529108 5.29931687
22.7 239.5 3.12236492 5.47855342
25.3 361.2 3.23080440 5.88943182
27.4 419.8 3.31054301 6.03977841
28.2 475.4 3.33932198 6.16415655
29.3 488.2 3.37758752 6.19072516
Tabela 2.4: Comprimento edio (cm) ×peso edio (g) da til´apia
A reta ajustada (gr´afico log-log) ´e dada por
Y= 3.103 X4.2067
66 Modelagem Matem´atica
y= 3.103 x4.2067
Figura 2.14: Estima¸ao dos parˆametros para o ajuste: peso ×comprimento da til´apia.
considerando que α=4.2067 a=e4.20067 '0.0149.
A fun¸ao potˆencia ajustada (Fig 2.15) ´e dada por:
y(x) = 0.0149x3.103
y= 0.0149 x3.103
Figura 2.15: Rela¸ao alom´etrica peso ×comprimento da til´apia.
Rodney Carlos Bassanezi 67
Observa¸ao 2.3. Os modelos geom´etricos ao frequentes formula¸oes da Lei de Alometria
(muito usada na ´area biol´ogica): As taxas de crescimento espec´ıfico dos ´org˜aos de um
mesmo indiv´ıduo ao proporcionais (veja [8], par´agrafo 2.4).
Ajuste Linear de Modelos hiperb´olicos
Os modelos hiperb´olicos, esquematizados na figura 2.11c, ao curvas com crescimento
(ou decrescimento) limitado. Os modelos hiperb´olicos mais comuns ao das formas a) ou b):
a)
y(x) = 1
b+ax com a > 0 e b > 0,(2.18)
A equa¸ao (2.18) ´e esquematizada na figura 2.16.
y=1
0.2+0.5x
Figura 2.16: Modelo hiperb´olico (a= 0.5, b= 0.2).
Se considerarmos z=1
y, em (2.18) obtemos a fun¸ao resultante linear
z(x) = ax +b
b)
y(x) = a+b
x, a > 0 (2.19)
Neste caso, considerando a mudan¸ca de vari´avel z=1
x, obtemos
y=a+bz
68 Modelagem Matem´atica
Figura 2.17: Modelo hiperb´olico.
x= tempo (mˆes) 1 2 3 4 5 6 7 8 9
y= ra¸ao (g) 12.3 32.4 50.3 65.2 78.1 87.9 94.2 98.1 101.4
Tabela 2.5: Consumo de ra¸ao “Til´apia do Nilo”
Exemplo 2.5. Consumo mensal (m´edio) de ra¸ao por til´apia
A curva que indica a tendˆencia da rela¸ao entre as vari´aveis ´e dada na figura 2.18. Com
a mudan¸ca de vari´avel z=1
x, obtemos um ajuste linear de yez, dado por
y=101.5z+ 100.8
e portanto a fun¸ao hiperb´olica ajustada ´e dada por
y= 100.8101.5
x
O coeficiente de correla¸ao linear neste caso ´e
r=0.018
que mostra que a correla¸ao ´e bem fraca entre as vari´aveis para este tipo de ajuste.
Observa¸ao 2.4. A caracter´ıstica importante da curva de tendˆencia (figura 2.18) ´e a con-
cavidade que est´a voltada para baixo isto indica, antecipadamente, que um ajuste com a
fun¸ao hiperb´olica do tipo y=1
b+ax ao ´e tamb´em conveniente, neste caso.
Rodney Carlos Bassanezi 69
Figura 2.18: Tendˆencia de consumo de ra¸ao por til´apia.
Figura 2.19: Modelo hiperb´olico para o consumo de ra¸ao.
Aplica¸ao 2.1. A tabela 2.6 fornece a distribui¸ao de renda em uma ind´ustria:
a. Ajuste os dados por uma fun¸ao hiperb´olica do tipo y=α+β/x.
b. Calcule o valor do coeficiente de correla¸ao linear.
70 Modelagem Matem´atica
x: ıvel de Renda 600 750 900 1000 1500 3000 4500
y: No. de pessoas
com renda x280 180 120 100 98 90 87
Tabela 2.6: Distribui¸ao da renda numa ind´ustria.
Ajuste Linear do Modelo de Michaelis-Menten
O modelo de Michaelis-Menten foi proposto, inicialmente, para interpretar uma rea¸ao
bioqu´ımica que ´e controlada por uma ´unica enzima, onde a velocidade de convers˜ao yde
uma substˆancia, para uma quantidade fixa de enzima, ´e dada por
y=ymaxx
k+x(2.20)
onde x´e a concentra¸ao do substrato que est´a sendo convertido; ymax ´e a velocidade axima
obtida quando a concentra¸ao do sustrato x´e muito alta e k > 0 ´e a concentra¸ao do
substrato quando y=ymax
2. A constante k´e denominada constante de Michaelis e o valor
1
k´e a afinidade de um enzima para seu substrato. A ass´ıntota vertical na fig. 2.20 ´e a reta
x=k.
A transforma¸ao (Lineweaver-Burk) que lineariza a curva ´e dada por:
z=1
yet=1
x(2.21)
De fato, a equa¸ao (2.20) pode ser escrita por
1
y=k+x
ymaxx=k
ymax
.1
x+1
ymax
Usando (2.21), temos
z=k
ymax
t+1
ymax
cujo gr´afico ´e uma reta (fig 2.21)
Observa¸ao 2.5. A curva de Michelis-Menten (figura 2.20) tem sempre um bom compor-
tamento nos ajustes do tipo “crescimento assint´otico”, com as caracter´ısticas anteriores. A
rela¸ao entre a raz˜ao fotossim´etrica de uma folha pe a intensidade da luz (irradiˆancia) I
pode ser modelada por
p=1
a+b
I
Rodney Carlos Bassanezi 71
Figura 2.20: Modelo inibido de Michaelis-Menten.
Figura 2.21: Lineariza¸ao do modelo de Michaelis-Menten.
Ajuste Linear do Modelo Exponencial Assint´otico
Quando se tratar de comportamento assint´otico (tendˆencia de estabilidade dos dados)
outra curva t´ıpica para ajuste ´e dada pelo modelo exponencial assint´otico:
y=yaebx (y>0 e b < 0) (2.22)
72 Modelagem Matem´atica
Figura 2.22: Crescimento exponencial assint´otico.
Neste caso consideramos a mudan¸ca de vari´aveis
z= ln(yy) se a < 0 ou z= ln(yy) se a > 0,
e obtemos a reta:
z= ln |a|+bx.
Observa¸ao 2.6. Nos modelos assint´oticos um dos ingredientes mais importantes ´e o valor
assint´otico da vari´avel independente, tamb´em denominado valor de equil´ıbrio ou de es-
tabilidade. Para se efetuar um ajuste assint´otico (tipo Michaelis-Menten ou exponencial
assint´otico) ´e necess´ario conhecer a priori o valor de equil´ıbrio que, na verdade, ´e o valor
limite da tendˆencia de yquando xcresce, ou seja,
lim
x+y= lim
x+
ymaxx
k+x=ymax (modelo de Michaelis-Menten)
lim
x+y= lim
x+(yaebx) = y(modelo exponencial assint´otico).
Em muitos casos pr´aticos a estima¸ao do valor de equil´ıbrio pode ser realizada pelo
etodo de Ford-Walford, apresentado a seguir.
alculo do Valor Assint´otico etodo de Ford-Walford
Considere um conjunto de dados {(xi, yi)}, i = 1.2, . . . , n. Vamos supor que temos
a informa¸ao sobre a sequˆencia yi=f(xi) relativa ao seu crescimento assint´otico, isto ´e,
sabemos a priori que {yi}´e convergente quando xicresce. Ent˜ao, devemos determinar y
de modo que
y= lim
xi→∞ yi
Rodney Carlos Bassanezi 73
Consideremos uma fun¸ao gque ajusta os pares (yi, yi+1), isto ´e:
yi+1 =g(yi) (curva ajustada)
Temos que,
lim g(yi) = lim yi+1 = lim yi=y
ou seja, a sequˆencia de pontos do plano {(yi, yi+1 )}converge para o ponto (y, y), ou seja,
y´e um ponto fixo da fun¸ao g:
y=g(y)
Assim, y´e tal que yi+1 'yi.
Resumindo, y´e o valor limite da sequˆencia {yi}quando
yi+1 =yi=y
yi=g(yi)yi´e um ponto fixo de g
yi+1 =g(yi)
Graficamente, temos a figura 2.23.
Figura 2.23: alculo de y.
Exemplo 2.6. Aduba¸ao ×Produ¸ao de Cana-de-A¸c´ucar
A tabela 2.7 apresenta a produ¸ao de cana-de-a¸c´ucar para diversas dosagens xde ni-
trogˆenio (na forma de sulfato de amˆonia):
74 Modelagem Matem´atica
xi: adubo yi: produ¸ao yi+1 yi+1 =g(yi)y
yimodelo
0 47.68 48.96 48.965 6.826 47.692
5 48.96 50.01 50.004 5.546 48.969
10 50.01 50.85 50.856 4.496 50.007
15 50.85 51.54 51.538 3.656 50.850
20 51.54 52.09 52.098 2.966 51.535
25 52.09 52.55 52.545 2.416 52.092
30 52.55 52.91 52.918 1.956 52.544
35 51.91 53.21 53.210 1.596 52.912
40 53.21 53.45 53.454 1.296 53.210
45 53.45 53.65 53.649 1.056 53.453
50 53.65 53.81 53.811 0.856 53.650
55 53.81 53.94 53.941 0.696 53.811
60 53.94 54.046 0.566 53.941
Tabela 2.7: Produ¸ao da cana de c´ucar e dosagem do nitrogˆenio.
A curva de tendˆencia ´e dada pela figura 2.24, com coeficiente de correla¸ao r=R2= 1.
Figura 2.24: Tendˆencia de produ¸ao ×dosagem de adubo.
Considerando que a produ¸ao por hectare de cana-de-a¸ucar deve se estabilizar, relati-
vamente `a aplica¸ao de nitrogˆenio, devemos calcular o valor assint´otico da produ¸ao.
Para o ajuste yi+1 =g(yi) vamos tomar, neste caso expec´ıfico, uma reta (figura 2.25)
cuja equa¸ao ´e dada por:
yi+1 = 0.8118yi+ 10.258
O valor de y(valor assint´otico) ´e obtido, considerando y=yi+1 =yi, ou seja,
y= 0.8118y+ 10.258
e portanto
y'54.50584485
Rodney Carlos Bassanezi 75
Agora, considerando um ajuste exponencial entre xie (yyi), obtemos (figura 2.26)
yy= 6.8134e0.0414x,com r= 1
Portanto a fun¸ao que ajusta xieyi, na hip´otese de um crescimento assint´otico de yi
(modelo exponencial assint´otico), ´e dada por (figura 2.26):
y(x) = 54.5058 6.8134 exp(0.0415x)
Figura 2.25: Ajuste linear de yi+1 com yie o alculo de y.
Figura 2.26: Ajuste exponencial de yye o Modelo exponencial assint´otico da produ¸ao
de cana ×dosagem de nitrogˆenio .
76 Modelagem Matem´atica
Ajuste Linear do Modelo Log´ıstico
A curva log´ıstica foi proposta, inicialmente, para modelar a dinˆamica de popula¸oes (veja
Cap. 6) e pode ser visualizada no seguinte gr´afico (figura 2.27)
Figura 2.27: Crescimento sigmoidal ou log´ıstico.
As caracter´ısticas fundamentais da curva log´ıstica ao:
a. A tendˆencia da vari´avel independente y´e de estabilidade, isto ´e,
yyquando xcresce.
y´e denominado valor aximo sustent´avel ou capacidade suporte.
b. Considerando y0o valor inicial da seq¨encia mon´otona dos yi, isto ´e, y=y0quando
x= 0, tem-se
y´e crescente se y0< y;
y´e decrescente se y0> y.
c. A taxa de crescimento relativo de yi´e linear, isto ´e,
λi=yi+1 yi
yi
pode ser ajustada por uma reta: λ=ay +b.
d. Se y0< y/2, a curva y(x) muda de concavidade quando y=y
2, o que implica na
existˆencia de um ponto de inflex˜ao na curva.
Rodney Carlos Bassanezi 77
A express˜ao te´orica da curva log´ıstica ´e
y=a
beλx + 1 (2.23)
onde, a=y,b=y
y01 e λ=αy´e a taxa de reprodutividade axima.
Uma estima¸ao dos parˆametros da curva log´ıstica pode ser feita, por meio de um ajuste
linear, usando a mudan¸ca de vari´aveis:
z= ln µy/a
1y/a (2.24)
ou seja,
z= ln Ã1
1+beλx
11
1+beλx != ln Ã1
1+beλx
beλx
1+beλx != ln µ1
beλx
e obtemos a equa¸ao de uma reta
z=λx ln b.
O valor de a=ypode ser estimado pelo etodo de Ford-Walford, visto anteriormente.
Para se obter um valor razo´avel de y´e conveniente considerar somente os valores de yi
que, na curva de tendˆencia, ao superiores ao valor de inflex˜ao da curva. Quando ao temos
um umero de dados suficientes yisuperiores a y
2ent˜ao devemos estimar ypor outros
etodos (veja exemplo a seguir).
Exemplo 2.7. Crescimento de uma ´arvore
A tabela 2.8 fornece os dados simulados do crescimento edio de uma ´arvore. A vari´avel
Xi´e o tempo em anos e Yia altura em dm.
Xi3 3.5 4 4.5 5 5.5 6 6.5 7 7.5 8 8.5 9
Yi21.7 22.5 23.3 24.0 24.7 25.4 26.0 26.6 27.1 27.6 28.1 28.5 28.9
Tabela 2.8: Crescimento de uma ´arvore.
Sejam:
a. yi=yi+1 yi: crescimento simples;
b. λi=yi
yi
: crescimento relativo.
Sabemos tamb´em que a tendˆencia da altura de uma ´arvore ´e de estabilidade.
Para estimar o valor de estabilidade ypodemos usar 2 etodos:
78 Modelagem Matem´atica
O Pinheiro-do-Paran´a pode atingir at´e 50m de altura (H. Lorenzi - ´
Arvores Brasileiras”, ag. 35,
1992).
1. Ford-Walford (tomando os 6 ´ultimos dados), obtemos
yi+1 =f(yi) = 0.9151yi+ 2.8164
y=yi+1 =yiy= 33.173 dm (verifique!)
2. Se considerarmos um modelo log´ıstico para o desenvolvimento da ´arvore, sabemos que
yi
yi
=λi=ayi+1 +b
e
λi= 0 quando yi+1 =yy=b
a
Um ajuste linear relacionando λieyi+1 nos a:
λ=0.0035y+ 0.1148
Ent˜ao, o valor estimado da altura axima ´e dado por:
y=0.1148
0.0035 = 32.8 dm
Agora, usando a mudan¸ca de vari´avel
zi= ln (yi
y)
(1 yi
y)=f(yi),
transformamos a curva log´ıstica na reta z=λx ln b.
Neste caso,
z= 0.2231x+ 0.0003
Rodney Carlos Bassanezi 79
e portanto
λ= 0.2231 e b=e0.0003 '1
Ent˜ao uma curva log´ıstica que ajusta o crescimento em altura da ´arvore ´e dada por:
y(x) = 32.8
1 + e0.2231x
y=32.8
1 + 0.9997e0.2231x
Figura 2.28: Modelo log´ıstico para o crescimento de uma ´arvore.
Observa¸ao 2.7. Nem sempre o etodo de Ford-Walford pode ser usado para estimar o
valor de estabilidade de uma vari´avel, principalmente quando o sistema
½yi+1 =g(yi)
yi+1 =yi
ao apresenta solu¸ao na regi˜ao de interesse.
No caso do modelo log´ıstico devemos ter um umero razo´avel de dados a superiores aos
valores de inflex˜ao da curva para poder usar o etodo de Ford-Walford.
Exemplo 2.8. Modelo log´ıstico da Popula¸ao Norte-Americana
A tabela 2.9 fornece o censo demogr´afico dos Estados Unidos no per´ıodo de 1790 a 1920.
O modelo log´ıstico, formulado por Pearl e Reed em 1920, foi muito utilizado para projetar
a popula¸ao americana nos 20 anos seguintes (veja [9])
80 Modelagem Matem´atica
Ano Popul. Ano Popul.
1790 3.929 1860 30.412
1800 5.336 1870 39.372
1810 7.228 1880 50.177
1820 9.757 1890 62.769
1830 13.109 1900 76.871
1840 17.506 1910 91.972
1850 23.192 1920 107.559
Tabela 2.9: Censo demogr´afico americano (em milh˜oes de habitantes).
O alculo de P(popula¸ao de equil´ıbrio), neste caso, ao ode ser realizado pelo etodo
de Ford-Walford pois a reta ajustada Pi+1 = 1.1729Pi+2.2304 tem coefieciente angular maior
que o coeficiente angular da bissetriz Pi+1 =Pi, e ent˜ao,
P=Pi+1 =PiP=12.9
Figura 2.29: Ajuste linear de Pi+1 ePi.
Esta deficiˆencia no alculo de Pdecorre do fato que a tendˆencia de crescimento da
popula¸ao americana at´e 1910 ´e ainda exponencial e, com taxa de crescimento relativa igual
a 0.2595 ou 2.59% (figura 2.30).
Se considerarmos que toda popula¸ao tende a ser estacion´aria no futuro, devemos estimar
o valor limite da popula¸ao (ou valor aximo sustent´avel) Ppor outros etodos.
Se observarmos com aten¸ao a fig. 2.33 podemos verificar que a tendˆencia de crescimento
exponencial come¸ca a “enfraquecer” a partir do ano 1910. Isto pode significar que, pr´oximo
Rodney Carlos Bassanezi 81
Figura 2.30: Tendˆencia exponencial do crescimento populacional.
deste ano, deve ocorrer uma mudan¸ca de concavidade da curva (ponto de inflex˜ao) dada
pelo modelo log´ıstico.
Entretanto, o que podemos afirmar, baseados simplesmente nos dados do censo, ´e que o
ponto de inflex˜ao deve ocorrer entre os anos 1910 e 1920, isto ´e,
91.972 <P
2<107.559.
Se, numa primeira aproxima¸ao, consideramos a edia, das popula¸oes teremos
P= 2 µ107.559 + 91.972
2= 199.531 (milh˜oes)
Da express˜ao te´orica da curva log´ıstica, temos que o parˆametro b´e estimado por
b=P
P01 = 199.531
3.929 1 = 49.7842
A estima¸ao do parˆametro λ, tamb´em neste caso, ao pode ser feita atrav´es da mu-
dan¸ca de vari´avel z= ln µP /P
1P /P pelo mesmo motivo que ao pudemos estimar
Ppelo etodo de Ford-Walford. Assim,
Podemos considerar o valor de λ, aproximadamente, igual `a mediana dos valores λie
neste caso λ= 0.3113 (Proje¸ao 1).
82 Modelagem Matem´atica
A estima¸ao de λpode ser obtida ainda por aproxima¸oes sucessivas, considerando
valores pr´oximos de 0.3113 e usando os dados da tabela 2.9, e obtemos λ= 0.3127
(Proje¸ao 2).
Portanto, o modelo log´ıstico para proje¸oes da popula¸ao americana ´e dado por
P(t) = 199.531
1 + 49.784eλt
A figura 2.31 ´e o gr´afico de P(t) quando λ= 0.3127.
Figura 2.31: Proje¸ao da popula¸ao norte-americana (modelo 1).
Considerando agora o fato que, num modelo log´ıstico, a taxa de crescimento relativa
´e relacionada linearmente com a popula¸ao, podemos determinar λ, considerando o
ajuste linear dos pontos (λi, f(Pi+1 )):
λi=Pi+1 Pi
Pi
=f(Pi+1)
e obtemos a reta
λ=0.0019P+ 0.3678.
Sabendo que λ0 quando PP, temos
0 = 0.0019 P+ 0.3678 P= 193.579 (milh˜oes)
Rodney Carlos Bassanezi 83
Neste caso, obtemos o seguinte modelo (Proje¸ao 3) para a popula¸ao americana
P(t) = 193.579
1 + 48.297 exp[0.3127(t1790)].
Pearl e Reed em 1920 (Proc. Nat. Acad. Sci., vol. 6, p. 275) propuseram o modelo
log´ıstico para previs˜oes da popula¸ao norte-americana baseados nos dados dos censos
de 1790 a 1920. Estimaram, por outros meios, que a varia¸ao axima da popula¸ao
ocorrera em abril de 1913 e obtiveram P= 197.273 milh˜oes. O modelo ´e dado por
P(t) = 197.273.000
1 + exp[0.03134(t1913.25)] com t0= 1790.
Foi surpreendente a aproxima¸ao entre as previs˜oes e os valores reais nos anos que se
seguiram, pelo menos at´e meados dos anos 40.
A tabela 2.10 fornece os dado projetados pelos 4 modelos log´ısticos e os censos atualiza-
dos.
Podemos observar, atraes da figura 2.32 que a tendˆencia de crescimento da popula¸ao
sofreu fortes modifica¸oes a partir de 1945 (2a
¯Guerra Mundial). Um modelo global mais
adequado ser´a analisado no Cap. 6.
Figura 2.32: Modelo log´ıstico da popula¸ao norte-americana e nova tendˆencia do crescimento
populacional.
Al´em dos ajustes obtidos atrav´es de regress˜ao lineares por transforma¸oes pode-se fazer
tamb´em ajustes de dados por fun¸oes polinomiais.
84 Modelagem Matem´atica
xiPer´ıo do Popula¸ao Proje¸ao 1 Pro je¸ao 2 Pro je¸ao 3 Pearl-Reed
0 1790 3.929 3.9290 3.9290 3.929 4.059822
1 1800 5.336 5.3256 5.3326 5.3328 5.51236
2 1810 7.228 7.2003 7.2197 7.196575 7.464516
3 1820 9.757 9.7019 9.7408 9.693154 10.0717
4 1830 13.109 13.0140 13.0823 12.99544 13.52463
5 1840 17.506 17.3533 17.4646 17.3168 18.04722
6 1850 23.192 22.9615 23.1327 22.89298 23.88555
7 1860 30.412 30.0827 30.3339 29.95955 31.28294
8 1870 39.372 38.9256 39.2777 38.71267 40.43701
9 1880 50.177 49.6070 50.0781 49.25333 51.43966
10 1890 62.769 62.0862 62.6866 61.52383 64.21038
11 1900 76.871 76.1111 76.8374 75.25725 28.44615
12 1910 91.972 91.2019 92.0344 89.96772 93.61753
13 1920 107.559 106.6981 107.6010 105.0019 109.0308
14 1930 123.076121.8653 122.793 119.6472 123.9473
15 1940 132.122136.0292 136.9349 133.2621 137.7195
16 1950 152.271148.6878 149.5318 145.3797 149.8938
17 1960 180.671159.5644 160.3196 155.7539 160.2485
18 1970 205.052168.5982 169.2512 164.3442 168.7704
19 1980 227.224175.8926 176.4413 171.2632 175.5962
20 1990 249.439182.6493 182.0999 176.7127 180.9455
21 2000 186.1111 186.4744 180.9297 185.0665
22 2010 189.5209 189.8097 184.1486 188.1995
23 2020 192.0989 192.3259 186.5801 190.5576
24 2030 194.0322 194.2091 188.4023 192.3189
25 2040 195.4733 195.6101 189.7597 193.6272
26 2050 196.5425 196.6478 190.7666 194.5947
27 2060 197.3331 197.4138 191.5109 195.3081
28 2070 197.9163 197.9779 192.0598 195.8329
29 2080 198.3457 198.3926 192.4638 196.2183
30 2090 198.6614 198.697 192.7609 196.5009
Tabela 2.10: Proje¸oes da popula¸ao americana (em milh˜oes de habitantes). : dados
obtidos ap´os formula¸ao dos modelos.
2.3.2 Ajuste Quadr´atico
Os modelos quadr´atico ao par´abolas
y(x) = a+bx +cx2(2.25)
Figura 2.33: Tipos de extremos.
Sua caracter´ıstica principal ´e possuir pontos extremos (m´aximo ou ınimo locais) para
Rodney Carlos Bassanezi 85
a vari´avel independente yem um intervalo limitado de varia¸ao de x.
A determina¸ao dos parˆametros a, b ectamb´em ´e feita mediante a aplica¸ao do etodo
dos m´ınimos quadrados, minimizando a express˜ao
f(a, b, c) =
n
X
i=1
(yiy)2=
n
X
i=1
[yi(a+bxi+cx2
i)]2
As condi¸oes necess´arias para o m´ınimo de fao:
∂f
∂a = 0,f
∂b = 0 e f
∂c = 0
Estas equa¸oes fornecem o sistema de ajustamento para o alculo de a, b, c:
Pyi=na +bPxi+cPx2
i
Pxiyi=aPxi+bPx2
i+cPx3
i
Px2
iyi=aPx2
i+bPx3
i+cPx4
i
(2.26)
Observa¸ao 2.8. Muitos programas computacionais a em este ajuste como op¸ao de linha
de tendˆencia.
Exerc´ıcio: Ajuste os dados da tabela 2.1 com um modelo quadr´atico e compare com os
valores observados.
2.4 Varia¸oes
A formula¸ao de um modelo matem´atico ´e geralmente a parte mais dif´ıcil de todo processo
de modelagem. Mais dif´ıcil por ser uma atividade essencialmente criativa e que depende de
conhecimentos adquiridos previamente. A modelagem de situa¸oes da realidade ´e baseada
no intercˆambio de linguagens usuais de cada ´area espec´ıfica com a “linguagem matem´atica”.
A matem´atica estabelece uma linguagem mais concisa e oferece condi¸oes para se propor
padr˜oes universais. A tradu¸ao de rela¸oes verbais em s´ımbolos matem´aticos ´e uma habili-
dade que pode ser adquirida por meio de experiˆencias realizadas em diferentes contextos.
A formula¸ao de um modelo ´e geralmente baseada nas rela¸oes de medidas existentes en-
tre as grandezas ou elementos (“vari´aveis”) observados. As propriedades ou rela¸oes podem
ser definidas independentemente do conceito de umero. Nos modelos est´aticos ou qualita-
tivos as rela¸oes entre os elementos ao quase sempre de car´ater geom´etrico ou anal´ıtico.
A modelagem matem´atica de situa¸oes ou fenˆomenos ao matem´aticos, atrav´es de suas
varia¸oes, tem como caracter´ıstica essencial a evolu¸ao do sistema. Neste caso, o termo taxa
de varia¸ao”, comum a todas as linguagens, aparece implicitamente em palavras, tais como,
taxa de crescimento, crescimento relativo, taxa de mortalidade, velocidade, acelera¸ao, taxa
de rea¸ao, densidade etc.
86 Modelagem Matem´atica
Quantidades que influenciam em algum processo dinˆamico ao denominadas vari´aveis,
ou parˆametros e algumas vezes constantes ao existe uma diferen¸ca precisa entre estes
termos a distin¸ao ´e apenas convencional:
vari´aveis ao “grandezas” que se modificam durante o processo;
parˆametros ao medidas auxiliares e podem ou ao mudar durante o processo;
constantes ao quantidades que ao variam e em seus valores fixados a priori.
A formula¸ao matem´atica, assim como a interpreta¸ao de um fenˆomeno, depende da
escolha que se faz em rela¸ao `a continuidade ou ao das vari´aveis observadas Existem
situa¸oes em que modelos discretos ao mais convenientes (caso do desenvolvimento popula-
cional de determinados insetos que em ciclos de vida sincronizados e ao sobrepostos ou da
propaga¸ao anual de plantas) Outras situa¸oes que, inicialmente, aparecem descritas em
termos de vari´aveis cont´ınuas podem ser modeladas atrav´es de um conjunto finito de dados
observados periodicamente.
Quando temos um conjunto finito de dados observados, dizemos que este conjunto cor-
responde `a uma seq¨encia finita de valores: x1, x2, . . . , xn.
A vari´avel x´e dita cont´ınua se pode assumir todos os valores reais intermedi´arios entre
os valores discretos da seq¨encia {xi},i= 1,2, . . . , n. Por exemplo, se x1= 26.0, x2=
59.5, . . . , x9= 488.2 ao os valores dados do peso da til´apia (cf. tabela 2.1), sabemos que
qualquer valor xentre 26.0 e 488.2 pode ser assumido no intervalo [26.0,488.2]. Logo a
vari´avel “peso da til´apia” ´e cont´ınua neste intervalo. Se a vari´avel ao for cont´ınua, ser´a
dita discreta o que significa que somente pode assumir valores em um conjunto discreto.
Lembrando que um conjunto A´e discreto se existe uma correspondˆencia biun´ıvoca entre seus
elementos e um subconjunto dos umeros naturais. Por exemplo, se desejamos descrever o
umero de carros novos emplacados na cidade de Campinas no dia n, durante o es de maio
de 1998, devemos usar uma seq¨encia finita xn.Neste caso a vari´avel x,umero de carros
emplacados, ´e discreta.
Em termos de modelagem, muitas vezes as vari´aveis aparecem na forma de seq¨encias
finitas de dados: {xn},n= 1,2, . . . , k. E portanto, ao conjuntos discretos O impor-
tante, neste caso, ´e saber quando tais seq¨encias podem ser “interpretadas” como vari´aveis
cont´ınuas.
Lembramos que uma seq¨encia real ´e um conjunto de pontos {xn}definidos por uma
fun¸ao fcujo dom´ınio ´e um subconjunto Ados umeros naturais N
f:ANR
n7→ xn
Nota¸ao: xn=f(n) ou {xn}nA.
A seq¨encia {xn}nA´e um conjunto discreto de R. No entanto, se tiver sentido real a
extens˜ao x=f(t), t Rent˜ao x´e uma vari´avel cont´ınua.
Quando se trabalha com seq¨encias reais uma das caracter´ısticas importantes a ser anal-
isada ´e sua convergˆencia:
Rodney Carlos Bassanezi 87
Defini¸ao 2.1. Uma seq¨encia {xn}converge para um valor xse xnpode se aproximar,
“tanto quanto se queira”, de xquando ncresce. Em outras palavras, xnxdado
ε > 0, arbitrariamente pequeno, existe n0Ntal que 0 <|xnx|< ε, quando n > n0.
Quando se tem uma tabela de dados (experimentais ou ao) xn, isto ´e, valores da vari´avel
xn=f(n), nem sempre ´e acil obter uma express˜ao anal´ıtica da fun¸ao fe portanto, determi-
nar o valor de x= lim
n→∞ f(n). Entretanto, se soubermos a priori, atrav´es das caracter´ısticas
espec´ıficas do fenˆomeno analisado, que a seq¨encia xn´e convergente, podemos procurar de-
terminar o valor aproximado de x(veja etodo de Ford-Walford). O conhecimento do valor
limite x´e essencial para a elabora¸ao de modelos matem´aticos de fenˆomenos caracterizados
pela estabilidade.
Em termos matem´aticos, se tivermos uma seq¨encia real mon´otona (crescente ou decres-
cente) e limitada ent˜ao podemos afirmar que ela ´e convergente. Na pr´atica, as seq¨encias
finitas muitas vezes ao provenientes de medidas peri´odicas temporais de alguma vari´avel
evolutiva. Por exemplo, se {xn},n= 1,2, . . . , r, ao valores do comprimento m´edio de uma
determinada esp´ecie de peixes, tomados em kidades sucessivas, podemos afirmar que tal
seq¨encia crescente ´e convergente para o valor aximo do comprimento da esp´ecie. Neste
caso, o fato da seq¨encia ser limitada ´e imposi¸ao biol´ogica do fenˆomeno analisado.
2.4.1 Varia¸oes Discretas
Quando temos uma vari´avel ydependendo quantitativamente de uma outra vari´avel
independente x, podemos, muitas vezes, construir o modelo matem´atico ou analisar esta
dependˆencia atrav´es das caracter´ısticas variacionais destas vari´aveis, ou seja, o modelo ´e
formulado atrav´es das varia¸oes destas grandezas.
Exemplo 2.9. Varia¸ao populacional
Seja No umero de indiv´ıduos numa popula¸ao. Considerando que Nvaria com tempo
t, podemos induzir que Nseja uma fun¸ao de t, isto ´e,
N=f(t)
Sejam t1et2dois instantes com t2> t1. Ent˜ao, a diferen¸ca
N=N2N1=f(t2)f(t1)
´e a varia¸ao total (ou simplesmente, varia¸ao) do tamanho da popula¸ao no intervalo de
tempo de t1at2.
Observamos que se N > 0 ent˜ao a popula¸ao aumenta em tamanho neste intervalo de
tempo Se N < 0, a popula¸ao decresce e se N= 0, a popula¸ao permanece inalterada,
em tamanho, neste intervalo de tempo.
Para analisarmos com que rapidez o tamanho da popula¸ao varia, devemos levar em
considera¸ao o tempo transcorrido entre as medidas de N1=f(t1) e N2=f(t2).
Seja t=t2t1(tempo transcorrido de t1at2) .
88 Modelagem Matem´atica
A propor¸ao N
t=N2N1
t2t1
mostra quanto varia a popula¸ao por unidade de tempo. Este valor fornece a varia¸ao edia
por unidade de tempo ou taxa edia de varia¸ao (ou simplesmente taxa de varia¸ao).
Por exemplo, a popula¸ao brasileira era de 119 002 706 habitantes em 1980 e em 1991
passou para 146 825 475. Ent˜ao, a varia¸ao edia da popula¸ao entre este dois per´ıodos foi
de: N2N1
1991 1980 = 2 529 342.6,
ou seja, entre 1980 e 1991 a popula¸ao aumentou, em edia, 2 529 342.6 por ano.
Outro tipo interessante de medida variacional, muito utilizada em dinˆamica populacional,
´e a taxa de varia¸ao relativa ou taxa de crescimento interespec´ıfico.
Esta taxa fornece uma medida de varia¸ao, relativamente `a popula¸ao que originou tal
crescimento e sua express˜ao anal´ıtica depende do modelo populacional utilizado. Os casos
mais usados para este tipo de taxa ao:
a. Taxa de varia¸ao edia relativa (linear) que ´e dada por:
α=N
N1t=N2N1
N1t
Com os dados anteriores temos
α=2 529 342.6
119 002 706 = 0.02125.
Neste caso, dizemos que a taxa de crescimento populacional, entre 1980 e 1991, foi de
2.125% ao ano.
b. Taxa de varia¸ao malthusiana, proveniente de um crescimento exponencial em cada
unidade de tempo.
Nt+1 Nt=αNt
Nt+2 Nt+1 =αNt+1
··················
Nt+∆tNt+∆t1=αNt+∆t1
(+)
Nt+∆tNt=α(Nt+Nt+1 +· ·· +Nt+∆t1)
=αNt[1 + (1 + α) + · ·· + (1 + α)t1]
Nt+∆tNt
Nt
=α(1 + α)t1
α= (1 + α)t1
Rodney Carlos Bassanezi 89
e portanto,
α=t
rNt+∆t
Nt1.
Por exemplo, tomando t=t2t1= 11, temos N2=Nt1+∆t= 146 825 475 e
N1=Nt1= 119 002 706, temos
α=11
rN2
N11 = 0.01928
ou seja, a popula¸ao cresceu (em edia) 1.928% ao ano, relativamente `a propor¸ao
existente em cada ano, durante os 11 anos (de 1980 a 1991).
2.4.2 Varia¸oes Cont´ınuas
As varia¸oes discretas introduzidas no exemplo 2.9 anterior podem ser reformuladas em
termos gerais:
Sejam xeyvari´aveis (discretas ou cont´ınuas) e
y=f(x), x A.
Sejam x1, x2elementos de A, ent˜ao definimos:
a. Varia¸ao simples (ou absoluta) de y:
y=f(x2)f(x1) (2.27)
´e a diferen¸ca da vari´avel dependente yem dois est´agios da vari´avel independente x.
b. Varia¸ao edia (ou taxa de varia¸ao edia):
y
x=f(x2)f(x1)
x2x1
(2.28)
´e a propor¸ao entre as varia¸oes de ye de x. A varia¸ao edia mostra quanto variou
ypor unidade de x.
A express˜ao y
x, geometricamente, mede o coeficiente angular (ou inclina¸ao) da reta
que liga os pontos (x1, f (x1)) e (x2, f(x2)).
c. Varia¸ao relativa:
1
yi
yi
xi
=µf(xi+1)f(xi)
xi+1 xi1
yi
(2.29)
mostra a varia¸ao de ypor unidade de x, relativa ao est´agio inicial y=yi.
As vari¸oes simples, edia e relativa nem sempre ao satisfat´orias quando o processo
envolve vari´aveis cont´ınuas. Em muitas situa¸oes ´e necess´ario o conhecimento da
varia¸ao em um ´unico ponto.
90 Modelagem Matem´atica
Figura 2.34: Varia¸ao edia: Dy
Dx = tan a.
d. Varia¸ao instantˆanea de uma fun¸ao y=f(x), num ponto x, ´e dada pelo valor do
limite:
lim
x0
f(x+ x)f(x)
x=f0(x) (2.30)
quando tal limite existir.
Figura 2.35: Interpreta¸ao geom´etrica da derivada.
Em outras palavras se a seq¨encia {xn}converge para xest˜ao a seq¨encia das
varia¸oes edias ½yny
xnx¾converge para f0(x).
Observamos que se y=f(x) ´e uma fun¸ao cont´ınua e sua varia¸ao edia tamb´em ´e
cont´ınua, o limite dado em (2.30) sempre existe.
Exemplo 2.10. Velocidade e Espa¸co Percorrido
Rodney Carlos Bassanezi 91
Seja yo espa¸co percorrido, num tempo t, por um carro que se desloca de Campinas a
ao Paulo; Consideremos
y=f(t) com y(0) = 0 e 0 ttf,
onde tf´e o tempo total gasto para chegar a ao Paulo.
Suponhamos que o percurso de 54km de Campinas a Jundiai seja efetuado em 38 minutos
e de Jundiai a ao Paulo (48km) em 25 minutos, (tf= 63). As varia¸oes simples medem as
distˆancias entre as cidades:
1y=y(38) y(0) = y(38) = 54km
2y=y(63) y(38) = 48km
3y=y(63) y(0) = (y(63) y(38)) + (y(38) y(0)) = 54 + 48 = 102km
As varia¸oes edias fornecem as velocidades edias entre os percursos:
1y
1x=y(38) y(0)
38 0=54
38 = 1.421km/min = 85.26km/h.
Logo, o percurso e Campinas e Jundiai foi realizado a uma velocidade edia de 85.26km/h.
A velocidade edia de todo percurso ´e dada por:
3y
3x=y(63) y(0)
63 0=102
63 = 1.62km/min = 97.14km/h.
Podemos observar que, com os dados que temos, ao ´e poss´ıvel determinar a velocidade
do carro exatamente quando passou por Jundiai.
Agora, se a fun¸ao y=f(t)for conhecida (ou estimada) ent˜ao o valor da velocidade
instantˆanea pode ser determinada como limite de velocidades edias num instante fixo
t=t.
Consideremos uma seq¨encia {tn}nNconvergindo para t(isto ´e poss´ıvel pois a vari´avel
tempo t´e cont´ınua), e obtemos a seq¨encia t={nt}, onde 1t=t1t,2t=
t2t, . . . , nt=tnt; ent˜ao tnt´e o mesmo que nt0.
Temos tamb´em que y=f(t) ´e uma fun¸ao cont´ınua em te portanto,
ny=f(tn)f(t)0 quando tt.
A raz˜ao ny
nt=vn´e a velocidade edia no intervalo [t, tn].
A velocidade instˆantanea vno ponto t´e o valor do limite
v= lim
nt0
ny
nt= lim
tntvn=α(2.31)
Geometricamente, v´e o coeficiente angular da reta tangente `a curva y=f(t) no ponto
(t, f (t)).
92 Modelagem Matem´atica
Figura 2.36: Varia¸ao instantˆanea (velocidade).
Quando o limite (2.31) existir para todo t, 0ttfpodemos definir a velocidade em
cada instante t:
v(t) = lim
t0
f(t+ t)f(t)
t(2.32)
Um movimento ´e dito uniforme quando um objeto percorre espa¸cos iguais em tempos
iguais, e portanto o espa¸co percorrido ´e proporcional ao tempo gasto para percorrˆe-lo:
y=kt +y0,(2.33)
onde y0´e o espa¸co a percorrido quando se come¸ca a marcar o tempo (instante inicial de
marca¸ao). Neste caso, a velocidade edia entre dois instantes tetn´e dada por
vm(t) = yyn
ttn
=(kt +y0)(ktn+y0)
ttn
=k(ttn)
ttn
=k
para todo tn6=tou seja, a velocidade vem qualquer instante ´e constante e igual `a velocidade
edia vm.
Portanto, se o movimento ´e uniforme, ent˜ao
y(t) = vt +y0(2.34)
Observamos que se um objeto est´a em repouso (v= 0 quando t= 0 ent˜ao o ter´a
um “movimento uniforme” se ao se movimentar, isto ´e, y=y0(constante) em qualquer
instante t > 0.
Rodney Carlos Bassanezi 93
Figura 2.37: Movimento uniforme.
Uma quest˜ao: suponhamos que durante o percurso de Campinas a ao Paulo marcamos a
velocidade do carro a cada 5 minutos, nos 45 minutos iniciais. ´
E poss´ıvel obter um modelo do
espa¸co percorrido em fun¸ao do tempo gasto, supondo que o tempo total foi de 63 minutos?
Consideremos o conjunto de observoes das velocidades instantˆaneas a cada 5 minutos.
v: velocidade (km/h) 0 90 102 105 120 108 105 96 100 96
t: tempo (min) 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45
Tabela 2.11: Velocidades em km/h.
Primeiramente devemos uniformizar as informa¸oes considerando os dados nas mesmas
unidades:
v: velocidade (km/min) 0 1.5 1.7 1.75 2.0 1.8 1.75 1.6 1.66 1.6
t: tempo (min) 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45
Tabela 2.12: Velocidades em km/min.
A figura 2.38 mostra a tendˆencia dos valores de vrelacionados com o tempo t.
94 Modelagem Matem´atica
Figura 2.38: Velocidade ×tempo.
Modelo 1 Movimento uniforme por partes
Sabemos que vk=yk+1 yk
tk+1 tk
´e o valor da velocidade edia no intervalo de tempo
kt=tk+1 tk; Portanto
ky=yk+1 yk=vkkt= ´area de um retˆangulo de base kte altura vk.
Como y(t) ´e o espa¸co percorrido no instante t, temos
y(t)'
n
X
k=1
vkktse tn1ttn.
Usando os dados da tabela 2.12, obtemos
y(t) = 0 + 1.5
2t= 0.75(t0) = 0.75tse 0 t5
y(t)=3.75 + 1.5+1.7
2t= 3.75 + 1.6(t5) se 5 t10
.
.
..
.
..
.
..
.
..
.
.
y(t) = ..................... = 3.75+8+···+vn(ttn) se tn1ttn.
Observamos que, neste modelo, a distˆancia percorrida em 45 minutos ´e:
y(45) = 0.75 ×5+1.6×5+1.725 ×5 + · ·· + 5 ×1.63 = 97.11km.
Modelo 2 Movimento uniforme
Se considerarmos o movimento como sendo aproximadamente uniforme, tomamos a ve-
locidade vdada pela edia dos 45 minutos iniciais (figura 2.39)
Rodney Carlos Bassanezi 95
Figura 2.39: Movimento uniforme vm= 1.73 km/min.
v(t) = Pn
i=1 vi
n=P9
i=1 vi
9= 1.73km/min = 103.8km/h
o modelo para o movimento, considerado uniforme, ´e
y(t) = 1.73tse 0 t63 (2.35)
Para t= 63 y(63)
=109km (distˆancia total).
Figura 2.40: Ajuste linear por partes.
96 Modelagem Matem´atica
Modelo 3 Velocidade linear
Consideremos agora um ajuste linear, por partes, de v(t). Nos 5 minutos iniciais, a ve-
locidade ´e linear (crescente); de 5 a 60 minutos mantem-se uma velocidade edia constante,
em torno de 1.73 km/min, nos ´ultimos 3 minutos a velocidade decresce at´e o carro parar
isto ´e, v(63) = 0.
v(t) = 1.73
5tse 0 t5
v(t) = 1.73 se 5 t60
v(t) = 1.73
3t+ 36.33 se 60 t63
(2.36)
O espa¸co y(t) pode ser estimado pelo valor da ´area da regi˜ao limitada pela curva v(t), o
eixo te a reta t=τ. Ent˜ao,
Se 0 t5, y(t) ser´a dado para ´area do triˆangulo retˆangulo de base te altura v(t),
y(t) = 1
2tv(t) = 1
2µ1.73
5t2= 0.173t2(2.37)
Se 5 t60, y(t) = area do triˆangulo retˆangulo de base 5 e altura 1.73) + area do
retˆangulo de base (t5) e altura 1.73), portanto
y(t) = (4.325) + (1.73t8.65) = 1.73t4.325 (2.38)
Se 60 t63, y(t) = area do 1o
¯triˆangulo) + area do retˆangulo de base (60-5) e
altura 1.73) + area do trap´esio de altura (t60), base inferior igual a 1.73 e base
superior igual a
v(t)) = (4.325) + (95.15) + (t60)v(t)+1.73
2
y(t) = 99.475 + (0.288t2+ 36.33t1141.8) = 0.288t2+ 36.33t1042.33.
Neste modelo, a distˆancia de Campinas a ao Paulo ´e dada por
y(63) '102.07km.
Observa¸ao 2.9. Como v(t)´e cont´ınua para 0t63, podemos considerar argumentos
do alculo diferencial para obter a express˜ao de y(t):
y(t) = lim
||k||→0
n
X
k=1
v(τk)∆kt=Zt
0
v(t)dt (2.39)
onde ||kt|| = max |kt|= max |ti+1 ti|, i = 0.1, . . . , n.
Assim,
Rodney Carlos Bassanezi 97
se 0t5, y(t) = Zt
0
v(τ) =Zt
0
1.73
5t dt = 0.173t2
se 5t60, y(t) = Z5
0
1.73tdt +Zt
5
1.73dt = 4.325 + (1.73t8.65)
= 1.73t4.325
se 60 t63;
y(t) = Z5
0
1.73t+Z60
5
1.73dt+Zt
60 µ1.73
3t+ 36.33dt =0.288t2+36.33t1042.33
Observa¸ao 2.10. Na formula¸ao do modelo 3 procuramos torn´a-lo mais “real´ıstico” con-
siderando hip´oteses adicionais aos dados observados. Este procedimento ´e fundamental no
desenvolvimento de uma modelagem.
A transi¸ao de uma taxa de varia¸ao edia para uma taxa instantˆanea ´e a id´eia asica de
todo alculo Diferencial. Em termos de modelagem ´e o princ´ıpio que possibilita formula¸oes
de modelos de fenˆomenos ou situa¸oes, naturalmente de vari´aveis discretas, por meio de
modelos cont´ınuos. Por exemplo, se N=f(t)representa o tamanho de uma popula¸ao,
ao podemos aplicar imediatamente o conceito de varia¸ao instantˆanea, mesmo porque f(t)
´e uma fun¸ao discreta do tempo e no intervalo de tempo em que a popula¸ao ´e constante, a
taxa de varia¸ao instˆantanea ´e nula, sendo infinita no instante em que ocorre um nascimento
ou uma morte!
Figura 2.41: Ajuste cont´ınuo de dados discretos.
Neste caso, devemos construir uma curva suave (cont´ınua e sem bicos)N(t), ajustada
ou idealizada, que seja uma “aproxima¸ao”dos valores de N(t). Para uma curva suave
98 Modelagem Matem´atica
existe uma reta tangente em cada ponto t. Ent˜ao, podemos definir a taxa de crescimento
instantˆaneo em t=τcomo sendo o coeficiente angular da reta tangente `a curva N(t)no
ponto (τ, N (τ)):
N0(τ) = lim
tτ
N
t=dN
dt ¯¯¯¯t=τ
(nota¸ao de Liebnitz).
N0(τ)´e denominada derivada de N(t)no ponto τ.
Modelos matem´aticos que relacionam as vari´aveis atrav´es de suas varia¸oes cont´ınuas ao
formulados com equa¸oes diferenciais (veja par´agrafo 2.6). Os modelos discretos utilizam as
equa¸oes de diferen¸cas, como veremos a seguir.
2.5 Equa¸oes de Diferen¸cas
Existem situa¸oes em que as equa¸oes de diferen¸cas (equa¸oes com varia¸oes discretas)
ao mais apropriadas para uma modelagem; por exemplo, quando o crescimento popula-
cional, entre gera¸oes sucessivas, se a em etapas discretas e ao ocorre uma sobreposi¸ao
de gera¸oes da esp´ecie analisada, como no modelo seguinte:
Modelo 4 Dinˆamica populacional da “Til´apia do Nilo” [10]
As til´apias ao peixes de ´agua doce, da fam´ılia Cichlidae que apresentam, essencialmente,
3 est´agios em seu ciclo de vida: ovos, jovens e adultos. Adultos quando em a capacidade de
se reproduzir, o que ocorre proximadadmente aos 4 meses de idade. Em condi¸oes naturais,
quando a temperatura da ´agua permanece acima de 20C, a til´apia pode desovar a cada
2 meses. As emeas oem seus ovos nos ninhos que ao fecundados pelos machos. Ap´os
a fecunda¸ao, as emeas recolhem os ´ovos na boca para a incuba¸ao, eclos˜ao e prote¸ao
das larvas. A eclos˜ao a-se, aproximadamente, em 72 horas e as larvas continuam na boca
por um per´ıodo de 7 a 10 dias. O n´umero de larvas produzidas depende do tamanho da
emea, variando de 100 a 600 por desova com uma taxa de mortalidade igual a 50%. Num
processo cont´ınuo de cria¸ao destes peixes ´e recomend´avel que exista um macho para cada
duas emeas.
Para a formula¸ao do modelo matem´atico da dinˆamica populacional da til´apia, consid-
eramos:
P0: quantidade inicial de peixes adultos no tanque de reprodu¸ao, sendo 2
3emeas;
θ: quantidade de ovos de uma desova por cada emea, sendo que somente a metade
tem sucesso de eclodir e sobreviver.
Sejam Pt, FteAt, respectivamente, quantidade de peixes adultos, emeas adultas e alevi-
nos em cada gera¸ao.
Rodney Carlos Bassanezi 99
Vamos supor que metade dos alevinos sejam emeas; Ent˜ao o umero de alevinos gerados
em cada est´agio ´e dado por
At=Ft×θ
2para t1
Usando estas informa¸oes num processo interativo obtemos:
t= tempo (2 meses) Pt= adultos Ft= emeas At= alevinos
0P02
3P00
1P02
3P0θ
2F1
2P02
3P0θ
2F2+θ
2F1
3P0+A12
3P0+1
2A1(A2A1) + θ
2F3
.
.
..
.
..
.
..
.
.
t Pt1+At2Ft1+1
2At2(At1At2) + θ
2Ft
Como
At= (At1At2) + θ
2Ft=θ
2(Ft+Ft1)
e
Ft=Ft1+1
2At2,
ent˜ao
Ft=Ft1+1
2
θ
2(Ft2+Ft3) com F0=F1=F2=2
3P0.(2.40)
Um modelo simplificado pode ser obtido, considerando:
Pt: peixes adultos;
At=αPt1: alevinos;
yt=Pt+At: total.
100 Modelagem Matem´atica
t(2 meses) Pt= adulto At: alevinos yt: (total)
0P00P0
1P0αP0P0+αP0
2P0+αP0αP0P0+ 2αP0
3P0+ 2αP0αP0+α2P0P0+ 3αP0+α2P0
4P0+ 3αP0+α2P0αP0+ 2α2P0P0+ 4αP0+ 3α2P0
.
.
..
.
..
.
..
.
.
t Pt1+At1αPt1Pt1+At1+αPt1
Ent˜ao, a ormula de recorrˆencia para a quantidade de peixes adultos ´e dada por:
Pt=Pt1+At1=Pt1+αPt2para t2.(2.41)
Podemos perceber que a quantidade de peixes adultos Ptnum est´agio t´e igual `a quan-
tidade total dos peixes yt1do est´agio anterior (t1), portanto de (2.41), temos
Pt=yt1=yt2+αyt3, t 3.(2.42)
A equa¸ao (2.42) pode ser reescrita na forma
yn=yn1+αyn2, n 2 (2.43)
e permite calcular o valor de qualquer yndesde que sejam conhecidos seus valore em dois
est´agios imediatamente inferiores.
Express˜oes do tipo (2.41), (2.42) e (2.43) ao denominadas ormulas recursivas (neste
caso de 2a
¯ordem), ou ormulas aritm´eticas, ou equa¸oes de diferen¸cas finitas.
Asolu¸ao de uma equa¸ao de diferen¸cas ´e uma express˜ao que fornece o valor de uma
vari´avel num est´agio nem fun¸ao de ne dos valores dos est´agios iniciais (condi¸oes iniciais)
No exemplo em quest˜ao (equa¸ao (2.43)) temos P(0) = P0,P1=P0e a solu¸ao de (2.43)
´e dada por
Pt=P0
(1 + 1+4α)
21+4αµ1 + 1+4α
2t
P0
(1 1+4α)
21+4αµ11+4α
2t
(2.44)
como veremos posteriormente.
Rodney Carlos Bassanezi 101
2.5.1 Equa¸oes de Diferen¸cas Lineares
Nem sempre podemos explicitar analiticamente a solu¸ao geral de uma equa¸ao de
diferen¸cas quando a equa¸ao ao ´e linear. As equa¸oes lineares de ordem (nm) ao
da forma:
yn=αn1yn1+αn2yn2+···+αmym,
ou
yn=
m
X
i=n1
αiyi(2.45)
com αiconstantes, m < n e (nm) condi¸oes iniciais.
Equa¸ao de 1a
¯ordem, nm= 1
½yn=α yn1
y0dado (2.46)
O processo recursivo fornece:
y1=αy0
y2=αy1=α2y0
.
.
.
yn=αyn1=αny0,
e portanto,
yn=y0αn(2.47)
´e a solu¸ao de (2.46), satisfazendo a condi¸ao inicial y0dada.
Uma maneira alternativa para resolver a equa¸ao (2.46) ´e a seguinte:
Suponhamos que yn=nseja uma solu¸ao geral de (2.46). Substituindo esta express˜ao
em (2.46), temos:
n=αkλn1kλn1[λα] = 0
λ= 0
ou
λ=α
Desde que, para n= 0 devemos ter y0=0, ent˜ao k=y0. Logo,
yn=½0 se y0= 0
y0αnse y06= 0 (2.48)
´
E relativamente acil verificar que a solu¸ao da equa¸ao linear
yn+1 =ayn+b
102 Modelagem Matem´atica
com y0dado, ´e
yn=y0+bn se a= 1
yn=y0an+b1an
1ase a6= 1
(2.49)
Uma aplica¸ao imediata das equa¸oes acima pode ser encontrada em problemas de cap-
italiza¸ao.
Exerc´ıcio: Considere um capital inicial c0aplicado a uma taxa mensal α. Encontre o valor
do resgate futuro cn, no nesimo es, supondo que o regime de juros seja:
a. simples, isto ´e, cn+1 cn= constante = αc0, com n1;
b. composto,cn+1 cn=αcn, n 1.
Exerc´ıcio: Resolva a equa¸ao de diferen¸cas
yn+1 =αyn+1 +yn(α6= 1),com y0dado.
Mostre que:
se α= 0 yn=y0, constante;
se 0 < α 2yn´e divergente;
se α < 0 ou α > 2yn´e convergente.
Modelo 5 Or¸camento familiar
Consideremos uma fam´ılia cuja renda mensal rn´e proveniente de um sal´ario fixo r0, mais
o rendimento da caderneta de poupan¸ca pndo es anterior.
Suponhamos tamb´em que o consumo mensal cndesta fami´ılia seja proporcional `a sua
renda mensal.
O modelo que estabelece rela¸oes entre as vari´aveis renda, poupan¸ca econsumo depen-
dentes do tempo, tomados em meses, ´e dado por:
a. poupan¸ca: pn+1 = (poupan¸ca do es anterior n) + (sobra do es n+ 1)
pn+1 =pn+ (rn+1 cn+1) (2.50)
Rodney Carlos Bassanezi 103
b. renda: rn+1 = (sal´ario) + (rendimento da poupan¸ca do es anterior)
rn+1 =r0+αpn,(2.51)
onde α´e o juro da poupan¸ca.
c. consumo:
cn+1 =βrn+1 (0 < β < 1) (2.52)
Usando as trˆes equa¸oes podemos escrever
pn+1 = (1 β)r0+ [(1 β)α+ 1]pn.
Consideramos que p0´e dado, podemos usar a solu¸ao (2.49) para escrever as solu¸oes:
pn=p0an+b1an
1a= [(1 β)α+ 1]np0+ (1 β)r0
1[(1 β)α+ 1]n
1[(1 β)α+ 1] (2.53)
Donde
rn=r0+αp0an1+αb1an1
1a(2.54)
e
cn=βr0+αβp0an1+αβ 1an1
1a(2.55)
Modelo 6 Financiamento
Na compra de uma casa ´e feito um financiamento do valor c0que deve ser pago em 15
anos, em parcelas mensais fixas e iguais a k. Devemos determinar o juro mensal cobrado
neste empreendimento.
Seja c0a d´ıvida inicial; Ent˜ao, a ıvida cnnum es n´e dada pela ıvida corrigida do
es anterior menos a parcela paga no es, ou seja,
cn+1 =cn+αcnk= (1 + α)cnk(2.56)
Podemos encontrar a solu¸ao de (2.56) por recorrˆencia:
c1= (1 + α)c0k
c2= (1 + α)c1k= (1 + α)2c0(1 + α)kk
c3= (1 + α)c2k= (1 + α)3c0(1 + α)2k(1 + α)kk
.
.
.
cn= (1 + α)nc0k[1 + (1 + α) + · ·· + (1 + α)n1]
Temos que o termo entre colchetes ´e a soma de uma progress˜ao geom´etrica. Logo,
cn= (1 + α)nc0k1(1 + α)n
α(2.57)
104 Modelagem Matem´atica
Observa¸ao 2.11. Esta mesma express˜ao poderia ter sido obtida diretamente de (2.49).
´
E interessante notar que, em problemas como este, a taxa de juros cobrada est´a camu-
flada. Se considerarmos que a ıvida estar´a quitada em tmeses, devemos ter em (2.57) que
ct= 0, logo
(1 + α)tc0=k1(1 + α)t
α
ou
αc0
k=(1 + α)t1
(1 + α)t= 1 1
(1 + α)t.
Conhecidos os valores da d´ıvida inicial c0,do pagamento parcelado ke do tempo
necess´ario tpara a liquida¸ao desta d´ıvida, o alculo de αpode ser feito, usando-se algum
etodo num´erico. Por exemplo, sejam c0= 30.000, k= 500 e t=15 anos (180 meses).
Ent˜ao, temos
60α= 1 1
(1 + α)180 (2.58)
Para determinar o valor de αem (2.58) vamos usar o m´etodo mais elementar: bisse¸ao.
Sejam y= 60αez= 1 1
(1 + α)180 . Ent˜ao devemos encontrar αde modo que y=z:
α= 0.01 y= 0.6 e z= 0.833 z > y
α= 0.02 y= 1.2 e z= 0.97 z < y
α=0.01 + 0.02
2= 0.015 y= 0.9 e z= 0.93 z > y
Ent˜ao αdeve estar entre 0.015 e 0.02. Continuando o processo, obtemos α'0.0156 ou
1.56 % ao es!
Equa¸ao de 2a
¯ordem, (nm) = 2
Uma equa¸ao geral de diferen¸cas, de 2a
¯ordem ´e da forma:
yn=ayn1+byn2com y0ey1dados (2.59)
Solu¸ao:
Considerando que yn=n(como no caso de 1a
¯ordem) seja uma solu¸ao de (2.59),
temos
nakλn1bkλn2= 0 =n2[λ2 b] = 0
logo, λ= 0 ou λ2 b= 0.
Para λ= 0 yn= 0 para todo n(solu¸ao trivial) que o tem sentido se y0=y1= 0;
Rodney Carlos Bassanezi 105
Se λ6= 0, P (λ) = λ2 b´e o polinˆomio caracter´ıstico de (2.59) e suas ra´ızes λ1.2
ao denominadas auto-valores,
λ2 b= 0 =λ1.2=a±a2+ 4b
2(2.60)
λ1.2ao univocamente determinadas pelos valores dos coeficientes aeb.
Para as equa¸oes lineares vale o princ´ıpio da superposi¸ao, isto ´e, se temos arias solu¸oes,
ent˜ao a combina¸ao linear entre elas tamb´em ´e uma solu¸ao. Como λ1eλ2foram determi-
nados, justamente com a promessa de n
1en
2serem solu¸oes de (2.59), podemos concluir
que
yn=A1λn
1+A2λn
2(2.61)
tamb´em ´e uma solu¸ao de (2.59).
A express˜ao (2.61) ser´a a solu¸ao geral de (2.59) se λ16=λ2, isto ´e, se a2+ 4b6= 0. Neste
caso, as constantes A1eA2ao determinadas univocamente atrav´es das condi¸oes iniciais
y0ey1:
Para n= 0 y0=A1+A2;
Para n= 1 y1=A1λ1+A2λ2.
O sistema ½A1+A2=y0
λ1A1+λ2A2=y1
admite como solu¸ao os valores
A2=λ1y0y1
λ1λ2
eA1=y0λ1y0y1
λ1λ2
(2.62)
Solu¸ao do modelo 4 (Crescimento das Til´apias)
O modelo matem´atico para a dinˆamica populacional das til´apias ´e uma equa¸ao de
diferen¸cas de 2a
¯ordem: ½pn=pn1+αpn2
p(0) = p0ep1=p0(2.63)
eλ2λα= 0 ´e o polinˆomio caracter´ıstico de (2.63), cujas ra´ızes (autovalores) ao
λ1=1 + 1+4α
2eλ2=11+4α
2, λ16=λ2.
A solu¸ao geral ´e dada por
pn=A1λn
1+A2λn
2
106 Modelagem Matem´atica
onde
A1=p0λ1p0p0
λ1λ2
=p0[1 + 1 + 4α]
21+4α
e
A2=p0A1=p0[1 1+4α]
21+4α.(2.64)
Observa¸ao 2.12.
Quando os autovalores da equa¸ao (2.60) ao iguais, isto ´e, λ1=λ2=a
2, ent˜ao a
solu¸ao geral de (2.59) ´e dada por
yn= (A1+nA2)³a
2´n(verifique!) (2.65)
e as constantes A1eA2ao obtidas por:
(y0=A1
y1= (A1+A2)a
2y0+A2=2y1
aA2=2y1
ay0
(2.66)
Se os autovalores λ1eλ2ao complexos, isto ´e,
λ1=α+βi =re eλ2=αβi =re ,onde r=pα2+β2eθ= arctan β/α,
ent˜ao, a solu¸ao geral real de (2.59) ´e dada por:
yn=c1rncos +c2rnsen (2.67)
De fato, usando a ormula de Euler: e = cos θ+isen θ, temos
λn
1= (α+βi)n= (re)n=rn(cos θ+isen θ)n=rn(cos +isen ).
Portanto
yn=A1λn
1+A2λn
2=A1(α+βi)n+A2(αβi)n
=A1rn(cos +isen ) + A2rn(cos isen )
=B1rncos +iB2rnsen
Agora, como a equa¸ao ´e linear, tanto a parte real
un=B1rncos
quanto a parte imagin´aria
vn=B2rnsen
Rodney Carlos Bassanezi 107
ao solu¸oes da equa¸ao (2.59). Logo, pelo princ´ıpio da superposi¸ao, obtemos a
solu¸ao geral real:
yn=c1un+c2vn=rn(c1cos +c2sen ), c1ec2reais.(2.68)
Neste caso, a seq¨encia dos pontos yn´e peri´odica com amplitude igual a rne frequˆencia
1
θ.
Se r > 1yn´e crescente;
Se r < 1yn´e decrescente.
Exemplo 2.11. A equa¸ao de diferen¸cas
yn+2 +yn= 0 com y0= 0 e y1= 1 (2.69)
tem polinˆomio caracter´ıstico dado por:
λ2+ 1 = 0 λ1=ieλ2=i(a= 0 e b= 1).
Ent˜ao,
r=pa2+b2= 1 e θ= arctan b
a=π
2.
A solu¸ao real da equa¸ao (2.69) ´e
yn=c1cos
2+c2sen
2(2.70)
Usando as condi¸oes iniciais, obtemos c1= 0 e c2= 1, ent˜ao
yn= sen
2(2.71)
´e a solu¸ao real particular da equa¸ao (2.69).
Exemplo 2.12. A equa¸ao de diferen¸cas
yn+2 2yn+1 + 2yn= 0 com y0= 0 e y1= 1 (2.72)
tem como solu¸ao
yn= (2)nsen ³π
4n´(verifique!)
Neste caso, a amplitude rn= (2)n´e crescente (figura 2.42) e a frequˆencia ´e θ=π/4.
108 Modelagem Matem´atica
Figura 2.42: Oscila¸oes com amplitudes crescentes rn>1.
Exemplo 2.13. A equa¸ao de diferen¸cas
yn+2 2ayn+1 + 2a2yn= 0 com y0= 0 e y1= 1 e a > 0.(2.73)
tem o polinˆomio caracter´ıstico dado por
λ22 + 2a2= 0
cujas ra´ızes ao complexas
λ1=2a+ 2ai
2=a(1 + i) e λ2=a(1 i)
Ent˜ao,
r=a2 e θ=π
4.
A solu¸ao real que satisfaz as condi¸oes iniciais ´e
yn= (a2)nsen ³π
4n´(2.74)
Agora, como 1sen ³π
4n´1, ent˜ao ynter´a oscila¸oes decrescentes quando r=
a2<1.
2.5.2 Sistemas de Equa¸oes de Diferen¸cas
Uma equa¸ao linear de 2a
¯ordem
yn+2 +ayn+1 +byn= 0 (2.75)
Rodney Carlos Bassanezi 109
Figura 2.43: Oscila¸oes com amplitudes decrescentes rn<1.
Pode ser transformada num sistema linear de 2 equa¸oes de 1a
¯ordem considerando a
mudan¸ca de vari´aveis zn=yn+1:
½yn+1 =zn
zn+1 =aznbyn(2.76)
Reciprocamente, um sistema linear de ordem 2
½yn+1 =a11yn+a12 zn
zn+1 =a21yn+a22 zn(2.77)
Pode ser convertido na equa¸ao linear de 2a
¯ordem
yn+2 (a11 +a22)yn+1 + (a22 a11 a12a21 )yn= 0 (2.78)
A matriz
J=µa11 a12
a21 a22 (2.79)
´e denominada matriz Jacobiana do sistema (2.77). Os autovalores desta matriz ao valores
λtais que det(JλI) = 0, onde I´e a matriz identidade, ou seja,
det(JλI) = ¯¯¯¯a11 λ a12
a21 a22 λ¯¯¯¯= 0
λ2(a11 +a22)λ+ (a22 a11 a12a21 ) = 0 (2.80)
P(λ) = λ2(a11 +a22)λ+ (a22 a11 a12a21 ) ´e o polinˆomio caracter´ıstico de (2.78);
110 Modelagem Matem´atica
α=a11 +a22 =tra¸co da matriz J;
β=a11a22 a12 a21 =determinante de J;
α24β=discriminante de J.1
Modelo 7 Crescimento populacional das til´apias com taxas de sobre-
vivˆencia
Vamos usar os mesmos dados do Modelo 4, considerando agora as dinˆamicas dos 3
est´agios distintos: ovos, alevinos e adultos, juntamente com suas taxas de sobrevivˆencia:
Considera¸oes:
a. Somente a emea adulta desova e o faz a cada 2 meses;
b. Um alevino (peixe ovem) torna-se adulto em 4 meses;
c. As probabilidades de nascer macho ou emea ao iguais.
Se c´e quantidade de ovos em uma desova ent˜ao,
no
¯de ovos ×no
¯de emeas = 1
2anc
´e a quantidade de ovos num est´agio n, onde an´e a quantidade de peixes adultos em n. Se
α´e a taxa de eclos˜ao dos ovos ent˜ao αc 1
2anao os ovos sobreviventes no est´agio n.
Sejam:
γ=αc
2a taxa de sobrevivˆencia da popula¸ao de ovos;
bna quantidade de ovens (alevinos) em cada est´agio n, e βsua taxa de convers˜ao
para adultos;
ana quantidade de adultos em cada est´agio n, e δsua taxa de sobrevivˆencia;
cna quantidade de ovos vi´aveis em cada est´agio n:cn= (ovos provenientes da desova
dos adultos) + (ovos provenientes da desova dos ovens que chegaram `a fase adulta)
cn=γan1+γβbn1(2.81)
an= (adultos que sobreviveram no est´agio (n1)) + (j´ovens que chegaram `a fase
adulta) an=δan1+βbn1(2.82)
bn= (j´ovens sobreviventes do est´agio n1)
bn=cn1(2.83)
Rodney Carlos Bassanezi 111
Figura 2.44: Dinˆamica populacional de peixes (til´apia).
Estas considera¸oes podem ser visualizadas no esquema da figura 2.44:
Considerando as taxas de mortalidade
(1 δ): taxa de mortalidade de adultos;
(1 β): taxa de mortalidade de alevinos;
(1 γ): taxa de perda de ovos,
obtemos o sistema linear de ordem 3:
an=δan1+βbn1
bn=cn1
cn=γan1+γβbn1
(2.84)
1Para um desenvolvimento maior da teoria das equa¸oes de diferen¸cas e aplica¸oes, veja: Goldberg, S
Introduction to Difference Equations, Dover, N. York, 1986 [11].
112 Modelagem Matem´atica
com autovalores dados pelas ra´ızes da equa¸ao caracter´ıstica:
|(JλI)|=¯¯¯¯¯¯
δ β 0
0 0 1
γ γβ 0
+
λ0 0
0λ0
0 0 λ
¯¯¯¯¯¯= 0,
onde, J´e denominado jacobiano da equa¸ao (2.84).
¯¯¯¯¯¯
δλ β 0
0λ1
γ γβ λ¯¯¯¯¯¯= 0 λ3+λ2δ+βγ +γβλ γβδ = 0,
ou seja, o polinˆomio caracter´ıstico de (2.84) ´e dado por:
λ3+λ2δ+γβλ =γβ(δ1) (2.85)
Observa¸ao 2.13. Se os valores dos parˆametros γ,δ,βao conhecidos ent˜ao o alculo das
ra´ızes de (2.85) pode ser feito por etodos num´ericos (Newton-Raphson, Gauss, bisseoes
etc) [12]. Todavia, nem sempre a solu¸ao expl´ıcita ´e a mais conveniente. Neste caso, por
exemplo, uma tabela de dados e gr´aficos pode ser facilmente construida com algum programa
computacional (experimente!).
Exemplo 2.14. seq¨encia de Fibonacci e o umero ´aureo
Leonardo de Pisa (1175–1250) ´e considerado um dos matem´aticos mais criativos do
mundo crist˜ao medieval conhecido como Fibonacci, publicou em 1202 o livro Liber Abaci
(Livro de ´
Abacos) onde encontra-se o problema que deu origem `a sua famosa seq¨encia
num´erica Quantos coelhos haver´a em um ano, come¸cando com um o casal, se em cada
es cada casal adulto gera um novo casal, o qual se tornar´a produtivo em dois meses?
Este problema, semelhante ao das til´apias, pode ser formulado em termos de uma equa¸ao
de diferen¸cas
yn+1 =yn+yn1com y0= 1 e y1= 1,(2.86)
onde yn´e o n´umero de casais adultos no est´agio ncom nN.
Esta equa¸ao recursiva gera a seguinte seq¨encia crescente:
1,1,2,3,5,8,13,21,34, . . .
conhecida como seq¨encia de Fibonacci.
A solu¸ao da equa¸ao (2.86) ´e obtida em termos de seus auto-valores, ra´ızes do polinˆomio
caracter´ıstico:
λ2λ1 = 0
λ1=1 + 5
2eλ2=15
2
e portanto, a solu¸ao geral de (2.86) ´e dada por:
yn=n
1+n
2.
Rodney Carlos Bassanezi 113
Considerando as condi¸oes iniciais y0= 1 e y1= 1, temos
1 = A+B
1 = AÃ1 + 5
2!+BÃ15
2!
Resolvemos o sistema, obtemos:
A=5+1
25eB=51
25
Logo, a solu¸ao particular de (2.86) ´e
yn=1
5Ã1 + 5
2!n+1
1
5Ã15
2!n+1
(2.87)
Observamos que λ1>1 e 1< λ2<0; assim, o autovalor dominante ´e λ1pois |λ1|>
|λ2|, o que garante que a seq¨encia de Fibonacci {yn}n0´e crescente e ao limitada, e
portanto ao convergente.
A raz˜ao dos termos sucessivos da seq¨encia de Fibonacci fornece uma nova seq¨encia
que ´e convergente
bn=yn+1
yn1 + 5
2
De fato, seja φ= limn→∞ bn>0. Portanto
1
φ= lim
n→∞
1
bn
= lim
n→∞
yn
yn+1
Agora, como ynsatisfaz `a equa¸ao (2.86), ent˜ao
φ= lim
n→∞
yn+1
yn
= lim
n→∞
yn+yn1
yn
= 1 + lim
n→∞
yn1
yn
= 1 + 1
φ
Logo, o valor do limite de bndeve satisfazer `a equa¸ao
φ= 1 + 1
φou φ2=φ+ 1 (2.88)
Como φ > 0, ent˜ao
φ=1 + 5
2= 1.61803 . . .
ou seja,
lim
n→∞
yn+1
yn
=1 + 5
2(n´umero ´aureo).
114 Modelagem Matem´atica
Acredita-se que foi Kepler (1571–1630) o primeiro a estabelecer a rela¸ao entre a
seq¨encia de Fibonacci e o umero ´aureo φ=1 + 5
2, analisando o crescimento de de-
terminadas plantas.
Observamos que φ´e a raiz positiva da equa¸ao (2.88), isto ´e,
φ2=φ+ 1 φ= 1 + 1
φ1
φ=φ1.
O umero 1
φ´e denominado se¸ao ´aurea
1
φ=φ1 = 1.61803 1 = 0.61803 . . .
A sec¸ao ´aurea est´a relacionada com a divis˜ao de um segmento AB, obedecendo a seguinte
propor¸ao:
AB
AC =AC
CB (2.89)
B
1 - x
C
x
A
Figura 2.45: Sec¸ao ´aurea.
Consideremos AB = medida (AB) = 1 (unidade de medida) e AC = medida (AC) = x.
De (2.89) temos 1
x=x
1xx2= 1 x,
cuja solu¸ao positiva ´e a se¸ao ´aurea
x=1 + 5
2=2
1 + 5=1
φ= 0.61803 . . .
Um retˆangulo ´aureo ´e aquele cujos lados a, b obedecem `a “divina propor¸ao”
a=1
φb b=aφ. (2.90)
Para os gregos o retˆangulo ´aureo representava a “lei matem´atica” da beleza e do equil´ıbrio
e era frequente em sua arquitetura cl´assica. A figura 2.46 abaixo mostra o Parthenon limitado
por um retˆangulo ´aureo.
Um retˆangulo ´aureo tem a propriedade de poder ser subdividido em infinitos retˆangulos
´aureos:
Rodney Carlos Bassanezi 115
Figura 2.46: O Parthenon.
Seja R1o retˆangulo de lados a1=β1
φeb1=β
Se retirarmos de R1o quadrado de lado β1
φobtemos um novo retˆangulo R2de lados
b2=β1
φea2ββ1
φ=βµ11
φ.
Como 1 1
φ=φ1
φ=
1
φ
φ=1
φ2, ent˜ao
a2
b2
=β1
φ
β1
φ2
=1
φ.
Portanto, R2tamem ´e um retˆangulo ´aureo.
E assim, sucessivamente, formamos uma seq¨encia de retˆangulos ´aureos Rnde lados
bn=β
φn1ean=β
φn.
E portanto A(R1) = soma das ´areas de infinitos quadrados distintos, formado pelos lados
menores dos sub-retˆangulos Rn.
Exerc´ıcio: Mostre que a erie geom´etrica
X
n=0
1
φnconverge para φ2.
116 Modelagem Matem´atica
Figura 2.47: Retˆangulo ´aureo.
Exerc´ıcio: Mostre que qualquer redu¸ao (ou amplia¸ao) de um retˆangulo ´aureo ´e tamb´em
um retˆangulo ´aureo.
Exerc´ıcio: Seja Pum paralelep´ıpedo de lados α,β,γ. Dizemos que P´e ´aureo se o retˆangulo
de lados αeβe o retˆangulo de lados γed=pα2+β2forem ´aureos. Seja Ro retˆangulo
´aureo de lados αeβ. Determine o valor de γpara que o paralelep´ıpedo de lados α, β eγ
seja ´aureo.
Projeto 2.1. Modelo de Propaga¸ao anual de Plantas Sazonais [13]
Determinadas plantas produzem sementes no final do ver˜ao quando ent˜ao morrem. Uma
parte destas sementes sobrevivem no inverno e algumas delas germinam, dando origem a
uma nova gera¸ao de plantas. A fra¸ao que germina depende da idade das sementes. Cada
est´agio do ciclo de vida das plantas est´a esquematizado na figura abaixo:
Parˆametros:
γ: n´umero de sementes produzidas por cada planta em maio;
σ: fra¸ao de sementes que sobrevivem em cada inverno;
α: fra¸ao de sementes de um ano que germinam;
β: fra¸ao de sementes de 2 anos que germinam.
Formule o modelo matem´atico em forma de equa¸oes de diferen¸cas do umero de plantas
e umero de sementes (de um e dois anos).
Rodney Carlos Bassanezi 117
Figura 2.48: Propaga¸ao de plantas.
Considere a seguinte hip´otese: sementes germinam somente at´e a idade de 2 anos, sendo
que a grande maioria germina com um ano (β/α ´e bem pequeno).
2.5.3 Equa¸oes de Diferen¸cas ao-lineares (1a
¯ordem) - esta-
bilidade
Uma equa¸ao de diferen¸cas ao-linear de 1a
¯ordem ´e uma ormula de recorrˆencia do tipo
yn+1 =f(yn) (2.91)
onde f´e uma combina¸ao ao linear de yn(quadr´atica, potˆencias, exponenciais etc).
A solu¸ao de (2.91) ´e uma express˜ao que relaciona yney0(condi¸ao inicial), para cada
est´agio n. Geralmente, ao ´e poss´ıvel obter tal solu¸ao diretamente quando se trata de
equa¸oes ao lineares.
Uma maneira de analisar estas equa¸oes ´e atrav´es de seus pontos de equil´ıbrio. No
contexto das equa¸oes de diferen¸cas tem-se a estabilidade do processo quando ao ocorre
varia¸oes do est´agio npara o est´agio n+ 1, isto ´e, quando
yn+1 =yn=y(2.92)
Da equa¸ao (2.91), tem-se um ponto de equil´ıbrio yquando
y=f(y) (2.93)
isto ´e, y´e um ponto fixo da fun¸ao f.
118 Modelagem Matem´atica
Uma maneira simples para determinar os pontos de equil´ıbrio de uma equa¸ao ao-linear
´e atrav´es dos gr´aficos de Lamerey.
Consideramos, no sistema cartesiano, os valores de ynno eixo das abscissas e yn+1 no
eixo das ordenadas e obtemos o gr´afico ajustado de yn+1 =f(yn). Os pontos de equil´ıbrio
ao dados pela interse¸ao do gr´afico de fcom a bissetriz yn+1 =yne um processo an´alogo
ao etodo de Ford-Walford)
Figura 2.49: Ponto fixo y=yn+1 =f(yn+1).
Observamos que no gr´afico 2.49 temos dois pontos fixos de f:y= 0 e ycom carac-
ter´ısticas diversas; dado qualquer valor inicial y0, a seq¨encia ynobtida por recorrˆencia, se
afasta de y= 0 e se aproxima do valor y. Dizemos que y= 0 ´e um ponto de equil´ıbrio
inst´avel ey´e assintoticamente est´avel.
A estabilidade de um ponto de equil´ıbrio ypode ser determinada pelo valor do odulo
de
λ=·df(yn)
dyn¸yn=y
(2.94)
λ= coeficiente angular da reta tangente `a curva f(yn) no ponto y.
O parˆametro λ´e o autovalor do equil´ıbrio yda equa¸ao (2.91).
Temos:
Rodney Carlos Bassanezi 119
a. Se 0 <|λ|<1, y´e localmente assintoticamente est´avel, isto ´e, se ynest´a “pr´oximo”de
yent˜ao yny(ynconverge para y).
Ainda, se 0 <λ<1 ent˜ao a convergˆencia ´e mon´otona (figura 2.50); se 1<λ<0, a
convergˆencia ´e oscilat´oria (figura 2.51),
Figura 2.50: 0 < λ < 1: y´e o
ponto de equil´ıbrio assintoticamente
est´avel convergˆencia mon´otona.
Figura 2.51: 1< λ < 0: con-
vergˆencia oscilat´oria.
b. Se |λ|>1, o ponto de equil´ıbrio y´e inst´avel (repulsor) figuras 2.52 e 2.53.
c. Se |λ|= 1, o ponto de equil´ıbrio ´e neutramente est´avel, ou simplesmente est´avel.
Neste caso, a seq¨encia yn, a partir de algum n, oscila em torno do ponto yque ´e
denominado centro de um ciclo limite (figura 2.54).
Equa¸ao Log´ıstica Discreta
Consideremos a equa¸ao de diferen¸cas ao linear
yn+1 =f(yn) = ryn(1 yn),com r > 0.(2.95)
Os pontos de equil´ıbrio de (2.95) ao dados pelos pontos fixos de fou seja,
y=f(y) = ry(1 y)
120 Modelagem Matem´atica
Figura 2.52: λ > 1: ponto de equil´ıbrio
inst´avel.
Figura 2.53: λ < 1: equilibrio oscilante
inst´avel.
ou
ry2y(r1) = 0 y[ry(r1)] = 0.
Portanto,
y
1= 0 (ponto trivial) e y
2= 1 1
r(ponto ao trivial) (2.96)
Os autovalores associados `a equa¸ao (2.95) ao dados por
λ=df(yn)
dyn¸yn=y
=r2ryn¸yn=y
.(2.97)
Para y
1= 0, λ1=r;
Para y
2= 1 1
r, λ2= 2 r.
Ent˜ao,
a. Se 0 < r < 1 o ponto y
1= 0 ´e assintoticamente est´avel e y
2<0 ´e inst´avel;
b. Se r= 1, y
1=y
2= 0 ´e um centro de um ciclo limite;
Rodney Carlos Bassanezi 121
Figura 2.54: λ=1: ciclo limite.
c. Se r > 1, y
1´e inst´avel e y
2´e assintoticamente est´avel se
|λ2|=|2r|<1 1< r < 3;
Figura 2.55: y´e assintoticamente est´avel. Figura 2.56: Ciclo de 2 pontos.
122 Modelagem Matem´atica
yn+1 = 3.4yn(1 yn)
Figura 2.57: Bifurca¸ao.
yn+1 = 3.9yn(1 yn)
Figura 2.58: Caos.
d. Se r= 3 y
2= 1 1
3=2
3eλ2=1, aparecem oscila¸oes de per´ıodo 2 (ciclos de 2
pontos), isto ´e, satisfazem o sistema
½yn+1 =f(yn)
yn+2 =yn(2.98)
ou seja,
yn+2 =f(yn+1) = f(f(yn)) = yn(2.99)
e
y
2=f(f(y
2))
´e um ponto fixo de f2.
O modelo log´ıstico discreto, dado pela equa¸ao (2.95), ´e um dos mais simples exemplos de
equa¸oes de diferen¸cas ao-lineares e podemos notar a complexidade de seu desenvolvimento
quando variamos o parˆametro r. A formula¸ao de modelos matem´aticos com equa¸oes de
diferen¸cas ganhou for¸ca a partir dos trabalhos desenvolvidos por R. M. May (1975–1976)
sobre a dinˆamica populacional de certos insetos que ao em gera¸oes que se sobrep˜oe e seus
elementos ao gerados periodicamente [15].
Omodelo geral de May ´e formulado considerando que:
Rodney Carlos Bassanezi 123
A varia¸ao da popula¸ao entre duas gera¸oes sucessivas depende do crescimento
espec´ıfico da popula¸ao e da competi¸ao entre seus elementos”.
O modelo log´ıstico discreto ´e um caso particular do modelo geral de May. De fato, a
equa¸ao:
Pt+1 Pt=aPtbP 2
t, a > 0 e b > 0 (2.100)
obedece as condi¸oes do modelo geral.
A ormula de recorrˆencia (2.100) pode ser dada por
Pt+1 = (a+ 1)Ptµ1b
a+ 1Pt.(2.101)
Podemos obter uma admensionaliza¸ao deste modelo, considerando a seguinte mudan¸ca de
parˆametros e vari´aveis:
a+ 1 = r(taxa de crescimento intraespec´ıfica) e b
a+ 1Pt=Nt.(2.102)
k=a+ 1
b´e denominada capacidade suporte da popula¸ao.
Considerando estas express˜oes na equa¸ao (2.101), obtemos
r
bNt+1 =rr
bNt(1 Nt) (2.103)
ou
Nt+1 =rNt(1 Nt) (2.104)
A equa¸ao (2.104) ´e o modelo log´ıstico discreto analizado anteriormente.
Modelos gerais discretos de dinˆamica populacional, onde a popula¸ao sofre um processo
de autoinibi¸ao, ao formulados com equa¸oes de diferen¸cas ao lineares da forma:
Pt+1 =f(Pt) = PtF(Pt) (2.105)
Em tais modelos espera-se que f(Pt) cres¸ca at´e um valor aximo Pmax e depois decres¸ca
(figura 2.59).
O estudante interessado em se aprofundar no estudo de modelos de dinˆamica populacional
com equa¸oes de diferen¸cas poder´a recorrer aos excelentes livros de L. Edelstein-Keshet [13]
e J. D. Murray [16].
Projeto 2.2. Considere o modelo discreto de May (1975)
Pt+1 =Ptf(Pt),
onde, f(Pt) = exp £r¡1Pt
k¢¤´e densidade-dependente.
Fca um estudo deste modelo:
a. Desenhe fcomo fun¸ao de Pt;
124 Modelagem Matem´atica
Figura 2.59: Forma t´ıpica de f(Pt) em modelos discretos.
b. Mostre que Ptcresce somente se Pt< k;
c. Mostre que P=k´e um ponto de equil´ıbrio da equa¸ao;
d. Determine condi¸oes sobre rekpara que P=kseja assintoticamente est´avel;
e. Escolha reke use o programa Excel, ou mesmo uma calculadora para determinar
valores sucessivos de Pt;
f. Desenhe os gr´aficos de Lamerey relacionando Pt+1 com Pt.
Mais informa¸oes sobre os gr´aficos de Lamerey e estabilidade das equa¸oes de diferen¸cas,
veja [13] e [14].
2.6 Equa¸oes Diferenciais Ordin´arias
Modelos Matem´aticos, em termos de equa¸oes diferenciais ao adequados quando as
situa¸oes modeladas envolvem vari´aveis cont´ınuas evoluindo em rela¸ao a outras vari´aveis
cont´ınuas. As rela¸oes entre as vari´aveis dependentes e independentes ao obtidas atrav´es
de hip´oteses formuladas a respeito das taxas de varia¸oes instantˆaneas.
Quando temos apenas uma vari´avel independente, o modelo matem´atico ´e dado em
termos de equa¸oes diferenciais ordin´arias (EDO).
ao ´e o prop´osito deste texto apresentar um estudo pormenorizado das EDO, o que pode
ser encontrado, de uma forma bem did´atica, em um rol suficientemente grande de bons livros
([17], [18], [19], [14], etc). O que pretendemos, tamb´em neste par´agrafo, ´e despertar no leitor
a curiosidade e motiva¸ao suficientes para que a busca de conhecimentos novos ou esquecidos
seja expontaneamente natural e agrad´avel.
Rodney Carlos Bassanezi 125
Se o modelo matem´atico ´e uma equa¸ao diferencial, nem sempre podemos obter in-
forma¸oes ou proje¸oes da realidade modelada atrav´es da solu¸ao expl´ıcita desta equa¸ao.
Na verdade, somente um grupo reduzido de equa¸oes diferenciais admite solu¸oes na forma
de uma fun¸ao analiticamente expl´ıcita. Neste grupo est˜ao incluidos os modelos mais simples
e que ao apenas um esbco das situa¸oes ou fenˆomenos analisados. Em geral, a fidelidade
de um modelo com rela¸ao `a realidade retratada ´e proporcional `a complexidade matem´atica
do modelo. O que se procura numa modelagem ´e estabelecer um ponto de partida com
modelos simples, ao comprometedores e que possam ser modificados conforme os objetivos
ao sendo ampliados.
No grupo dos modelos simples encontram-se as equa¸oes diferenciais lineares e uma
parte das equa¸oes autˆonomas. De qualquer forma, modelos mais complexos sempre podem
ser “resolvidos” numericamente por meio de algum procedimento iterativo. A aplica¸ao
de etodos computacionais na resolu¸ao de equa¸oes diferenciais tem favorecido substan-
cialmente a evolu¸ao dos modelos, dando-lhes maior credibilidade e consequentemente sua
utiliza¸ao tem sido ampliada nas mais variadas ´areas do conhecimento.
Vamos mostrar aqui, atrav´es de exemplos simples, uma quest˜ao fundamental na mode-
lagem de processos evolutivos a analogia2. Quando se conhece bem os modelos cl´assicos
tem-se muito mais facilidade em modelar situa¸oes novas mesmo porque uma ´unica equa¸ao
variacional (diferencial ou de diferen¸cas) pode servir de modelo para situa¸oes de naturezas
diversas, mas an´alogas em termos evolutivos. A importˆancia da analogia como instrumento
de transferˆencia de conhecimentos ´e marcante em qualquer situa¸ao de aprendizagem -
aprende-se uma l´ıngua nova muito mais facilmente quando a se conhece bem outras ınguas.
Boa parte da evolu¸ao e competˆencia do que se convencionou chamar de Matem´atica Apli-
cada ´e baseada nos paradigmas ou modelos cl´assicos provenientes da F´ısica. A Matem´atica
fornece a linguagem comum neste processo.
2.6.1 Equa¸oes Diferenciais Ordin´arias de 1a
¯ordem
Aordem de uma equa¸ao diferencial ´e estabelecida pela maior ordem das derivadas que
aparecem em sua formula¸ao. Assim, uma equa¸ao diferencial ordin´aria de 1a
¯ordem tem a
forma geral dada por
dy
dx =f(x, y) (2.106)
Resolver a equa¸ao (2.106) consiste em encontrar curvas y=g(x), de modo que a dire¸ao
da reta tangente em cada ponto de uma destas curvas coincida com o valor pr´e estabelecido
pela fun¸ao f(x, y ) neste ponto. A fam´ılia de todas as curvas que satisfazem (2.106) ´e
denominada solu¸ao geral de (2.106). Quando fixamos um ponto do plano P0= (x0, y0), se
existir uma curva que passa por P0e satisfaz a equa¸ao (2.106) ela ´e denominada solu¸ao
2Mais informa¸oes e exemplos de procedimentos anal´ogicos o leitor pode encontrar em Polya, G., Induc-
tion and Analogy in Mathematics, Princeton Univ. Press, 1953 [20].
126 Modelagem Matem´atica
particular do problema de Cauchy:
dy
dx =f(x, y)
y(x0) = y0
(2.107)
Se a fun¸ao f(x, y) for cont´ınua em um conjunto aberto DR2ef
∂y (x, y ) tamem
for cont´ınua em D, ent˜ao para todo ponto (x0, y0)Do problema de Cauchy (2.107)
tem solu¸ao ´unica (Teorema de Existˆencia e Unicidade). A resolu¸ao de (2.107) pode ser
relativamente simples, dependendo da express˜ao que define f(x, y ).
Se f(x, y) = F(x) ent˜ao (2.107) pode ser resolvida, considerando o processo inverso da
diferencia¸ao, denominado antidiferencia¸ao ou integra¸ao indefinida:
df(x)
dx =F(x)df =F dx f(x) = ZF(x)dx (2.108)
Lembramos ainda que, se duas fun¸oes f(x) e g(x) em a mesma derivada em um intervalo,
ent˜ao f(x) = g(x)+ cneste intervalo, onde c´e uma constante arbitr´aria. Ent˜ao, se xIR
f0(x) = g0(x) f(x) = g(x) + c, x I.
Portanto uma equa¸ao diferencial pode admitir infinitas solu¸oes (uma para cada valor da
constante c). Quando estabelecemos uma condi¸ao inicial y(x0) = y0estamos interessados
em conhecer uma solu¸ao particular que satisfaz esta condi¸ao dada. O seguinte exemplo ´e
para esclarecer melhor este fato.
Exemplo 2.15. Eficiˆencia de um operador de aquinas
A eficiˆencia E(em porcentagem) de um operador de aquinas varia com o tempo de
trabalho realizado durante um dia (8 horas). Suponhamos que a eficiˆencia seja crescente
nas 4 primeiras horas de trabalho e depois decres¸ca nas 4 horas restantes, isto ´e,
dE
dt = 40 10t(2.109)
onde t´e o n´umero de horas de trabalho do operador.
Observe que dE
dt >0 se 0 t < 4 e dE
dt <0 se 4 < t 8.
a. Para determinar E=E(t), isto ´e, a eficiˆencia em qualquer instante t, integramos a
equa¸ao (2.109) e obtemos
E(t) = Z(40 10t)dt = 40t5t2+c(2.110)
Assim, para cada valor da constante ctemos uma solu¸ao E(t), conforme figura 2.60.
A reta tangente no ponto (t0; 40t05t2
0+c) tem coeficiente angular igual a (40 10t0)
para qualquer uma das curvas E(t).
Rodney Carlos Bassanezi 127
Figura 2.60: E(t) = 40 5t2+c: curvas de eficiˆencia de operadores de aquinas.
b. Suponhamos que, para uma tarefa espec´ıfica, um operador tenha uma eficiˆencia de
72% depois de haver trabalhado 2hs, isto ´e, E(2) = 72. Ent˜ao, usando a express˜ao
geral (2.110) de E(t),obtemos
E(2) = 40 ×25×22+c= 72 =c= 12
e portanto,
E(t) = 40t5t2+ 12 (2.111)
´e a equa¸ao da eficiˆencia deste operador particular realizando esta tarefa espec´ıfica.
c. Se queremos agora conhecer a eficiˆencia deste operador ap´os 8 horas de trabalho,
aplicamos este valor na equa¸ao acima e obtemos:
E(8) = 40 ×85×82+ 12 = 12
ou seja, este operador tem uma eficiˆencia de 12% no final do expediente que, neste
caso espec´ıfico, ´e igual `a sua eficiˆencia no in´ıcio (t= 0).
d. Sua eficiˆencia ser´a axima depois de 4 horas, E(4) = 92 (verifique).
128 Modelagem Matem´atica
Quando f(x, y) = f1(x)f2(y) ent˜ao podemos escrever (2.106) na forma diferencial com vari´aveis sep-
aradas 1
f2(y)dy =f1(x)dx
e buscar solu¸ao atrav´es da integra¸ao destas formas,
Z1
f2(y)dy =Zf1(x)dx
desde que 1
f2(y)seja bem definida no intervalo de interesse.
Se f(x, y) depende somente da vari´avel y, a equa¸ao (2.106) ´e denominada autˆonoma.
Infelizmente, nem todo modelo dado por equa¸oes diferenciais pode ser resolvido por
meio de uma simples integra¸ao como demonstramos at´e o momento. “M´etodos gerais”de
resolu¸ao anal´ıtica de equa¸oes diferenciais ao na verdade, espec´ıficos para determinados
tipos de equa¸oes, por exemplo, as equa¸oes (ou sistemas) lineares. De uma maneira geral,
obtemos a solu¸ao anal´ıtica de uma equa¸ao diferencial ao-linear se conseguirmos, atrav´es
de alguma mudan¸ca de vari´aveis, transform´a-la numa equa¸ao linear. Caso contr´ario sua
resolu¸ao, a ao ser em alguns casos particulares, somente pode ser obtida por etodos
num´ericos computacionais, o que torna o estudo das equa¸oes lineares muito importante!
Como a dissemos anteriormente, vamos enfatizar, atrav´es de exemplos simples, o pro-
cesso de analogia para a formula¸ao de modelo matem´aticos. Nosso objetivo ´e mostrar que
uma mesma equa¸ao diferencial pode servir para modelar situa¸oes distintas, mas que ao
fenot´ıpicas em rela¸ao as suas manifesta¸oes variacionais.
Modelos de Crescimento (ou decaimento) Exponencial
Os modelos cont´ınuos de crescimento ou decaimento exponencial ao formulados pela
equa¸ao autˆonoma dy
dx =ky (2.112)
Exemplo 2.16. Desintegra¸ao radioativa
Quando observamos a desintegra¸ao (varia¸ao) de uma substˆancia radioativa, podemos
constatar que o umero de desintegra¸oes por unidade de tempo ´e proporcional `a quanti-
dade de substˆancia presente em cada instante”. Assim, se x=x(t) representa a quantidade
de uma substˆancia radioativa presente em cada instante t, o modelo matem´atico que repre-
senta o fenˆomeno de desintegra¸ao ´e dado por
dx(t)
dt =αx(t) (2.113)
onde dx
dt ´e a varia¸ao instˆantanea (desintegra¸ao) sofrida pela substˆancia e o parˆametro
α > 0 representa o coeficiente de proporcionalidade, que ´e constante para cada substˆancia
Rodney Carlos Bassanezi 129
espec´ıfica. Usamos o sinal negativo porque o no
¯de ´atomos diminui com o passar do tempo
e, portanto dx
dt <0.
Exemplo 2.17. Crescimento Celular
Se considerarmos m=m(t) a massa de uma popula¸ao celular que se desenvolve num
ambiente ideal, onde as substˆancias qu´ımicas passam rapidamente atrav´es das membranas
celulares, podemos supor que seu crescimento seja determinado somente pela velocidade do
metabolismo dentro de cada elula. Como o rendimento do metabolismo depende da massa
das elulas participantes ´e razo´avel supor que a taxa de crescimento da massa celular ´e
proporcional a sua massa da cada instante”, o que nos leva a um modelo an´alogo `a equa¸ao
(2.113):
dm(t)
dt =αm(t) (2.114)
onde α > 0 ´e a constante de proporcionalidade do metabolismo.
Exemplo 2.18. Capitaliza¸ao
Seja c=c(t) um capital aplicado continuamente, com um juro rpor unidade do montante
por unidade de tempo, ent˜ao
c(t+ t) = c(t) + rc(t)∆t+θ(∆t)
´e o capital num intervalo de tempo (t, t+ t), onde θ(∆t) ´e um infinitesimal que se aproxima
de zero quando t0. Logo,
lim
t0
c(t+ t)c(t)
t=rc(t)
ou de outra forma dc
dt =rc (2.115)
o que nos permite dizer, em analogia com as equa¸oes (2.113) e (2.114) que a varia¸ao de
um montante, capitalizado continuamente, ´e proporcional ao seu valor a cada instante”.
As trˆes situa¸oes analisadas (exemplos anteriores) em em comum o mesmo modelo
matem´atico (2.112) que ´e a formula¸ao da express˜ao geral:
A varia¸ao instantˆanea (crescimento ou decrescimento) de uma vari´avel dependente
y, em rela¸ao a uma vari´avel independente x, ´e proporcional a y”.
Se considerarmos que a solu¸ao y=y(x) deva satisfazer alguma condi¸ao particular,
temos o problema de Cauchy:
dy
dx =ky
y(x0) = y0(condi¸ao inicial)
(2.116)
130 Modelagem Matem´atica
A solu¸ao y=y(x) de (2.116) ´e obtida por integra¸ao das formas diferenciais com
vari´aveis separadas, 1
ydy =kdx (y6= 0).
Integrando, no intervalo (x0, x), obtemos
Zx
x0
dy
y=Zx
x0
kdx
ou
ln y(x)ln y(x0) = k(xx0) ln y
y0
=k(xx0)
e portanto
y(x) = y0ek(xx0)(2.117)
´e a solu¸ao do problema de Cauchy (2.116) cujos gr´aficos ao dados na figura 2.61
Figura 2.61: Crescimento (ou decrescimento) linear desinibido.
Observamos que se y0= 0 a solu¸ao de (2.116) ser´a a fun¸ao constante y= 0.
Aplica¸ao 2.2. Considere um capital de valor inicial igual a c0aplicado a um juro de α%
ao es. Qual deve ser o juro di´ario, computado continuamente, para que o rendimento no
final do es seja igual ao do modelo discreto?
Solu¸ao:
Do modelo discreto (juros compostos) temos que
ct+1 =ct+αct= (1 + α)ctcom c0dado,
Rodney Carlos Bassanezi 131
cuja solu¸ao ´e
ct=c0(1 + α)t,
onde t´e o tempo dado em meses.
O modelo cont´ınuo (2.116) fornece como solu¸ao:
c(t) = c0ekt.
Para que tenhamos o mesmo rendimento no final de 30 dias em ambos os modelos devemos
ter:
c0(1 + α) = c0e30k
ou
ln(1 + α) = 30k=k=ln(1 + α)
30 .
Crescimento (ou decrescimento) linear inibido
Os modelos de crescimento inibido pressup˜oem que a solu¸ao seja assint´otica, isto ´e,
a vari´avel dependente tende a se estabilizar quando a vari´avel independente cresce. A
formula¸ao matem´atica mais simples de fenˆomenos que em esta propriedade´e dada pela
equa¸ao diferencial autˆonoma
dy
dx =ay +bcom a
b<0 (2.118)
Exemplo 2.19. Resfriamento (Lei de Newton)
Consideremos um corpo sem aquecimento interno e cuja temperatura, em cada instante,
´e mais elevada que a temperatura ambiente. De acordo com a Lei de Newton de resfriamento:
a taxa de varia¸ao da temperatura do corpo ´e proporcional `a diferen¸ca entre a temperatura
T(t)e a temperatura do meio ambiente Ta, em cada instante t.
A formula¸ao matem´atica do modelo de Newton ´e dada por:
dT (t)
dt =k(T(t)Ta) (2.119)
onde a constante de resfriamento (ou aquecimento) k´e caracter´ıstica do corpo considerado.
Tomamos k > 0 pois se T > Taent˜ao dT
dt <0 (o corpo esfria) e se T < Taent˜ao dT
dt >0 (o
corpo esquenta).
Observamos que a onica principal deste modelo est´a no fato que a tendˆencia da tem-
peratura do corpo ´e de atingir a temperatura ambiente quando ent˜ao ao mais varia, isto
´e,
T(t) = Ta dT
dt = 0.(2.120)
A temperatura ambiente Ta´e a temperatura de equil´ıbrio ou temperatura estacion´aria.
132 Modelagem Matem´atica
Exemplo 2.20. Aprendizagem
Aprendizagem ´e um conceito complexo e objeto principal da ´area de Educa¸ao. Consid-
eremos, como hip´otese simplista, que a aprendizagem ´e a varia¸ao positiva do conhecimento.
Assim, dado um programa finito de conhecimentos quantificados e sequenciados, podemos
inferir que a aprendizagem ´e proporcional `a quantidade de conhecimentos que ainda restam
para completar o programa curricular”.
Seja A=A(t) a quantidade de conhecimentos acumulados no instantes teAo con-
hecimento total do programa estabelecido. Podemos considerar tamb´em que no in´ıcio do
processo de aprendizagem do programa A(0) = A0(conhecimento inicial). A tendˆencia
esperada nesta situa¸ao ´e que A(t) cres¸ca com o tempo e se aproxime de A.
A analogia desta situa¸ao com o fenˆomeno do resfriamento de um corpo, nos leva ao
seguinte modelo
dA
dt =β(AA)
A(0) = A0
(2.121)
onde β > 0 ´e a constante de aprendizagem, caracter´ıstica de cada indiv´ıduo e (AA(t)) ´e
o conte´udo que resta para se aprender, no instante t.
Neste caso, dA
dt >0 pois o ac´umulo do conhecimento ´e crescente e estamos supondo que
A(t)< Aem cada instante t. Ainda,
dA
dt = 0 A(t) = A
ou seja, a aprendizagem ´e nula quando todo o programa ´e conhecido!
Exemplo 2.21. Difus˜ao atrav´es de membranas
A mesma analogia anterior pode ser encontrada na formula¸ao da Lei de Fick para difus˜ao
de materiais atrav´es de membranas perme´aveis:
O fluxo atrav´es de uma membrana ´e proporcional `a ´area da membrana e `a diferen¸ca
da concentra¸ao dos meios separados por ela, se esta diferen¸ca for pequena”.
Em se tratando da difus˜ao de materiais atrav´es de membranas celulares o processo ´e bas-
tante complicado e o modelo matem´atico obtido atrav´es da lei de Fick pode ser considerado
como uma aproxima¸ao simplista da realidade. Suponhamos que uma elula de volume v
(constante) est´a suspensa em um meio ıquido homogˆeneo de concentra¸ao ce(constante).
A concentra¸ao de materiais no interior da elula ´e dado por
c(t) = m(t)
v(2.122)
onde m(t) ´e a massa celular em cada instante t.
O processo de difus˜ao estabelece a existˆencia de um fluxo de mol´eculas atrav´es da mem-
brana celular em ambas as dire¸oes, at´e que a concentra¸ao no interior da elula seja igual `a
Rodney Carlos Bassanezi 133
concentra¸ao do meio em que est´a suspensa. Vamos supor ainda que c(t)'0 para t= 0 ou
ent˜ao que a concentra¸ao do meio ıquido ao se altera com t, mantendo-se sempre constante
e igual a ce.
A varia¸ao da massa celular pode ser interpretada como a taxa de fluxo resultante da
difus˜ao das mol´eculas do soluto que entram e das que saem da elula. Assim, a Lei de Fick
´e modelada pela equa¸ao
dm
dt =αA(cec(t))
c(0) '0
(2.123)
onde A´e a ´area da membrana (supostamente constante) e α´e a constante de permeabilidade,
espec´ıfica para cada situa¸ao estudada.
Usando (2.122), podemos escrever o modelo (2.123) em termos da concentra¸ao
dc
dt =A
vα(cec(t))
c(0) '0
(2.124)
Tamb´em neste modelo temos que dc
dt = 0 c(t) = ce.
Os modelos lineares de crescimento (ou decrescimento) inibido podem ser resolvidos por
integra¸ao das formas diferenciais com vari´aveis separadas:
Consideremos o modelo geral
dy
dx =α(yy)
y(0) = y0eα > 0
(2.125)
Observamos que a fun¸ao y(t) = y´e uma solu¸ao de (2.125), denominada solu¸ao esta-
cion´aria ou de equil´ıbrio.
Se considerarmos agora y6=y, podemos estudar a equa¸ao diferencial, dada em (2.125),
na forma diferencial: dy
yy=αdx (2.126)
e portanto, Zx
0
dy
yy=Zx
0
αdx.
Resolvendo,
ln |yy(x)|+ ln |yy0|=αx
ou
ln ¯¯¯¯
yy0
yy(x)¯¯¯¯=αx =yy0
yy=eαx
134 Modelagem Matem´atica
e portanto yy(x) = eαx(yy0)
=y(x) = y(yy0)eαx.(2.127)
Observamos que em (2.127), se x= 0 ent˜ao y(0) = y0e quando x+ent˜ao yy.
O gr´afico da solu¸ao (2.127) ´e dado na figura 2.62:
y
x
y0 < y*
y0 > y*
y*
y0
Figura 2.62: Crescimento linear inibido.
Observa¸ao 2.14. O fato de ytender a ysomente quando x+pode dar a impress˜ao
que a equa¸ao (2.118) ao se presta para modelar situa¸oes reais de estabilidade. Entretanto,
em termos de modelagem matem´atica, x+deve ser interpretado por: xassume valores
grandes, relativamente `a evolu¸ao das vari´aveis analisadas”. Por exemplo, no modelo de
resfriamento (equa¸ao (2.119)) podemos considerar que a temperatura de um corpo atinge
a temperatura ambiente quando estiver bem pr´oxima desta temperatura, digamos T(t) =
±0.99Tae isto ocorre num tempo tfinito!
De fato, temos de (2.127) que a solu¸ao de (2.119) ´e dada por
T(t) = Ta+ (T0Ta)ekt, k > 0
Ta´e a temperatura ambiente e T0=T(0) ´e a temperatura inicial de um corpo. Seja to
tempo necess´ario para que T(t) = ±99
100Taent˜ao,
±99
100Ta= (T0Ta)ekt+Ta
logo
ekt=¯¯¯¯
1
100
Ta
(TaT0)¯¯¯¯= kt= ln ¯¯¯¯
Ta
100(TaT0)¯¯¯¯
e portanto
t=1
kln ¯¯¯¯
100(TaT0)
Ta¯¯¯¯(2.128)
Rodney Carlos Bassanezi 135
Aplica¸ao 2.3. O coeficiente de resfriamento de uma pessoa adulta quando morre ´e em
torno de k= 1.3. Se o ambiente onde est´a sendo velada est´a a uma temperatura de 22C,
podemos determinar o tempo que levar´a para que a temperatura do corpo seja 99% da
temperatura ambiente, supondo que T(0) = 36.5C.
Solu¸ao:
t=1
1.3ln ¯¯¯¯
100(22 36.5)
22 ¯¯¯¯=1
1.3ln 100 ×14.5
22 = 3.22hs
Observa¸ao 2.15. Quando consideramos T(t) = 99
100Taisto significa, em termos
num´ericos, que podemos considerar T(t) = Ta, com um erro relativo menor ou igual a
1%.
Se quizermos cometer um erro relativo menor ou igual a 0.1% devemos tomar ent˜ao
T(t) = 999
1000Ta. No exemplo do resfriamento do morto
t=1
1.3ln 1000 ×14.5
22 '5hs
Assim, 5hs seria o tempo necess´ario para que o corpo estivesse a uma temperatura T(t) =
Ta+ 0.001, ou seja, T(5) = 22.001C.
Os modelos de varia¸oes lineares utilizados at´e o momento ao casos particulares de
equa¸oes diferenciais autˆonomas
dy
dx =f(y)
y(x0) = y0
(2.129)
cujas solu¸oes ao dadas na forma impl´ıcita
x(y) = x(y0) + Zy
y0
1
f(z)dz. (2.130)
Os pontos y, onde f(y) = 0, ao chamados pontos estacion´arios ou singulares e ao
tamb´em solu¸oes de(2.118) (solu¸oes de equil´ıbrio).
Observamos que se f(y) ´e cont´ınua em y0edf
dy tamb´em ´e cont´ınua numa vizinhan¸ca de
y0ent˜ao, existe uma ´unica ϕ(x) tal que y=ϕ(x) ´e solu¸ao local de (2.129)3.
Observa¸ao 2.16. Seja a equa¸ao autˆonoma dada por
y0=ay +b.
A solu¸ao de equil´ıbrio desta equa¸ao ´e obtida quando y0= 0, ou seja, quando y=y=
b
a.
Substituindo yna equa¸ao, temos sua equivalente
y0=a(yy) (2.131)
3Veja Teorema de Existˆencia e Unicidade de solu¸ao para o problema de Cauchy em ([14]), pp. 23–24.
136 Modelagem Matem´atica
Equa¸oes com vari´aveis separadas
As equa¸oes de 1aordem com vari´aveis separadas ao da forma
y0=f(x)g(y).(2.132)
Tais equa¸oes tamb´em aparecem com certa frequˆencia no processo de modelagem. Neste par´agrafo vamos
examinar alguns exemplos simples formulados com este tipo de equa¸oes.
Exemplo 2.22. Princ´ıpio da Alometria
O princ´ıpio da alometria, muito utilizado em biomatem´atica, estabelece que, num mesmo
indiv´ıduo, a raz˜ao entre os crescimentos espec´ıficos (relativos) de seus ´org˜aos ´e constante”.
Sejam x(t) e y(t) os “tamanhos” dos ´org˜aos ou partes distintas do corpo de um mesmo
indiv´ıduo, num instante t. Ent˜ao, o modelo matem´atico que traduz o princ´ıpio da alometria
´e dado por: 1
x
dx
dt =α1
y
dy
dt (2.133)
com x(t)>0, y(t)>0 para todo t0, onde α´e a taxa de proporcionalidade do cresci-
mento relativo, ou coeficiente de alometria.
Na equa¸ao (2.133) as vari´aveis xeyao dependentes de t. Usando a regra da cadeia
podemos escrever (2.133) na forma de uma equa¸ao autˆonoma onde o tempo tao aparece
explicitamente, ou seja, dx
dy =αx
you dy
dx =1
α
y
x.(2.134)
Separando as vari´aveis e integrando, obtemos
Zdx
x=αZdy
y=ln x=αln y+k
onde k´e a constante de integra¸ao que pode ser escrita na forma k= ln a(a > 0). Ent˜ao,
ln x= ln(ayα)x=ayα(2.135)
A equa¸ao (2.135), solu¸ao de (2.134), fornece a rela¸ao alom´etrica entre as vari´aveis xey.
Exemplo 2.23. Crescimento de Peixes (modelo de von Bertalanffy)
O peso p(t) de cada esp´ecie de peixe, dado pelo modelo de von Bertalanffy estabelece que
“o crescimento do peso do peixe ´e proporcional `a ´area de sua superf´ıcie externa (anabolismo)
e o decaimento ´e proporcional `a energia consumida (catabolismo)
dp
dt =αA βp (2.136)
onde,
Rodney Carlos Bassanezi 137
A pesca esportiva (devolu¸ao de todos os pescados) e a pesca ecol´ogica (devolu¸ao dos peixes que
ainda ao procriaram) em atra´ıdo muitos adeptos ao Pantanal Matogrossense. O dourado (Salminus
maxillosus ), considerado o “rei do rio”, ´e um peixe voraz e de rara beleza. Pode atingir at´e 1 metro
de comprimento com 20 kg; seu tamanho m´ınimo para captura ´e 55 cm. ´
E o peixe mais cobi¸cado
pelos pescadores.
α´e a constante de anabolismo, representando a taxa de ıntese de massa por unidade
de ´area do peixe;
β´e a constante de catabolismo, representando a taxa de diminui¸ao da massa por
unidade de massa.
A ´area Ada superf´ıcie externa ´e proporcional a p2/3. Isto ´e dado pelo princ´ıpio da
alometria.
De fato: temos que
O peso ´e proporcional ao volume;
O volume ´e proporcional ao cubo do comprimento p=k1l3;
A ´area ´e proporcional ao quadrado do comprimento A=k2l2.
Portanto,
A=kp2/3
Ent˜ao, o modelo de von Bertalanfly para crescimento (em peso) de peixes ´e dado por
dp
dt =αp2/3βp. (2.137)
A equa¸ao (2.137) ´e autˆonoma de 1a
¯ordem e f(p) = αp2/3βp ´e ao linear em p.
138 Modelagem Matem´atica
A resolu¸ao de (2.137) segue os mesmos passos utilizados para a resolu¸ao de uma equa¸ao
geral de Bernoulli (veja em [14], pag. 79).
Considerando em (2.137) a mudan¸ca de vari´avel z=p12/3=p1/3, obtemos a equa¸ao
linear dz
dt =1
3(αβz)
cuja solu¸ao ´e dada por z=α
β+keβ
3t(verifique!).
E portanto, a solu¸ao geral de (2.137) ´e dada por
p(t) = µα
β3µ1 +
αeβ
3t3
.(2.138)
Quando t= 0, o valor de p(0) ´e desprez´ıvel. Considerando ent˜ao p(0) '0 podemos
determinar o valor da constante de integra¸ao k:
p(0) = 0 = µα
β3µ1 +
α3
k=α
β.
Usando este valor em (2.138), obtemos
p(t) = µα
β3³1eβ
3t´3.(2.139)
Quando tcresce, o peso do peixe tende a pmax =³α
β´3que ser´a seu peso aximo.
Para algumas esp´ecies de peixes o amadurecimento das onodas, condi¸ao necess´aria
para o acasalamento, acontece quando a varia¸ao do crescimento em peso ´e axima.
Em termos matem´aticos, o valor de p(t) que maximiza dp
dt ´e obtido considerando d2p
dt2= 0
(condi¸ao necess´aria);
Derivando duas vezes a equa¸ao (2.139), obtemos
d2p
dt2= 3 µβ
32
pmaxeβ
3t³1eβ
3t´³3eβ
3t1´.
Ent˜ao d2p
dt2= 0 t= 0 ou t=3 ln 3
β.
Temos ainda que dp
dt = 0 se t= 0 ou t+edp
dt >0 se t > 0. Ent˜ao, t=3 ln 3
β´e
um ponto de inflex˜ao da curva p(t) e
p(t) = pmax(1 eln3)3= 0.296pmax .
Rodney Carlos Bassanezi 139
O controle de pesca, muitas vezes, ´e baseado nos alculos efetuados acima. Por exemplo,
no pantanal matogrossense um pac´u o pode ser pescado se tiver com peso superior a 3kg.
Considera-se que
p(t) = 3 =pmax =3
0.296 '10kg
e que um peixe, desta esp´ecie, com menos de 3kg ainda ao procriou.
Figura 2.63: Crescimento em peso de peixes.
Do Princ´ıpio da Alometria, podemos obter tamb´em um modelo para o crescimento em
tamanho (comprimento do peixe).
Consideremos a rela¸ao alom´etrica:
l(t) = b[p(t)]λ,obtida de λ
dp
dt
p=
dl
dt
l.
Aplicando esta rela¸ao em (2.137), obtemos
λαp2/3βp
p=
dl
dt
l=λ(αp1/3β)l=dl
dt.
O valor de λdepende da esp´ecie considerada, variando com a forma do peixe, λ < 1
3
se tem a forma “arredondada” e λ > 1
3se for longel´ıneo. Consideramos, por simplicidade,
λ=1
3, de acordo com a alometria isom´etrica p=kl3ou l=bp1/3.
Substituindo p1/3pela express˜ao alom´etrica, o modelo de crescimento em comprimento
de peixes ´e dado pela equa¸ao autˆonoma:
(dl
dt =λ( βl)
l(0) '0
(2.140)
140 Modelagem Matem´atica
A equa¸ao (2.140) pode ser escrita na forma da equa¸ao (2.125):
dl
dt =βλ µ
βl
cuja solu¸ao, considerando l(0) = 0, ´e dada por
l(t) =
β(1 eβλt).(2.141)
Podemos observar que quando t ,
l(t) =
β=lmax (comprimento aximo)
e portanto
lmax =b(pmax)1/3.
A equa¸ao
l(t) = lmax(1 lrt ); r=βλ (2.142)
´e denominada equa¸ao de von Bertalanffy para o crescimento, em comprimento, de peixes.
Figura 2.64: Crescimento de peixes em comprimento.
As equa¸oes de von Bertalanffy (2.139) e (2.142) ao baseadas, fundamentalmente, no
processo inibit´orio dos crescimentos, em peso e em comprimento. O alculo dos valores
assint´oticos pmax elmax pode ser realizado pelo etodo de Ford-Walford.
O Modelo de von Bertalanfly para o metabolismo de peixes (equa¸ao (2.136)) pode ser
modificado se considerarmos o crescimento de outros animais. A generaliza¸ao ´e baseada
Rodney Carlos Bassanezi 141
na mudan¸ca da express˜ao alom´etrica que relaciona o peso do animal com ´area de sua su-
perf´ıcie externa. Se considerarmos que a ´area A´e proporcional a pγ, obtemos um modelo
generalizado de metabolismo dado por:
dp
dt =αpγβp
p(0) = p0,com 0 < γ < 1
(2.143)
O estudo deste modelo generalizado foi efetuado num programa de Inicia¸ao Cient´ıfica e
descrito no Cap. 5.
Os modelos cl´assicos de dinˆamica populacional que consideram popula¸oes isoladas ao,
geralmente, formulados por meio de equa¸oes diferenciais autˆonomas
dP
dt =f(P).
No Cap. 6 ´e feito um estudo detalhado de alguns destes modelos.
2.6.2 Equa¸oes diferenciais lineares ordin´arias de 2a
¯ordem
Uma classe importante de equa¸oes diferenciais ´e composta das equa¸oes que decor-
rem da linearidade da opera¸ao diferencial. Lembramos que um operador L, definido no
espa¸co vetorial de fun¸oes Cn[(a, b), R] = {fun¸oes reais definidas em (a, b) e com derivadas
cont´ınuas at´e a ordem n}, ´e linear se
L(af +g) = aLf+Lg.
O estudo das equa¸oes diferenciais lineares pode ser encontrado em livros did´aticos e
espec´ıficos do assunto, traduzidos ou nacionais ([17], [18], [19], [14], etc). Aqui veremos
apenas exemplos de aplica¸ao da equa¸ao de 2a
¯ordem, com o objetivo principal de mostrar
a analogia existente entre os modelos de osciladores harmˆonicos e circuitos el´etricos.
Uma equa¸ao diferencial linear de 2a
¯ordem ´e dada, na forma geral, por:
y00 =ay0+by +c(2.144)
onde, a, b ecao constantes ou fun¸oes conhecidas da vari´avel independente.
Exemplo 2.24. Oscilador harmˆonico amortecido
Consideremos um corpo de massa msobre o qual age uma for¸ca fa cada instante t. A
2a
¯Lei de Newton estabelece a rela¸ao entre a acelera¸ao (varia¸ao da velocidade) do corpo
e a resultante Fde todas as for¸cas aplicadas sobre a part´ıcula no mesmo instante
d
dt µmdx
dt =F.
142 Modelagem Matem´atica
Para caracterizar um movimento espec´ıfico ´e necess´ario que se tenha o ponto de partida
x0=x(t0) e sua velocidade inicial v0=µdx
dt (t0). Estas condi¸oes podem ser reunidas no
problema de Cauchy:
mdx2
dt2=Fµx, dx
dt , t
x(t0) = x0
dx
dt (t0) = v0
(2.145)
As dificuldades na resolu¸ao de (2.145) dependem do tipo de fun¸ao F(x, v, t) que aparece
na equa¸ao. Uma situa¸ao f´ısica de grande interesse ´e o problema das vibra¸oes mecˆanicas
onde F´e uma fun¸ao relativamente simples. Vamos analisar o comportamento de uma
part´ıcula de massa m, constante, restrita ao movimento sobre uma reta e sob a ao de trˆes
tipos de for¸cas:
F(t) = kx cdx
dt +f(t) (2.146)
onde
F1(t) = kx(t), ´e uma for¸ca el´astica que tende a restaurar a posi¸ao de equil´ıbrio em
x= 0, agindo sempre no sentido oposto ao deslocamento (k > 0 ´e o coeficiente de
elasticidade);
F2(t) = cdx
dt , com c > 0, ´e a for¸ca provocada pela resitˆencia ao movimento do corpo
(ou part´ıcula) mergulhado em um meio viscoso;
F3(t) = f(t) ´e uma for¸ca externa conhecida e dependente do tempo.
As vibra¸oes mecˆanicas, sujeitas a estas 3 for¸cas podem ser representadas no esquema
da figura 2.65.
A equa¸ao
md2x
dt2+cdx
dt +kx =f(t) (2.147)
´e denominada modelo cl´assico de um oscilador harmˆonico amortecido e tem sido de grande
importˆancia nas aplica¸oes em Engenharia e na F´ısica, sendo um parad´ıgma para o desen-
volvimento inicial da F´ısica Atˆomica.
Exemplo 2.25. Circuitos el´etricos RLC
Um circuito el´etrico RLC, esquematizado na figura 2.66, cont´em os seguintes dispositivos:
R(resistores),C(capacitores) eL(indutores). Um circuito el´etrico ´e uma seq¨encia fechada
de dispositivos conectados.
Os elementos relacionados no circuito el´etrico, tamb´em chamadas dipolos, possuem duas
extremidades que ao conectadas com outros dipolos. As medidas importantes na descri¸ao
do estado de cada dipolo ao:
Rodney Carlos Bassanezi 143
Figura 2.65: Esquematiza¸ao de um oscilador harmˆonico.
~
c
f
e
gh
E
dLc
b
a
R
Figura 2.66: Esquematiza¸ao de um circuito el´etrico RLC.
Corrente el´etrica Iab (t) que passa do ponto apara o ponto b. A corrente el´etrica mede o
fluxo de carga (positiva) por unidade de tempo
I(t) = dq
dt (2.148)
Queda de tens˜ao Vab (t) entre dois pontos aebdo circuito. A queda de tens˜ao ´e a diferen¸ca
de potencial entre os pontos a e b
Vab(t) = Va(t)Vb(t) (2.149)
144 Modelagem Matem´atica
Agora, para cada tipo de dipolo existe uma rela¸ao entre a corrente e a queda de tens˜ao:
Lei de Ohm: “A queda de tens˜ao em um resistor ´e proporcional `a corrente que passa
por ele”.
Vab(t) = RIab (t) (2.150)
A constante positiva R´e a resistˆencia.
Lei de Henry: “A queda de tens˜ao em um indutor ´e proporcional `a varia¸ao da
corrente que passa por ele”.
Vcd(t) = LdIcd (t)
dt (2.151)
A constante positiva L´e a indutˆancia.
A carga acumulada por um capacitor ´e proporcional `a diferen¸ca de potencial entre
seus polos”.
qef (t) = cVef (t) (2.152)
A constante positiva c´e a capacitˆancia.
Da equa¸ao (2.148), vem que
qef (t) = Zt
t0
Ief (t) = cVef (t)
ou
Ief (t) = cdVef (t)
dt ,com Vef (t0) = 0 (2.153)
ALei das malhas estabelece que num circuito fechado a soma das quedas de tens˜oes ´e
nula”, isto ´e,
Vab(t) + Vcd (t) + Vef (t) + Vgh(t) = 0
onde
Vgh(t) = E(t)
Logo,
RI +LdI
dt +1
cZt
t0
Idt E(t) = 0 (2.154)
Derivando (2.154), obtemos o modelo que fornece a corrente I(t) em cada instante t:
Ld2I
dt2+RdI
dt +1
cI=dE
dt (2.155)
Rodney Carlos Bassanezi 145
Este modelo ´e an´alogo ao do oscilador harmˆonico para vibra¸oes mecˆanicas (equa¸ao
(2.147)), existindo uma equivalˆencia mecˆanica-el´etrica entre eles.
Lm
Rc
1
ck
dE
dt f(t)
Esta equivalˆencia ou analogia permite construir circuitos el´etricos ajust´aveis de tal forma
que possam simular uma vibra¸ao mecˆanica. Este ´e o princ´ıpio de funcionamento dos com-
putadores anal´ogicos.
Resolu¸ao da equa¸ao diferencial linear ordin´aria de 2a
¯ordem
com coeficientes constantes
d2x
dt2+adx
dt +bx =f(x) (2.156)
A solu¸ao de (2.156) ´e dada pela solu¸ao geral xh(t) da equa¸ao homogˆenea:
dx2
dt2+adx
dt +bx = 0 (2.157)
mais uma solu¸ao particular xp(t) da equa¸ao ao homogˆenea (2.156), isto ´e,
x(t) = xh(t) + xp(t).
A solu¸ao geral xh(t) da equa¸ao (2.157) pode ser obtida pelo etodo das fun¸oes-teste:
Suponhamos que x(t) = Aeλt seja solu¸ao de (2.157) com A6= 0. Esta fun¸ao, como
teste de solu¸ao de (2.157), fornece a seguinte equa¸ao:
2eλt +aAλeλt +bAeλt = 0 =Aeλt[λ2+ +b] = 0 =
=λ2+ +b= 0.(2.158)
A equa¸ao alg´ebrica (2.158), denominada equa¸ao caracter´ıstica de (2.157), pode ser
resolvida em rela¸ao a λ, e fornece 2 ra´ızes (autovalores)λ1eλ2.
Se λ16=λ2, temos duas solu¸oes de (2.157): x1(t) = Aeλ1tex2(t) = Beλ2t,(A6= 0 e
B6= 0) e pelo princ´ıpio da superposi¸ao de solu¸oes, temos que
xh(t) = Aeλ1t+Beλ2t(2.159)
tamb´em ´e solu¸ao de (2.157) e neste caso ´e solu¸ao geral pois x1(t) e x2(t) ao linear-
mente independentes pois x1(t)6=kx2(t);
146 Modelagem Matem´atica
Se λ1=λ2ent˜ao x1(t) = Aeλ1tex2(t) = Bteλ2t,(A6= 0 e B6= 0) ao solu¸oes de
(2.157) e a solu¸ao geral da equa¸ao homogˆenea ´e dada por:
xn(t) = Aeλ1t+Bteλ2t(2.160)
Uma solu¸ao particular xp(t) de (2.156) pode ser obtida pelo etodo dos coeficientes
indeterminados (ou “chutˆometro”) ou pelo etodo da varia¸ao das constantes arbitr´arias
(veja Bassanezi-Ferreira Jr.).
Aplica¸ao 2.4. Oscilador harmˆonico amortecido
Retornemos `a equa¸ao do oscilador harmˆonico amortecido:
md2x
dt2+cdx
dt +kx =f(x).
Consideremos inicialmente que f(t) = 0 (n˜ao a for¸ca externa agindo sobre o sistema).
A equa¸ao caracter´ıstica da equa¸ao homogˆenea ´e dada por
2+ +k= 0
cujas ra´ızes ao
λ1,2=c±c24mk
2m
Temos 3 casos distintos em rela¸ao aos valores dos parˆametros c, m ek:
Se c2>4mk, λ1eλ2ao reais e distintos e negativos. Portanto,
x(t) = Aeλ1t+Beλ2t 0 quando t0.
Assim, quando o coeficiente de viscosidade c´e suficientemente grande enao o movi-
mento ´e superamortecido.
Se c2= 4mk λ1=λ2=c
2m<0 e
x(t) = Aec
2mt+Btec
2mt 0 quando t0.
Neste caso o amortecimento ´e mais lento (amortecimento cr´ıtico).
c2<4mk λ1=α+βi eλ2=αβi, com α=c
2m<0. Ent˜ao,
x(t) = eαt(Acos βt +Bsen βt)0 quando t0.
Neste caso, o movimento ´e dito subamortecido
Rodney Carlos Bassanezi 147
Figura 2.67: Movimento superamortecido.
Figura 2.68: Amortecimento cr´ıtico.
Exemplo 2.26. Um modelo particular de interesse de oscila¸oes harmˆonicas ´e dado por
dx2
dt2+w2
0=Fcos w0t(2.161)
onde c= 0 (n˜ao existe amortecedor) e a for¸ca externa ´e peri´odica com per´ıodo 2π/w0eF´e
constante.
A solu¸ao geral de (2.161) ´e dada por
x(t) = (Acos w0t+Bsen w0t) + F
2w0
tsen w0t(verifique!) (2.162)
O primeiro termo da solu¸ao (2.162) ´e uma fun¸ao peri´odica e portanto limitada para
todo t. Entretanto, quando t+, o 2o
¯termo de (2.162) oscila entre +e−∞. Este
148 Modelagem Matem´atica
Figura 2.69: Movimento subamortecido.
fenˆomeno ´e conhecido como ressonˆancia. Pontes, carros, navios, motores, etc, ao sistemas
vibrat´orios e uma for¸ca peri´odica externa, com a mesma frequˆencia que sua frequˆencia
natural, pode causar muitos estragos. Este ´e o motivo pelo qual uma tropa de soldados ao
passa marchando sobre uma ponte.
O fenˆomeno de ressonˆancia pode, entretanto, ser muito ´util em determinadas situa¸oes
como arrancar ´arvores, aumentar o volume de um adio, jogar “cabo-de-guerra”, tirar um
carro de um atoleiro etc.
Figura 2.70: Ressonˆancia.
Exemplo 2.27. Diabetes Melito
Diabetes Melito ´e uma doen¸ca de car´ater gen´etico, caracterizada por hiperglicemia da
dependˆencia da falta de insulina. ´
E uma doen¸ca de transmiss˜ao heredit´aria, diagnosticada
Rodney Carlos Bassanezi 149
atrav´es da presen¸ca de glicose na urina. Os testes diagn´osticos se baseiam na diminuida
tolerˆancia `a glicose ou na presen¸ca de hiperglicemia. O tratamento se faz por meio de
inje¸ao de insulina ou de substˆancias que estimulam sua secre¸ao.
Um modelo simples para para interpretar os resultados de um GTT (Teste de Tolerˆancia
de Glicose) ´e baseado nas seguintes informa¸oes biol´ogicas:
A glicose ´e fonte de energia para todos os ´org˜aos e sistemas, sendo muito importante
no metabolismo de qualquer vertebrado. Para cada indiv´ıduo a uma concentra¸ao
´otima e qualquer desvio excessivo desta concentra¸ao conduz a condi¸oes patol´ogicas
severas.
O n´ıvel de glicose no sangue tende a ser auto-regulat´orio. Este n´ıvel ´e influenciado e
controlado por uma grande variedade de hormˆonios e outros metab´olitos. A insulina,
secretada pelas elulas βdo ancreas, ´e o principal hormˆonio regulador do n´ıvel de
glicose.
O modelo proposto estabelece simplesmente a intera¸ao entre insulina e glicose:
Seja Ga concentra¸ao de glicose no sangue e Ha concentra¸ao hormonal ıquida, com
predominˆancia da insulina. O modelo asico ´e descrito analiticamente pelas equa¸oes:
dG
dt =F1(G, H) + f(t)
dH
dt =F2(G, H)
(2.163)
A fun¸ao f(t) ´e a taxa externa em que a concentra¸ao de glicose do sangue est´a sendo
aumentada. Vamos supor que GeHassumem valores ´otimos, respectivamente G0eH0,
medidos no paciente em jejum. Como estamos interessados nos desvios de GeHde seus
valores ´otimos, consideramos as vari´aveis:
g=GG0eh=HH0.
O sistema inicial, nas novas vari´aveis, ´e dado por:
dg
dt =F1(G0+g, H0+h) + f(t)
dh
dt =F2(G0+g, H0+h)
(2.164)
Agora, se tomarmos as fun¸oes F1eF2como taxas de decaimento ou crescimento dos
desvios da glicose e da insulina, isto ´e,
F1=a1ga2heF2=a3h+a4g
150 Modelagem Matem´atica
obtemos um sistema linear para modelar a rela¸ao insulina-glicose no sangue:
dg
dt =a1ga2h+f(t)
dh
dt =a3h+a4g
(2.165)
Como nos exames, medimos somente a glicose no sangue seria interessante ter um modelo
onde apare¸ca apenas a vari´avel g. Se derivamos a 1a
¯equa¸ao do sistema linear (2.165), em
rela¸ao a t, e substituimos a express˜ao de dh
dt ,dada pela 2a
¯equa¸ao, obtemos
d2g
dt2=a1
dg
dt +a2a3ha2a4g+df
dt
o termo a2hpode ser isolado na 1a
¯equa¸ao e substituido na equa¸ao acima, obtendo uma
equa¸ao diferencial linear de 2a
¯ordem somente na vari´avel g:
d2g
dt2+ 2αdg
dt +ω2
0g=a3f(t) + df
dt (2.166)
onde, α=a1+a3
2eω2
0=a1a3+a2a4.
Observamos que o termo r(t) = a3f(t) + df
dt ´e identicamente nulo para um intervalo de
tempo muito pequeno em que uma carga de glicose est´a sendo ingerida.
Se considerarmos na equa¸ao homogˆenea r(t) = 0 que
α2< ω2
0
obtemos a solu¸ao mais apropriada para o desvio de glicose no sangue, isto ´e,
g(t) = Aeαt cos(ωt +δ)
onde ω2=ω2
0α2eg=GG0.
Assim, a concentra¸ao de glicose ´e dada por:
G(t) = G0+Aeαt cos(ωt +δ) (2.167)
A avalia¸ao das constantes e dos parˆametros envolvidos na equa¸ao (2.167) podem ser
determinados tomando-se medidas de Gem sucessivos intervalos de tempo (normalmente
faz-se 6 ou 7 medidas).
Observamos que a equa¸ao que usamos para modelar a rela¸ao insulina-glicose no sangue
´e an´aloga `as equa¸oes dos modelos do oscilador harmˆonico e circuito RLC e, portanto, tem
o mesmo comportamento assint´otico que aquelas.
Rodney Carlos Bassanezi 151
2.6.3 Modelos compartimentais lineares
Conforme vimos no Exemplo 2.27, um sistema de 2 equa¸oes lineares pode ser transfor-
mado numa equa¸ao linear de 2a
¯ordem. Tamb´em, uma equa¸ao linear de 2a
¯ordem
d2x
dt2+adx
dt +bx =f(t)
pode ser analisada como um sistema de 2 equa¸oes lineares de 1a
¯ordem. Basta considerar
uma segunda vari´avel y=dx
dt , e obtemos o sistema
dx
dt =y
dy
dt =ay bx +f(t)
(2.168)
Este procedimento ´e alido tamb´em para equa¸oes lineares de qualquer ordem.
Os sistemas de equa¸oes diferenciais lineares aparecem com muita frequˆencia na mode-
lagem de situa¸oes reais e sua formula¸ao pode ser facilitada quando se usa o etodo dos
compartimentos.
Um sistema de compartimentos consiste, essencialmente, de um umero finito de subsis-
temas interligados, chamados campartimentos, que trocam entre si e com o meio ambiente,
quantidade de concentra¸ao de materiais. Cada compartimento ´e definido por suas pro-
priedades f´ısicas.
Para a modelagem de fenˆomenos que se comportam como sistemas compartimentais ´e
necess´ario que se levante hip´oteses adicionais em rela¸ao `as taxas de trocas de materiais. A
hip´otese que implica na linearidade do sistema ´e uma das mais utilizadas, talvez por sua
simplicidade:
O fluxo de um compartimento ipara outro j´e proporcional `a quantidade xi(t)
contida no compartimento i, em cada instante t, e independe do valor xj(t)”.
Neste caso, para a formula¸ao do modelo matem´atico basta considerar o balan¸co das
massas em cada compartimento, durante o intervalo de tempo t.
A troca efetuada em cada compartimento ´e ent˜ao descrita por uma equa¸ao diferencial
linear de 1a
¯ordem. Com ncompartimentos, cada equa¸ao tem a forma:
dxi(t)
dt =
n
X
j=0,j6=i
kji xj(t)
n
X
j=0,j6=i
kij xi(t) (2.169)
onde kij xi(t) ´e o fluxo do compartimento ipara o compartimento j.
O ´ındice j= 0 denota o meio ambiente e as constantes kij ao consideradas todas ao-
negativas.
Se ki0= 0, i = 1,2, . . . , n, ent˜ao ao existe perda de “material” e o sistema ´e dito
fechado; caso contr´ario ser´a aberto.
152 Modelagem Matem´atica
Skij i
koi
kio
Skji
Figura 2.71: Esquema geral de um compartimento.
Exemplo 2.28. Despolui¸ao do Rio Piracicaba
Uma experiˆencia realizada pelo CENA (Centro de Energia Nuclear) para despoluir o
Rio Piracicaba utilizou um sistema do tanques interligados, constru´ıdos em sua margem e
contendo uma concentra¸ao populacional razo´avel de “´agua-p´e”. Esta planta utiliza parte
do material poluente, que se fixa em suas ra´ızes, para seu desenvolvimento. Consideraremos,
neste exemplo, um modelo simples utilizando apenas dois tanques de despolui¸ao (conforme
a figura 2.72).
Rio
12
k12
k01 k2 0
Figura 2.72: Esquema da despolui¸ao da ´agua do Rio Piracicaba.
As hip´oteses para a modelagem matem´atica ao:
A concentra¸ao de poluentes da ´agua do rio ´e c(constante);
c1(0) e c2(0) ao as concentra¸oes iniciais dos poluentes nos dois tanques de despo-
lui¸ao;
Rodney Carlos Bassanezi 153
O volume de solu¸ao agua do rio + poluentes) que entra e sai de cada compartimento
´e o mesmo em cada instante, isto ´e, as vaz˜oes de entrada e sa´ıda ao iguais em cada
tanque, valendo r(litros/minuto). Seja V1o volume do 1o
¯tanque e V2o volume do
2o
¯tanque.
Considerando o sistema como sendo compartimental e com a hip´otese de linearidade,
podemos escrever
V1
dc1(t)
dt =k01ck12 c1(t)
V2
dc2(t)
dt =k12c1(t)k20 c2(t)
(2.170)
onde k01 =k12 =k20 =r,c1(0) = c0
1ec2(0) = c0
2ao dados.
As concentra¸oes c1(t) e c2(t), nos respectivos tanques, em cada instante, podem ser
avaliadas atrav´es da solu¸ao do sistema (2.170).
Projeto 2.3.
a. Encontre as solu¸oes de (2.170) satisfazendo c1(0) = c2(0) = 0 com c= constante;
b. Mostre que o sistema (2.170) pode ser transformado numa equa¸ao diferencial de 2a
¯
ordem;
c. Encontre as solu¸oes c1(t) e c2(t) quando c=c(t) = c0(1 sen wt), significando que
a polui¸ao do rio ´e mais intensa em certas ocasi˜oes;
d. Verifique se a polui¸ao nos tanques se estabiliza.
Exemplo 2.29. Cin´etica de uma droga num organismo
A situa¸ao a ser analisada ´e correspondente `a ingest˜ao e subsequente metabolismo duma
droga num indiv´ıduo. Consideramos que a ingest˜ao da droga seja via oral e logo que ela
entra no aparelho gastrointestinal ´e absorvida na circula¸ao sangu´ınea e distribu´ıda por todo
o corpo para ser metabolisada e finalmente eliminada. Consideramos como compartimento
1o aparelho gastrointestinal, o compartimento 2´e o sistema sangu´ıneo e o compartimento
3simboliza a quantidade da droga em ao:
No instante inicial (momento pr´oximo a ingest˜ao da droga) t= 0, as condi¸oes iniciais
em cada compartimento ao dadas por:
x1(0) = D0(D0´e a quantidade de droga ingerida);
x2(0) = 0 (a droga ainda ao come¸cou a circular no sistema sangu´ıneo);
x3(0) = 0 (a droga ainda ao come¸cou a agir).
154 Modelagem Matem´atica
Figura 2.73: Cin´etica de uma droga no corpo.
kij xi(t) ´e o fluxo da droga do compartimento ipara o compartimento j; e k20 ´e constante
relacionada com a elimina¸ao da droga atrav´es do compartimento 2.
Supondo que os fluxos kij xisejam proporcionais `as quantidades xipresentes em cada
compartimento i, o modelo matem´atico que descreve o processo ´e dado pelo sistema linear:
dx1
dt =k12x1
dx2
dt =k12x1k23 x2+k32x3k20 x2
dx3
dt =k23x2k32 x3
(2.171)
com x1(0) = D0,x2(0) = x3(0) = 0.
Se considerarmos X(t) a quantidade de droga presente, em cada instante, nos 3 compar-
timentos selecionados, temos
X(t) = x1(t) + x2(t) + x3(t)
e portanto,
dX
dt =dx1
dt +dx2
dt +dx3
dt =k20x2(t)<0,para todo t0,
dX
dt <0 indica que a droga no organismo diminui com o passar do tempo.
Se considerarmos, neste problema, um quarto compartimento relativo `a quantidade de
droga eliminada, teremos no sistema (2.171) mais uma equa¸ao:
dx4
dt =k20x2(2.172)
Neste caso, dx1
dt +dx2
dt +dx3
dt +dx4
dt = 0, o que equivale a dizer que o novo sistema
compartimental, formado pelas equa¸oes (2.171) e (2.172) ´e fechado.
Rodney Carlos Bassanezi 155
Exerc´ıcio: Mostre que o sistema (2.171) pode ser transformado numa equa¸ao diferencial
linear de 3a
¯ordem.
Projeto 2.4. Excre¸ao de uma droga
Em Farmacologia, um problema fundamental ´e saber como varia a concentra¸ao de uma
droga dissolvida no plasma sangu´ıneo. O projeto proposto consiste de duas partes:
1a
¯Parte
a. Considere que a taxa de varia¸ao (elimina¸ao) da concentra¸ao da droga seja propor-
cional `a sua concentra¸ao na corrente sangu´ınea (modelo com 1 compartimento);
b. Suponha que o indiv´ıduo receba uma dose inicial igual a D0=D(0) que ´e absorvida
instantaneamente pelo sangue e, um tratamento completo indica que deve receber
dosagens iguais a D0a cada Thoras.
Determine a concentra¸ao da droga no sangue depois de naplica¸oes;
Encontre o n´ıvel de satura¸ao Dsda droga no sangue, isto ´e, o valor de estabilidade
de D(t) quando tcresce.
2a
¯Parte
Considere o modelo 2-compartimental de excre¸ao de drogas, tomando como compar-
timentos o plasma sangu´ıneo e o tecido alimentado pelo sangue. Por difus˜ao, ocorre uma
troca de mol´eculas da droga entre o plasma e o tecido, sendo que um deles elimina a droga.
A situa¸ao ´e esquematizada na figura a baixo:
Figura 2.74: Excre¸ao de uma droga.
Sejam Q1=Q1(t) e Q2=Q2(t) as massas de D(t) no tecido e no plasma, respectiva-
mente, com Q1(0) = 0 e Q2(0) = D0.
Escreva os modelos matem´aticos da situa¸ao, considerando as dosagens:
1. u(t) = 0 para todo t > 0 e u(0) = D0;
2. u(t) dado pelas aplica¸oes intermitentes como na 1a
¯Parte.
156 Modelagem Matem´atica
Resolva os modelos;
Modifique os modelos, considerando hip´oteses adicionais (neste caso seria conveniente
conversar com um bioqu´ımico).
Projeto 2.5. D´ıvida Externa (Modelo de Domar)
O modelo de d´ıvida externa de Domar relaciona o total da ıvida nacional externa
(empr´estimos feitos no exterior) com o total da renda nacional [21]. O modelo ´e simplista,
sendo baseado no fato que o crescimento da d´ıvida externa ´e proporcional `a renda (a renda
est´a vinculada a empr´estimos no exterior). Enquanto que, o aumento da renda deve-se a
uma aplica¸ao proporcional da pr´opria renda (existe uma porcentagem constante da renda
que ´e reaplicada para se produzir mais renda).
1. Escreva o modelo matem´atico que representa a intera¸ao entre as duas vari´aveis de
estado renda e d´ıvida externa;
2. Resolva o sistema, considerando que a renda no instante inicial ´e R(0) = R0e a ıvida
inicial ´e D(0) = D0;
3. Use o modelo de Domar para tentar validar a d´ıvida nacional do Brasil, cuja evolu¸ao
´e dada na tabela 2.13:
Sugest˜ao: Considere no modelo a ıvida l´ıquida, e a renda como sendo o valor do
PIB.
4. Se D´ıvida
PIB =D
R´e a capacidade de endividamento de um pa´ıs, calcule o instante,
atrav´es do modelo de Domar, tal que D
R>0.25;
5. Complete a tabela com dados atuais e verifique como anda nossa capacidade de endi-
vidamento.
6. Se o modelo de Domar ao ´e razo´avel para a d´ıvida ×renda do Brasil, formule um
modelo pr´oprio, justificando seus argumentos.
Projeto 2.6. Sistema mecˆanico
Considere o sistema mecˆanico (linear) sem atrito esquematizado na figura 2.75 onde o
repouso do sistema para as massas m1em2´e tomado como a origem de coordenadas x1e
x2.
Escreva o modelo matem´atico que relaciona o movimento dos corpos de massas m1e
m2;
Esquematize o modelo mecˆanico com um modelo compartimental;
Descreva o sistema el´etrico an´alogo.
Rodney Carlos Bassanezi 157
D´ıvida Externa e Exporta¸oes
US$ Milh˜oes
Anos
D´ıvida
Externa
Bruta
Reservas
Internacionais
D´ıvida
L´ıquida Exporta¸oes
Rela¸ao
d´ıvida e
exporta¸ao
PIB
(1) (2) (3)=(1)(2) (4) (5)=(3)/(4)
1956 2.568 608 1.960 1.483 1.32
1957 2.373 674 1.899 1.392 1.36
Juscelino 1958 2.734 465 2.269 1.244 1.82
1959 2.971 366 2.605 1.282 2.03
1960 3.462 345 3.117 1.270 2.45
anio 1961 3.144 470 2.674 1.405 1.90
Goulart 1962 3.367 285 3.082 1.215 2.54
1963 3.298 215 3.083 1.406 2.19 79.9
1964 3.155 244 2.911 1.430 2.04
Castelo
Branco 1965 3.644 483 3.161 1.596 1.98
1966 3.668 421 3.245 1.741 1.86 87.6
1967 3.281 198 3.083 1.654 1.86
Costa e
Silva 1968 3.780 257 3.523 1.881 1.87 112.3
1969 4.403 656 3.747 2.311 1.62
edice 1970 5.295 1.187 4.108 2.729 1.50
1971 6.622 1.723 4.899 2.904 1.69
1972 9.521 4.183 5.338 3.991 1.34 172.5
1973 12.571 6.416 6.155 6.199 0.99
1974 17.166 5.269 11.897 7.951 1.50
Geisel 1975 21.171 4.040 17.171 8.670 1.98
1976 25.985 6.544 19.441 10.128 1.92
1977 32.037 7.258 24.781 12.139 2.04 241.8
1978 43.511 11.895 31.616 12.659 2.45
1979 49.904 9.639 40.265 15.244 2.64
Figueiredo 1980 53.848 6.913 46.935 20.132 2.33
1981 61.411 7.507 53.904 23.293 2.31 267.8
1982 64.415 20.175
Fonte: Banco Central
Tabela 2.13: Capacidade de endividamento do Brasil.
2.6.4 Modelos compartimentais ao-lineares
Oprinc´ıpio da ao das massas, com origem na F´ısico-Qu´ımica, balizou uma erie de
modelos em ´areas diversas. Tal princ´ıpio ´e baseado no encontro das vari´aveis e a intera¸ao
entre elas ´e formulado matematicamente pelo produto entre estas vari´aveis:
A taxa de colis˜oes moleculares entre dois componentes qu´ımicos diluidos ´e propor-
cional ao produto de suas concentra¸oes
158 Modelagem Matem´atica
Figura 2.75: Sistema mecˆanico composto.
Lotka (1920) utilizou este princ´ıpio nos modelos de mecanismos de rea¸oes qu´ımicas (au-
tocat´alise); Volterra aplicou-o no estudo das oscila¸oes das popula¸oes de peixes e tubar˜oes
do Mar Adri´atico (1931), formulando o famoso modelo presa-predador ; Kermack-McKendric
(1927) usaram o mesmo princ´ıpio em modelos epidemiol´ogicos.
Podemos dizer que estes modelos foram os respons´aveis pelo desenvolvimento inicial da
´area de Biomatem´atica e ao, ainda hoje, parˆametros para a formula¸ao de modelos mais
real´ısticos. O uso cada vez mais intenso da matem´atica nas ciˆencias biol´ogicas se deve,
em grande parte, a estes modelos iniciais, considerados atualmente mais educacionais que
pr´aticos embora tenham fornecido alguma explica¸ao razo´avel dos fenˆomenos analisados.
Um exemplo cl´assico deste tipo de modelo ´e o presa-predador de Lotka-Volterra que, por
sua beleza e simplicidade, cativou grande umero de pesquisadores que passaram a utiliz´a-
lo como paradigma de seus modelos modificados. Isto pode ser observado nos modelos
de epidemias, biodigestores, crescimento de tumores, combate biol´ogico de pragas, uso de
herbicidas e fungicidas etc. Tais modelos ao formulados por meio de equa¸oes diferenciais
(ou diferen¸cas) ao-lineares o que pode acarretar uma complica¸ao suficiente para que suas
solu¸oes sejam apenas num´ericas.
O estudo anal´ıtico destes modelos ´e, portanto, concentrado na estabilidade das solu¸oes
de equil´ıbrio e o leitor encontrar´a material adequado para um aprofundamento desta mat´eria
nos livros a citados anteriormente ([16], [13] e [14]). No Cap´ıtulo 6 veremos o modelo presa-
predador aplicado num problema de controle biol´ogico de brocas.
Modelo SIR de epidemiologia (Kermack-McKendric)
O estudo da propaga¸ao de doen¸cas transmiss´ıveis (epidemias) teve um desenvolvimento
bastante lento at´e o eculo XIX, sendo finalmente assumido como pesquisa cient´ıfica a partir
dos trabalhos desenvolvidos por Pasteur e Kock. At´e ent˜ao as especula¸oes em torno do
processo epidemiol´ogico, frequentemente, atribu´ıam as epidemias `a vingan¸ca de Deus ou
dos esp´ıritos malignos.
A partir de 1927, os modelos matem´aticos, formulados por Kermack-McKendric, con-
sideraram que uma epidemia com microparasitas (v´ırus ou bact´erias) ocorre em uma comu-
Rodney Carlos Bassanezi 159
nidade fechada atrav´es do contato entre pessoas infecciosas e pessoas sadias.
A popula¸ao de hospedeiros ´e subdividida em classes distintas (compartimentos) de
acordo com a sanidade ou infecciosidade de seus elementos:
S=S(t): pessoas sadias mas suscet´ıveis `a doen¸ca, podendo ser infectadas quando em
contato com pessoas doentes;
I=I(t): pessoas portadoras da doen¸ca (infecciosos);
R=R(t): indiv´ıduos imunes que a contrairam a doen¸ca e se recuperaram, ou est˜ao
isolados ou morreram.
Supor que a comunidade seja fechada implica que a popula¸ao total se mant´em constante,
isto ´e,
N=S(t) + I(t) + R(t)
ao varia com t. Este fato ´e caracter´ıstico das doen¸cas cujo per´ıodo de incuba¸ao do parasita
´e relativamente pequeno.
Para cada tipo de doen¸ca podemos modelar sua velocidade de propaga¸ao atrav´es das
intera¸oes entre as vari´aveis S,IeR. O processo epidemiol´ogico pode ser esquematizado
pelo sistema compartimental que resume as taxas de transi¸oes entre as trˆes classes:
I
β
S I R
α
Figura 2.76: Esquema compartimental de uma epidemia (Modelo SIR).
onde βI ´e a taxa de transmiss˜ao da doen¸ca (β > 0), com βcomo o coeficiente de infecciosi-
dade; α´e taxa de remo¸ao (α > 0).
Se consideramos que:
a. Cada compartimento ´e composto de indiv´ıduos homogˆeneos (esta ´e uma restri¸ao forte
do modelo);
b. Cada indiv´ıduo infeccioso tem a mesma probabilidade de se encontrar com um
suscet´ıvel;
c. ao ocorre nascimento na comunidade e a morte somente ´e causada pela doen¸ca.
Ent˜ao, o modelo matem´atico que descreve a epidemia, tamb´em chamado SIR ou modelo
sem dinˆamica vital, ´e dado por:
160 Modelagem Matem´atica
dS
dt =βSI µos suscet´ıveis decrescem a uma taxa proporcional
ao umero de encontros com os infecciosos.
dI
dt =βSI αI µos infectados aumentam do mesmo modo como os
sadios diminuem e perdem os que ao curados ou mortos.
dR
dt =αI µa varia¸ao dos retirados ´e proporcional `a quantidade
dos infectados (2.173)
Em qualquer situa¸ao ´e fundamental conhecer os valores iniciais S0=S(0), I(0) = I0,
R0= 0 e os parˆametros βeα, para avaliar a dinˆamica da epidemia.
Analisando a 2a
¯equa¸ao do sistema (2.173), temos
µdI
dt t=0
>0I0(βS0α)>0S0>α
β
Portanto, o umero de infectados ser´a crescente enquanto a popula¸ao de suscet´ıveis S
for maior que ρ=α
β. O valor ρ´e denominado limiar epidˆemico e o termo epidemia significa
que I(t)> I0para algum t > 0. Se definirmos λ0=βS0
α, teremos uma epidemia se λ0>1.
λ0representa o umero edio de infec¸oes secund´arias causadas pela introdu¸ao de um
´unico indiv´ıduo infectado na popula¸ao N=Sde suscet´ıveis.
λ0´e denominada taxa de reprodu¸ao asica da doen¸ca.
Observa¸ao 2.17. Podemos obter alguns resultados anal´ıticos do sistema (2.173), con-
siderando suas trajet´orias no plano de fase-SI: Considerando I6= 0 eS6= 0 e usando a
regra da cadeia nas duas primeiras equa¸oes de (2.173), vem
dI
dS =(βS α)I
βSI =1 + ρ/S (2.174)
com ρ=α
β,S(0) = S0>0eI(0) = I0>0.
Integrando (2.174), obtemos como solu¸oes as suas trajet´orias no plano-S I: plano de
fase (veja figura 2.77), dadas por
I=S+ρln S+c(c: constante da integra¸ao) (2.175)
Usando as condi¸oes iniciais em (2.175), obtemos o valor de c:
c=I0+S0+ρln S0=N+ρln S, (N=S0+I0pois R0= 0).
Portanto,
I(t) = ρln S(t)S(t) + Nρln S0(2.176)
Rodney Carlos Bassanezi 161
Figura 2.77: Trajet´orias no plano de fase SI para o modelo SIR.
O valor aximo de I(t)indica a severidade da doen¸ca. Neste modelo, Imax ´e obtido
quando dI
dS = 0, ou seja,
dI
dS = 0 1 + ρ
S= 0 S=ρ=α
β
e portanto,
Imax =ρln ρρln S0+Nρ=Nρµ1 + ln ρ
S0(2.177)
Em resumo, temos
dI
dt 0 Sρ=α
β λ01.
Uma quest˜ao importante ´e qual o “estrago” causado por uma epidemia, isto ´e, quantas
pessoas ficar˜ao doentes at´e que a doen¸ca seja erradicada. O teorema do limiar epidemiol´ogico
estabelece que se (S0ρ) ´e relativamente pequeno comparado com ρent˜ao o no
¯de indiv´ıduos
que contrair˜ao a doen¸ca ser´a, aproximadamente, igual a Itotal = 2(S0ρ).
Uma estrat´egia para erradica¸ao da doen¸ca (I= 0) ´e a imuniza¸ao de um umero
suficiente de hospedeiros sadios:
Seja puma porcentagem imunizada (vacinada) e (1 p) a porcentagem ao vacinada,
ent˜ao a popula¸ao participante do processo epidemiol´ogico ser´a N(1 p).
Se λ0´e a taxa de reprodu¸ao asica antes da vacina¸ao, ent˜ao λ
0= (1 p)λ0ser´a a
taxa de reprodu¸ao asica depois da imuniza¸ao de uma fra¸ao pde indiv´ıduos suscept´ıveis.
Ent˜ao,
λ
0<1(1 p)λ0<1p > 11
λ0
= 1 α
βS0
(2.178)
162 Modelagem Matem´atica
Isto mostra que a porcentagem da popula¸ao a ser vacinada depende fortemente da
infecciosidade da doen¸ca. Por exemplo, o valor de λ0para a varicela ou “catapora” ´e em
torno de 10, e portanto esta doen¸ca seria erradicada se fossem vacinadas pelo menos 90%
da popula¸ao suscet´ıvel, pois devemos ter
p > 11
10 = 0.9
Observa¸ao 2.18. O modelo SIR ´e considerado bastante simples para descrever qualquer
epidemia, mas a partir dele o estudo te´orico de modelos matem´aticos em epidemiologia
ganhou tanta for¸ca que ao seria nenhum exagero afirmar que, atualmente existem muitos
mais modelos que doen¸cas!
A busca de um modelo matem´atico que represente fielmente a dinˆamica de uma dada
epidemia tem motivado muitos pesquisadores a desenvolverem seus estudos nesta dire¸ao.
A quantidade de trabalhos em Epidemiologia que tratam as doen¸cas infecciosas com mod-
elos matem´aticos tem aumentado muito nos ´ultimos tempos. No American Journal of Epi-
demiology, dos 909 artigos publicados (1981–1985), 24% eram sobre as doen¸cas infecciosas
dos quais 11.4% com modelos matem´aticos, simplesmente o dobro de artigos dos 5 anos
anteriores. O mesmo se deu, no mesmo per´ıodo, com os artigos do International Journal of
Epidemilogy que passou de 14.6% para 27.3%.
Entretanto, para algumas epidemias, a busca de modelos mais realistas, ´e ainda maior,
como ´e o caso da AIDS, cuja descri¸ao, apesar de recente, a mereceu algumas dezenas de
modelos.
Para os brasileiros, seria muito importante que outras epidemias despertassem o interesse
dos pesquisadores. Sabe-se que a epidemia de Dengue, por exemplo, poder´a causar entre os
um desastre maior que a pr´opria AIDS. ´
E fundamental que alguns grupos de pesquisadores
brasileiros voltem suas aten¸oes para as quest˜oes de Epidemiologia e que haja uma interao
maior entre os grupos que atuam nesta ´area.
Exemplo 2.30. Transmiss˜ao do HIV (Human Immunodeficiency Virus)
O v´ırus HIV provoca a S´ındrome de Deficiˆecia Imunol´ogica ou AIDS. Quando anticorpos
ao HIV ao detectados, o paciente est´a infectado e neste caso diz-se que ´e soropositivo ou
HIV positivo. A virulˆencia da AIDS e a taxa de infec¸ao da epidemia ao impressionantes,
tornando-a uma das mais erias e alarmantes epidemias mundiais.
HIV ´e transmitido por transfus˜ao de sangue, uso de drogas (seringas infectadas) e por
rela¸oes sexuais. A combina¸ao do uso de drogas e prostitui¸ao aumenta a possibilidade de
transmiss˜ao acelerando o crescimento de infectados,
O esfor¸co para modelar a AIDS tem sido enorme desde seu aparecimento. A maior
dificuldade da modelagem da doen¸ca consiste na grande varia¸ao do per´ıodo de incuba¸ao
(tempo decorrente da constata¸ao soropositiva at´e a exibi¸ao dos sintomas).
Outro problema ´e a obten¸ao de dados verdadeiros. Devido aos preconceitos que a
mol´estia desperta, muitos escondem sua enfermidade (mesmo quando infectados por uma
transfus˜ao de sangue).
Rodney Carlos Bassanezi 163
Consideramos inicialmente um modelo para evolu¸ao temporal da doen¸ca entre os infec-
tados e os que em AIDS. ´
E um modelo essencialmente did´atico uma vez que ao contempla
muitos dos fatores que seriam indispens´aveis em se tratando do problema real.
Modelo de Convers˜ao (Anderson-May, 1986)
Como referˆencia a este modelo, veja Murray [16], pp. 624–630.
Vamos considerar uma popula¸ao onde todos os seus elementos est˜ao infectados quando
t= 0.
Seja x=x(t) a porcentagem da popula¸ao soropositiva (HIV+) que ainda ao tem os
sintomas da AIDS e y=y(t) a porcentagem da popula¸ao que desenvolve a doen¸ca. Temos
x(t) = 1 y(t) com x(0) = 1, y(0) = 0.
Seja v(t) a taxa de convers˜ao da infec¸ao para AIDS. Ent˜ao, um modelo que fornece a
dinˆamica de convers˜ao da doen¸ca ´e
dx
dt =v(t)x
dy
dt =v(t)xcom x(0) = 1, y(0) = 0.
(2.179)
Observa¸ao 2.19. Este modelo pressup˜oe que todos infectados ter˜ao AIDS depois de um
certo tempo (o que ao ´e necessariamente verdade).
Sabemos que a taxa de convers˜ao v(t) ´e uma fun¸ao crescente com o tempo. Podemos
tomar, por exemplo
v(t) = at (a > 0)
Neste caso, a solu¸ao do sistema (2.179) ´e dada por
x(t) = eat2
2ey(t)=1eat2
2.
A velocidade de convers˜ao ´e axima quando d2y
dt2= 0, ou seja
d2y
dt2=aµtdx
dt +x= 0 =dx
dt =x
t(2.180)
Por outro lado dx
dt =atx, logo
atx =x
t,ou seja t=1
a
O valor aximo de varia¸ao de convers˜ao ser´a:
dy
dt ¯¯¯¯t=1
a
=a1
aea1
a
2=ra
e'0.607a.
164 Modelagem Matem´atica
Figura 2.78: Velocidade de convers˜ao.
Modelo Epidemiol´ogico: (Popula¸ao homossexual)
Consideremos os seguinte grupos compartimentais de uma popula¸ao de homossexuais:
x=x(t): n´umero de suscept´ıveis;
y=y(t): n´umero de infecciosos;
z=z(t): n´umero de soropositivos que ao ao infecciosos;
A=A(t): n´umero de aid´eticos.
O sistema compartimental da figura 2.79 a uma id´eia da transmiss˜ao da doen¸ca.
brepresenta a taxa de recrutamento de suscept´ıveis na comunidade de homossexuais;
λc ´e a taxa de transferˆencia de suscept´ıveis para infecciosos;
µ´e a taxa de mortalidade natural do grupo de homossexuais e da taxa de mortalidade
induzida pela doen¸ca.
Rodney Carlos Bassanezi 165
Figura 2.79: Esquema compartimental de transmiss˜ao da AIDS.
Considerando a comunidade distribuida uniformemente, podemos escrever
dx
dt =bµx λcx onde λ=βy
N
dy
dt =λcx vy µy
dA
dt =pvy (d+µ)A
dz
dt = (1 p)vy µz
(2.181)
com N(t) = x(t) + y(t) + A(t) + z(t).
λ´e a probabilidade de se adquirir a infec¸ao com uma escolha aleat´oria de parceiro;
β´e a probabilidade de transmiss˜ao ou taxa de infecciosidade;
c´e o n´umero edio de parceiros de um indiv´ıduo por unidade de tempo;
p´e a propor¸ao de soropositivos que ao infecciosos;
v´e a raz˜ao de convers˜ao de infecciosos para aid´eticos (aqui, considerado constante), e
portanto 1
v=D´e o per´ıodo edio de incuba¸ao.
Neste modelo a popula¸ao total ao ´e constante e pode ser obtida da equa¸ao:
dN
dt =bµN dA. (2.182)
166 Modelagem Matem´atica
Como a vimos, uma epidemia se realiza somente quando a taxa asica reprodutiva λ0
´e tal que λ0>1, ou seja, o umero de infec¸oes secund´arias que provˆem de uma infec¸ao
prim´aria ´e maior que 1.
Suponhamos que quando t'0 temos x'N. Logo, se t'0, dy
dt '(βc vµ)y.
Como 1
v¿1
µµ1
µ´e a esperan¸ca edia de vida, ent˜ao (βc vµ)y'v(λ01)y, logo
λ0'βc
v>1.(2.183)
A express˜ao (2.183) relaciona λ0com o umero de parceiros c, com a probabilidade de
transmiss˜ao βe com o tempo edio de incuba¸ao 1
v=D.
Considerando a aproxima¸ao de dx
dt dada por
dx
dt =v(λ01)y(2.184)
obtemos
y(t)'y0exp[v(λ01)t] (2.185)
Podemos ent˜ao fazer uma previs˜ao para saber, depois de quanto tempo td, o umero de
infecciosos dobra, isto ´e,
y(td) = 2y(0)
neste caso, obtemos
td=ln 2
v(λ01) (2.186)
Os valores dos parˆametros, estimados por Anderson-May (1986) com 6875 homossexuais
de S. Francisco, foram
λ0=βc
v'5.15 (n´umero de infec¸oes secund´arias causadas por um infeccioso);
d+µ'd'1.17 anos11
d'0.86 anos ou 10.3 meses (tempo de sobrevivˆencia de
um aid´etico);
ρ'30% (porcentagem de soropositivos que desenvolvem AIDS);
v'0.22anos1(taxa de convers˜ao de HIV+para AIDS);
c'4 (n´umero edio de parceiros distintos de um homossexual em 1 ano).
Com estes valores temos que td= 0.75, ou seja, o umero de infecciosos dobra a cada 9
meses4.
4Um estudo completo deste modelo pode ser encontrado em Murray [16], 624-630, ou Anderson - May
- Medley - Johnson: “A preliminary study of the transmission dynamics of the human immunodeficiency
virus (HIV)” . . . em IMA. J. Math. Appl. in Medicine and Biol. 3, 229-263 (1986).
Rodney Carlos Bassanezi 167
Exerc´ıcio: Use a express˜ao de y(t) dado pela equa¸ao (2.185) na 3a
¯equa¸ao do sistema
(2.181) e mostre que
A(t) = pvy0
exp[v(λ01)t]exp[(d+µ))t]
v0(λ01) + d+µ
Fca o gr´afico de A(t), usando os parˆametros encontrados por Anderson-May e considere as
condi¸oes iniciais
y0= 100.000, A(0) = 0 e µ= 0.03ano1.
Projeto 2.7. Epidemia com imunidade tempor´aria (Modelo SIRS)
Considere no modelo SIR a perda de imunidade dos elementos recuperados, isto ´e, depois
de um per´ıodo de imuniza¸ao 1
γos recuperados passam novamente a serem suscet´ıveis.
Fca um esquema compartimental do novo modelo;
Escreva as equa¸oes do sistema, supondo que a perda de imunidade seja proporcional
`a popula¸ao dos recuperados;
Encontre os pontos de equil´ıbrio do sistema SIRS;
Calcule o valor da taxa de reprodutividade asica do sistema;
Fca um esbo¸co das trajet´orias no plano de fase - SI.
Projeto 2.8. Propaga¸ao de Gonorr´eia
Considere uma popula¸ao constante de homens e mulheres prom´ıscuos e sexualmente
ativos: N=H+M.
Neste grupo de risco considere dois subgrupos: Infectados (transmissores de gonorr´eia)
e os sadios.
Sejam:
x(t): total de homens infectados;
[Hx(t)]: total de homens suscet´ıveis (sadios);
y(t): total de mulheres infectadas;
[My(t)]: total de mulheres sadias.
Formalize o modelo matem´atico, em termos de equa¸oes diferenciais, da dinˆamica de
uma epidemia de gonorr´eia, considerando o esquema compartimental da figura 2.80.
Considere os seguintes casos:
168 Modelagem Matem´atica
Figura 2.80: Esquema compartimental de transmiss˜ao da Gonorr´eia.
a. As rela¸oes ao ao homossexuais;
b. As rela¸oes podem ser homossexuais.
Encontre os pontos de equil´ıbrio da doen¸ca e fa¸ca um esbo¸co das tra jet´orias no plano de
fase-xy.
Referˆencias Bibliogr´aficas
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169
170 Modelagem Matem´atica
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Cap´ıtulo 3
Modelagem Matem´atica em Programas
de Cursos Regulares
“Eu ou¸co e eu esque¸co,
Eu vejo e eu lembro,
Eu fa¸co e eu entendo”.
Antigo prov´erbio chinˆes
3.1 Modela¸ao Matem´atica
De modo geral, o ensino relativo a uma determinada ciˆencia segue a mesma trajet´oria
que orienta o desenvolvimento e a pesquisa desta ciˆencia. A Matem´atica ao foge a regra;
ao contr´ario, os procedimentos que em direcionado a educa¸ao matem´atica nos nossos dias
parecem refletir os pressupostos valores que orientam a ao do matem´atico-pesquisador a
descontextualiza¸ao, por exemplo, ´e uma marca forte no ˆambito da pesquisa em Matem´atica
assim como da pr´atica em Educa¸ao Matem´atica.
A produ¸ao matem´atica tem ocorrido de modo supostamente desvinculado de um con-
texto ocio-cultural-pol´ıtico e com pouca preocupa¸ao em tornar-se utilit´aria ou mais bem
definida em suas metas o que, de certo modo, diferencia a Matem´atica de outras Ciˆencias.
Na verdade, tal produ¸ao apresenta-se como fruto exclusivo da mente humana, resultando
numa linguagem que almeja essencialmente elegˆancia e rigor.
A tentativa de analisar a rela¸ao entre as condutas que orientam a pesquisa em
matem´atica e a educa¸ao matem´atica, conduz naturalmente a duas quest˜oes: Como enten-
demos o que tem se dado, em geral, no ˆambito da constru¸ao de conhecimento matem´atico
quais os padr˜oes cognitivos/epistemol´ogicos que orientam essa constru¸ao? ao seria jus-
tamente da falta de aprofundamento nos referidos padr˜oes, da parte dos matem´aticos e
educadores matem´aticos, que decorrem muitos dos problemas em educa¸ao matem´atica?
Naturalmente, a tentativa de refletir sobre os princ´ıpios epistemol´ogicos que orientam a
pesquisa em Matem´atica, procurando responder `as quest˜oes acima, ´e uma maneira de abrir
uma discuss˜ao entre os que se dedicam `a educa¸ao matem´atica e os pesquisadores desta
ciˆencia. Pode parecer a primeira vista que ao deva existir uma distin¸ao entre os dois tipos
de atividades citadas, entretanto, como atua¸ao podem ser consideradas completamente
171
172 Modelagem Matem´atica
diferenciadas.
De fato, grande parte dos matem´aticos profissionais, consciente talvez de que a maior
parte da sua produ¸ao cient´ıfica ´e incompreens´ıvel para algu´em ao iniciado, tem como
interesse imediato o rigor estrito e o formalismo das estruturas, crit´erios que, por sua vez,
em sido tomados, como primordiais para qualificar a pesquisa em matem´atica.
Na verdade, grande parte do conhecimento matem´atico tem sido constru´ıdo somente
dentro do terreno da matem´atica, a partir da ao de um profissional que em geral ao
formula quest˜oes como: “para que serve isso?”. Este sentimento de auto-suficiˆencia, no
campo da matem´atica, tem sido decididamente apontado neste eculo e seus defensores
- intitulados puristas em geral, ao est˜ao preocupados com utiliza¸ao externa de seus
conhecimentos e consideram a matem´atica aplicada uma produ¸ao inferior e deselegante.
A matem´atica considerada pura segue a tendˆencia formalista, a qual consiste somente
de axiomas, defini¸oes e teoremas encaixados e estruturados de maneira consistente, num
crescente caudal de generaliza¸oes. Neste contexto, as ormulas ao obtidas por meio de
mecanismos ogico-dedutivos, sem objetivo significativo fora do terreno no qual foram criadas
isto ´e, fora do terreno da Matem´atica. Dentro desta ´otica de constru¸ao ou descoberta
de fatos matem´aticos, duas correntes principais podem ser destacadas, os formalistas e os
platonistas.
De algum modo, em contraposi¸ao aos formalistas, os platonistas afirmam que os objetos
matem´aticos existem independentemente do nosso conhecimento sobre eles. Tal tendˆencia
tamb´em combate as atitudes intelectuais que buscam o conhecimento de pr´aticas e de ex-
periˆencias sensoriais ou intuitivas. Na verdade, os platonistas afirmam que o matem´atico
ao inventa coisa alguma, mas sim descobre as coisas a existentes, apreendendo-as essen-
cialmente pela via da raz˜ao.
De qualquer modo, o problema de interpreta¸oes contr´arias entre as correntes formalistas
e o platonistas, quanto `a existˆencia e apreens˜ao dos fatos matem´aticos, ao interfere sobre
os princ´ıpios do racioc´ınio propulsor da evolu¸ao da Matem´atica. As duas posturas encam-
inham posi¸oes puristas e tiveram, historicamente, grande influˆencia no desenvolvimento
da pesquisa em matem´atica - consequentemente, atuaram como referencial no ensino desta
ciˆencia.
A doutrina do purismo, em geral, de estilo formalista, penetrou gradualmente na pr´atica
da educa¸ao matem´atica, atingindo os n´ıveis mais elementares de ensino como no caso
da estrutura denominada, de modo ufanista e pomposo, matem´atica moderna conceitos
relativos `a teoria dos conjuntos, por exemplo, a fizeram parte do programa de ensino para
todas as crian¸cas de idade pr´e-escolar.
No entanto, boa parte da enese das id´eias matem´aticas ´e fruto de abstra¸oes de situa¸oes
emp´ıricas, que seguem, posteriormente, a busca da alternativa est´etica e, quanto mais tais
id´eias ao aprofundadas e/ou generalizadas, mais se afastam da situa¸ao de origem, acumu-
lando detalhes cada vez mais complexos e menos significativos para aqueles que est˜ao fora
deste campo de estudo. Na verdade, a Matem´atica dita pura constr´oi ou descobre objetos de
estudo pr´oprios, tratando-os como entes ideais, abstratos/interpretados, existentes/criados
apenas na mente humana, isto ´e, constru´ıdos de modo conceitual.
Rodney Carlos Bassanezi 173
Todavia, apesar da reflex˜ao acima pouco otimista no que se refere a possibilidade
de uma rela¸ao harmoniosa com o conhecimento matem´atico ´e preciso reconhecer que a
Matem´atica, devido talvez ao seu potencial de generalidade e poder de s´ıntese, passou a
funcionar como agente unificador de um mundo racionalizado e tem se colocado como um
instrumento, cada vez mais indispens´avel, para a constru¸ao de teorias que emergem de
outros campos de estudo tudo isto, independentemente dos interesses imediatos de seus
criadores.
Nos ´ultimos anos a orienta¸ao formalista, principal respons´avel pela forma¸ao de cunho
elitista e distanciado do matem´atico, vem sendo questionada novas tendˆencias est˜ao
ganhando terreno. Segundo D’Ambrosio ([4]), os programas de pesquisa, no sentido
lakatosiano, em crescendo, em repercuss˜ao, mostrando-se uma alternativa alida para um
programa de ao pedag´ogica”. No que se refere `a aplicabilidade da Matem´atica, D’Ambrosio
se manifesta, explicando que ao se trata simplesmente de tendˆencia:
“Este car´ater surpreendente de aplicabilidade da Matem´atica tem sido uma constante do seu de-
senvolvimento. Uma das raz˜oes parece ser que o desenvolvimento da Matem´atica ao se processa
de uma maneira isolada, mas recebe influˆencias freq¨uentes das pr´oprias mudan¸cas que ela a judou a
realizar”.
Sem uvida, a outras interpreta¸oes/reflex˜oes `a respeito da aplicabilidade, como as de
Do Carmo ([5]):
“O que existe ´e uma intera¸ao de progressos te´oricos e aplicados formando uma imensa rede de
influˆencias utuas que se torna dif´ıcil de decidir o que ´e mais importante: se o desejo puro de
entender, ou a necessidade pr´atica de aplicar”.
´
E consenso a algum tempo, entre arios profissionais, que a competˆencia de especialistas
como o f´ısico ou o engenheiro estaria aliada `a competˆencia em Matem´atica. Atualmente, este
padr˜ao de pensamento est´a sendo aplicado `as diferentes ´areas de conhecimento propriamente
ditas isto ´e, a consistˆencia de uma teoria ou sua pr´opria valida¸ao depende, em grande
parte, da capacidade de interpreta¸ao/explica¸ao em linguagem matem´atica.
ao podemos negar que a Matem´atica tem penetrado fortemente na Economia, Qu´ımica,
Biologia, entre outras, na perspectiva da utiliza¸ao de modelos matem´aticos, quase sempre
apoiados, no in´ıcio, nos paradigmas que nortearam a F´ısica como as leis de conserva¸ao
e analogias conseq¨uentes. Outras ´areas como Sociologia, Psicologia, Medicina, Ling¨u´ıstica,
usica, e mesmo a Hist´oria, come¸cam a acreditar na possibilidade de ter suas teorias mod-
eladas por meio da linguagem matem´atica.
Grosso modo, quando procuramos agir/refletir sobre uma por¸ao da realidade, na ten-
tativa de explicar, compreender ou modific´a-la, o processo usual ´e selecionar, no sistema em
estudo, argumentos ou parˆametros considerados essenciais, formalizando-os por meio de um
processo artificial denominado modelo. Bunge reconhece tal processo, chegando a afirmar
que “toda teoria espec´ıfica ´e, na verdade, um modelo de um peda¸co da realidade”(Bunge,
[6]).
174 Modelagem Matem´atica
Neste sentido, em rela¸ao `as aplica¸oes da Matem´atica, duas alternativas mostram-se
bem delineadas: uma primeira vis˜ao consiste em adaptar conceitos, configura¸oes ou estru-
turas matem´aticas aos fenˆomenos da realidade muitas vezes, sujeitando aspectos da reali-
dade, f´ısico- sociais e outros, a tender da melhor maneira poss´ıvel aos modelos matem´aticos
que lhes ao atribu´ıdos. Numa segunda alternativa temos situa¸oes da realidade servindo
como fonte para a obten¸ao de novos conceitos e estruturas matem´aticas com efeito, neste
sentido, os paradigmas da constru¸ao cient´ıfica, a estabelecidos, ao lugar a novos paradig-
mas e a Matem´atica evolui como um retrato do universo. Talvez, seja esta vis˜ao, pr´oxima
de uma explica¸ao platˆonica sobre o desenvolvimento da Matem´atica, a raz˜ao da existˆencia
e funcionalidade da Matem´atica.
Assim, em se tratando da investiga¸ao em matem´atica, ´e comum a combina¸ao das
duas alternativas. a, ent˜ao, a possibilidade da constru¸ao de modelos matem´aticos, a
partir de uma teoria conhecida que, por sua vez, ao cont´em ecnicas e etodos suficientes
para obten¸ao dos resultados desejados. Tais situa¸oes exigem do matem´atico aplicado
habilidades e criatividade, em especial de tendˆencias matem´aticas, de modo a desenvolver
novos m´etodos e ecnicas que ao se mostrando necess´arios naturalmente, tais dinˆamicas
ao fontes geradoras de motiva¸ao para a produ¸ao cient´ıfica em processo. Do nosso ponto
de vista, a posi¸ao mais razo´avel para o matem´atico praticante das aplica¸oes, pesquisador
ou professor, ´e a de estar atento para adotar as facetas mais producentes das estrat´egias
dispon´ıveis, ajustando-as, de modo conveniente, em cada etapa do trabalho.
Neste contexto, um modelo matem´atico ´e um conjunto consistente de equa¸oes ou estruturas
matem´aticas, elaborado para corresponder a algum fenˆomeno este pode ser f´ısico, biol´ogico,
social, psicol´ogico, conceitual ou at´e mesmo um outro modelo matem´atico.
A aceita¸ao de um modelo, por sua vez, depende essencialmente dos fatores que condi-
cionam o modelador, ou seja, dos objetivos e recursos dispon´ıveis do sujeito que se prop˜oe
a construir/elaborar o modelo. Nesta perspectiva, um modelo complexo pode ser motivo
de orgulho para um matem´atico e inadequado para o pesquisador que vai aplic´a-lo .Muitas
vezes, as necessidades imediatas de um pesquisador ao atendidas por um modelo parcial
e simples, o qual ao comporta todas as vari´aveis que possam influenciar na dinˆamica do
fenˆomeno estudado. De modo expl´ıcito, Davis & Hersh [7] afirmam:
“Um modelo que pode ser considerado bom ou ruim, simples ou satisfat´orio, est´etico ou feio, ´util ou
in´util, mas seria dif´ıcil dizer se ´e verdadeiro ou falso . . . a utilidade de um modelo est´a precisamente
em seu sucesso de imitar ou predizer o comportamento do Universo”.
No que se refere a utilidade, reconhecemos que uma coisa ´e considerada ´util quando
tem a capacidade de satisfazer de algum modo, uma necessidade humana desta forma a
utilidade depende essencialmente do usu´ario.
A quest˜ao da utilidade, no caso da Matem´atica, tem sido discutida de modo bastante
abrangente, levando em conta elementos est´eticos, cient´ıficos, comerciais, psicol´ogicos, entre
outros. Por´em, tal abrangˆencia ´e reconhecida apenas parcialmente pelos profissionais da
Matem´atica dita pura. Para o matem´atico purista, um conceito matem´atico ´e considerado
Rodney Carlos Bassanezi 175
´util quando pode ser aplicado/associado em alguma parte da pr´opria pesquisa. Na verdade,
ao seria razo´avel esperar que a expectativa de utilidade, por parte do matem´atico puro,
se estendesse para outras ´areas do terreno matem´atico pois, dado o vasto crescimento da
Matem´atica em seus meandros de sub-´areas, ´e imposs´ıvel, atualmente, qualquer que seja o
matem´atico, ter um bom conhecimento das pesquisas realizadas em outras ´areas, ou seja,
fora do seu campo estrito de atua¸ao. Neste sentido, poder´ıamos afirmar que a maior
parte do que se tem feito em Matem´atica ao ´e utilizada pela grande maioria dos pr´oprios
matem´aticos. No fim da ecada dos 40, von Neumann estimou que um matem´atico abil
poderia saber, essencialmente, 10% do que estaria dispon´ıvel (...) Uma classifica¸ao mais
detalhada mostraria que a literatura matem´atica est´a subdividida em mais de 3000 categorias
(. . . ) Na maioria destas categorias, cria-se matem´atica nova a uma velocidade constante-
mente crescente, tanto em profundidade quanto em extens˜ao [7].
Vale ressaltar que ao estamos aqui desconsiderando a importˆancia da matem´atica pura
ou que toda teoria constru´ıda de modo dedutivo, no estilo formalista, deva ser de alguma
maneira aplic´avel Na verdade, como a mencionamos, um bom pesquisador deveria ter um
bom conhecimento de matem´atica, pelo menos para organizar seus conhecimentos atrav´es
de uma linguagem universal. O que podemos afirmar, de modo geral, ´e que a evolu¸ao no
campo da matem´atica e em arias outras ´areas do conhecimento, auxiliada em grande parte
pela inform´atica, propiciou o atual destaque do matem´atico aplicado.
Amatem´atica aplicada ´e essencialmente inter-disciplinar e sua atividade consiste em
tornar aplic´avel alguma estrutura matem´atica fora do seu campo estrito; a modelagem, por
sua vez, ´e um instrumento indispens´avel da matem´atica aplicada. A constru¸ao matem´atica
pode ser entendida, neste contexto, como uma atividade em busca de sintetizar id´eias con-
cebidas a partir de situa¸oes emp´ıricas que est˜ao quase sempre, escondidas em num emaran-
hado de vari´aveis. Fazer matem´atica, nesta perspectiva, ´e aliar, de maneira equilibrada,
a abstra¸ao e a formaliza¸ao ao perdendo de vista a fonte origin´aria do processo. Desse
modo, numa retomada aos fundamentos, o caminho tomado pela matem´atica aplicada, em
especial pela modelagem matem´atica, se aproxima da concep¸ao platˆonica no que se refere
`a constru¸ao do conhecimento, pois ´e como se o modelo a estivesse a, em algum lugar da
Matem´atica. Vale aqui, ent˜ao, antecipar uma discuss˜ao do ponto de vista pedag´ogico: o
desafio do professor, que toma o caminho da modelagem como etodo de ensino, ´e ajudar
o aluno a compreender, construindo rela¸oes matem´aticas significativas, em cada etapa do
processo.
Se um modelo ´e inadequado para atingir determinados ob jetivos, ´e natural tentar cam-
inhos que permitem construir outro melhor ou, ent˜ao, analis´a-lo, de modo comparativo,
tomando como referˆencia um outro a existente. O modelo nunca encerra uma verdade
definitiva, pois ´e sempre uma aproxima¸ao conveniente da realidade analisada e, portanto,
sujeito a mudan¸cas - este processo dinˆamico de busca a modelos adequados, como prot´oticos
de determinadas entidades, ´e o que se convencionou chamar de Modelagem Matem´atica
vale ressaltar que uma ao pedag´ogica, eficiente, tem sido realizada por meio deste mesmo
caminho ([14]).
A modelagem matem´atica, concentrada no desenvolvimento e an´alise de modelos, onica
176 Modelagem Matem´atica
da pesquisa contemporˆanea, passou a ser uma arte em si mesma. Na verdade, muito do
que a se produziu em matem´atica tem sido re-direcionado para a constru¸ao de modelos e
teorias emergentes, procurando justificar-se a partir de aplica¸oes ´e o caso da teoria fuzzy
, teoria do caos e bifurca¸oes , teoria dos fractais, entre outras.
Naturalmente, ao privilegiar um ensino voltado para os interesses e necessidades da
comunidade, precisamos considerar o estudante como um participante, especialmente ativo,
do desenvolvimento de cada conte´udo e do curso como um todo o que ao tem sido proposta
da pr´atica tradicional, principalmente em nosso pa´ıs. O fato ´e que as escolas, em particular
as universidades, possuem um ensino que ainda funciona no sistema de auto-transmiss˜ao, no
qual as pessoas passam em exames e ensinam outras a passar em exames, mas ningu´em sabe
muita coisa. Isto acontece mesmo nas ´areas que ao consideradas essencialmente aplicadas
como a F´ısica. O falecido ısico norte-americano Richard Feynman, ganhador do prˆemio
Nobel de F´ısica, demonstra sua perplexidade frente aos rumos que estava (est´a?) tomando
nosso sistema educacional quando aqui esteve participando, na ecada de 50, do que ele
denominou de etodo brasileiro de ensino”. O que se segue ´e a transcri¸cao de parte de seu
depoimento ([8]):
“. . . mais tarde assisti uma aula na Escola de Engenharia Dois corp os . . . ao considerados
equivalentes . . . se momentos iguais . . . pro duzem . . . acelera¸oes iguais. Dois corpos ao
considerados equivalentes se momentos iguais produzem acelera¸oes iguais. Os alunos
estavam todos ali sentados a copiar o ditado e, quando o professor repetia a frase, verificavam-na
para ter a certeza de que a tinham escrito corretamente. Depois escreviam a frase seguinte, e assim
por diante. Eu era o ´unico que sabia que o professor estava falando sobre momentos de in´ercia, o
que era dif´ıcil de descobrir.
ao via como eles podiam aprender alguma coisa daquela maneira. Ali estava ele falando de
momentos de in´ercia, mas ao se discutia a dificuldade em abrir uma porta, empurrando-a, quando
pusermos peso na parte de fora, comparada com a dificuldade se os pesos estiverem perto dos gonzos
nada!
Depois da aula falei com um aluno:
Vocˆes escrevem todos estes apontamentos - o que fazem com eles?
Oh, a gente estuda, diz ele. Vamos ter um exame.
Como vai ser o exame?
Muito acil posso dizer-lhe agora uma das perguntas.
Olha para o caderno e diz:
Quando ´e que dois corpos ao equivalentes? E a resposta ´e: Dois corpos ao considerados
equivalentes se momentos iguais produzem acelera¸oes iguais.
Por isso, como se pode ver, eles podiam passar nos exames e aprender todas aquelas coisas, e ao
saberem nada, exceto o que decoraram. Os estudantes tinham decorado tudo, mas ao sabiam o
significado de nada . . .
Rodney Carlos Bassanezi 177
O que se pode observar na maioria das institui¸oes de ensino, principalmente em rela¸ao
ao ensino de Matem´atica, ´e que a ˆenfase maior tem sido dada ao produto em detrimento do
processo, o que implica na a qualidade do primeiro [9].
Uma quest˜ao bem pouco significativa, at´e a algum tempo, em termos de aquisi¸ao de
conhecimento matem´atico agora tamb´em se imp˜oe: como ensinar matem´atica de maneira
que se torne um assunto agrad´avel para a maioria, incluindo alunos e professores?
Antes de tentar uma resposta para esta quest˜ao queremos salientar que a palavra
agrad´avel pode ser relativizada, segundo suas arias conota¸oes. Procurando uma resposta
pouco sofisticada em termos filos´oficos assim como assegurando uma certa ob jetividade,
entendemos por matem´atica agrad´avel aquela que se faz sentir tanto elegante e funcional,
como formal e aplic´avel e, ainda, bonita e ´util. Em suma, uma matem´atica interessante e
´util, que ao se distancia demasiadamente do conte´udo program´atico asico existente, pelo
menos enquanto tal conte´udo ao for repensado/reorganizado.
Naturalmente, conseguir este equil´ıbrio entre o formalismo e a aplicabilidade pode pare-
cer, a princ´ıpio, um objetivo inating´ıvel, principalmente quando consideramos a forma¸ao
inadequada do professor e os fatores ocio-pol´ıtico-econˆomicos que envolvem todo o processo
de ensino-aprendizagem, cujos efeitos sentidos em nossas salas de aula, em geral, ao podem
ser transformados independentemente de suas origens. Esta quest˜ao ao ´e nova a inclus˜ao
de aspectos de aplica¸ao e, mas recentemente, da resolu¸ao de problemas e modelagem
matem´atica, a em sido defendida por muitos educadores.
Como a dissemos, a nosso ver, a Modelagem Matem´atica utilizada como estrat´egia de
ensino-aprendizagem ´e um dos caminhos a ser seguido para tornar um curso de matem´atica,
em qualquer n´ıvel, mais atraente e agrad´avel. Uma modelagem eficiente permite fazer pre-
vis˜ao, tomar decis˜oes, explicar e entender, enfim, participar do mundo real com capacidade
de influenciar em suas mudan¸cas. De fato, da nossa experiˆencia como professor e formador
de professores, os processos pedag´ogicos voltados para as aplica¸oes, em oposi¸ao aos proced-
imentos de cunho formalista, podem levar o educando a compreender melhor os argumentos
matem´aticos, encorporar conceitos e resultados de modo mais significativo e, se podemos as-
sim afirmar, criar predisposi¸ao para aprender matem´atica porque passou, de algum modo,
a compreendˆe-la e valoriz´a-la.
´
E claro, no entanto, que o desenvolvimento de um trabalho pedag´ogico voltado para as
aplica¸oes, ao ´e ao simples, principalmente, quando se pensa nas estruturas atuais dos
cursos regulares. Sobre este ´ultimo aspecto chamamos a aten¸ao para os obst´aculos mais
comuns colocados no final do cap´ıtulo 1, e que podem ser resumidos no fato de que existe
um programa a ser cumprido num prazo fixo e na falta de treinamento dos professores em
rela¸ao ao processo de modelagem.
Da nossa experiˆencia e discuss˜oes com outros colegas que trabalham com modelagem
em cursos regulares, podemos reconhecer encaminhamentos para a solu¸ao de alguns dos
obst´aculos apontados. A falta de tempo para cumprir o programa e a in´ercia dos estu-
dantes frente a dinˆamica de um processo de modelagem podem ser contornadas quando
o professor vai adquirindo habilidades para encontrar o momento oportuno para fazer a
sistematiza¸ao de cada parte do conte´udo trabalhado e utilizar adequadamente, analogias
178 Modelagem Matem´atica
com outras situa¸oes problemas. Entretanto, somos de opini˜ao que ao se deve propor um
modelo matem´atico simplesmente para justificar um programa a ser cumprido.
A participa¸ao dos alunos na escolha do tema, que pode ser orientada mas ao imposta
pelo professor, ´e muito importante - Isto faz com que se sintam respons´aveis por seu pr´oprio
aprendizado.
De qualquer forma, o programa da disciplina e o conjunto de pr´e-requisitos para seu
desenvolvimento orientam o caminho a ser seguido no processo de ensino por meio da mod-
elagem.
Vale comentar que nas diversas vezes que seguimos a orienta¸ao/discuss˜ao apresentada,
de modo a ajudar professores a apropriar-se da modelagem matem´atica como etodo de
ensino, esta se deu com relativo ˆexito, revelando que pode ser um dos caminhos para desen-
volver processos de aprendizagem significativos.
Neste sentido, a existem grupos de professores atuantes, em diferentes espa¸cos de
forma¸ao, discutindo e vivenciando a Modelagem Matem´atica como um caminho para a
aprendizagem da Matem´atica. Tais dinˆamicas em sido do tipo: cursos regulares com pro-
gramas pr´e- estabelecidos, programas de forma¸ao de professores, cursos de educa¸ao de
adultos, cursos para profissionais em servi¸co bi´ologos, agrˆonomos e outros -, cursos com
abordagens espec´ıficas em grupos ´etnicos ou de profissionais ´ındios, garimpeiros, entre out-
ros e, mais recentemente, como disciplina do programa de Licenciatura em Matem´atica.
Podemos considerar que ao longo destes anos, o esp´ırito universit´ario tem passado por
transforma¸oes, no Brasil e em outros pa´ıses, que fazem sentir seus efeitos na educa¸ao
matem´atica. Um reflexo deste movimento est´a, como dissemos, na procura, cada vez maior,
pelos cursos de os-gradua¸ao desta ´area. Temos algumas restri¸oes em rela¸ao `a forma como
estes cursos ao estruturados mas, naturalmente, este ´e um assunto para outra ocasi˜ao.
Resumindo o que at´e aqui se afirmou, tomando cuidado contra as simplifica¸oes, podemos
dizer que estamos pensando num ensino mais dinˆamico e abrangente, visando uma Licen-
ciatura em Matem´atica constru´ıda por meio da realiza¸ao de projetos, de oes pedag´ogicas,
que inclua as aplica¸oes em matem´atica de modo significativo. Tais projetos poder˜ao ser
realizados `a distˆancia via diferentes tecnologias emergentes ou a partir de cursos es-
pec´ıficos/localizados.
De qualquer forma, estamos preocupados com processos mais significativos de reten¸ao
da aprendizagem e valoriza¸ao da matem´atica ensinada. ´
E consenso que as informa¸oes
que retemos com mais facilidade ao aquelas relacionadas com o que ouvimos e, de alguma
forma, aplicamos. Numa palestra do Prof. N. Balzan, UNICAMP-1998, foi apresentado o
resultado de uma pesquisa realizada sobre Planejamento de Ensino e Avalia¸ao (Vacuum
Oil Co. Studies) onde constatou se que:
Rodney Carlos Bassanezi 179
Aprendemos
1% atrav´es do gosto
1.5% atrav´es do tato
3.5% atrav´es do olfato
11% atrav´es do ouvido
83% atrav´es da vis˜ao
Retemos
10% do que lemos
20% do que escutamos
30% do que vemos
50% do que vemos e escutamos
70% do que ouvimos e logo discutimos
90% do que ouvimos e logo realizamos
3.2 Modelagem matem´atica uma disciplina
emergente nos programas de forma¸ao de profes-
sores
As discuss˜oes sobre os fundamentos da Matem´atica, em geral, redirecionam seus obje-
tivos e, de algum modo, influenciam os etodos de ensino desta ciˆencia. Desta maneira, ´e
importante notar que, atualmente, temos duas correntes predominantes no que se refere aos
objetivos da Matem´atica: uma, que lhe a o car´ater de ser uma ciˆencia que ao necessita
retribuir coisa alguma ao mundo exterior e, outra, que procura achar uma liga¸ao, de cada
especialidade, com alguma ´area de aplica¸ao.
Com efeito, a dualidade ressaltada acima est´a presente nos projetos acadˆemicos, com
toda expressividade. Por um lado, a utilidade como objetivo vem ganhando terreno, em
especial no campo da pesquisa. Para se adaptar a esta nova tendˆencia, as universidades
em criado cursos espec´ıficos de matem´atica aplicada, nos quais as disciplinas obrigat´orias
ao constitu´ıdas de mat´erias que enfatizam a formula¸ao de modelos. Por outro lado, de
modo paralelo aos cursos de matem´atica aplicada, as disciplinas oferecidas nos cursos de
Licenciatura em Matem´atica, cujo objetivo ´e formar docentes para o ensino fundamental
e edio, continuam funcionando no estilo cl´assico formalista. Sem uvida, aproximando a
nossa afirma¸ao do terreno das conjecturas, com tal forma¸ao purista, os futuros profissionais
o podem reconhecer a utilidade da Matem´atica na capacidade desta de ensinar a pensar e
raciocinar com precis˜ao.
De um lado, o pr´oprio processo atual de forma¸ao do professor ao leva o educando a
estabelecer uma associa¸ao relevante entre o que se ensina e o mundo real. Desse modo,
esperar que o educando, assim como o professor, mude sua postura, tornando-se um edu-
cador voltado para aplicabilidade, colocando a matem´atica como elemento aglutinador da
interdisciplinaridade, ´e um sonho quase imposs´ıvel.
“Compreender o pensamento complexo exige uma nova aprendizagem, pois fomos formados num
sistema de ensino que privilegia a separa¸ao, a redu¸ao, a compartimentaliza¸ao, o pr´oprio corpo-
rativismo dos saberes, que fraciona e aliena o nosso modo de pensar. Em conseq¨encia, imp˜oe-se
uma reforma do pensamento.” ([10])
180 Modelagem Matem´atica
De outro lado, se a ˆenfase das propostas de melhorar a educa¸ao matem´atica, ho je, est´a
mais nos modelos que na teoria, se queremos a matem´atica, al´em de elegante, aplic´avel
e outros tantos desejos, como o do professor sentir-se valorizado ao ensinar matem´atica,
devemos imediatamente questionar e repensar o curr´ıculo da Licenciatura em Matem´atica.
Vale aqui a pergunta: E, ent˜ao, o que o professor do ensino fundamental e edio deve
conhecer para ser um bom professor de matem´atica?
Numa busca de respostas `a pergunta acima, o Conselho Estadual de Educa¸ao do Paran´a
a deu os primeiros passos em 1997. Est˜ao procurando organizar, juntamente com os profes-
sores de universidades do Paran´a, um programa asico que dever´a ser articulado/discutido
em todos os cursos de Licenciatura em Matem´atica do Estado.
Nossa sugest˜ao ´e que as sociedades cient´ıficas e educacionais brasileiras como SBEM,
SBMAC, SBM, SBPC, e outras, iniciem, num esfor¸co conjunto, discuss˜oes nesta dire¸ao,
procurando delinear um programa equilibrado de disciplinas que visem a forma¸ao do pro-
fessor de matem´atica, frente `as transforma¸oes em processo no campo da Ciˆencia, numa
rela¸ao mais orgˆanica com as exigˆencias emergentes do social e do econˆomico em termos
globais.
De uma forma ou de outra, a quest˜ao da forma¸ao do professor a deixou, a algum
tempo, de ser encaminhada a partir de vis˜oes impressionistas. a, hoje, no Brasil e no
mundo muita discuss˜ao `a respeito da forma¸ao de professores, com arios encaminhamentos
no campo da investiga¸ao e da pr´atica propriamente dita.
Entretanto, sem querer ser simplista, os dir´ıamos que a deficiˆencia do professor de
matem´atica ao est´a no conjunto de conte´udos matem´aticos aprendidos muitas vezes, ele
estudou matem´atica de modo sistem´atico e exaustivo, tendo como referˆencia os conte´udos
ou “produto” que ele precisa ensinar nos cursos do ensino fundamental e edio mas
sim na essˆencia do processo que orientou sua forma¸ao. Isto ´e, as disciplinas ao tratadas
geralmente, de modo independente uma das outras, consideradas como prontas/acabadas,
sem origem e sem futuro e, quase sempre apresentadas/desenvolvidas sob o regime formalista
dos teoremas e suas demonstra¸oes; as aplica¸oes, quando sugeridas, o dizem respeito ao
pr´oprio conte´udo rec´em-ensinado. Em resumo, a matem´atica trabalhada, num programa
tradicional da Licenciatura, tem sido inteiramente privada de originalidade/criatividade e
apresenta-se desvinculada da fonte geradora dos conte´udos que a constituem.
A falta de objetividade da maioria dos cursos de licenciatura em matem´atica provoca
uma ang´ustia nos formandos que se sentem incapacitados para exercerem o magist´erio. Os
programas desenvolvidos nas diferentes disciplinas quase sempre ao fechados e ao existe
uma interliga¸ao com outras ciˆencias a ˆenfase maior est´a na quantidade de conte´udo
transmitido e ao na forma¸ao de elementos atuantes na sociedade.
Desse modo, quando pensamos num professor de matem´atica, formado nestes termos
o que ´e realidade em quase todos pa´ıses facilmente reconhecemos as dificuldades que ele
ter´a de superar de modo a tornar suas aulas mais interessantes, isto ´e, conseguir que os
alunos participem efetivamente. Na verdade, este problema ´e geral, por´em, nos pa´ıses em
desenvolvimento ele ´e muito mais sens´ıvel que nos pa´ıses ditos desenvolvidos, dado que a
pr´opria dinˆamica da evolu¸ao cient´ıfica acaba orientando a busca de tendˆencias mais ecnicas
Rodney Carlos Bassanezi 181
e aplicativas.
Com rela¸ao `a investiga¸ao, apesar desta ser ainda bastante acanhada no Brasil onde
aspecto burocr´atico quase sempre supera a competˆencia/talento a valoriza¸ao da pesquisa
em Educa¸ao Matem´atica tem impulsionado a forma¸ao de um contingente expressivo de
mestres e doutores nesta ´area. Este fenˆomeno, poder´a resultar num fator de mudan¸cas no
campo da aprendizagem e do ensino de matem´atica em nosso pa´ıs.
Vale aqui ressaltar que consideramos ter dado, na Universidade Estadual de Campinas-
IMECC/UNICAMP, um primeiro passo para transformar o problema da forma¸ao do pro-
fessor de matem´atica, ao implantar a disciplina “Modelos Matem´aticos”, ministrada no
programa de Licenciatura em Matem´atica (curso vespertino). O enfoque central desta dis-
ciplina ´e procurar um equil´ıbrio harmonioso entre a teoria e a pr´atica, mostrando o valor
intr´ınseco da matem´atica, assim como sua plasticidade e beleza, enquanto ferramenta para
outras ´areas do conhecimento.
Nossa proposta, entretanto, ´e mais abrangente que a simples introdu¸ao de uma disciplina
do tipo, em todos os cursos de licenciatura do pa´ıs, visto que isto somente ajudaria a
atacar uma parte intermedi´aria do problema e, certamente, com efeitos a longo prazo. Na
verdade, consideramos que as extremidades do iceberg em que ser consideradas. Se, por um
lado, devemos pensar na forma¸ao do aluno da Licenciatura, refletindo sobre as condi¸oes
que resultem em vigor, competˆencia, seguran¸ca e interesse para ministrar a disciplina em
quest˜ao, por outro lado, o contingente de professores atuantes no ensino fundamental e edio
precisa ser aperfei¸coado e capacitado, para esta nova pr´atica de ensino. Assim, de modo a
encaminhar solu¸oes, deixamos uma sugest˜ao, por vezes a vivenciada, de um programa para
forma¸ao de professores, tendo como foco central a modelagem matem´atica. Este programa
foi aplicado com sucesso em algumas turmas do programa de licenciatura (1995–1997).
3.2.1 Modelagem Matem´atica: uma disciplina para forma¸ao
de professores.
Objetivos
Enfatizar aplica¸oes matem´aticas, usando as ecnicas de modelagem como procedi-
mento, de modo a desenvolver, no educando, capacidades e atitudes criativas na dire¸ao
da resolu¸ao de problemas;
Desenvolver o esp´ırito cr´ıtico do educando de modo que ele possa entender e interpretar
a Matem´atica em todas as suas facetas;
Preparar o educando para utilizar a matem´atica como uma ferramenta para resolver
problemas em diferentes situa¸oes e ´areas;
Adotar um “enfoque epistemol´ogico alternativo associado a uma historiografia mais
ampla; partindo da realidade, encaminhar a ao cognitiva e a proposta pedag´ogica
dentro de um enfoque cultural numa rela¸ao estreita com as diretrizes de um Pro-
grama de Etnomatem´atica” [1].
182 Modelagem Matem´atica
Programa
I Fundamentos da Matem´atica
´
E importante salientar que as controersias existentes em rela¸ao ao que se deve ensinar
de matem´atica em de encontro com os objetivos deste pr´oprio ensino Se considerarmos
que um matem´atico puro ´e pago para descobrir novos fatos matem´aticos. Um matem´atico
aplicado ´e pago para obter a solu¸ao de problemas espec´ıficos” (V. I. Arnold), qual seria
ent˜ao a fun¸ao atual do professor de matem´atica do Ensino Fundamental? A procura de
uma resposta para esta importante quest˜ao dever´a, cada vez mais, ser tema de inquieta¸ao
dos especialistas em Educa¸ao Matem´atica. Os novos rumos que dever´a seguir a educa¸ao
em geral e a matem´atica em particular a est˜ao sendo amplamente questionados:
“Enquanto discutimos aspectos formais da educa¸ao, a preocupa¸ao que se imp˜oe ´e a reforma de
esp´ıritos e institui¸oes, a partir do redirecionamento do que se entende por ensino e do que se espera
dele no terceiro milˆenio. Subsistir´a a sala de aula como ´e hoje? O que se passar´a com a rela¸ao ao
ensino-aprendizagem e a presen¸ca do computador? a esperan¸ca de um humanismo tecnol´ogico?
Precisamos de um novo modelo de educa¸ao, baseado na dissemina¸ao de outro modo de pensa-
mento, que possa responder a quest˜oes essenciais: quem somos, para onde vamos? [10]
Tais quest˜oes devem ser levantadas com os alunos.
´
E interessante fazer uma introdu¸ao da disciplina, abordando os fundamentos da
matem´atica. Suas origens e concep¸oes e eventuais “utilidades”. Como bibliografia para
esta parte sugerimos ([1, 6, 7, 18]).
II A Modelagem como etodo cient´ıfico do conhecimento
A modelagem ´e uma estrat´egia de pesquisa utilizada nos mais variados campos do con-
hecimento. Uma discuss˜ao sobre este procedimento de pesquisa seria indispens´avel para
motivar os estudantes de matem´atica. O cap´ıtulo 1 poderia ser o in´ıcio desta abordagem,
completada com alguma bibliografia asica ([1, 2, 3, 7, 16, 22, 23], etc).
III Discuss˜ao sobre modelos matem´aticos cl´assicos e analogias
O estudo de modelos cl´assicos, das arias ´areas do conhecimento, servem de motiva¸ao
para os questionamentos a respeito do processo de suas formula¸oes e respectivas restri¸oes.
Nesta parte sugerimos exemplos e discuss˜ao sobre:
Modelos de dinˆamica populacional (Malthus, Verhurst, Volterra, entre outros);
Modelos de Epidemiologia;
Modelos cl´assicos da ısica (sistemas mecˆanicos e analogias com sistemas el´etricos);
Modelos compartimentais;
Modelos de Economia (d´ıvida, poupan¸ca, entre outros)
Sugest˜ao Bibliogr´afica: ([13, 17, 20, 21] entre outros).
Rodney Carlos Bassanezi 183
IV Cr´ıtica e Constru¸ao de Modelos Alternativos
Nesta etapa o estudante deve formular modelos alternativos, baseados nos modelos
cl´assicos, e discutir sua valida¸ao. No processo de reformula¸ao de modelos o procedimento
´e adotar novas hip´oteses e cr´ıticas aos modelos cl´assicos (veja cap´ıtulos 2 e 6).
O estudo de situa¸oes que envolvem Etnomatem´atica pode ser tamb´em motivador para
formula¸oes de modelos alternativos (veja, por exemplo, “a constru¸ao de ton´eis” do cap´ıtulo
2, a gram´atica dos ornamentos [15, 16], ou o conceito de etnomatem´atica em [4]).
V ecnicas do processo de modelagem
Escolha de temas e objetos de estudo;
Levantamento de dados;
Ajustes de curvas;
Constru¸ao de modelos;
Modelos alternativos: discuss˜oes e cr´ıticas.
Este opico deve seguir de perto a sequˆencia de etapas que organizam um processo de
modelagem, isto ´e: a) trabalha-se com a indu¸ao que est´a relacionada com a analogia e
percep¸ao das observa¸oes dos outros e das teorias existentes; b) usa-se a dedu¸ao para
a constru¸ao de modelos e suas conclus˜oes; c) quando poss´ıvel, vale fazer a valida¸ao do
modelo ou a previs˜ao dos fenˆomenos ainda ao observados (veja cap´ıtulo 2, [21] e [14]).
VI Modelagem com modelos elementares
Esta parte final do curso deve ser dedicada `a transforma¸ao de modelos com equa¸oes
diferenciais em modelos com equa¸oes de diferen¸cas finitas, um conte´udo que pode facilmente
ser desenvolvido no ensino fundamental e edio. A correla¸ao entre varia¸oes cont´ınuas
(derivadas) e varia¸oes edias levam, em geral, ao estudo das progress˜oes geom´etricas,
fun¸ao exponencial, logar´ıtmo etc.
A modelagem com geometria e trigonometria (modelos est´aticos) ao facilmente
adapt´aveis aos programas do ensino fundamental ou edio. Exemplos inseridos neste texto
como: “Dinˆamica populacional de uma colm´eia”; “Constru¸ao de favos”; “Crescimento de
plantas”; “Planta¸ao de batatas”; “Ornamentos”, entre outros, poder˜ao ser desenvolvidos
nesta etapa.
Naturalmente, a disciplina detalhada acima est´a sujeita a arios tipos de modifica¸oes,
em especial no que diz respeito `a estrutura escolar vigente e `as condi¸oes ambientais.
184 Modelagem Matem´atica
3.3 Algumas Experiˆencias de Modelagem em Dis-
ciplinas Regulares
Uma disciplina regular ´e aquela em que a existe um programa e uma carga hor´aria de-
terminados, com pr´e-requisitos organizados nos moldes tradicionais. Neste caso, o processo
de ensino com modelagem deve ser modificado e aqui sugerimos duas formas distintas de
execu¸ao:
3.3.1 Escolha de um tema para todo o curso
O tema de estudo deve ser ´unico e na sua escolha deve-se levar em considera¸ao o grau de
escolaridade dos alunos e os seus conhecimentos anteriores. Uma experiˆencia deste tipo foi
realizada pela professora S. Biembengut numa 5a
¯erie, noturno, na Escola EEPG Bairro
Nova Estiva, munic´ıpio de Mogi Gua¸cu, em 1986, [11].
Tema 1: Constru¸ao de uma casa
Etapa inicial da constru¸ao-a planta Cada aluno devia desenhar uma planta baixa de
casa (tamanho reduzido em um desenho), seguindo-se as discuss˜oes sobre como repre-
sentar as paredes e a coloca¸ao de portas e janelas. Esta parte inicial foi motivadora
para se introduzir os conceitos asicos de geometria plana ( proporcionalidade, re-
tas, paralelismo, perpendicularismo, ˆangulos, figuras geom´etricas pol´ıgonos e circun-
ferˆencia).
Tamanho da casa sistemas de medidas Em seguida ´e proposto a confec¸ao de uma
´unica planta para todos os alunos, num terreno de 80 m2.
A rela¸ao entre os comprimentos das paredes e a quantidade de tijolos necess´aria para
a sua constru¸ao proporciona a introdu¸ao dos sistemas de medidas, lineares e de
superf´ıcies planas (comprimento e ´area; representa¸ao decimal dos n´umeros racionais
e opera¸oes; fra¸oes).
Maquete A quantidade de material necess´ario e seu pre¸co favorecem a introdu¸ao de ele-
mentos relacionados com a geometria espacial (s´olidos e medidas de volume, capacidade
e massa) e com opera¸oes financeiras (custo, sal´ario, infla¸ao, lucro, juros, porcentagem
etc).
Salientamos que nesse processo de ensino-aprendizagem, a sequˆencia do programa de-
senvolvido ao ´e necessariamente a mesma do programa inicial os conte´udos matem´aticos
ao trabalhados conforme a exigˆencia do momento. Assim, arias vezes os conte´udos ao
repetidos conforme ao solicitados pelo envolvimento natural no processo de constru¸ao da
casa. No caso espec´ıfico desta experiˆencia todo conte´udo program´atico foi trabalhado.
Rodney Carlos Bassanezi 185
3.3.2 Modelagem Parcial e Resolu¸ao de problemas
Um ´unico tema, escolhido como gancho para desenvolver todo o conte´udo program´atico
de uma disciplina, pode mostrar-se cansativo e desmotivador a partir de algum momento,
principalmente se a introdu¸ao de algum opico de matem´atica ao for feita de maneira
natural, ou seja, mostrar-se imprescind´ıvel diante dos problemas levantados pelo “tema”
em cada momento. Uma maneira mais simples e tamb´em menos comprometedora, para
que se “cumpra” o programa, ´e trabalhar com modelagens curtas de temas distintos em
cada opico introduzido, completando com problemas propostos que se relacionem com o
conte´udo estudado isto facilita o professor que estar´a mais confiante no resultado final e
poder´a ser uma motiva¸ao renovada para os alunos.
Tema 2: Planta¸ao de batatas
O projeto foi desenvolvido em um programa regular de alculo Diferencial e Integral,
para alunos de Tecnologia de Alimentos (UNICAMP, 1983). Apesar de ser o primeiro
contato que estes alunos estavam tendo com matem´atica na universidade, muitos usavam a
camiseta-s´ımbolo do curso com os dizeres: “Detesto alculo”. Evidentemente isto traduzia
o sentimento dos veteranos de T. A. que ao viam motivo satisfat´orio para estudar, durante
3 semestres seguidos, uma disciplina que considevaram in´util e respons´avel pelo maior ´ındice
de reprovao de todo o curso.
Na tentativa de motivar os calouros, propusemos o seguinte esquema de trabalho: o
ir´ıamos trabalhar com a matem´atica que eles achassem interessante e ´util, com proble-
mas ou situa¸oes propostos pelos pr´oprios alunos. Surgiram, desta forma, arios temas:
otimiza¸ao e empunhadura de embalagens, dieta alimentar, balanceamento de ra¸oes etc.
Estes temas foram usados posteriormente para elabora¸ao de problemas e modelos durante
o desenvolvimento do curso. Vamos relatar aqui o problema da planta¸ao de batatas, pro-
posto por um aluno da seguinte forma: “Meu pai planta batatas, colocando cada semente
a uma distˆancia de 30 cm, queria saber porque ele faz desta maneira”. Evidentemente,
ao ınhamos nenhuma resposta imediata, mesmo porque nosso conhecimento, e de toda a
classe, sobre batatas era muito limitado. O primeiro passo neste caso, foi procurar obter
informa¸oes junto `a Secretaria de agricultura onde obtivemos os seguintes dados:
Dados:
I1O espa¸camento entre duas “ruas” deve ser, no m´ınimo, de 80 cm para que se possa
efetuar a limpeza do “mato” (capina);
I2Cada planta isolada produz, em edia, 8.25 batatas (gra´udas e mi´udas);
I3O peso edio de 8 batatas, de uma mesma planta, ´e de 639 gramas;
I4Os bancos de investimentos consideram como produ¸ao normal, 800 sacas de 60 kg
por alqueire plantado (um alqueire paulista mede 24200 m2);
186 Modelagem Matem´atica
I5Dados experimentais apresentados na tabela 3.1 fornecem a rela¸ao entre
espa¸camento de plantas da mesma rua (em cm) e a quantidade m´edia de batatas
por planta.
Espa¸camento Produ¸ao
25 4.5
30 6.5
35 7.5
40 8.0
Tabela 3.1: Plantio de batata.
Mais de 40 cm entre duas plantas, elas podem ser consideradas “quase isoladas” e a
varia¸ao da produ¸ao ´e insignificante.
Baseados nestas informa¸oes, propusemos a seguinte quest˜ao:
Problema: Determinar o espa¸camento entre duas plantas (na mesma rua) de modo que a
produ¸ao de um alqueire seja axima;
a) Consideramos inicialmente, para uma primeira abordagem, o terreno de plantio de um
alqueire como sendo plano e quadrado. Usando matem´atica elementar (no caso, regra-de-
trˆes) os alunos deveriam completar a tabela 3.2
Espa¸camento Produ¸ao Plantas Produ¸ao/planta Produ¸ao total (sacas)
d b p P
25 4.5
30 6.5
35 7.5
40 8.0 0.639 800
458.25 -
Tabela 3.2: Espa¸camento e produ¸ao de batatas.
Com a simples observa¸ao da tabela completada, poder´ıamos a concluir que a maior
produ¸ao em sacas ´e abtida quando a distˆancia entre duas plantas consecutivas de uma
mesma rua ´e, aproximadamente, 30 cm. Esta seria uma boa resposta para uma classe de 5a
¯
ou 6a
¯erie, ao para os alunos de alculo que apresentaram a possibilidade de se construir
uma aquinas para semear batatas.
b) Avalia¸ao da quantidade de ruas em um alqueire de forma quadrada: Cada rua mede
24200 '155,56.Se as ruas devem estar espa¸cadas de 80 cm, teremos 155,56 ÷0,80 =
194,45 ruas num alqueire. Por outro lado, se tomarmos como comprimento de uma rua o
valor 155 m, estamos deixando um espa¸co de 28 cm entre cada extremidade desta rua e
Rodney Carlos Bassanezi 187
a divisa do terreno. Tomando 194 ruas, deixamos um espa¸co de 22 cm entre as ruas de
extremos e a divisa do terreno.
c) A produ¸ao em sacas (60 kg) ´e uma fun¸ao de duas vari´aveis: distˆancia dentre duas
plantas consecutivas da mesma rua e quantidade bde batatas por planta:
P(d, b) = (peso de uma batata ×quantidade de batata por planta) ×(no
¯de plantas por
rua×no
¯de ruas) ×(no
¯de sacos)
P(d, b) = µ0.639
8×bµ155
d×194µ1
60'40b
d(3.1)
Portanto, a produ¸ao ´e diretamente proporcional `a quantidade de batatas por planta e
inversamente proporcional `a distˆancia entre duas plantas consecutivas da mesma rua.
d) As vari´aveis bedao dependentes e portanto, podemos expressar Pem fun¸ao de uma
´unica vari´avel.
Para encontrar a rela¸ao entre bedusamos os dados (discretos) da 1atabela e escrevemos:
b0=f(d0), b1=f(d1), . . . , bn=f(dn)
Nosso objetivo ´e encontrar uma fun¸ao cont´ınua b=f(d).
Poder´ıamos considerar simplesmente um ajuste de curvas e depois comparar o resultado
com o obtido atrav´es do processo interativo:
f(d1)f(d0)=6.54.5 = 2
f(d2)f(d1)=7.56.5 = 1
f(d3)f(d2)=8.07.5 = 1
2
f(d4)f(d3)=8.25 8.0 = 1
4
.
.
..
.
..
.
.
f(dn)f(dn1) = ··· =1
2n2
Somando, membro a membro, cada express˜ao `a cima, obtemos:
f(dn)f(d0) = 2 + 1 + 1
2+1
4+. . . +1
2n2= 4 22n
que nada mais ´e que soma de uma progress˜ao geom´etrica.
Como f(d0) = 4.5. podemos escrever
bn=f(dn) = 8.522n(3.2)
A rela¸ao entre ned´e dada pela reta:
n= 20d5 (3.3)
188 Modelagem Matem´atica
E, portanto, usando (3.3) podemos passar (3.2) da forma discreta para a cont´ınua:
b=f(d) = 8.522(20d5) = 8.52720d(3.4)
(f´e uma fun¸ao potˆencia).
Substituindo a express˜ao (3.4)na equa¸ao que a o valor da produ¸ao em sacas (3.1),
obtemos:
P(d) = 40
d(8.52720d) (3.5)
A equa¸ao (3.5) a a produ¸ao de um alqueire em fun¸ao do espa¸camento entre plantas.
e) Encontrar o valor de dde modo que P(d) seja aximo:
Como P(d) ´e uma fun¸ao diferenci´avel em todo R(reais) e por ser uma fun¸ao potˆencia,
temos que se d=d´e um ponto de aximo para P(d), ent˜ao sua derivada se anula em d,
isto ´e, P0(d) = 0.
Temos ainda que se
f(x) = ah(x)=f0(x) = h0(x)ah(x)ln a
(derivada de uma fun¸ao composta). Logo, usando as propriedades das derivadas, obtemos:
P0(d) = 40 ×8.5
d240d×2720d(20 ln 2) 40 ×2720d
d2=(3.6)
=40 ×2720d(20dln 2 + 1) 40 ×8.5
d2
Assim,
P0(d) = 0 D= 2720d(20dln 2 + 1) 8.5 = 0 (3.7)
A solu¸ao anal´ıtica desta equa¸ao ao ´e simples, no entanto, uma maneira de encontrar
uma solu¸ao aproximada ´e usando o etodo da bisseao:
Construimos a tabela 3.3.
d D
0,25 9,36
0,30 1,81
0,35 -2,65
0,40 -5,23
0,45 -6,69
Tabela 3.3: Valores de deD.
Como a fun¸ao P0(d) ´e cont´ınua para todo d6= 0 e muda de sinal entre os valores
d1= 0.30 e d2= 0.35, ent˜ao existe um valor d(0.30; 0.35) tal que P0(d) = 0 (Teorema
Rodney Carlos Bassanezi 189
do Valor edio). Consideramos o valor edio entre d1ed2, isto ´e, d3=d1+d2
2= 0.325
e calculamos D(d3) = 0.714.Portanto, ddeve estar entre os valores d1ed3. Tomamos
d4=d1+d3
2= 0.312 =D(d4)=0.518, logo d(d3, d4). Continuando o processo,
chegamos ao perto quanto desejarmos da solu¸ao real. ´
E claro que uma solu¸ao aproximada,
neste caso espec´ıfico, ´e ao boa quanto a real uma vez que plantar batatas a 31.5cm ou a
31.72cm vai resultar em uma diferen¸ca insignificante na produ¸ao total.
A condi¸ao P0(d) = 0 ´e apenas necess´aria para termos um ponto cr´ıtico. Para que
dseja ponto de aximo devemos ter ainda a condi¸ao suficiente P00(d)<0. Neste caso
pr´atico, esta condi¸ao ´e obviamente satisfeita pela pr´opria natureza do problema, e mesmo
porque P(d) ´e crescente para d < de decrescente para d > d; entretanto, em se tratando
de aprendizagem de alculo, esta ´e uma boa situa¸ao para se fazer as contas!
f) Como o financiamento para o plantio de batatas pressup˜oe que se tenha uma colheita
de, pelo menos, 800 sacos, queremos saber a que distˆancia se pode plantar para atender as
exigˆencias do financiador.
Devemos encontrar valores para dde modo que se tenha P(d)800, ou seja,
800 40
d(8.52720d)800d340 40 ×2720d 2720d8.520d.
Seja B(d) = 8,52720d,ent˜ao devemos resolver a inequa¸ao B(d)20d.
Uma resposta aproximada pode ser dada pelo etodo da bissec¸ao, onde o extremo
inferior ´e 27cm e o superior ´e 40cm (verifique). Outra maneira de se obter uma resposta
aproximada ´e por meio de um procedimento geom´etrico:
Figura 3.1: alculo das ra´ızes.
Geometricamente, a solu¸ao ´e obtida pela intersec¸ao das curvas y= 20deB(d) =
8.52720d(veja figura 3.1).
190 Modelagem Matem´atica
g) Estudo da fun¸ao produ¸ao P(d):
P(d) = 40
d(8,52720d), d > 0
P´e uma fun¸ao potˆencia racional definida para todo d > 0.
P(d) = 0 8.52720d= 0 8.5 = 2720dln 8.5 = (7 20d) ln 2
20d= 7 ln 8.5
ln 2 =d= 0.1956,
raiz de P.
Por outro lado temos que
P(d)>0d > 0.1956
Como Pest´a definida para todo d > 0 podemos calcular:
lim
d0+P(d) = −∞ e lim
d+P(d) = 0
Assim, as retas P= 0 e d= 0 ao ass´ıntotas de P(d).
O estudo da derivada de P, feito anteriormente, mostrou que a fun¸ao ´e crescente para
d < d'0.317 e decrescente para d > dd´e ponto de aximo, sendo que o valor de
aximo para a fun¸ao ´e P(d)'873.177.
Figura 3.2: Produ¸ao de batatas.
Rodney Carlos Bassanezi 191
Coment´arios
Este problema, inicialmente de aparˆencia despretenciosa, despertou nos estudantes de
Tecnologia de Alimentos uma valiosa motiva¸ao para estudarem a disciplina de alculo
Diferencial e Integral, tanto ´e que, no final, houve apenas uma reprova¸ao entre os 70
cursantes. Salientamos que as provas desta disciplina utilizadas na avalia¸ao dos alunos
eram as mesmas das outras 14 turmas que estavam cursando alculo I na UNICAMP.
O programa foi desenvolvido `a medida que o “problema das batatas” exigia a sistem-
atiza¸ao de novos conceitos. Assim ´e que trabalhamos com fun¸ao (linear, potˆencia, expo-
nencial), fun¸ao inversa (logar´ıtmo), fun¸ao discreta (forma de recorrˆencia), continuidade,
limites (ass´ıntotas), derivadas (crescimento, pontos cr´ıticos, concavidade), ra´ızes de fun¸oes
(Teorema do Valor edio bissec¸ao), gr´afico de fun¸oes etc. Em cada etapa deste processo
procur´avamos selecionar problemas diversos com resolu¸oes an´alogas.
O conceito de integral definida foi introduzido posteriormente, quando estudamos a
planta¸ao de batatas em terrenos irregulares (c´alculo de ´areas).
Tema 3: Constru¸ao de uma piscina
Aconstru¸ao de uma piscina foi um tema aplicado no ensino de alculo II (c´alculo difer-
encial e integral com arias vari´aveis), para alunos de Engenharia Mecˆanica da UNICAMP
em 1980 (curso asico). O tema foi apresentado na forma de um projeto que deveria ser
desenvolvido durante o curso e ser apresentado no final. O objetivo era aplicar os conheci-
mentos aprendidos na disciplina na resolu¸ao do problema proposto.
A planta da piscina foi dada aos alunos que deveriam efetuar os alculos envolvidos no
processo de sua constru¸ao.
Quest˜oes:
a. alculo do volume da piscina;
b. ´
Area para coloca¸ao de azulejos;
c. Varia¸ao da altura do n´ıvel da ´agua quando a piscina est´a sendo cheia;
d. Tempo necess´ario para se encher a piscina.
Dados: A ´agua entra a uma velocidade constante de 20l/min;
1. Express˜ao do volume
O alculo do volume deve ser realizado em 5 etapas distintas conforme as configura¸oes
do fundo e da borda da piscina (veja figura). A simetria da piscina em rela¸ao ao eixo-x
permite trabalhar somente com sua metade.
Calculamos inicialmente a equa¸ao da reta tangente que determina a configura¸ao da
borda superior:
?Raio da circunferˆencia menor r:
r=6.33.6
2= 1.35
192 Modelagem Matem´atica
Figura 3.3: Planta da piscina.
?Raio da circunferˆencia maior: R= 1.8
?Centro da circunferˆencia menor:
OB =6.3+3.6
2= 4.95
?Coordenadas dos pontos P,QeC:
Sejam P: (x1, y1), Q: (x2, y2) e C: (x3,0) o ponto onde a reta tangente `as duas
circunferˆencias corta o eixo-x. Temos que os triˆangulos \
OP C e\
BQC ao semelhantes e
portanto,
R
r=OC
BC =1.8
1.35 =4.95 + BC
BC =BC = 14.84
Agora,
OC =OB +BC = 4.95 + 14.84 = 19.79 = x3
Considerando o triˆangulo \
BQC podemos calcular o coeficiente angular da reta tangente
`as circunferˆencias:
sen α=BQ
BC =1.35
14.84 = 0.0909.
Ent˜ao,
tan α=sen α
1sen2α= 0.0913
Rodney Carlos Bassanezi 193
Como a reta tangente ´e decrescente, seu coeficiente angular ´e m=0.0913 e sua equa¸ao
´e obtida considerando
y0 = 0.0913(x19.79)
ou seja,
y=0.0913x+ 1.807
Temos ainda que:
QC2=BC2BQ2=QC = 14.778
P C2=OC2OP 2=P C = 19.707.
Como os triˆangulos \
x1P C e\
BQC ao semelhantes tiramos que y1= 1.793 x1= 0.158.
De maneira an´aloga calculamos o valor Bx2= 0.118 x2= 5.068.
?alculo de V1(sec¸ao de um cilindro):
V1= 2 Z0.158
1.8Z1.82x2
0
1.8dy dx = 3.6Z0.158
1.8p1.82x2dx.
Considerando a mudan¸ca de vari´avel
x= 1.8 cos θ
obtemos:
V1= 3.6Z1.483
π
1.8 sen θ(1.8 sen θ) = 11.664 Z1.483
πsen2θ
resultando em V1= 10.170m3.
?alculo de V2:
V2= 2 Z1.3
0.158 Z0.0913x+1.807
0
1.8dy dx = 3.6Z1.3
0.158
(0.0913x+ 1.807) dx
resultando em V2= 7.193m3.
?alculo de V3:
Para efetuar este alculo devemos antes determinar a equa¸ao da rampa (plano do fundo
da piscina) para isto, basta determinar z(altura do plano) somente em fun¸ao de x:
z=1.81.2
2.7(x1.3) = 0.222x0.288
Portanto, a altura da piscina nesta sec¸ao ser´a:
z(x, y) = 1.8z= 1.512 0.222x
194 Modelagem Matem´atica
Assim,
V3= 2 Z4
1.3Z0.0913x+1.807
0
z(x, y)dy dx.
resultando em V3= 13.118m3.
?alculo de V4(altura constante z= 1.2):
V4= 2 Z5.068
4Z0.0913x+1.807
0
1.2dy dx = 3.571m3.
?alculo de V5(sec¸ao cil´ındrica de altura constante igual a 1.2):
V5= 2 Z6.3
5.068 Z1.352(x4.95)2
0
1.2dy dx = 3.179m3(verifique!)
Logo, o volume total da piscina ´e dado por:
V=P5
i=1 Vi= 37.181m3
2. Quantidade de azulejos
Da mesma forma que realizamos o alculo do volume, a superf´ıcie a ser azulejada ´e
composta de 5 por¸oes distintas (lateralmente) al´em da base (fundo) da piscina.
?alculo de A1:´area da parede cil´ındrica que comp˜oe a parte mais funda da piscina
(figura 3.4)
Figura 3.4: Fundo da piscina.
Rodney Carlos Bassanezi 195
As coordenadas do ponto P: (x1, y1) ao x1= 0.158 e y1= 1.793, portanto
tan α=0.158
1.793 α= arctan 0.088 = 0.087 rd
Logo,
β=π+ 2α= 3.314 rd
O comprimento do arco da circunferˆencia de raio Re ˆangulo β´e l1=βR = 3.314×1.8 =
5.965m.
Assim, a ´area da parede ´e
A1=hl1= 1.8×5.965 = 10.937m2
?alculo de A2(2 retˆangulos iguais):
Temos que, se x0= 1.3y0=0.0913 ×1.3 + 1.807 = 1.688. A distˆancia dentre os
pontos (x1, y1) e (x0, y0) ´e o valor de um dos lados do retˆangulo, o outro lado vale 1.8.
Como
d=p(1.30.158)2+ (1.688 1.793)2= 1.146
ent˜ao
A2= 2 ×1.8×d= 4.125m2
?alculo de A3(2 trap´ezios iguais):
Figura 3.5: Parte lateral de A3.
S: (1.3; 1.688) e T: (4; 1.441) =ST =p(4 1.3)2+ (1.441 1.688)2= 2.723
196 Modelagem Matem´atica
Logo,
A3= 2(1.2+1.8) ×2.723
2= 8.169m2
?alculos an´alogos para A4eA5fornecem os valores:
A4= 2.572m2eA5= 4.873m2
A ´area da parede lateral ´e A=PAi= 30.676m2.
?´
Area da base B:
A base tamb´em ´e formada por 5 partes distintas:
B1=V1
1.8= 5.65m2;
B2=V2
1.8= 3.996m2;
B3=(2.882+3.376)×2.766
2= 8.654m2;
B4=V4
1.2= 2.976m2e
B5=V5
1.2= 2.649m2.
o que resulta em B=PBi= 23.926m2.
?Quantidade de azulejos:
A ´area total a ser azulejada tem A+B= 54.6m2.Considerando que um azulejo mede
0.15m2, a quantidade m´ınima necess´aria para a constru¸ao da piscina `e:
λ=B+A
0.15
=54.6
0.15
=364
Na constru¸ao de uma piscina irregular como esta sup˜oe-se que a perda de material seja,
aproximadamente, de 10%, o que elevaria a quantidade acima para 400 azulejos ou 60m2.
3. Velocidade e tempo gasto para se encher a piscina
A altura considerada, em cada instante, ´e a medida do n´ıvel da ´agua em rela¸ao `a parte
mais funda da piscina. V(h) ´e o volume da piscina em fun¸ao da altura do ıvel da ´agua.
Como a altura h, da base `a borda, ´e vari´avel devemos resolver este problema dividindo-o
em duas partes:
Quando 0 h0.6
?alculo do volume em fun¸ao da altura:
V(h) = V1(h) + V2(h) + V3(h)
Rodney Carlos Bassanezi 197
onde cada Vi,i= 1,2,3, tem o mesmo significado dos volumes calculados anterior-
mente;
Na determina¸ao de V1(h) temos:
1.8x1.3; p1.82x2yp1.82x2e 0 zh
Assim,
V1(h) = 2 Z0.158
1.8Z1.82x2
0Zh
0
dz dy dx = 2hZ0.158
1.8p1.82x2dx = 5.65h.
Para V2(h) temos:
0.158 x1.3; yyye 0 zh,
onde y´e a reta tangente determinada anteriormente. Portanto,
V2(h) = 2 Z1.3
0.158 Z0.0913x+1.807
0
h dy dx = 3.974h.
Para V3(h), temos:
1.3x1.3+4.5h;yyye (0.22x0.286) zh,
onde z= 0.22x0.286 ´e a equa¸ao do plano inclinado da base da piscina. Logo,
V3(h) = 2 Z1.3+4.5h
1.3Zy
0Zh
0.22x0.286
dz dy dx = 0.016h+ 7.68h20.634h3
Quando 0.6h1.8:
Neste caso, V(h) pode ser determinado, considerando-se em cada uma das 5 partes da
piscina a ormula:
V?
i(h) = Vi(0.6) + B
i(h0.6)
onde, B
i´e a ´area da figura limitada pela borda da piscina em cada uma de suas partes,
isto ´e, B
i=Bise i= 1,2,4,5 e B
3= ´area da proje¸ao vertical de B3.
A equa¸ao do plano inclinado que comp˜oe a base ´e dada por z= 0.22x0.286. Temos
que B3= 8.654m2´e a ´area da regi˜ao deste plano limitada pelos planos x= 1.3, x= 4,
y=0.0913x+ 1.807 e y= 0.0913x1.807.
B
3=(a+b)×2.7
2=B3
2.765 ×2.7 = 8.451.
198 Modelagem Matem´atica
Figura 3.6: Proje¸ao ortogonal do plano inclinado.
Logo, a equa¸ao do volume em fun¸ao do ıvel da ´agua ´e dado por:
V(h) = P3
1Vi= 9.64h+ 7.68h20.634h3se 0 h0.6
V(h) = V(0.6) + P5
1B
i(h0.6) = 8.548 + 23.72(h0.6) se 0.6h1.8
?alculo da velocidade da altura h
Usando a regra da cadeia, podemos escrever
dV
dt =dV
dh
dh
dt
Como a vaz˜ao ´e constante e igual a 20l/min, temos que
dV
dt = 20l/min = 20 ×103m3/601hora = 1.2m3/hora
dh
dt =(1.2(9.64 + 15.36h1.9h2)1m/h se 0 h0.6
1.2
23.22 = 0.0168m/h se 0.6h1.8
4. Tempo gasto para encher a piscina:
T=volume
vaz˜ao 37.2
1.231 horas
Observa¸ao 3.1. O volume da piscina poderia ser obtido diretamente da express˜ao de V(h),
tomando h= 1.8.
Rodney Carlos Bassanezi 199
Aqui vale a pena salientar que o trabalho desenvolvido na disciplina alculo II serviu
como motiva¸ao para o estudo de grande parte do conte´udo program´atico, especificamente
em rela¸ao ao uso de integra¸ao m´ultipla, equa¸ao de planos, retas tangentes etc. Entretanto,
na pr´atica este problema pode ser considerado apenas de efeito acadˆemico uma vez que nen-
hum engenheiro, mesmo dos mais capacitados, teria utilizado tanta sofistica¸ao matem´atica,
tanto para calcular o volume da piscina como para decidir quanto material ´e necess´ario para
sua constru¸ao. Na realidade, o alculo ´e feito, quase sempre, de maneira simplificada com
uma aproxima¸ao superdimensionada. Neste caso espec´ıfico, por exemplo, o volume ´e avali-
ado, considerando-se uma piscina “mais regular”(na forma retangular) com as seguintes
dimens˜oes: 8.1m de comprimento, 3.6+2.7
2= 3.15m de largura e com profundidade edia de
1.5m o que daria um volume V= 38.25m3. Analogamente o alculo aproximado da ´area a
ser azulejada seria: A= 2(8.1×1.5) + 2(3.15 ×1.5) + 8.1×3.15 = 59.25m2.
Como podemos observar, estes valores est˜ao bem pr´oximos daqueles calculados anteri-
ormente. Isto ao significa que a matem´atica estudada num curso superior de engenharia
possa sempre ser substituida por uma matem´atica elementar, afinal existem situa¸oes que
exigem alculos mais apurados. O que queremos enfatizar ´e que, muitas vezes, o bom senso
em rela¸ao `a aplicabilidade da matem´atica ´e suficiente.
Piscina utilizada para o estudo.
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202 Modelagem Matem´atica
Cap´ıtulo 4
Modelagem como Estrat´egia para
Capacita¸ao de Professores de
Matem´atica
“. . . quando tentamos descrever algum aspecto do mundo real percebe-
mos. . . que ele oferece mais do que a nossa pobre e finita mente consegue
alcan¸car. Mas se aplicarmos nossos poderes apropriadamente, podemos al-
can¸car um entendimento parcial que se adapte suficientemente para nos dar
fidelidade `as leis do universo. Para ter uma chance de sucesso, devemos ide-
alizar e simplificar afim de obter uma figura mental que possamos manejar.
Quando chegarmos a uma descri¸ao precisa, pela sele¸ao das caracter´ısticas
que consideramos essenciais, temos um modelo matem´atico”.
Rosenblom
4.1 Introdu¸ao
O interesse em trabalhar com modelagem matem´atica surgiu quando, numa reuni˜ao
com professores de alculo de algumas institui¸oes do sul do pa´ıs em 1981, percebemos o
distanciamento entre a pr´atica pedag´ogica e a participa¸ao efetiva do educador no meio em
que est´a inserido. Nesta experiˆencia, a citada no cap´ıtulo 2, ficou clara a dificuldade de se
elaborar um problema novo. A criatividade, a busca de situa¸oes novas ou mesmo o interesse
em valorizar seu trabalho como educadores estavam resumidos aos assuntos e problemas dos
livros did´aticos adotados, quase-sempre divorciados do ambiente e da realidade de cada um.
O primeiro curso realizado com Modelagem Matem´atica deu-se num programa de aper-
fei¸coamento de professores, na FAFIG de Guarapuava, um ano depois da experiˆencia na
UNICAMP com os professores de alculo. Tinhamos elaborado inicialmente um programa
para reciclagem de professores de ensino superior, com odulos de alculo Diferenciavel
e Integral, An´alise, Topologia etc. Nossa surpresa foi verificar que, entre os participantes
a maioria era de professores da rede de ensino fundamental edio, que tinham cursado
o programa de Licenciatura Curta, ainda em voga em quase toda universidade do Paran´a.
Fizemos, ent˜ao, uma mudan¸ca na proposta inicial, ao em sua essˆencia, mas na abrangˆencia,
203
204 Modelagem Matem´atica
pois o curso ao deveria se limitar apenas aos conte´udos de 3o
¯grau mas a uma matem´atica
geral que pudesse se constituir num projeto pass´ıvel de utiliza¸ao em classes de ensino
asico. Nestas circunstˆancias, a ado¸ao da modelagem matem´atica como estrat´egia de
ensino-aprendizagem, pareceu-nos a mais adequada. Os resultados obtidos desta experiˆencia
serviram de base para elabora¸ao de outros cursos que se seguiram, tanto na FAFIG como
em outras Institui¸oes de Ensino (Univ. Fed. Cuiab´a, Univ. Est. Ponta Grossa, FAFI de
Corn´elio Proc´opio, FAFI de Palmas, UNIJUI, UNESP de Guaratinguet´a, Univ. de Mogi das
Cruzes, Univ. de Mar´ılia, FAFI de Dracena, Univ. Fed. do Mato Grosso, FAFI de Campo
Mour˜ao, Fund. Univ. de Barretos etc) e, mais recentemente num programa desenvolvido no
Projeto Pr´o-Ciˆencias (CAPES-FAPESP) para 140 professores da rede de ensino das regi˜oes
de Piracicaba, Itatiba, Jundiai e Campinas.
As experiˆencias com os cursos de aperfei¸coamento transformaram nossa postura como
educador, evidenciada nos cursos regulares da UNICAMP, em projetos de inicia¸ao cient´ıfica,
e mesmo em projetos de pesquisa. Em um segundo momento foi criada no IMECC, a `area
de Biomatem´atica (Mestrado e Doutorado), na qual temos atuado como orientador, onde
alguns dos projetos de pesquisa ao provenientes de questionamentos surgidos nos cursos de
Especializa¸ao e Aperfei¸coamento que temos coordenado, a que tais cursos em o potencial
de gerar propostas para estudos mais avan¸cados, funcionando como fontes geradoras de
problemas e temas de pesquisa.
Ap´os a participa¸ao em arios cursos de capacita¸ao de professores, obtivemos uma quan-
tidade significativa de elementos que nos possibilitaram evidenciar efetivamente a intera¸ao
entre os professores cursistas e a comunidade local, a forma como o grupo se apropria das
descobertas e do conhecimento que vai se constituindo e como isto influencia em novas pro-
postas pedag´ogicas, onde a aprendizagem passa a ser uma rela¸ao dial´etica entre reflex˜ao e
ao, objetivando entender e influenciar a realidade, cumprindo sua fun¸ao primordial a
participa¸ao como cidad˜aos.
O pr´oprio desenvolvimento dos cursos de Especializa¸ao passou por um processo de
aperfei¸coamento, sendo modificado e evoluindo para o modelo que adotamos atualmente.
Os problemas asicos na forma¸ao dos professores e suas espectativas e necessidades em
rela¸ao aos cursos de aperfei¸coamento, foram abordados na disserta¸ao de mestrado da nossa
orientanda M. Gazzetta (UNESP Rio Claro, 1988). Parte deste cap´ıtulo ´e um resumo de
seu trabalho [12].
4.2 Programa para Cursos de Aperfei¸coamento de
Professores
Os professores, tanto do ensino asico como do ensino superior, que procuram os cursos
de aperfei¸coamento (“reciclagem” ou “capacita¸ao”), na maioria das vezes, o fazem com a ex-
pectativa de melhorar o que tem sido feito na sua pr´atica de ensino de matem´atica. Esperam
aprender “novas ecnicas de ensino”, “novas maneiras de ordenar o conte´udo do programa
Rodney Carlos Bassanezi 205
curricular” e/ou “novos m´etodos de avalia¸ao dos estudantes”. A inquieta¸ao maior desses
professores caminha, portanto, no sentido de procurar aprimorar suas formas consagradas
de transmitir o conte´udo matem´atico estabelecido pelo programa. Entre as demandas mais
comuns est˜ao: Como explicar aos alunos por que “menos com menos a mais?” Como
explicar trigonometria em sala de aula? Para que servem os polinˆomios? Com rela¸ao `a
avalia¸ao, preocupam-se mais em refor¸car esquemas tradicionais buscando atender ao clamor
insistente de “avaliar com mais rigor” e “n˜ao deixar passar quem ao sabe”, objetivando
formar “estudantes bem preparados” para os cursos que seguir˜ao posteriormente. Estes pro-
fessores assim pensam, porque nunca lhes foi apresentada outra alternativa de melhorarem
o trabalho que em fazendo.
Na verdade, esse quadro reflete um resqu´ıcio da hist´orica incorpora¸ao da escola profis-
sional `a escola aristocr´atica, movimento ocorrido a eculos na ´epoca do fortalecimento da
burguesia na Europa. Nos dias de hoje, a sobrevivˆencia de tal ideologia ´e algo absolutamente
inadequado a uma nova realidade em que se associam duas demandas (conflitantes apenas
aparentemente) no ˆambito da educa¸ao: estender as oportunidades educacionais a todas as
classes sociais e identificar uma elite cient´ıfica que levar´a o pa´ıs a atuar em e de igualdade
com os pa´ıses mais desenvolvidos.
ao examinar a educa¸ao Matem´atica nesse contexto ´e uma falha imperdo´avel princi-
palmente em pa´ıses de desenvolvimento deficiente como o nosso. Portanto, em cursos de
aperfei¸coamento e capacita¸ao de professores, muito mais relevante que estudar detalhes de
um programa ou metodologia dentro de uma filosofia de ensino de Matem´atica abstrata e
pautada por tradi¸oes obsoletas ´e aproveitar a oportunidade para examinar a fundo quest˜oes
mais abrangentes como: Por que estudar Matem´atica? Por que ensinar Matem´atica? ou
Como fazer com que a Matem´atica que ensinamos aos alunos contribua mais diretamente
para a melhoria da qualidade de vida do nosso povo? Assim, somos levados a questionar
a estrutura de todo o ensino, em particular a do de Matem´atica, na tentativa de transferir
a ˆenfase posta no conte´udo abstrato e na quantidade de conhecimentos transmitidos aos
alunos para a aplica¸ao de uma metodologia que desenvolva atitudes positivas e capaci-
dades de matematizar situa¸oes reais, de pensar com ogica, colher informa¸oes e teorizar
adequadamente nas situa¸oes mais diversas. Nesses cursos, o mais importante, portanto,
´e fornecer aos educadores o instrumental de aplica¸ao de uma estrat´egia educacional que
lhes permita identificar e selecionar informa¸oes e conte´udos relevantes e adequados a cada
situa¸ao e os capacite a desenvolver a educa¸ao matem´atica motivadora e criativa em qual-
quer n´ıvel em que atuem.
Est´a bem claro para os a ineficiˆencia de muitos dos “melhores cursos de Matem´atica”
que optam por desenvolver seus programas desvinculados do contexto social e cient´ıfico mais
amplo, propostas curriculares que privilegiam a quantidade de conte´udo “transmitido” em
detrimento da forma¸ao de elementos atuantes na sociedade. Em cursos menos cotados,
talvez a maioria, nem o “conte´udo asico” ´e contemplado. Em geral, os cursos de aper-
fei¸coamento desenvolvem programas obsoletos, incapazes de responder `as expectativas dos
profissionais que os procuram buscando uma educa¸ao matem´atica que atue como fator de
“instrumenta¸ao para a vida e o trabalho, libera¸ao individual e pol´ıtica, progresso social”.
206 Modelagem Matem´atica
Para suprir as deficiˆencias, tanto em rela¸ao ao conte´udo ınimo exigido ao profissional
de ensino, como a sua participa¸ao atuante na comunidade, optamos por desenvolver um
programa onde a Matem´atica est´a associada aos valores cultural, utilit´ario, formativo, so-
ciol´ogico, pol´ıtico e est´etico.
4.2.1 Justificativas para o ensino de matem´atica
Nossa posi¸ao ´e justificar o ensino de matem´atica nas escolas, ao simplesmente por
ser uma ciˆencia muito importante e que ser´a ´util mais tarde,como dizem a maioria dos
professores,mas principalmente por atender `as arias caracter´ısticas, que ao essenciais `a
forma¸ao do indiv´ıduo:
Sua disponibilidade de poder ser utilizada
a. Como ferramenta para a vida
Isto significa desenvolver a capacidade do aluno para manejar situa¸oes reais que se
apresentam a cada momento, de maneiras distintas.
A capacidade de manejar situa¸oes novas, reais, pode muito bem ser alcan¸cada medi-
ante a Modelagem e a Resolu¸ao de Problemas. A instrumenta¸ao para a vida depende,
essencialmente, de uma prepara¸ao para a participa¸ao pol´ıtica, social e econˆomica.
Para isso ´e necess´ario a aquisi¸ao de alguma capacidade de analisar e interpretar da-
dos estat´ısticos, ter no¸oes de economia e saber resolver situa¸oes de conflitos e tomar
decis˜oes. Assim, faz parte do curr´ıculo programas de Estat´ıstica e Probabilidade,
Programa¸ao Linear, alculo Diferencial e Integral e Equa¸oes Variacionais.
b. Como instrumentadora para o trabalho
Naturalmente, ao ao somente os trabalhos de ontem que interessam aos egressos
da escola do amanh˜a. Uma escola necessita expor seus alunos aos equipamentos que
estar˜ao presentes em todo mercado de trabalho do futuro imediato. Se uma crian¸ca,
principalmente a da classe pobre, ao vir na escola um computador, e ao tem a
oportunidade de manej´a-lo em sua casa, estar´a condenada a aceitar os piores empregos
que se lhe oferecem ou at´e ficar fora do mercado de trabalho. Ignorar a presen¸ca de
computadores e calculadoras na educa¸ao matem´atica ´e condenar os estudantes menos
favorecidos a uma subordina¸ao total a subempregos.
A matem´atica como disciplina instrumental deve ser desenvolvida atrav´es de ques-
tionamentos e inquieta¸oes dos alunos, quase sempre relativos ao ambiente onde vivem.
Sua finalidade asica ´e alimentar, sobretudo, a capacidade de analisar e interpretar
dados (estat´ısticos ou qualitativos), testar hip´oteses formuladas, criar modelos e veri-
ficar sua efic´acia em planejamentos. Enfim, como dissemos, dar condi¸oes para que o
aluno possa entender um fenˆomeno e atuar em sua transforma¸ao.
Rodney Carlos Bassanezi 207
Por ser parte integrante de nossas ra´ızes culturais
As ra´ızes culturais que comp˜oem a sociedade ao as mais variadas. O que chamamos
Matem´atica ´e uma forma cultural que tem suas origens num modo de trabalhar quanti-
dades, medidas, formas e opera¸oes, em que o racioc´ınio ´e fundamentado na ogica formal.
Naturalmente, grupos culturais diferentes em uma maneira distinta de proceder em seus
esquemas ogicos. Fatores de natureza lingu´ıstica, religiosa, moral e as atividades sociais
em a ver com isso. Manejar quantidades e consequentemente umeros, formas e rela¸oes
geom´etricas, medidas, classifica¸oes, enfim, tudo que ´e do dom´ınio da Matem´atica elementar,
obedece a dire¸oes muito distintas, ligadas ao meio cultural ao qual pertence o indiv´ıduo.
Cada grupo cultural tem suas maneiras pr´oprias de matematizar a realidade. ao a como
ignorar isso e ao respeitar essas particularidades quando do ingresso da crian¸ca na escola.
Todo o passado cultural do aluno deve ser respeitado, dando-lhe confian¸ca em seu pr´oprio
conhecimento e dando-lhe tamb´em, uma certa dignidade cultural ao ver suas origens sendo
aceitas pelo professor. Isso ir´a estimular sua confian¸ca, podendo ser um fator atenuante de
atitudes negativas com rela¸ao `a disciplina.
Ao falar de Matem´atica associada a formas culturais distintas, aplicamos o conceito de
Etnomatem´atica.
Porque ajuda a pensar com clareza e a raciocinar melhor
Pouco tem contribu´ıdo para a clareza do pensamento ou a melhoria do racioc´ınio a
maioria dos opicos que constituem o programa curr´ıcular das nossas escolas e a forma como
ao ensinados. A nosso ver, o manejo de hip´oteses e resultados pr´evios ao os ingredientes
indispens´aveis para se alcan¸car novos resultados e o desenvolvimento do racionc´ınio.
Os recursos da matem´atica ao ilimitados, principalmente quando evidenciamos suas
atividades asicas: generaliza¸oes e analogias, caracter´ısticas pr´oprias de uma ciˆencia
dinˆamica. Quando analisamos uma situa¸ao com a atitude de um matem´atico aplicado,
usando modelagem, estamos somente iniciando o processo de aprendizagem e nossa poste-
rior abstra¸ao pode percorrer caminhos ainda inexplorados, ensejando mesmo, a cria¸ao de
novos instrumentos matem´aticos e a formula¸ao de novas teorias.
A modelagem ´e o processo de cria¸ao de modelos onde est˜ao definidas as estrat´egias de
ao do indiv´ıduo sobre a realidade, mais especificamente, sobre a sua realidade, carregada
de interpreta¸oes e subjetividades pr´oprias de cada modelador. Em nossos cursos de Espe-
cializa¸ao (atualiza¸ao, capacita¸ao ou reciclagem) de professores, temos procurado conjugar
a experiˆencia de ensino com a perspectiva da modelagem, buscando aliar, da melhor forma
poss´ıvel, preocupa¸oes te´oricas, filos´oficas e metodol´ogicas especiais. Tais preocupa¸oes
levam em conta os recursos humanos dispon´ıveis, os interesses partilhados por professores,
alunos e comunidade, o contexto social, pol´ıtico, econˆomico e cultural. A utiliza¸ao da
modelagem na educa¸ao matem´atica valoriza o “saber fazer” do cursista, desenvolvendo
sua capacidade de avaliar o processo de constru¸ao de modelos matem´aticos nos diferentes
contextos de aplica¸oes dos mesmos, a partir da realidade de seu ambiente.
Diferentes concep¸oes de ensino de Matem´atica ´e consequˆencia de diferentes concep¸oes
obre a pr´opria Matem´atica. Quando se assume a vis˜ao de Matem´atica como algo presente
208 Modelagem Matem´atica
na realidade concreta, sendo uma estrat´egia de ao ou de interpreta¸ao desta realidade, se
est´a adotando o que caracterizamos como uma postura de etno/modelagem. Entendemos
por etnomatem´atica, a matem´atica praticada e elaborada por um grupo cultural e que est´a
presente nas mais diversas situa¸oes de vida. Buscamos tamb´em resgatar, num curso de
especializa¸ao, o conhecimento etnomatem´atico, suas interpreta¸oes e contribui¸oes, atrav´es
de alguma sistematiza¸ao matem´atica.
Trabalhar com Modelagem Matem´atica em tais cursos, ao visa simplesmente ampliar o
conhecimento matem´atico dos professores cursistas, mas sobretudo, desenvolver a forma de
pensar e agir destes profissionais. ´
E a produ¸ao do saber aliado `a abstra¸ao e formaliza¸ao
interligadas a fenˆomenos e processos emp´ıricos encarados como situa¸oes-problema.
Por seu valor est´etico
A beleza da matem´atica ´e algo que ser´a apreciado pelos alunos de maneira distinta, em
circunstˆancias tamb´em diferentes e muitas vezes inesperadas. ´
E uma aprecia¸ao que resulta
de sensibilidade e, por conseguinte, de estados emocionais diversos despertados pelo contato
com a natureza, os objetos de arte, as estrat´egias de jogos, e principalmente dos desafios
formulados como problemas. Pode-se incentivar essa aprecia¸ao usando-se, como exemplos,
temas motivadores como :“Gram´atica dos Ornamentos” [6], “A Matem´atica e as Abelhas”
[8], “Tecelagem” [13] etc.
Neste sentido, a Geometria Aplicada proporciona etodos e ecnicas pr´oprias que ajudam
a desenvolver a capacidade de observa¸ao das formas e do equil´ıbrio encontrados na natureza
[9].
4.2.2 Diretrizes asicas para planejamento do curso
A modelagem matem´atica, como processo de ensino-aprendizagem em programas de
capacita¸ao ou especializa¸ao, pressup˜oe um plano de curso com ob jetivos bem definidos e
norteados por diretrizes asicas, tais como:
Dar condi¸oes aos professores para mundan¸cas no conceito de pr´atica educativa,
liberando-os de alguns mitos com respeito ao uso de calculadoras, rigor matem´atico,
encadeamento de assuntos, avalia¸ao etc;
Desenvolver motiva¸oes para oes inovadoras que despertem a criatividade;
Valorizar o conhecimento matem´atico no contexto global e seu poder de atua¸ao em
situa¸oes particularizadas;
Valorizar os recursos humanos dispon´ıveis , explorar e desenvolver o talento dos cur-
sistas educadores para que se sintam capazes de contribuir com a comunidade em
que trabalham;
Ter em mente a interdisciplinaridade, aliando a matem´atica `as outras ciˆencias para
que sirva como instrumento de compreens˜ao e de poss´ıveis modifica¸oes da realidade;
Rodney Carlos Bassanezi 209
Interrelacionar fatores experimentais e te´oricos, isto ´e, ao perder de vista a pr´opria
essˆencia da “atitude matem´atica”;
Levar em conta as realidades espec´ıficas de cada regi˜ao e os interesses dos estudantes,
vizando uma maior motiva¸ao e uma participa¸ao efetiva destes na comunidade ou
meio mais amplo do qual fazem parte como cidad˜aos. Isto ao significa adotar a tese
popular de que “a ciˆencia de um pa´ıs em desenvolvimento deva ser regional” o que
seria um ˆerro uma vez que a ciˆencia ou busca explica¸oes universais, a partir de dados
observ´aveis, ou ao ´e ciˆencia.
A nossa inten¸ao ´e incentivar a preocupa¸ao e interesse com problemas mais pr´oximos
dos professores-alunos, adotando procedimentos cient´ıficos universais ou uma pesquisa-a¸ao.
Como conseq¨encia desta atitude, em cursos que desenvolvemos em arias ocasi˜oes, muitos
problemas regionais foram resolvidos e suas solu¸oes colocadas `a disposi¸ao da comunidade.
Citaremos aqui apenas alguns exemplos ilustrativos que ocorreram no desenvolvimento de
cursos de especializa¸ao de professores por os ministrados.
An´alise da inclina¸ao ´otima de esteiras para a sedimenta¸ao do ouro, realizada na
regi˜ao de garimpo de Pocon´e (MT) (curso na Univ. Federal de Cuiab´a - 1989)
utilizando, basicamente, conceitos de trigonometria e mecˆanica [14];
Modelo matem´atico otimizado de uma esteira de resfriamento de ma¸as (curso na
FAFIG Guarapuava (PR) 1983) utilizando equa¸oes diferenciais (veja tema:
ma¸a) [15];
Cria¸ao de novas padronagens para fabrica¸ao de tecidos (curso na PUCC Campinas
1997) utilizando opera¸oes com matrizes [13];
Otimiza¸ao do controle de bact´erias numa abrica de papel (Guarapuava 1982)
utilizando conceitos do alculo diferencial e integral [16].
Em resumo, podemos dizer que procuramos atuar nestes cursos, seguindo a proposta de
J. Morley: a ao teu povo, ame-o. Aprenda com ele, sirva-o. Comece com o que ele sabe.
construa e ensine-o com o que ele tem.” cita¸ao do discurso dos “formandos” de um curso
de Especializa¸ao realizado em Guarapuava (1982/83).
4.2.3 Etapas de desenvolvimento do programa
Na pr´atica, a obten¸ao de resultados significativos ´e produto da modelagem de problemas
reais quando se faz a sele¸ao de projetos, extra´ıdos dos temas escolhidos, os quais ao
desenvolvidos ao longo do curso todo. A escolha de problemas originados de situa¸oes
concretas funciona inicialmente como elemento motivador, levando o aluno a incorporar uma
gama de conhecimentos essenciais em sua atua¸ao futura no meio social. Se convencido da
importˆancia da Matem´atica como instrumento de interpreta¸ao e/ou ao sobre a realidade,
210 Modelagem Matem´atica
o cursista acaba descobrindo tamb´em uma forma gostosa, suave e vi´avel de se aprender e
ensinar esta ciˆencia.
O processo utilizado para aprendizagem com modelagem leva em considera¸ao 3 compo-
nentes fundamentais: motiva¸ao, abstra¸ao e argumenta¸ao matem´atica e que ao trabalha-
dos nas diferentes disciplinas modulares.
O programa de matem´atica ´e desenvolvido nesses cursos em trˆes etapas, usualmente
utilizando-se os per´ıodos de erias escolares. Cada etapa corresponde a trˆes odulos onde
as disciplinas ao integradas e abordadas atrav´es de situa¸oes-problema provenientes da
observa¸ao da realidade regional e correspondente aos temas escolhidos pelos alunos.
Etapa Inicial (135 horas)
Na 1a
¯etapa ao desenvolvidas trˆes “disciplinas”, tendo em edia 45 horas cada uma.
Metodologia de ensino em etno/modelagem matem´
atica: Nesta fase, faz-se um
levantamento dos poss´ıveis temas que poderiam ser abordados tendo em vista o setor de
produ¸ao em geral, situa¸oes econˆomica, pol´ıtica e social da regi˜ao. Devem ser, preferen-
cialmente, temas abrangentes que possam propiciar questionamentos em arias dire¸oes.
Os professores-cursistas visitam arios locais, previamente escolhidos da comunidade
com o objetivo de ter uma id´eia da realidade como um todo. Depois elegem seus temas
de estudo. Divididos em grupos de mesmo interesse (4 a 6 cursistas para cada tema),
uma vez selecionados os temas, retornam ao campo `a busca de novas informa¸oes, colhidas
em entrevistas, referˆencias bibliogr´aficas e/ou experiˆencias pr´oprias. ´
E a fase da pesquisa
denominada etnografia (reuni˜ao dos documentos de base). A pesquisa de campo sup˜oe
uma atitude do pesquisador de valoriza¸ao do saber-fazer, intimamente ligado a um contexto
social e baseado numa experiˆencia vivida e informado pelos significados peculiares de uma
cultura espec´ıfica [21].
A seguir, ´e trabalhada a ıntese etnol´ogica, procedendo a interpreta¸ao dos dados recol-
hidos na pesquisa de campo.
A modelagem, nesta disciplina, ´e apresentada como estrat´egia de ensino-aprendizagem
de matem´atica em diferentes situa¸oes dadas como exemplos.
Estat
´
ıstica: A finalidade desta disciplina do curso ´e, sobretudo, sistematizar a coleta e
an´alise de dados. ao organizados question´arios para entrevistas que ao executadas com os
etodos de amostragem e, posteriormente ´e feita uma an´alise das rela¸oes entre as vari´aveis
consideradas essenciais para o fenˆomeno estudado, atrav´es de testes de hip´oteses e ajustes
de curvas.
A obten¸ao dos dados ´e fundamental, para a continua¸ao da modelagem.
Modelagem I: Este odulo tem a finalidade de formular os primeiros problemas e de-
senvolver os seus modelos, quase sempre relacionados com o conte´udo de matem´atica dos
ensinos fundamental e edio.
0s problemas propostos inicialmente pelos alunos, tirados das situa¸oes pesquisadas ao,
via de regra, de efeito imediatista. ao problemas diretos, equivalentes aos encontrados nos
Rodney Carlos Bassanezi 211
livros-texto, ou ent˜ao ligados `a geometria do ob jeto analisado. Os primeiros modelos ao
quase sempre est´aticos e muito simples.
Existe ainda uma esp´ecie de inibi¸ao entre os cursandos para grandes questionamentos
talvez por terem medo de ao poder resolvˆe-los!
Utilizando estes primeiros problemas, faz-se ent˜ao uma amplia¸ao das id´eias que os en-
volvem procurando generaliza¸oes e analogias com situa¸oes correlatas. E, essencialmente,
questionando sua validade como modelos acabados.
A matem´atica utilizada nesta fase ´e bem conhecida dos professores-cursistas e os prob-
lemas ao geralmente bastante simples, podendo ser resolvidos analiticamente. Os opicos
matem´aticos que aparecem com mais frequˆencia nas solu¸oes destes problemas ao: propor-
cionalidade (regra-de-trˆes); equa¸oes de retas e par´abolas; rela¸oes trigonom´etricas, medidas,
progress˜oes (aritm´etica e geom´etrica); an´alise combinat´oria; geometria plana e matrizes.
A todo momento, ´e analisada a forma como a pr´atica educacional pode ser transferida
para suas classes, utilizando a estrat´egia da modelagem para a aprendizagem da matem´atica.
No per´ıodo letivo, que se segue, esta ecnica deve ser experimentada por cada professor-
cursista em suas aulas e os resultados e dificuldades ao descutidos na pr´oxima etapa do
curso.
´
E interessante notar mudan¸cas substanciais na postura do professor-cursista a partir
desta fase. Sua motiva¸ao ´e ativada pois come¸ca a perceber o “para que serve” aquele
conte´udo que vinha lecionando, `as vezes, a mais de 20 anos sem compreender de fato sua
utilidade! Percebe tamb´em que tem condi¸oes de criar problemas novos, o que o faz sentir-
se valorizado em sua profiss˜ao. ´
E muito comum um professor de matem´atica dizer para
sua classe que “estudar matem´atica ´e muito importante”. o agora come¸cam, de fato, a
acreditar nisso!
Etapa Intermedi´aria (135 horas)
O prop´osito desta etapa ´e abordar opicos essenciais de etodos Computacionais, Ge-
ometria Aplicada e ´
Algebra Linear, sempre ligados `a id´eia de modelos matem´aticos e fazendo
uso da inform´atica.
Os trˆes assuntos ao desenvolvidos simultaneamente e interligados, tendo sempre como
motiva¸ao os mesmos temas escolhidos no in´ıcio do curso.
A formula¸ao de novos problemas deve surgir em consequˆencia de uma erie de exemplos
analisados pelo professor respons´avel pelo curso e que ao tomados como modelos. O que
ao deve ocorrer ´e este professor propor claramente uma quest˜ao relacionada com os temas
de estudo. Todo questionamento deve partir do grupo! O papel do instrutor ´e dinamizar o
processo e, na ausˆencia de quest˜oes, buscar um caminho que induza os alunos a descobrirem
seus pr´oprios problemas. O professor deve funcionar como um monitor: esclarece uvidas e
sugere simplesmente alguma abordagem do tema em estudo.
´
E uma etapa onde, al´em de serem enfatizados os aspectos pr´aticos do ensino de ´
Algebra
Linear e Geometria, tanto na formula¸ao dos problemas quanto na busca do etodo que
leve a uma solu¸ao aproximada aceit´avel, procura-se principalmente, atacar a grande re-
sistˆencia psicol´ogica ao uso dos microcomputadores ou mesmo das calculadoras no processo
212 Modelagem Matem´atica
educacional.
Embora muitos problemas sejam resolvidos com o uso de aquinas, a finalidade do
curso ao ´e “ensinar programa¸ao computacional”, mas simplesmente como utilizar certos
programas que se mostram muito eficientes e adequados ao processo de ensino-aprendizagem.
O prop´osito ´e mostrar os recursos que a tecnologia e os conceitos fundamentais da inform´atica
oferecem para a Educa¸ao Matem´atica.
Alguns dos opicos desenvolvidos nesta etapa ao: resolu¸ao de equa¸oes alg´ebricas,
alculo de ra´ızes, ajustes de curvas, confec¸ao de gr´aficos, an´alise de sistemas lineares,
espa¸cos vetoriais, auto-valores, programa¸ao linear, estudo de sequˆencias especiais e opicos
gerais de geometria. Observamos que a geometria ´e sempre apresentada abordando suas
origens (Tales, Pit´agoras, Euclides, Arquimedes, Apolˆonio, Papus etc) e sua evolu¸ao (Ge-
ometria de Lobatshevisk, conceitos de topologia, fractais, etc).
Etapa Final (90hs)
Na etapa final do programa trabalhamos com conceitos de matem´atica superior (3o
¯grau)
com a inten¸ao de mostrar aos cursistas que determinados conte´udos aprendidos no curso de
licenciatura podem ser traduzidos numa linguagem acess´ıvel ao ensino fundamental. As dis-
ciplinas nesta fase ao alculo Diferencial e Integral (Modelagem II) e Equa¸oes Variacionais
(Modelagem III).
Para recuperar conhecimentos adquiridos, ou mesmo familiarizar os professores-alunos
com a linguagem pr´opria do alculo, ao introduzidos inicialmente os conceitos asicos de
fun¸ao, limite, derivada e integral, por meio de modelos a elaborados e com a constante pre-
ocupa¸ao de sua interpreta¸ao na linguagem usual. Os modelos ao formulados substituindo-
se a linguagem usual pela linguagem matem´atica termos como varia¸ao (proveniente de
crescimentos ou decrescimentos) ao traduzidos por:
Varia¸ao Simples (diferen¸ca da fun¸ao entre dois pontos): f(x2)f(x1);
Varia¸ao edia (m´edia da varia¸ao simples): f(x2)f(x1)
x2x1
=f
x;
Varia¸ao relativa: f(x2)f(x1)
xf(x1)=f
x;
Varia¸ao instˆantanea (limite da varia¸ao edia): lim
x0
f
x=f0(x).
Neste contexto, uma mesma “lei” ou comportamento de crescimento de um fenˆomeno ´e
analisado usando-se os diferentes significados matem´aticos de varia¸ao.
Termos como “tendˆencia”, “estabilidade”, “equil´ıbrio” etc, em suas tradu¸oes
matem´aticas correspondentes na formula¸ao dos limites eass´ıntotas.
Da mesma forma que se monta o modelo matem´atico, deve-se fazer a sua inter-
preta¸ao com a linguagem usual, funcionando como um “dicion´ario bilingue”: “Portuguˆes-
Matem´atica e Matem´atica-Portuguˆes”. A obten¸ao do modelo matem´atico pressup˜oe a
Rodney Carlos Bassanezi 213
existˆencia de um dicion´ario que interpreta a linguagem natural por meio de s´ımbolos e
opera¸oes (modelos). O retorno do processo, isto ´e, a aplicabilidade do modelo pressup˜oe
uma decodifica¸ao de sua express˜ao matem´atica e, desta forma, a an´alise de uma situa¸ao
pode ser feita nas duas linguagens.
Nesta etapa final do curso, a modelagem matem´atica passa por um tratamento mais refi-
nado, onde se busca o “aperfei¸coamento” dos modelos com a interpreta¸ao cr´ıtica da solu¸ao
obtida e sua valida¸ao na realidade considerada. Todo o processo de modelagem ´e revisado
e criticado; Procura-se valorizar os conte´udos matem´aticos elementares, transpondo mode-
los criados com argumentos do alculo Diferencial e Integral e Equa¸oes Diferenciais, para
modelos mais simples a n´ıvel do ensino fundamental como as Equa¸oes de Diferen¸cas. Por
exemplo, o modelo Malthusiano de crescimento populacional, dado pela equa¸ao diferencial
dP
dt =αP (varia¸ao instantˆanea),
pode ser analisado por uma equa¸ao de diferen¸cas:
Pt+1 =βPt(varia¸ao edia).
A solu¸ao da equa¸ao de diferen¸cas ´e obtida, simplesmente com argumentos de n´ıvel ele-
mentar e ambos os modelos traduzem a mesma lei de Malthus: O crescimento populacional
´e proporcional `a popula¸ao em cada instante” (veja cap´ıtulos 2 e 6).
O estudo de modelos provenientes de situa¸oes distintas daquelas relacionadas aos temas
escolhidos, fornece condi¸oes para que os cursistas possam fazer uma analogia com seus
problemas.
Mais do que a simples transposi¸ao de modelos e linguagens, o que se busca nesta etapa
´e mostrar que o conhecimento matem´atico adquirido num curso de licenciatura pode e deve
ser transferido para o ensino fundamental de matem´atica. ´
E apenas uma quest˜ao de saber
usar o “dicion´ario bilingue!”
O curso pode ainda ser completado com alguma outra disciplina, dependendo dos ques-
tionamentos dos grupos: F´ısica Geral, Hist´oria das Ciˆencias, ´
Algebra, Matem´atica Finan-
ceira etc.
Avalia¸ao
A homogeneiza¸ao de cada grupo ´e responsabilidade tamb´em de seus componentes que,
atrav´es de discuss˜oes, procuram atingir o mesmo grau de compreens˜ao. Cada grupo tra-
balha no projeto escolhido inicialmente, independentemente dos outros grupos. O professor
funciona, na maior parte do tempo, como monitor dos grupos e quando constata deficiˆencias
ou questionamentos comuns `a maioria dos alunos, aborda o conte´udo necess´ario em forma
de aulas expositivas.
No final de cada odulo, cada grupo exp˜oe seus resultados da pesquisa para toda a
classe que deve dar sugest˜oes para a continua¸ao dos trabalhos. ´
E quando se faz a troca
de experiˆencias e cr´ıticas, visando a melhoria de cada projeto, e do pr´oprio curso como um
modelo de aprendizado.
214 Modelagem Matem´atica
No final do curso, o trabalho de cada grupo, apresentado em forma de uma disserta¸ao,
´e exposto numa esp´ecie de “defesa de tese” onde os demais cursistas devem agir como
uma “banca examinadora”. O aluno ´e avaliado pelo seu desempenho em cada odulo; No
final, cada aluno ´e avaliado pelos elementos de seu grupo al´em de sua auto-avalia¸ao. Os
professores instrutores avaliam tamb´em as monografias apresentadas, onde deve constar os
modelos desenvolvidos a partir do conte´udo tratado em cada odulo e o trabalho individual,
executado pelos cursistas no per´ıodo letivo, relativo `a aplica¸ao do etodo, em suas salas
de aula.
Durante todos esses anos que temos nos dedicado `a aplica¸ao de modelagem matem´atica
em cursos de Especializa¸ao, contamos com uma equipe dinˆamica e coesa que acredita ser
este tipo de aprendizagem um potencial gerador de recursos humanos mais qualificados.
A pr´opria modelagem tem sido tema de pesquisas em Educa¸ao Matem´atica nos cursos de
Mestrado e Doutorado da UNESP-Rio Claro e FE-UNICAMP (veja referˆencia bibliogr´afica).
A procura, por parte de Institui¸oes de Ensino Superior, por cursos de Especializa¸ao
com modelagem, tem aumentado muito nos ´ultimos anos.
Os temas escolhidos para pesquisa, nos diferentes cursos de que participamos, ao os
mais diversos e algumas vezes excˆentricos: Horticultura, suinolcultura, apicultura, piscicul-
tura, ma¸a, fabrica¸ao de papel, jogos infantis, estilingue, erva-mate, minera¸ao de ouro,
transporte coletivo, planta¸ao de trigo e soja, “vaca mecˆanica”, fabrica¸ao de “latas”, coca-
cola, d´ıvida externa, ranicultura, miss˜oes jesu´ıtas, fabrica¸ao de vinho, paran´oia, lazer,
cerˆamica art´ıstica, olaria, cria¸ao de gado, supermercados, tecelagem, elei¸ao, fumante, in-
dustrializa¸ao do leite, madeira, reflorestamento, constru¸ao civil, lixo, avicultura, ´ındice
pluviom´etrico, fabrica¸ao de corro¸cas, eletrifica¸ao de uma favela, cana-de-a¸ucar, cultivo de
caf´e, irriga¸ao, urucum, seringueira, uva, milho, escargot, peixe, bebidas alco´olicas, cefal´eia,
esoterismo etc. A diversidade dos temas por si o, a ´e uma demonstra¸ao da abrangˆencia
do programa e do amadurecimento dos elementos da equipe que desenvolve os cursos.
4.3 Casos Estudados
Neste par´agrafo, mostraremos trˆes exemplos resumidos da modelagem executada nestes
cursos de Especializa¸ao.
4.3.1 Tema: abelha
Este tema foi objeto de estudo de um grupo de 5 professores do ensino edio, no curso
de Especializa¸ao realizado em Guarapuava (PR) em 1982. Alguns modelos obtidos na
ocasi˜ao passaram a compor o folclore de Modelagem Matem´atica e foram apresentados em
cursos e congressos de Educa¸ao Matem´atica como “exemplos t´ıpicos” desta estrat´egia de
ensino-aprendizagem.
No in´ıcio de um projeto quando ainda a preocupa¸ao ´e com a coleta de dados, a dificul-
dade encontrada pelos professores ´e maior. Neste ponto costumamos dizer que quando ao
se sabe o que fazer, o melhor ´e medir ou contar e assim, os umeros come¸cam a aparecer
Rodney Carlos Bassanezi 215
em forma de tabelas e com elas as id´eias de um tratamento matem´atico. Isto aconteceu
com este grupo (“abelha”) que buscava substituir a vis˜ao ingˆenua de um realidade por uma
atitude cr´ıtica e mais abrangente, utilizando a linguagem e conceitos de matem´atica. Ini-
cialmente foram “contar” abelhas que pousavam em uma colm´eia. Delimitaram uma regi˜ao
da colm´eia e contavam quantas abelhas pousavam por minuto. Depois de arios experimen-
tos verificaram que a edia estava em torno de 70 abelhas/min. at´e que, numa colm´eia
espec´ıfica, notaram que este n´umero caiu para 20 abelhas/min. e neste caso constataram
que os favos estavam cheios - por isto que as abelhas trabalhavam menos que nas demais
colm´eias! Verificaram tamb´em que as abelhas levam, em edia, 1.5 minutos para se organi-
zarem e reagirem contra a presen¸ca de instrusos. Assim, se um indiv´ıduo precavido deseja
saber se a colm´eia tem seus favos cheios de mel, basta contar abelhas durante 0.5 minuto.
Na verdade, um apicultor experiente age desta forma: basta “olhar” para a colm´eia para
saber como est´a seu estoque de mel e nem precisa usar roupas apropriadas para evitar as
picadas dos insetos.
Em rela¸ao `a modelagem propriamente dita, arias quest˜oes foram levantadas: dan¸ca das
abelhas, geometria dos alv´eolos, viscosidade do mel, posicionamento das colm´eias, produ¸ao
e comercializa¸ao do mel, dinˆamica da popula¸ao de abelhas, poliniza¸ao etc.
Aqui apresentaremos apenas dois tipos distintos de modelos: a geometria dos alv´eolos e
adinˆamica populacional da colm´eia.
Geometria dos Alv´eolos
As abelhas constroem suas “casas” ou favos na forma de recipientes aglomerados de
cera que se propagam um ao lado do outro;
Os recipientes, denominados alv´eolos, em a forma de um prisma hexagonal regu-
lar (faces laterais iguais e ˆangulos entre as faces iguais) aberto numa extremidade e
formando um ´apice tri´edrico na outra face.
Os alv´eolos ao usados tanto para o desenvolvimento populacional da colm´eia como para
dep´osito de mel, produto obtido da transforma¸ao do ectar e olem das flores.
Em uma colm´eia, cada indiv´ıduo executa uma fun¸ao espec´ıfica e todo trabalho ´e orien-
tado segundo a lei natural do m´ınimo esfor¸co eaximo rendimento. No caso das abelhas
esta lei ´e amplamente utilizada, como veremos no exemplo sobre constru¸ao dos alv´eolos.
Em rela¸ao `a constru¸ao de um favo foram selecionadas algumas quest˜oes que envolvem
sua geometria.
Mosaico de um Favo
O corte transversal de um favo apresenta a configura¸ao de um mosaico formado pela
repeti¸ao de hex´agonos regulares (figura 4.1).
A pavimenta¸ao de um plano (mosaico) consiste em cobr´ı-lo com uma mesma figura
(molde), sem deixar espa¸cos vazios ou tendo figuras interseccionadas.
Se quisermos um mosaico formado pela propaga¸ao de um o tipo de pol´ıgono regular
(lados iguais e ˆangulos internos iguais), devemos escolher tal pol´ıgono de modo que seu
216 Modelagem Matem´atica
Figura 4.1: Esquematiza¸ao de um favo.
ˆangulo interno θseja um divisor de 360o(para que haja um encaixe entre os pol´ıgonos).
Figura 4.2: Poss´ıveis configura¸oes para um favo.
Todo pol´ıgono regular pode ser inscrito em um ırculo de modo que seus lados sejam
cordas deste c´ırculo. Assim, dado um pol´ıgono regular de nlados podemos sempre divid´ı-lo
em ntriˆangulos is´osceles. Cada trˆangulo ´e formado considerando o lado do pol´ıgono como
base e tendo ertice no centro do c´ırculo que circunscreve o pol´ıgono:
Em cada triˆangulo, o ˆangulo vdo ertice, ´e igual a v=360
ne os ˆangulos iguais valem
α=θ/2, onde θ´e o ˆangulo interno do pol´ıgono.
Rodney Carlos Bassanezi 217
Figura 4.3: Pol´ıgonos regulares.
A rela¸ao entre os ˆangulo θevnos leva `a:
α=θ
2=180 v
2,(4.1)
α=90(n2)
n,com 360
v=nN(4.2)
Sabemos que um pol´ıgono regular pode se propagar, formando um mosaico, se 360
θfor um
umero inteiro positivo. Este umero nos a a quantidade de pol´ıgonos que em ertice
comum.
Como θ= 2α, usando a equa¸ao (4.1), obtemos
360
θ=360n
180(n2) =2n
n2com nN, n 3.(4.3)
Assim, um pol´ıgono regular de nlados pode formar um mosaico no plano se, e somente se,
2n
n2for um umero inteiro positivo, divisor de 360, com n3.
Os divisores de 360, ao 1, 2, 3, 4, 5, 6, 8, 9, 10, 12, 15, 18, 20, 24, 30, 36, 40, 45, 40, 60,
72, 90, 120, 180, e 360.
Sabemos que θdeve ser menor que 180pois θ´e o ˆangulo interno do pol´ıgono. Por outro
lado, o pol´ıgono regular de menor umero de lados ´e o triˆangulo equil´atero, n= 3. Neste
caso, usando (4.3) temos
θ=360(3 2)
6= 60
Como θcresce quando ncresce, devemos ter ent˜ao:
60 θ < 180
218 Modelagem Matem´atica
Desta forma, os valores poss´ıveis que θpode assumir ao 60, 72, 90 e 120.
Para θ= 72, temos
360
72 = 5 = 2n
n2=2n= 5n10,
donde
n=10
36∈ N.
Isto significa que ao podemos ter um mosaico do plano formado somente de pent´agonos
regulares
Para θ= 90n= 4 (quadrados);
Para θ= 120n= 6 (hex´agono);
Logo, o podemos ter 3 pol´ıgonos regulares para pavimentar o plano: triˆangulo equil´atero,
quadrado e hex´agono.
Observa¸ao 4.1. Este mesmo resultado pode tamb´em ser obtido facilmente, considerando:
2n
n2= 2 + 4
n2N(n2) divide 4;
logo, n2 = 1 ou n2 = 2 ou n2 = 4, e portanto, n {3,4,6}.
As abelhas constroem seus alv´eolos na forma de prismas de bases hexagonais. Das trˆes
poss´ıveis escolhas, “optaram” pelo pol´ıgono que tem o menor per´ımetro, com ´area Afixada.
De fato, pode-se verificar facilmente que, dado um valor real positivo Afixo, tem-se que
o per´ımetro do triˆangulo de ´area Avale p3
=4.56A;o per´ımetro do quadrado de ´area
Avale p4= 4Ae do hex´agono p6
=3.72A. Por outro lado, se fixarmos o per´ımetro
pdos trˆes pol´ıgono, o hex´agono ´e aquele que tem a maior ´area. Este resultado pode ser
generalizado para qualquer pol´ıgono regular de nlados, isto ´e, dado um per´ımetro pfixado
ent˜ao Acresce quando ncresce (verifique).
Curiosidade
O diˆametro do corte transversal do abdˆomem da abelha mede um pouco menos que 4mm
e os hex´agonos, bases dos alv´eolos, ao construidos com o ap´otema valendo metade do seu
diˆametro (2mm). Isto faz com que o valor num´erico da ´area do hex´agono ('13.856mm2)
seja igual ao valor do seu per´ımetro ('13.856mm). De uma maneira geral, sempre que o
ap´otema valer 2µ(µunidades de comprimento com que ´e medido o lado) o hex´agono ter´a
sua ´area A, em µ2,igual ao seu per´ımetro pmedido em µ. Sen˜ao vejamos:
Seja `o lado do hex´agono regular e aseu ap´otema (figura 4.4).
Cada triˆangulo is´osceles (neste caso equil´atero) tem ´area igual a
A6=`a
2.
Rodney Carlos Bassanezi 219
Logo, a ´area do hex´agono ser´a
A= 6`a
2= 3`a.
Para que o valor num´erico da ´area do hex´agono seja o mesmo que o do seu per´ımetro devemos
ter
6`= 3`a,
donde, a= 2.
Este resultado particular pode ser generalizado na seguinte proposi¸ao:
Dado qualquer pol´ıgono regular, o valor num´erico do seu per´ımetro coincide com o
da sua ´area se, e somente se, seu ap´otema vale 2”.
De fato, seja `o valor do lado do pol´ıgono regular de nlados. Podemos dividir o pol´ıgono
em ntriˆangulos is´osceles de base igual a `.
O ap´otema ado pol´ıgono ser´a a altura destes triˆangulos (figura 4.4).
A ´area de cada triˆangulo vale `a
2. Assim, a ´area do pol´ıgono ser´a A=n`a
2e seu per´ımetro
p=n`.
Figura 4.4: Constru¸ao de um pol´ıgono regular.
Ent˜ao, respeitadas as unidades das medidas (adimensionaliza¸ao), temos
p=A n`a
2=n` a= 2 (n3 e ` > 0).
Chamaremos de 2-pol´ıgonos os pol´ıgonos regulares cujo ap´otema vale 2 (unidade de
medida dos lados).
Dado um 2-pol´ıgono de nlados podemos determinar facilmente o valor de seu lado e
portanto de sua ´area:
220 Modelagem Matem´atica
Em cada um dos ntriˆangulos is´osceles (cf. figura 4.4) em que foi dividido o 2-pol´ıgono
temos:
a= 2
v=360
n=α=180 v
2
tan α=a
`/2=4
`.
Logo
`=4
tan α=4
tan(90 180
n)=4
cotg 180
n
= 4 tan µ180
n.
Assim, o lado de um 2-pol´ıgono de nlados ´e dado, em radianos, por:
`= 4 tan π
n
Como a ´area de um 2-pol´ıgono ´e igual ao seu per´ımetro, temos
An=n` = 4ntan π
n(n3)
A tabela 4.1 fornece a rela¸ao entre o lado ne a ´area Ando respectivo 2-pol´ıgono:
2-pol´ıgono n An
triˆangulo equil´atero 3 20.7846
quadrado 4 16.0000
pent´agono 5 14.5308
hex´agono 6 13.8564
dec´agono 10 12.9967
100-´agono 1000 12.5705
1000-´agono 10000 12.56641
10000-´agono 100000 12.5663371
Tabela 4.1: ´
Area dos 2-pol´ıgonos de lado n.
A sequˆencia (An), n 3, das ´areas de 2-pol´ıgonos de nlados ´e decrescente com ne
limitada pela ´area do ırculo de lado 2 (veja tabela 4.1).
Uma justificativa para este fato ´e a seguinte: para x=π
npr´oximo de zero (nmuito
grande), temos que
sen π
nπ
ntan π
n(4.4)
Rodney Carlos Bassanezi 221
Dividindo os dois primeiros termos da desigualdade por cos π
ntemos:
tan π
n
π
n
cos π
n
(4.5)
Logo, de (4.4) e (4.5) temos
π
ntan π
n
π
n
cos π
nπntan π
nπ
cos π
n
(4.6)
Esta ´ultima desigualdade implica que, se n ent˜ao ntan π
nπ(Teorema do con-
fronto).
Assim,
An= 4ntan ³π
n´4π'12.566371 . . . quando n
Observa¸ao 4.2. O fato da sequˆencia {An}n3ser mon´otona decrescente e limitada implica
que ela ´e convergente e
lim
n→∞ An= 4 lim
n→∞ ntan π
n= 4π=´area do c´ırculo de raio 2.
Geometria dos Alv´eolos
Cada alv´eolo ´e projetado de maneira a se encaixar perfeitamente com outros alv´eolos
paralelos. Os alv´eolos ao distribuidos no favo de forma quase horizontal, sendo que em
cada extremidade de um ´apice tri´edrico ao encaixados 3 outros alv´eolos (figura 4.5).
Figura 4.5: Parte de um favo (encaixe de alv´eolos).
As abelhas usam cera para construir o favo procurando economizar material para obter
o mesmo volume.
Considerando um alv´eolo (prisma de base hex´agonal) como a uni˜ao de 3 prismas iguais
de base losangonal (figura 4.6) com ˆangulos internos de 60e 120, podemos determinar
o ˆangulo ideal destes prismas de modo que, para um mesmo volume, se gaste uma menor
quantidade poss´ıvel de cera.
222 Modelagem Matem´atica
A minimiza¸ao da quantidade de cera se reduz ao problema matem´atico de se encontrar
o valor do ˆangulo θ=OV B (figura 4.6) de modo que a soma das ´areas das figuras abBA,
bcCB eABCV seja a menor poss´ıvel. A resolu¸ao geom´etrica deste problema pode ser
encontrada em [11].
Devido `a simetria existente num alv´eolo, temos que os trap´ezios AbBA ecbBC ao
isom´etricos e portanto de mesma ´area. Vamos agora encontrar um modelo que relacione as
´areas das figuras abBA eABCV com o ˆangulo θ:
a. alculo da ´area do trap´ezio abBA (figura 4.6)
At=ab
2(aA +bBi)
onde ab =leaA =hao valores dados. Da figura 4.6, temos que bH0=he
bH0=bB +BH0.
Agora BH 0=V H. Do triˆangulo V HD tiramos: cotg θ=V H
HD , mas H D =Ob
2=`
2,
donde BH 0=`
2cotg θ.
Figura 4.6: Alv´eolo (vista tridimensional).
Logo, a ´area do trap´ezio At´e dada por
At=`
2·h+ (h`
2cotg θ)¸=`h `2
4cotg θ(4.7)
Rodney Carlos Bassanezi 223
b. alculo da ´area do losˆangulo ABCV
CD ´e a altura do triˆangulo equil´atero de lado `, logo
CD =3
2`(4.8)
Ainda, do triˆangulo V H D tiramos que
sen θ=HD
V D =V D =`
2 sen θ.(4.9)
A ´area do triˆangulo V CD ´e pois
V D C D
2=1
2
`
2 sen θ
3
2`=3`2
8 sen θ.(4.10)
Como o losango ´e formado por 4 triˆangulos iguais a V CD, temos que sua ´area ser´a:
A`=3`2
2 sen θ.(4.11)
A ´area lateral total de um alv´eolo (aberto) ´e pois:
A= 6At+ 3A`= 6`h 3
2`2cotg θ+33`2
2 sen θ(4.12)
ou
A= 6`h +3
2`2Ã3
sen θcotg θ!(4.13)
Esta ´area, como fun¸ao de θ, ter´a o menor valor quando T(θ), for m´ınimo, para θ
variando entre 0e 90(0 < θ < 90) com T(θ) dado por:
T(θ) = 3
sen θcotg θ=3cos θ
sen θ>0.(4.14)
Podemos calcular alguns valores de T, usando uma calculadora, e obtemos a tabela
4.2
Observamos que o menor valor de Tdeve ocorrer quando θest´a entre os valores 50
e 60. O ˆangulo edio escolhido pelas abelhas est´a bem pr´oximo do valor ´otimo de θ
que ´e 54.7. Esta otimiza¸ao na constru¸ao dos alv´eolos est´a longe de ser apenas uma
coincidˆencia! Seria uma tendˆencia natural de sele¸ao obtida atrav´es dos eculos? E esta
tendˆencia de otimiza¸ao seria um processo natural em tudo que sofre transforma¸oes?
Com o uso de uma calculadora podemos chegar bem pr´oximos do valor ´otimo, usando o
“m´etodo da bissec¸ao”. Isto seria um exerc´ıcio bastante interessante no ensino edio.
224 Modelagem Matem´atica
θ T (θ) = 3cos θ
sen θ
104.3032012
202.3167004
301.7320508
401.5028391
501.4219321
601.4226497
701.4792397
801.5824435
901.7320508
Tabela 4.2: alculo de T(θ).
No entanto, podemos obter o valor de θque minimiza a fun¸ao At(θ), usando uma
matem´atica mais sofisticada:
Seja
At(θ) = 6h` +3
2`2Ã3
sen θcotg θ!(4.15)
Sabemos que se θ=θ´e um ponto de m´ınimo para At(θ) ent˜ao a derivada dAt(θ)
se
anula no ponto θ. Temos que,
dA
=3
2`2Ã1
sen2θ3 cos θ
sen2θ!.(4.16)
Logo, dA
= 0 se, e somente se,
1
sen2θ=3 cos θ
sen2θ=1 = 3 cos θ=cos θ=1
3
e portanto,
dAt(θ)
= 0,
para 60 θ90, quando θ=θ= 54.73561.
Projeto 4.1. Determine o volume do alv´eolo, usando geometria e alculo integral.
Rodney Carlos Bassanezi 225
Dinˆamica de uma Colm´eia
Quando se prop˜oe analisar o crescimento populacional de uma comunidade qualquer,
um dos objetivos ´e saber seu comportamento em cada instante e a previs˜ao de seu tamanho
no futuro. Cada popula¸ao tem uma dinˆamica de crescimento pr´opria, isto ´e, uma “lei de
forma¸ao” inerente `a esp´ecie.
No curso de Modelagem Matem´atica para professores do ensino edio (Guarapuava–
1982), o grupo que escolheu trabalhar com abelhas decidiu analisar o comportamento e
forma¸ao de uma colm´eia, propondo um modelo determin´ıstico para estudar sua dinˆamica.
Os dados emp´ıricos e experimentais foram colhidos em entrevistas com apicultores da regi˜ao.
Foram propostos modelos de complexidade matem´atica variada. Nos modelos iniciais,
fizeram uso de um conte´udo espec´ıfico de matem´atica do ensino edio (sequˆencias, equa¸oes
da reta, fun¸oes potˆencia, exponencial e logar´ıtmo). Outros modelos mais “sofisticados”
foram obtidos com equa¸oes diferenciais ordin´arias e podem servir de motiva¸ao em cursos
iniciais de alculo, no ensino superior.
Observamos que, de uma maneria geral, quando um tema ´e escolhido para ser trabalhado
via modelagem matem´atica, podemos lan¸car ao de meios necess´arios para o desenvolvi-
mento da criatividade em uma proposta de ensino-aprendizagem, desde que adaptemos
nossos modelos ao conte´udo program´atico de cada disciplina e cada n´ıvel de escolaridade.
Vamos apresentar aqui, modelos matem´aticos distintos relativamente ao n´ıvel de conte´udo
matem´atico, mas que expressam, essencialmente, o mesmo fenˆomeno: crescimento popula-
cional de uma colm´eia.
A Colm´eia
Entre apicultores, a express˜ao colm´eia significa abelhas alojadas racionamente, com uma
popula¸ao equilibrada e distribu´ıda em trˆes castas: rainha, oper´arias ezang˜oes.
A abelha rainha ´e respons´avel pela produ¸ao das oper´arias, dos zang˜oes (que ao os
machos) ou novas ra´ınhas, botando dois tipos de ovos. Os ovos fertilizados ao origem
`as oper´arias (fˆemeas ao reprodutoras) e os ovos ao fertilizados originam os zang˜oes. As
rainhas ao produzidas quando as larvas ao alimentadas com nutrientes altamente proteicos
(gel´eia real).
A constitui¸ao de uma colm´eia em condi¸oes normais ´e a seguinte:
1 rainha que pode viver at´e 5 anos;
At´e 400 zang˜oes que ao produzidos no final de ver˜ao, e sua quantidade depende da
abundˆancia de alimento (vivem at´e 80 dias);
60.000 a 80.000 oper´arias. A longevidade de uma oper´aria depende do clima e do seu
per´ıodo de atividade. De um modo geral sua vida edia varia de 38 a 42 dias.
A capacidade de postura de uma rainha chega a 3.000 ovos por dia, o que corresponde a
duas vezes seu pr´oprio peso. Esta quantidade depende da ´area dispon´ıvel para postura, da
qualidade gen´etica da rainha e das condi¸oes florais e clim´aticas existentes.
226 Modelagem Matem´atica
Quando uma rainha diminui a quantidade de ovos, as oper´arias respons´aveis pela
manuten¸ao das larvas promovem o desenvolvimento de nova rainha. A nova rainha, depois
do oo nupcial em que ´e fecundada pelos zang˜oes, retorna `a com´eia desalojando a rainha
velha que sai para formar uma outra colm´eia. Acompanhando a velha rainha seguem um
equito de aproximadamente 10.000 oper´arias: ´e o enxame voador.
Para o estudo do crescimento da popula¸ao em uma nova colm´eia consideraremos os
seguinte dados e hip´oteses:
Postura da rainha ´e constante: 2000 ovos/dia;
Per´ıodo entre a postura e o nascimento da abelha: 21 dias;
Quantidade inicial de abelhas (oper´arias): 10.000;
Longevidade edia de uma oper´aria: 40 dias.
Modelos
Um modelo matem´atico da dinˆamica populacional de uma nova colm´eia deve ser apre-
sentado, levando-se em considera¸ao dois est´agios distintos: o per´ıodo de adapta¸ao que ´e
intermedi´ario entre a postura inicial e o nascimento das primeiras oper´arias (21 dias), e o
per´ıodo de desenvolvimento quando nascem diariamente 2000 abelhas.
Em rela¸ao ao per´ıodo inicial podemos estabelecer duas hip´oteses distintas quanto ao
´ındice de mortalidade das oper´arias:
H1)As abelhas em idades equidistribu´ıdas
Neste caso estamos supondo que em cada grupo, distribuido por idade(dias de vida),
existem exatamente a mesma quantidade de oper´arias.
Desta forma, das 10.000 abelhas iniciais, em cada dia morrer˜ao, em edia, 250 abelhas
o que corresponde a 1
40 de 10.000.
Seja yn=y(n) a quantidade de oper´arias vivas no nesimo dia de existˆencia de nova
colm´eia, 0 n < 21.
Podemos obter a express˜ao de y(n) recursivamente, isto ´e,
y0= 10.000
y1=y0250
y2=y1250 = y02×250
y3=y2250 = y03×250.
Podemos generalizar, escrevendo
yn=y0n×250
Assim, obtemos um modelo matem´atico que nos a a informa¸ao sobre a quantidade de
abelhas “velhas” no nesimo dia de existˆencia da colm´eia:
yn= 10.000 250n, 0n21.(4.17)
Rodney Carlos Bassanezi 227
Observa¸ao 4.3. O modelo (4.17) ´e discreto no sentido que a vari´avel independente n
(tempo) est´a tomando valores no conjunto dos umeros naturais N.
Observa¸ao 4.4. A equa¸ao (4.17) pode ser obtida, analisando a taxa de decaimento.
Seja k > n, definimos y=ykyn: quantidade de abelhas que morrem entre o kesimo
e o nesimo dia e n=kn: umero de dias passados, ent˜ao a raz˜ao incremental y
n´e
dada por:
y
n=ynyn
kn
=(ykyk1) + (yk1yk2) + · ·· + (yn+1 yn)
[(k(k1)] + [(k1) (k2)] + · ·· + (n+ 1 n)
=(kn)(250)
kn=250
ou seja, a raz˜ao entre a varia¸ao da quantidade de abelhas pela varia¸ao do tempo ´e con-
stante. Isto significa que o resultado para um dia nqualquer poderia ser obtido por uma
regra de trˆes: A quantidade de abelhas que morrem em ndias ´e proporcional a n”. Por
exemplo, se em 1 dia morrem 250, em 21 dias morrer˜ao 5.250 abelhas:
1250
21 x
=x= 21 ×250 = 5250.
A constante C=250 ´e o coeficiente angular da reta (figura 4.7):
y(t) = 250t+ 10000 com 0 t21, t R,(4.18)
que representa o modelo cont´ınuo correspondente `a equa¸ao (4.17).
Chamamos a aten¸ao para o fato de que a constante de “proporcionalidade” usada numa
regra-de-trˆes ´e equivalente ao coeficiente angular de uma reta, ou seja, o podemos usar
regra-de-trˆes quando as vari´aveis est˜ao relacionadas segundo a equa¸ao de uma reta.
H2)A mortalidade das abelhas ´e “proporcional” a quantidade que se tem de abelhas em
cada instante.
Observe que com esta hip´otese ao podemos usar regra-de-trˆes. A taxa de mortalidade
´e 1
40 = 0.025 e portanto, a taxa de sobrevivˆencia ´e (1 0.025) = 0.975.
Podemos agora obter uma express˜ao de recorrˆencia (modelo discreto) para yncom esta
228 Modelagem Matem´atica
Figura 4.7: Morrem 250 abelhas por dia.
nova hip´otese:
y0= 10.000
y1= 0.975y0
y2= 0.975y1= (0.975)2y0
.
.
.
yn= (0.975)ny0(4.19)
Usando o fato que ax=exln a, para todo xR, com a > 0 a fun¸ao potˆencia (4.19) pode
ser dada na forma exponencial:
yn=y0exp(nln 0.975) = y0exp(0.02532n).(4.20)
No caso cont´ınuo (tempo cont´ınuo) podemos escrever
y=y(t) = y0e0.02532t,0t21.(4.21)
Tomando y0= 10.000 e t= 21 em (4.21), obtemos y(21) = 5876. Verificamos que, de acordo
com as hip´oteses consideradas, os valores de y21 ao distintos na pr´atica tal diferen¸ca ao
´e significativa, mesmo para o estudo do comportamento futuro da colm´eia.
O modelo matem´atico para o per´ıodo de desenvolvimento da nova colm´eia leva em con-
sidera¸ao que a partir do 21-´esimo dia nascem, 2000 abelhas:
Se A0´e a quantidade remanescente de oper´arias velhas depois de 21 dias, teremos para
o 21´esimo dia:
Y1=y21 =A0+ 2000.
Rodney Carlos Bassanezi 229
Considerando agora a taxa de sobrevivˆencia igual a 0.975, podemos formar uma rela¸ao
de recorrˆencia a partir do valor A0:
Y2=y22 = 0.975Y1+ 2000 = 0.975(A0+ 2000) + 2000 =
= 0.975A0+ 0.975 ×2000 + 2000 = 0.975A0+ 2000(0.975 + 1)
Y3=y23 = 0.975Y2+ 2000 = 0.975(0.975A0+ 0.975 ×2000 + 2000) + 2000
= (0.975)2A0+ (0.975)2×2000 + 0.975 ×2000 + 2000
= (0.975)2A0+ 2000[(0.975)2+ 0.975 + 1)].
E assim sucessivamente, chegamos a
Yn= (0.975)n1A0+ (0.975)n1×2000 + (0.975)n2×2000 + · ·· + 0.975 ×2000 + 2000
= (0.975)n1A0+ 2000[(0.975)n1+ (0.975)n2+· ·· + 0.975 + 1].
A express˜ao entre colchetes ´e a soma de uma progress˜ao geom´etrica de raz˜ao igual a 0.975,
o que nos permite simplificar, escrevendo:
Yn= (0.975)n1A0+ 20001(0.975)n
10.975 = (0.975)n1A0+ 80000(1 0.975n)
= (0.975)n1A0+ 80000 80000 ×(0.975)n
= (A078000)(0.975)n1+ 80000.(4.22)
Podemos pensar numa express˜ao cont´ınua para Yntomando:
y(t) = (A078000)e(t21)`n0.975 + 80000 (t21)
ou seja,
y(t) = (A078000)e0.02532(t21) + 80000 para t21.(4.23)
A express˜ao (4.23) nos a a popula¸ao da colm´eia num tempo tqualquer a partir do
21´esimo dia.
Podemos notar que quando tcresce o valor de e0.02532(t21) tende a zero e portanto a
popula¸ao da colm´eia se estabiliza com 80000 oper´arias o que mostra uma coerˆencia com os
dados experimentais.
Isto pode ser traduzido pela express˜ao matem´atica
lim
t→∞ y(t) = 80000
A reta y= 80000 ´e uma ass´ıntota horizontal da fun¸ao y(t), denominada valor de esta-
bilidade.
Juntando as duas partes do modelo cont´ınuo de crescimento populacional das abelhas
(equa¸oes (4.21) e (4.23)), podemos escrever:
½y(t) = 10000e0.02532tse 0 t < 21
y(t) = (A078000)e0.02532(t21) + 80000,se t21 (4.24)
onde, A0ao as sobreviventes no 21o
¯dia.
230 Modelagem Matem´atica
Lei de Forma¸ao de Uma Colm´eia
No caso cont´ınuo (tempo tcomo vari´avel cont´ınua) podemos usar a linguagem de
derivadas e expressar a hip´otese H2da seguinte forma:
dy
dt =0.025y
y(0) = 10000,0t21
(4.25)
onde dy
dt indica a varia¸ao instˆantanea da popula¸ao de abelhas. O modelo (4.25) quer
dizer que at´e os primeiros 21 dias, a varia¸ao da popula¸ao de abelhas (mortalidade) ´e
proporcional `a quantidade presente em cada instante, com um ´ındice de mortalidade igual
a1
40 = 0.025 e uma popula¸ao inicial de 10000 abelhas.
A solu¸ao da equa¸ao (4.25) ´e obtida separando-se as vari´aveis e integrando
dy
y=0.025dt, logo Zdy
y=Z0.025dt,
ou
ln y=0.025t+k(k: constante de integra¸ao)
donde tiramos
y(t) = eke0.025t.
Usando a condi¸ao inicial y(0) = 10000, vem que ek= 10000. Assim,
y(t) = 10000e0.025t,0t21.(4.26)
A solu¸ao (4.26) ´e aproximadamente igual `a (4.21) obtida anteriormente.
Para o per´ıodo de crescimento da colm´eia, podemos fazer uma analogia com o modelo
exponencial assint´otico uma vez que, em ambas as situa¸oes, as solu¸oes ao semelhantes.
Consideramos ent˜ao a equa¸ao diferencial:
dy
dt =k(Ly) (4.27)
onde, L= 80000 ´e a popula¸ao limite, t21, k= ln 0.975 e y(21) = 7500 (5500
remanescentes mais 2000 rec´em nascidas).
Separando as vari´aveis e integrando a equa¸ao (4.27), obtemos
dy
Ly=kdt = ln(Ly) = kt +c.
Portanto, Ly=ecekt.
Rodney Carlos Bassanezi 231
Considerando que a equa¸ao (4.27) est´a definida para t21, podemos escrever
y(t) = Lecek(t21), t 21.
Como y(21) = 7500, temos
ec= 7500 80000 = 72500
Portanto,
y(t) = 72500e0.02532(t21) + 80000,para t21.(4.28)
Desta forma, podemos dizer que a “lei de forma¸ao” de uma colm´eia nova ´e a seguinte:
O crescimento populacional de uma colm´eia ´e proporcional `a diferen¸ca entre a pop-
ula¸ao axima sustent´avel e a popula¸ao dada em cada instante.
Figura 4.8: Crescimento de uma colm´eia.
Salientamos mais uma vez que nenhum modelo matem´atico ´e definitivo. Sempre podemos
modific´a-lo tornando-o mais realista. Por exemplo, no per´ıodo de adapta¸ao (in´ıcio da
colm´eia) a rainha ao tem condi¸oes de colocar 2000 ovos por dia pois os alv´eolos ainda nem
est˜ao constru´ıdos. Tamb´em, a hip´otese simplificadora que considera uma postura constante
da rainha, nesta colm´eia, pode ser modificada.
Modelo com intensidade de postura vari´avel
Nas regi˜oes onde as esta¸oes do ano ao bem definidas e o inverno ´e rigoroso, a colm´eia
passa por um per´ıodo de hiberna¸ao. Quando a temperatura ´e muito baixa a rainha diminui
drasticamente a postura de ovos e as oper´arias se tornam inativas. No in´ıcio da primavera
come¸ca o crescimento da colm´eia, atingindo o valor aximo no ver˜ao para depois diminuir
at´e o in´ıcio do inverno.
O histograma (figura 4.9) representa, em cada es, a quantidade edias de ovos deposi-
tados por dia numa colm´eia.
232 Modelagem Matem´atica
Figura 4.9: Atividade de postura de uma rainha numa regi˜ao de clima frio.
Considerando que a atividade de postura de uma rainha vai de mar¸co a outubro (aprox-
imadamente 240 dias), podemos por simplicidade, ajustar tal tendˆencia atrav´es de uma
fun¸ao discreta que satisfaz a equa¸ao de uma par´abola com ra´ızes n= 0 e n= 240, isto ´e,
Dn=kn(n240) (4.29)
Do histograma, observamos que o valor aximo de postura de ovos ´e D
n= 2400/dia.
Supondo que D
n´e atingido quando n= 120, temos
2400 = 120k(120 240) =k=1
6.
Logo, a equa¸ao que fornece o no
¯de ovos/dia, depositados pela rainha ´e, aproximadamente,
Dn=1
6n2+ 40ncom 0 n240.(4.30)
Observamos que n= 0 corresponde ao dia imediatamente inferior ao in´ıcio da postura, o
que ocorre em meados de fevereiro.
Vamos considerar ainda que, no final da temporada de atividades das abelhas (final de
outubro), a colm´eia possuia uma popula¸ao de aabelhas, e que a vida edia de uma oper´aria
inativa seja de 80 dias. Assim, durante o per´ıodo de inatividade da colm´eia, sua popula¸ao
ser´a reduzida diariamente a uma taxa de mortalidade igual a 1/80.
Seja a0a quantidade de abelhas no in´ıcio do per´ıodo da hiberna¸ao e
s1=µ11
80=49
80 = 0.9875
a taxa de sobrevivˆencia di´aria da colm´eia.
Rodney Carlos Bassanezi 233
Podemos determinar, por recorrˆencia, a quantidade de abelhas em cada dia, neste per´ıodo
de hiberna¸ao:
a(0) = a0
a(1) = s1a0
a(2) = s1(a(1)) = s2a0
.
.
.
a(n) = sn
1a0(4.31)
Assim, no final do per´ıodo de hiberna¸ao (aproximadamente 120 dias), temos
a(120) = s120
1a0= (0.9875)120a0= 0.221a0
ou seja, a colm´eia foi reduzida a 22.1% do valor inicial a0. A partir de ent˜ao come¸ca a
atividade na com´eia, com o in´ıcio de postura da rainha. Se consideramos que o tempo
de desenvolvimento do ovo ´e 21 dias como nos modelos anteriores, e que a vida edia da
oper´aria ´e agora reduzida para 40 dias, teremos nos pr´oximos 21 dias a equa¸ao:
A(τ) = µ39
40τ
0.0221a0com 0 τ21 (4.32)
e portanto, A(21) '0.13a0ser´a a quantidade de abelhas remanescente quando come¸carem
a nascer as novas oper´arias. Supondo que todos os ovos sejam vi´aveis, teremos a cada dia
α(t) abelhas, onde
α(0) = 0.13a0+D1
α(1) = (0.975)α(0) + D2= (0.975)(0.13a0) + 0.975D1+D2
α(2) = (0.975)α(1) + D3= 0.9752(0.13a0)+0.9752D1+ 0.975D2+D3
.
.
.
α(t) = (0.975)t(0.13a0)+0.975tD1+···+ 0.975Dt+Dt+1
ou seja,
α(t) = (0.975)t(0.31a0) +
t
X
j=0
(0.975)jDt+1jse 1 t240 (4.33)
Usando a equa¸ao (4.30), podemos formular o modelo matem´atico que expressa a
dinˆamica desta colm´eia por meio de 3 submodelos:
an=sn
1a0, s1= 0.9875 0 n120
An= 0.221s(n120)
2a0, s2= 0.975 120 n141
αn= 0.221sn
2a0+Pn
j=141 s(141j)
2Dn+1j141 n381.
(4.34)
234 Modelagem Matem´atica
Figura 4.10: Dinˆamica de uma colm´eia em clima frio.
Tomando a0= 20000 e usando as express˜oes do modelo populacional (4.34), podemos encon-
trar numericamente a quantidade de abelhas em cada instante e obtemos o seguinte gr´afico
(fig. 4.10) para a popula¸ao da colm´eia:
Projeto 4.2. Construa um modelo cont´ınuo para a dinˆamica desta colm´eia e estime a
quantidade de abelhas que nasce em 1 ano.
4.3.2 Tema: MAC¸ ˜
A
Ma¸a
A escolha deste tema deu-se em 3 ocasi˜oes diferentes em que desenvolvemos cursos de
Rodney Carlos Bassanezi 235
aperfei¸coamento para alunos de matem´atica em Guarapuava e Palmas (1988–89) cidades
situadas na regi˜ao sul do estado do Paran´a e grandes produtoras desta fruta. Daremos aqui
um resumo dos problemas levantados obedecendo mais ou menos a ordem em que aparecem.
A parte inicial da pesquisa ´e feita por grupos de alunos atrav´es da etnografia realizada
pelo levantamento de campo, baseado na experiˆencia dos pesquisadores e intimamente ligado
ao contexto social peculiar de sua cultura espec´ıfica. Em seguida passa-se `a an´alise dos dados
levantados ou etnologia. Esta an´alise necessita de outros retornos ao campo. O levantamento
dos problemas foi quase sempre uma consequˆencia dos dados coletados. Os problemas mais
gerais e abrangentes foram incentivados pelos instrutores.
Etnografia
O cultivo da macieira deve ter sido iniciado a 25 milh˜oes de anos, tendo como centro
de origem a regi˜ao entre o aucaso e o leste da China. No imp´erio Romano, a cultura
da macieira a estava bastante difundida. Presume-se no entanto, que o desenvolvimento
das esp´ecies atuais tenha-se iniciado ap´os o final da ´ultima era glacial, portanto, a 20.000
anos. As migra¸oes dos povos euroasi´aticos colaboraram para a dissemina¸ao das formas
primitivas das macieiras atuais.
O in´ıcio das planta¸oes brasileiras ocorreu, provavelmente no munic´ıpio de Valinhos,
estado de ao Paulo, pelo fruticultor Batista Bigneti que, em 1926, tinha plantas da Cultivar
Ohio Beauty.
Com a cria¸ao em 1928 da Esta¸ao Experimental de ao Roque, em ao Paulo, pelo
Instituto Agronˆomico de Campinas, foi dado o passo inicial na pesquisa sobre macieira no
Brasil.
Desde o plantio at´e a armazenagem da ma¸a, arios fatores podem ser considerados:
Escolha do Terreno Dentro de uma propriedade existem, frequentemente, grandes
varia¸oes quanto `a capacidade da ´area em atender `as exigˆencias do cultivo eficaz da
macieira. A escolha dos campos mais adequados ´e importante para o sucesso da ativi-
dade. O local escolhido necessita de prote¸ao natural contra o vento ou ent˜ao deve-se
implantar quebra-ventos.
O solo Baseado na an´alise do solo, faz-se a corre¸ao da acidez com calc´ario dolom´ıtico
(c´alcio e magn´esio) e, quando ultrapassa 4 toneladas por hectare, aplica-se em duas
parcelas, metade antes da ara¸ao e metade na gradeagem.
A ara¸ao Deve ser feita com 40cm de profundidade, subsolagem aproximadamente de
60cm, eliminando totalmente a quantidade de ra´ızes existentes no solo. Durante a
ara¸ao ou subsolagem poder´a ser feita a incorpora¸c ˜ao do calc´ario.
´
E aconselh´avel, no caso de destoca, o plantio de outras culturas mais ou menos por
2 anos, pois ra´ızes apodrecidas cont´em certos fungos que poder˜ao atacar as ra´ızes da
macieira e posteriormente causam o apodrecimento da planta toda.
Preparo das covas As covas dever˜ao ser na propor¸ao de 80cm por 80cm com 50cm de
236 Modelagem Matem´atica
profundidade. Durante a abertura da cova, deve-se separar a primeira camada de
terra, que ´e a mais ertil, para que possa ser misturada com adubo.
A demarca¸ao das covas, deve ser feita sempre em curvas de ıveis, para evitar a eros˜ao
do solo.
Dependendo da declividade do terreno, deve-se demarcar terra¸cos para conten¸ao das
´aguas, marcando as covas entre os terra¸cos. Dependendo das variedades, as distˆancias
variam de 4m a 5m entre ruas e de 2m a 3m entre plantas. Como exemplo, podemos
citar a Gala que pode ser plantada a 4m por 2m e a Fuji, 5m por 3m.
Preparo das mudas Para sobre-enxertia, usa-se uma das variedades polinizadoras como
Gala, Golden Delicius, Fuji, Meorose etc. A enxertia pode ser finalizada em garfagem
ou “encosta de topo”, realizadas no fim de inverno ou in´ıcio de ver˜ao. Como a medida
pode ser provis´oria, at´e que a variedade sobre-enxertada comece a florescer, pode ser
usada a ecnica de colocar ramos flor´ıferos de outra variedade que flores¸ca na mesma
´epoca no meio do pomar. Para isso, deve-se cortar os ramos flor´ıferos da variedade
polinizadora com flores abertas ou bot˜oes.
Capinas As capinas podem ser feitas manualmente, limpando-se um metro de cada lado
das macieiras, at´e o terceiro ano ou podem ser plantadas culturas anuais entre as ruas
como arroz, feij˜ao, enfim, plantas rasteiras.
Herbicidas Aconselha-se o uso de herbicidas de contato, evitando-se pulverizar as folhas
da macieira. O uso direto de herbicidas ao ´e recomendado, pois destr´oi as camadas
orgˆanicas da terra.
Pulveriza¸ao No controle da sarna e podrid˜ao dos frutos, deve-se usar, no m´ınimo, trˆes
produtos para evitar a resistˆencia das doen¸cas aos produtos utilizados.
O aximo de aplica¸oes de produtos qu´ımicos ao ano ´e de 16 a 20 aplica¸oes.
Flora¸ao A flora¸ao dura aproximadamente 15 dias. Neste per´ıodo, a poliniza¸ao pode ser
prejudicada com temperaturas negativas ou acima de 25C, pois provoca o aborta-
mento da flor. Da mesma forma, 2 ou 3 dias seguidos de chuvas, em plena florada,
poder´a prejudicar a produ¸ao.
A macieira ´e uma planta de poliniza¸ao cruzada, o que implica que se deva ter dois tipos
de macieira no pomar. A poliniza¸ao depende tamb´em de insetos: comprovadamente,
a planta melhor polinizada ´e aquela que tem apicultura em seu meio.
Raleamento dos Frutos Quando come¸cam a se formar as pencas dos frutos, deve-se fazer
o raleamento. Numa penca de cinco espor˜oes, retira-se trˆes, deixando dois para que
haja mais espa¸co para o crescimento das ma¸as.
Chuvas de Granizo Para prevenir contra chuvas de granizo, usa-se foguetes anti-granizo
com alcance de 2.000m de altura que chegam nas nuvens e explodem em contato com
o elo, diminuindo as part´ıculas que caem em forma de chuva.
Rodney Carlos Bassanezi 237
Os foguetes com alcance acima de 2.000m necessitam de radares para detectar a pre-
sen¸ca de avi˜oes e o podem ser lan¸cados com autoriza¸ao do ex´ercito.
Colheita O ponto de colheita pode ser determinado pelas colora¸oes da semente, da polpa,
ou da regi˜ao pistilar, pelo despreendimento acil do pend´unculo, pelo intervalo de
tempo desde a plena florada at´e a matura¸ao do fruto e, finalmente, pelo teste de iodo
que ´e o mais preciso.
Armazenagem O armazenamento das frutas ´e feito nas amaras frigor´ıficas. Antes de en-
trar na amara fria, a ma¸a recebe um banho, atravessando um tanque de ´agua gelada
(3C), sobre uma esteira circulante, durante 25 minutos, saindo numa temperatura
edia de 6.5C.
A temperatura edia da amara ´e de 1.50C e tem capacidade para armazenar 600
bins (caixas). As ma¸as podem permanecer na amara de 5 a 8 meses at´e a sua
comercializa¸ao. Se as ma¸as forem comercializadas imediatamente `a colheita, ent˜ao
dispensa-se o trabalho do banho e do armazenamento em amaras.
Inicia-se ent˜ao a secagem e classifica¸ao. As frutas ao retiradas da amara fria e
levadas para o classificador onde ao separadas as estragadas. Recebem um jato de
´agua passando dali para a desumidifica¸ao e polimento. Em seguida, ao para o
secador com temperatura de 45C e, finalmente, ´e feita a classifica¸ao.
A classifica¸ao se a pelo peso e tamb´em pelo tamanho das ma¸as que ao acondi-
cionadas em caixas com capacidade de 20kg. Cada caixa comporta de 88 a 250
unidades.
Comercializa¸ao De todas as variedades, as mais procuradas ao, na ordem, as Fuji,
Meorose, Vilicharpe, Goldeana, Gala e outras.
Os maiores consumidores ao S. Paulo (50%), Rio de Janeiro (20%) e Paran´a (20%).
Custo de Produ¸ao O custo de produ¸ao em 1988 estava distribu´ıdo na seguinte pro-
por¸ao:
ao de obra - 10.0%
Tra¸ao animal ou mecˆanica - 5.2%
Fertilizantes - 17.4%
Agrot´oxicos - 2.2%
Mudas e custos fixos - 65.2%
Etnologia
A complexidade dos problemas levantados pelos alunos do curso de especializa¸ao evolui
gradativamente. Inicialmente ao propostas quest˜oes diretas buscando resultados imediatos
de aplica¸ao elementar de matem´atica e que podem ser classificados como resolu¸ao de
problemas. Por exemplo:
238 Modelagem Matem´atica
Problema 1 Como calcular o volume de uma ma¸a
Aqui o processo de modelagem se a na evolu¸ao dos conceitos matem´aticos empregados
para resolver o problema:
a. Utilizando a ormula do volume da esfera
Per´ımetro: P= 2πR = 24cm (medido com o aux´ılio de um barbante (figura 4.11)
que circunda a ma¸a);
Volume: V= 4πr3/3.
Figura 4.11: Medindo a circunferˆencia da ma¸a com um barbante.
Da medida do per´ımetro obtem-se r= 3.8197cm que, aplicado na ormula do volume
de uma esfera nos a um valor “aproximado” superior ao volume da ma¸a:
V(ma¸a) = 4 ×3.1416 ×(3.8197)3/3 = 233.44cm3.
Cortando-se a ma¸a ao meio (no sentido longitudinal), mede-se o raio rdo ırculo
inscrito na face plana da ma¸a: r= 2.3cm, e obtem-se um valor m´ınimo para o
volume da ma¸a:
Vmin =4
3πr3= 50.96cm3.
Tomando a edia, entre o aximo (anterior) e este ınimo, tem-se
V(ma¸a) '(233.44 + 50.96)/2 = 141.72cm3.
b. Utilizando o teorema de Pappus
Seja uma regi˜ao plana situada no mesmo plano de uma reta re totalmente contida
em um dos lados determinados por r. Seja ha distˆancia entre o centr´oide de e a
reta r, e Aa ´area de . Ent˜ao, o volume Vdo olido de revolu¸ao, gerado pela
rota¸ao de ao redor do eixo r, ´e dado por V= 2πhA.
Rodney Carlos Bassanezi 239
Figura 4.12: Volume da ma¸a pelo Teorema de Pappus.
A figura mostra uma meia fatia de ma¸a e h´e determinado experimentalmente com
linhas suspensas.
A ´area A´e determinada geom´etricamente num papel quadriculado:
A= 14.69cm2
h= 1.8cm =V= 2πhA = 166.14cm3.
c. Fatiando a ma¸a
(i) Retˆangulos internos
V=
19
X
i=1
π∆(ri)2= 176.93cm3.
Usamos = 0.2cm e 3.8
0.2= 19 fatias cil´ındricas.
(ii) Retˆangulos externos
V=
19
X
i=1
π∆(ri)2= 188.03cm3.
Volume total '(176.93 + 188.03)/2 = 182.48cm3.
d. Usando integra¸ao
(i) Aproximando a configura¸ao do corte central da ma¸a por uma circunferˆencia.
240 Modelagem Matem´atica
Figura 4.13: Fatiando a ma¸a.
Figura 4.14: Usando integra¸ao para calcular o volume da ma¸a.
O volume de cada fatia ´e dado por
Vi=πy2x.
Volume total:
V= 2 Z3.8
0
πy2dx = 2πµx3
3+ 14.44¯¯¯¯
3.8
0
=V= 229.85148cm3.
(ii) Aproximando por uma par´abola y=ax2+bx +c
Pontos dados da curva: P1= (3.8,0), P2= (0,2.1) e P3= (1,3).
P2nos a y=ax2+bx + 2.1. P1eP3fornecem o sistema
½14.44a+ 3.8b=2.1
a+b= 0.9
Rodney Carlos Bassanezi 241
Figura 4.15: Aproximando o formato da ma¸a por uma par´abola.
de onde a=0.5188 e b= 1.4188 e, portanto, y=0.5188x2+ 1.4188x+ 2.1.
Usando integral, podemos determinar o volume do olido de revolu¸ao da par´abola
(“aproximadamente” metade do volume da ma¸a). Assim,
V(ma¸a) = 2πZ3.8
0
(0.5188x2+ 1.4188x+ 2.1)2dx = 142.404cm3.
Observa¸ao 4.5. Os modelos matem´aticos empregados para a avalia¸ao do volume de uma
ma¸a obedecem a uma sequˆencia gradual em termos de complexidade conceitual. Isto ao
implica necessariamente que o grau de aproxima¸ao do resultado obtido seja proporcional `a
complexidade do modelo. Neste caso espeıfico, um processo meanico seria o mais indicado
para a avalia¸ao, tanto em termos de simplicidade como de precis˜ao: Mergulha-se a ma¸a
num recipiente cheio de ´agua e o volume do l´ıquido deslocado ´e igual ao volume da ma¸a.
Neste caso, o volume encontrado foi de 179cm3.
Observa¸ao 4.6. A maioria dos problemas “diretos” que ao levantados no in´ıcio do pro-
cesso de modelagem dizem respeito `a Geometria dos objetos relacionados com o tema em
estudo. Este destaque para a parte visual ´e predominante no in´ıcio de todo curso de Mod-
elagem. Os questionamentos mais elaborados e que exigem uma reflex˜ao maior come¸cam a
surgir com a pesquisa de campo, e os etodos estat´ısticos ao fundamentais neste est´agio da
modelagem.
A coleta inicial de dados obtidos pelos cursistas est˜ao na tabela 4.3:
A coleta de dados relativos ao cultivo da ma¸a favoreceram o levantamento dos seguintes
problemas:
a. Influˆencia das baixas temperaturas no per´ıodo de “dormˆencia da planta” sobre a
produ¸ao de ma¸as.
b. An´alise da necessidade de amplia¸ao da capacidade de estocagem a frio com o aumento
da produ¸ao na regi˜ao.
242 Modelagem Matem´atica
Safra Produ¸ao es Produ¸ao/p ´e Temperatura P. D.
ano (toneladas) produtivos (kg) 0C
81-82 655 138.190 4.7 14.9
82-83 733 192.960 4.0 15.0
83-84 2.100 192.960 10.9 14.2
84-85 2.415 192.960 12.5 14.3
85-86 3.700 408.319 9.1 14.4
86-87 3.800 418.319 9.1 14.9
87-88 4.214 395.805 10.6 14.3
88-89 3.872 388.300 10.0 14.0
Fonte: Secretaria do Estado da Agricultura e Abastecimento do Paran´a.
Tabela 4.3: Produ¸ao de Ma¸a no Munic´ıpio de Palmas e Temperatura do Per´ıodo de
Dormˆencia.
c. Estudo comparativo sobre o tipo de porta-enxertos empregados na obten¸ao de mudas.
4.4 An´alise de dados (M´etodos estat´ısticos)
Para uma abordagem inicial destes problemas, os testes de hip´oteses e an´alise da cor-
rela¸ao entre vari´aveis, utilizados em Estat´ıstica (veja [20]), fornecem condi¸oes para um
aprimoramento futuro dos modelos. Daremos aqui apenas uma amostra destes argumentos.
ao estamos preocupados em mostrar todos os modelos formulados na ocasi˜ao e sim dar
uma id´eia dinˆamica obtida com a modelagem, tanto no levantamento de quest˜oes como na
evolu¸ao dos modelos.
An´alise da correla¸ao entre a temperatura de “dormˆencia” e a produ¸ao
A hip´otese inicialmente formulada ´e de que a temperatura ambiente em que a planta
permanece em estado de dormˆencia, ocorrendo entre os meses de abril a setembro, tem uma
influˆencia significativa na produ¸ao dos frutos.
Considerando Pa produ¸ao edia por e entre os anos 81-89 e Ta temperatura edia
de dormˆencia (temperatura edia entre os meses de abril a setembro nos anos de 1981 a
1989), temos:
O coeficiente de correla¸ao de Pearson ´e dado por
ρ=P(TT)(PP)
qP(TT)2q(PP)2
,
ou seja,
ρ=6.280
62.772 =6.280
7.923 =0.793 ρ2= 0.6287.
Rodney Carlos Bassanezi 243
T P T T P P(TT)(PP) (TT)2(PP)2
14.9 4.7 0.4 -4.16 -1.664 0.16 17.301
15.0 4.0 0.5 -4.86 -2.430 0.25 23.620
14.2 10.9 -0.3 2.04 -0.612 0.09 4.162
14.3 12.5 -0.2 3.64 -0.728 0.04 13.245
14.4 9.1 -0.1 0.24 -0.024 0.01 0.058
14.9 9.1 0.4 0.24 0.096 0.16 0.058
14.3 10.6 -0.2 1.74 -0.348 0.04 3.028
14.0 10.0 -0.5 1.14 -0.570 0.25 1.300
T= 14.5P= 8.86 0 0 P=-6.280 1 P= 62.772
Tabela 4.4: alculo do Coeficiente de Correla¸ao de Pearson de Produ¸ao e Temperatura.
o que indica uma influˆencia direta de T, da ordem de 62.87%, sobre a produ¸ao P.
´
E fato conhecido (na literatura) que as fruteiras de clima temperado necessitam de
temperatura baixa ap´os entrarem no per´ıodo de dormˆencia. ´
E nesta fase que a macieira
descansa e se prepara para nova germina¸ao. Neste per´ıodo, ao deve haver varia¸oes
bruscas de termperaturas o que poderia provocar uma germina¸ao prematura, ocasionando
uma produ¸ao inferior.
Estudos realizados por volta de 1923 mostram que as temperaturas ideais para a macieira
situam-se abaixo de 7.2C, no inverno.
Estas considera¸oes propiciaram a pesquisa sobre a varia¸ao da temperatura no per´ıodo
de dormˆencia. As tabelas 4.5 e 4.6 fornecem os dados para a pesquisa.
Temperatura ınima Mensal
Ano 82 83 84 85 86 87 88
Abril 11.2 12.9 11.3 13.4 13.2 14.0 11.9
Maio 7.7 12.3 10.2 7.3 9.9 7.5 8.8
Junho 8.7 7.7 8.9 6.6 8.1 5.9 7.0
Julho 7.8 9.5 8.1 6.4 7.6 11.3 5.4
Agosto 9.6 8.6 7.0 9.5 8.8 7.6 8.8
Setembro 10.5 8.0 8.6 10.2 9.3 9.1 11.3
edia 9.25 9.83 9.02 8.9 9.48 9.23 7.88
Fonte: Instituto Agronˆomico do Paran´a - IAPAR - Palmas.
Tabela 4.5: Temperatura M´ınima no per´ıodo de dormˆencia da macieira no Munic´ıpio de
Palmas.
Observa¸ao 4.7. Nossa inten¸ao ´e oferecer ao leitor uma erie de dados colhidos pelos
alunos para que possa propor suas quest˜oes e desenvolver seus pr´oprios modelos.
244 Modelagem Matem´atica
Temperatura edia Mensal
Ano 82 83 84 85 86 87 88
Abril 17.4 17.6 16.2 17.8 18.0 18.4 16.5
Maio 13.7 15.5 15.6 13.8 15.2 12.3 12.9
Junho 13.5 11.5 14.2 12.5 14.0 12.0 11.9
Julho 13.7 13.4 13.6 12.4 12.8 16.0 11.3
Agosto 15.4 14.2 11.8 14.7 14.4 13.1 14.9
Setembro 16.7 13.1 14.8 15.6 15.0 14.3 17.0
edia 15.0 14.2 14.3 14.4 14.9 14.3 14.0
Fonte: Instituto Agronˆomico do Paran´a - IAPAR - Palmas.
Tabela 4.6: Temperatura edia no per´ıodo de dormˆencia da macieira no Munic´ıpio de
Palmas.
Deixamos aqui, como sugest˜ao, um problema interessante para o leitor, ou seja, aplicar
um teste da hip´otese H0: “a produ¸ao por e foi uniforme entre as safras de 1981 a 1989”.
Figura 4.16: Produ¸ao e temperatura.
Rodney Carlos Bassanezi 245
Eficiˆencia de Enxertos
A coleta de dados foi executada pelos pr´oprios estudantes no CAM (Centro Agropecu´ario
Municipal de Guarapuava):
O canteiro de mudas possui forma retangular e ´e composta de 14 filas (ruas) de 23.40m
de comprimento;
O canteiro foi dividido em lotes de 5.85m de comprimento;
Fez-se um sorteio dos lotes, considerando as vari´aveis enxertos plantados, mortos e
vingados e os 3 tipos de porta-enxertos.
Figura 4.17: Preparo das mudas (esquema explicativo).
246 Modelagem Matem´atica
Tabelas dos Dados de Enxerto de Acordo com os Porta-enxertos
a. Porta enxerto MM106
Plantas Enxertos mortos
(por fila) (por fila)
42 4
51 5
41 3
39 4
Σ = 173 Σ = 16
Tabela 4.7: MM106X= 9.3%.
b. Porta enxerto MM111
Enxertos Enxertos mortos
(por fila) (por fila)
46 11
47 12
50 10
53 7
Σ = 186 Σ = 40
Tabela 4.8: MM111X= 21.5%.
c. Porta enxerto EM7
Enxertos Enxertos mortos
(por fila) (por fila)
24 6
44 12
17 5
Σ = 85 Σ = 23
Tabela 4.9: EM7X= 27.0%.
Rodney Carlos Bassanezi 247
Teste para Verifica¸ao do melhor tipo de Porta-Enxerto (Testes de
Hip´oteses)
O teste ser´a feito entre os enxertos do tipo MM111 e EM7, supondo que:
H0:p2p1= 0 (4.35)
H1:p2p1>0
onde, p2= representa o enxerto do tipo EM7 e p1= o enxerto do tipo MM111.
Da tabela 4.8 em-se que:
ep1=
X
i=1
pi
n=40
186 = 0.215
eq1= 1 0.215 = 0.785
S2
1=ep1eq1= 0.168775
n1= 186.
Da tabela 4.9, tira-se que:
p2= 0.27,eq2= 0.73, S2
2= 0.1971, n2= 85.
Supondo α= 5%, o grau de liberdade ser´a:
V=n1+n22 = 186 + 85 2 =V= 269.
Como o grau de liberdade ´e muito grande, isto ´e, maior que 120, ent˜ao o valor cr´ıtico da
distribui¸ao de Student ´e constante, logo para α= 5%,temos tn1+n22= 1.645
ep2ep1'N(ep2ep1,eσ2),
onde:
eσ2=S2=(n11) ·S2
1+ (n21)S2
2
n1+n22=
=(186 1) ·0.1687 + 84 ·0.1971
186 + 85 2= 0.1775 =S= 0.241.
Para H0tem-se que:
ep2ep1(p2p1)
Sq1
186 +1
85
=tobs.,
mas, p2p1= 0 para H0, ent˜ao
tobs. =0.055
0.421 ·1
186 +1
85
= 0.9978.
248 Modelagem Matem´atica
Figura 4.18: Distribui¸ao Gaussiana.
Por outro lado, temos que tn1+n22= 1.645.
Como 0.9978 <1.645,conclui-se que H0´e aceita como verdadeira, isto ´e, o porta-
enxerto MM111 e o EM7 ao estatisticamente iguais, possuindo a mesma edia para os que
ao vingam.
O mesmo teste entre os porta-enxertos do tipo MM111 e MM106, mostra que os porta-
enxertos MM106 vingam mais do os EMM7.
Observamos que, se quis´essemos, de fato, comparar os trˆes tipos simultaneamente, seria
mais indicado o teste de Tukey (veja [20]).
4.5 Modelos Variacionais
Na formaliza¸ao dos modelos variacionais o conte´udo matem´atico ´e baseado nas equa¸oes
diferenciais ordin´arias e equa¸oes de diferen¸cas. Faremos em seguida alguns exemplos dos
modelos desenvolvidos pelos cursistas.
4.5.1 Processo de Resfriamento da Ma¸a
A ma¸a deve passar por um processo de resfriamento para ser estocada. Antes de entrar
na amara fria que est´a `a uma temperatura edia de 1.5C, a ma¸a recebe um banho num
tanque `a uma temperatura de 3C. A passagem pelo tanque ´e feira sobre uma esteira
circulante e dura cerca de 25 minutos. O objetivo deste banho ´e baixar a temperatura
da ma¸a para cerca de 6C. Na sa´ıda do tanque, a temperatura da ma¸a ´e avaliada (por
amostragem) e, caso ao tenha atingido o valor ideal para estocagem, o lote de ma¸as
deve passar novamente pelo tanque. Este processo de retorno ao tanque, al´em de atrasar
a estocagem, ocupa uma maior ao-de-obra. Este transtorno ocorre porque a temperatura
do meio ambiente ´e vari´avel e a velocidade da esteira ´e constante (a aquina ´e constru´ıda
para atender `a termperatura ambiente de, no aximo, 26C).
A quest˜ao colocada pelos cursistas foi a seguinte: Como mudar a velocidade da esteira
para que cada lote passe uma ´unica vez pelo tanque?
Um primeiro enfoque desta quest˜ao foi considerar o seguinte problema:
Rodney Carlos Bassanezi 249
“Se a ma¸a entra no tanque a uma temperatura T0, quantos minutos deve permanecer
neste banho para sair com uma temperatura de 7C?”
A lei de resfriamento de Newton sup˜oe que a varia¸ao da temperatura ´e proporcional `a
diferen¸ca de temperatura do objeto e do ambiente (em condi¸oes ideais).
O Modelo Matem´atico que traduz a lei de Newton pode ser dado por uma equa¸ao de
diferen¸ca (veja Cap. 2):
Tt+1 Tt=k(TtTa) (4.36)
onde:
T1= temperatura da ma¸a no instante t;
T0= temperatura inicial (quando entra no tanque);
Ta=temperatura ambiente (do tanque) igual a 3C;
k= coeficiente de resfriamento da ma¸a.
Solu¸ao: A equa¸ao (4.36) pode ser reescrita por
Tt+1 = (k+ 1)TtkTa(4.37)
que ´e uma ormula de recorrˆencia para qualquer valor Tt, uma vez que Ta=3, e T0´e dado.
A solu¸ao de (4.37) pode ser obtida usando o processo de recorrˆencia:
T1=aT0+b(tomando a=k+ 1 e b=kTa)
T2=aT1+b=a2T0+ab +b
T3=aT2+b=a3T0+a2b+b
.
.
.
Tn=anT0+b(an1+an2+· ·· +a+ 1) (4.38)
O termo entre parˆentesis de (4.38) ´e a soma de uma P.G. de raz˜ao a > 1, ent˜ao
Tn=anT0+ban1
a1,ou (4.39)
Tn=anµT0+b
a1b
a1(4.40)
Se considerarmos que a temperatura edia inicial da ma¸a ´e 25C e que,depois de passar
pela esteira durante 25 minutos, sua temperatura ´e T25 = 6.5C, podemos calcular o valor
de k=a1.
De (4.40) podemos escrever:
Tn= (k+ 1)n(T0Ta) + Ta(4.41)
250 Modelagem Matem´atica
Logo,
6.5 = (k+ 1)25 ·28 3 =
(k+ 1)25 =9.5
28 =k+ 1 = ln µ9.5
28 /25 =
k=0.043236.
Considerando a solu¸ao (4.41), podemos escrevˆe-la:
Tt= (0.95676)t·(T0Ta) + Ta(4.42)
com T0eTadados.
Se quisermos o tempo que deve permanecer no tanque de resfriamento em fun¸ao da
temperatura final Tf(depois de passar pelo tanque), usamos a equa¸ao (4.42) e obtemos:
(0.95676)t=TtfTa
T0Ta
=
t=22.623 ln µTtfTa
T0Ta(4.43)
Se Ta=3 e se estabelecermos fixa a temperatura Tf= 6.5 no fim do banho,podemos tirar
tem fun¸ao de T0(temperatura inicial da ma¸a).
A seguinte tabela fornece os valores de tpara Tf= 6.5C e Tf= 7C.
O valor de t´e o tempo ideal, superestimado para a ma¸a permanecer no tanque.
Da tabela 4.10, vemos que se T026C, ent˜ao 25 minutos no tanque ´e tempo suficiente
para se ter Ttf7C.
Se 26C< T0<32C, o banho deveria durar at´e 30 minutos; e se estiver num dia bem
quente onde 32CT038C, ent˜ao o tempo necess´ario para a ma¸a atingir a temperatura
7C chega a ser 33 minutos.
O estudo do resfriamento da ma¸a proporciona estabelecer um sistema de catracas no
mecanismo da esteira de modo que a aquina trabalhe com velocidades vari´aveis.
Constru¸ao de uma esteira ideal
Dados da aquina original:
a. Distˆancia de percurso da esteira (o mesmo que o comprimento do tanque) ´e `=
1430cm.
b. Raio da catraca ´e r1= 11cm;
c. Tempo de percurso t= 25 minutos.
Rodney Carlos Bassanezi 251
Ttf = 6.5CTtf = 7C
T0ln 9.5
T0+ 3 tctln 10
T0+ 3 tct t
19 -0.83975 19.42 19’25” -0.78845 18.23 18’14” 19’
20 -0.88420 20.45 20’27” -0.83291 19.26 19’15” 20’
21 -0.92676 21.43 21’26” -0.87547 20.25 20’15” 21’
22 -0.99675 22.37 22’32” -0.91629 21.20 21’12” 22’
23 -1.006804 23.28 23’17” -0.9555 22.1 22’6” 23’
24 -1.044545 24.15 24’15” -0.99325 22.97 22’58” 23’
25 -1.08091 25 25’ -1.030 23.80 23’48” 24’
26 -1.09199 25.8 25’48” -1.0647 24.60 24’36” 25’
27 -1.149905 26.59 26’36” -1.098123 25.40 25’24” 26’
28 -1.1826954 27.35 27’21” -1.131402 26.17 26’10” 27’
29 -1.2144441 28.08 28’5” -1.1632 27 27’ 28’
30 -1.2452157 28.8 28’48” -1.193922 27.6 27’3” 28’
31 -1.2750687 29.49 29’29” -1.223775 28.30 28’18” 29’
32 -1.3040562 30.16 30’10” -1.25276 29 29’ 30’
33 -1.3322271 30.81 30’49” -1.28093 29.62 29’37” 31’
34 -1.3596261 31.44 31’26” -1.30833 30.25 30’15” 31’
35 -1.3862943 32.06 32’4” -1.33500 30.87 30’52” 32’
36 -1.4122270 32.62 32’37” -1.36098 31.5 31’3” 32’
37 -1.437588 33.25 33’15” -1.3863 32 32’ 33’
38 -1.4622803 33.8 33’48” -1.41098 32.63 32’37” 33’
Tabela 4.10: Temperatura inicial ×tempo necess´ario para atingir Ttf .
Figura 4.19: Catraca.
Logo a velocidade da esteira ´e
v1=1430
25 = 57.2cm/min.
252 Modelagem Matem´atica
O per´ımetro da catraca ´e p1= 2πr1= 69.12cm, logo a velocidade da catraca ´e:
w1=57.2cm/min
69.12cm = 0.8275 voltas por minuto.(4.44)
Hip´otese: “A velocidade de uma catraca ´e inversamente proporcional ao quadrado do
seu raio”.
Esta lei traduzida para a linguagem matem´atica fornece o seguinte modelo
w=c
r2,onde c´e contante.(4.45)
No caso espec´ıfico em que temos uma velocidade angular constante (rota¸ao do motor),
podemos ter a velocidade wde uma catraca de raio rdada por:
w
w1
=³r1
r´2ou w=100.1275
r2(4.46)
De (4.46) tiramos que a velocidade da esteira ´e dada por
v= 2πrw =2πr(100.1275)
r2=629.12
rcm/min.
onde vmede o avan¸co da correia em cm por minuto.
Como o comprimeto do tanque ´e `= 1430cm, o tempo gasto para percorrˆe-lo ´e dado por
t=l
v= 1430 r
629.12 = 2.273r(4.47)
donde conclu´ımos que o tempo de percurso ´e proporcional ao raio da catraca (quando a
velocidade angular ´e constante).
Para
t= 250=r'11cm
t= 300=r'13.20cm
t= 330=r'14.52cm
Desta forma, em uma aquina com um sistema de mudan¸ca de catracas (como nas
bicicletas) poder-se-ia organizar o banho da ma¸a num tempo ideal.
Observa¸ao 4.8. O resultado desta modelagem foi levado para a ind´ustria que se mostrou
muito interessada em providenciar o aprimoramento da aquina.
Observa¸ao 4.9. A modelagem do mesmo fenˆomeno, utilizando como modelo matem´atico
as equa¸oes diferenciais, ao oferece, neste caso, nenhuma vantagem em rela¸ao aos resul-
tados obtidos com as equa¸oes de diferen¸cas. Pode, entretanto, ser aplicado no sentido de
ampliar o horizonte matem´atico, isto ´e, como processo de ensino-aprendizagem, reescrevendo
a equa¸ao (4.36) na forma
dT
dt =k(TTa).
Rodney Carlos Bassanezi 253
Paradoxo de Arquimedes
Considere dois c´ırculos concˆentricos CReCrde raios Rer, com R > r. O ırculo maior desliza sobre
uma reta e um ponto Pde CR, apoiado no in´ıcio nesta reta, descreve uma trajet´oria (cicl´oide) quando CR
a um giro completo. No mesmo instante em que CRcompleta a volta tamb´em Cra um giro completo.
Assim, um ponto P0do ırculo menor Crque, inicialmente, est´a situado na reta perpendicular `a reta de
deslizamento, continua ainda na mesma posi¸ao na reta vertical, apesar de ter percorrido uma trajet´oria
menora.
Paradoxo de Arquimedes.
aA velocidade de rota¸ao do c´ırculo maior ´e toda convertida na velocidade do ponto P:
|v(OP )|=R(αsenα)i+R(1 cos α)j.
A velocidade do ponto P0do c´ırculo menor tem uma componente rotacional e uma translacional:
v(OP 0)
= (αR rsenα)i+ (Rrcos α)j.
Para α= 0 ou α= 2π , as componentes dos pontos PeP0, na dire¸ao i, ao iguais a αR.
4.5.2 Propaga¸ao de Doen¸cas
A armazenagem das ma¸as ´e feita em amaras frigor´ıficas onde ao depositadas em
caixas de madeira (bins) sobrepostas e que comportam at´e 380Kg de fruta (corresponde a
2500 frutas aproximadamente). Quando alguma fruta est´a contaminada com podrid˜ao”,
a doen¸ca se propaga rapidamente contaminando as outras frutas ao seu redor em 7 dias,
metade das ma¸as da caixa est´a contaminada.
Neste caso, o questionamento se refere ao processo de comprometimento de um estoque
de ma¸as sujeito `a contamina¸ao das frutas.
254 Modelagem Matem´atica
Dados do problema e vari´aveis essenciais
P=P(t) ´e a popula¸ao contaminada (n´umero de frutas podres);
L= popula¸ao total em um bin = 2500;
t= tempo de propaga¸ao (em dias);
se P0=P(0) = 1,ent˜ao P(12) '0.8L(aproximadamente, em 12 dias 80% das ma¸as
est˜ao podres).
Hip´otese: “A velocidade de propaga¸ao da doen¸ca ´e proporcional `a proximidade entre
uma ma¸a contaminada e uma sadia”.
Modelo
A velocidade de propaga¸ao pode ser entendida como o aumento (em rela¸ao ao tempo)
da quantidade de ma¸as podres.
Usando, neste caso, um modelo cont´ınuo para a varia¸ao populacional, temos que
dP
dt representa a velocidade de propaga¸ao.
Como a popula¸ao total ´e constante e igual a L, temos que a popula¸ao sadia ´e dada por
S=LP.
Ent˜ao, da hip´otese formulada para a epidemia, podemos escrever o seguinte modelo:
dP
dt =kP (LP)
P0= 1
(4.48)
onde k´e a taxa de contamina¸ao (considerada constante para cada doen¸ca).
Na equa¸ao (4.48), estamos supondo que a “proximidade” (ou encontro) entre as frutas
contaminadas e as sadias ´e modelada como sendo proporcional ao produto delas. Isto ´e uma
aproxima¸ao um tanto grosseira da realidade, uma vez que cada fruta pode encostar em um
umero reduzido de outras frutas.
Nota: O contato entre esferas (de mesmo raio) ´e um problema interessante e deixamos para
o leitor!
Solu¸ao: Separando as vari´aveis e integrando (4.48), obtemos
ZdP
P(LP)=Zkdt
Rodney Carlos Bassanezi 255
A primeira integral pode ser resolvida com o etodo das fra¸oes parciais
ZdP
P(LP)=Z1/L
PdP +Z1/L
LPdP =(4.49)
=1
Lln P1
Lln(LP) + C1(4.50)
=1
Lln µP
LP+C1(4.51)
Como Zkdt =kt +C2(4.52)
temos de (4.49 e 4.52) que
P
LP=Cek Lt (Cconstante arbitr´aria).(4.53)
Explicitando a vari´avel Pem fun¸ao de t, temos
P(t) = LCekLt
1 + Cek Lt (solu¸ao geral).(4.54)
Considerando agora a condi¸ao inicial, P(0) = 1 e L= 2500, determinamos a constante C:
1 + C=LC =C=1
L1'4.104'1
L
Portanto,
P(t) = LekLt
L+ekLt =L
LekLt + 1 (4.55)
Temos a informa¸ao que, quando 1 ma¸a est´a contaminada ent˜ao, depois de 15 dias 80%
das frutas da mesma caixa, estar˜ao podres, isto ´e, P(12)
=0.8L- Substituindo este valor
na equa¸ao (4.55), obtemos a taxa de contamina¸ao k:
0.8L=L
Le12kL + 1 =0.8Le12kL = 0.2
ou
12kL = ln µ1
4L=k=1
12Lln µ1
4L.(4.56)
Por outro lado, se quisermos fazer previs˜oes da propaga¸ao da doen¸ca, devemos ter
t(tempo) em fun¸ao da porcentagem de frutas contaminadas, isto ´e, P=aL. Assim, sub-
stituindo este valor na equa¸ao de P(t) (4.55), obtemos:
aL =L
LekLt + 1 =aLekLt +a= 1
256 Modelagem Matem´atica
ou
ekLt =1a
aL = kLt = ln µ1a
aL (4.57)
Aplicando o valor de k(4.56) em (4.57), obtemos
t=1
kL ln µ1a
aL =12
ln( 1
4L)ln µ1a
aL (4.58)
Por exemplo, para se ter 50% das frutas podres ( a= 0.5 ) em um bin com 2500 ma¸as,
o tempo ser´a:
t=12
ln( 1
4L).ln µ1
L=1.30288 ln µ1
L'10.19 dias
Se a= 0.9, devemos ter t=1.30288.ln ¡1
9L¢'13.06 dias.
Se a= 0.99,ent˜ao t=1.30288 ln( 0.01
0.99L)'16.18, ou seja, praticamente depois de 16
dias todo estoque de um bin estar´a estragado!
Projeto 4.3. Um modelo mais realista de epidemiologia poderia ser tentado, considerando:
Um modelo discreto;
O contato efetivo entre as frutas (tomadas como esferas);
A MANASA, produtora de ma¸as tem investido muito dinheiro na divulga¸ao de seu
produto, que ´e relativameute caro e ao consumido pela popula¸ao de baixa renda. A
preocupa¸ao da empresa, bem como do governo, ´e ampliar o plantio em pequenas e
edias propriedades e popularizar o consumo de ma¸as. Um pro jeto interessante para
modelagem ´e o estudo da propaganda ×consumo. Neste caso, use a hip´otese que o
efeito da propaganda ´e proporcional ao encontro de uma pessoa informada com uma
desinformada.”
Projeto 4.4. Procure criar novos modelos usando os dados sobre ma¸a, fornecidos no in´ıcio
deste par´agrafo e na seguinte tabela.
Idade do pomar no
¯frutas kg/planta ton/ha
3o
¯ano 15 a 20 3 a 4 2 a 3
3o
¯/4o
¯ano 40 a 50 8 a 10 6 a 8
5o
¯/6o
¯ano 80 a 100 14 a 16 11 a 13
6o
¯/7o
¯ano 120 a 140 20 a 22 1 a 18
7o
¯/8o
¯ano 150 a 180 28 a 30 22 a 24
8o
¯ano em diante 200 a 240 38 a 40 30 a 32
Tabela 4.11: Quantidade de frutas por e.
Rodney Carlos Bassanezi 257
Problema 4.1. Se o peso das ma¸a em um bin ´e 375kg, qual a press˜ao exercida sobre a
´ultima camada de ma¸as?
Sugest˜ao: press˜ao = peso/´area.
Problema 4.2. Numa regi˜ao limitada est˜ao plantadas 60 macieiras. Cada ´arvore produz,
em edia, 400 frutos. A cada ´arvore nova que se plante nesta regi˜ao sua influˆencia negativa
´e de 4 frutos sobre as demais. Quantas ´arvores devem existir neste terreno para que a
produ¸ao seja axima?
Sugest˜ao: use conceitos elementares de matem´atica e alculo diferencial!
Resp: 80 ´arvores.
Problema 4.3. Classifica¸ao de ma¸as:
Na 1a
¯hora ao classificadas 876 ma¸as, condicionadas em caixas dos tipos X, Y eZ,
conforme seus tamanhos, e se obt´em 4 caixas de X, 2 caixas de Ye 2 caixas de Z. Na 2a
¯
hora, 826 ma¸as em 2 caixas de X, 4 caixas de Ye 2 caixas de Z. Na 3a
¯hora, 978 ma¸as
em 2 caixas de X, 2 caixas de Ye 6 caixas de Z. Se as caixas em o mesmo volume, quantas
ma¸as de cada tipo cabem em uma caixa?
Resp: 125 do tipo X, 100 do tipo Ye 88 do tipo Z.
4.5.3 Tema: Vinho
Introdu¸ao
Ovinho foi um dos temas escolhidos num curso de Especializa¸ao para 28 professores
de Matem´atica, desenvolvido na Universidade de Ijui (R.S.) UNIJUI, no per´ıodo de erias
escolares em 1989 e 90. Os outros temas escolhidos na ocasi˜ao foram: madeira, ranicultura
e miss˜oes jesu´ıtas.
As justificativas para a escolha do vinho como tema e da Modelagem como estrat´egia
de aprendizagem de Matem´atica, podem ser resumidas nos dizeres dos pr´oprios alunos par-
ticipantes do projeto: Em nosso trabalho a escolha da situa¸ao problema est´a ligada `a
cultura do povo da regi˜ao. O cultivo da videira foi trazido pelos colonizadores italianos no
in´ıcio do eculo e desde ent˜ao a produ¸ao do vinho tornou-se essencial para a economia do
munic´ıpio. . . Uma das tendˆencias mais recentes em Educa¸ao Matem´atica, aponta para a
necessidade de integrar o ensino desta ciˆencia com o de outras ´areas, em todos os ıveis.
Para que este processo aconte¸ca e para que a Matem´atica seja valorizada como disciplina,
e nos ajude a entender e at´e modificar o meio em que vivemos, utilizamos a Modelagem
Matem´atica com o objetivo de associar sua teoria `a pr´atica. . .
O trabalho foi dividido em etapas, distribu´ıdas nas erias (julho - 89 e janeiro - 90).
Inicialmente foram feitas visitas `as granjas da regi˜ao e entrevistas com produtores Os
dados colhidos foram completados com pesquisa bibliogr´afica. A pesquisa etnol´ogica e o
hist´orico do tema ocuparam a primeira etapa do processo. Em seguida foram levantados
problemas que utilizaram conte´udos de n´ıvel elementar como a geometria e constru¸ao das
pipas ou ton´eis. No odulo de Estat´ıstica foram trabalhados os dados colhidos na pesquisa
inicial; Ajustes de curvas e testes de hip´oteses ao bastante frequentes nesta etapa.
258 Modelagem Matem´atica
Esquema de fabrica¸ao de vinho.
A necessidade de melhores ajustes propiciaram a introdu¸ao dos etodos num´ericos e
computacionais. Inicialmente, vistos com certa desconfian¸ca pelos professores do ensino
fundamental, ao acostumados ao seu uso em salas de aula, as calculadoras e os micro-
computadores passaram a fazer parte integrante do processo de modelagem. O objetivo
principal desta etapa foi mostrar a utilidade das aquinas como instrumento de ensino,
inclusive em n´ıvel elementar.
Na etapa final, as quest˜oes levantadas foram mais complexas e abrangentes e suas inter-
preta¸oes e solu¸oes foram obtidas com conte´udos da ´
Algebra Linear, alculo Diferencial
eIntegral, Equa¸oes Diferenciais etc. Estas disciplinas ao foram trabalhadas como num
curso regular onde o conte´udo ´e sequenciado, simplesmente utilizamos o asico necess´ario
para resolver cada problema proposto.
Em rela¸ao ao vinho, os questionamentos principais foram: fabrica¸ao de pipas, fer-
menta¸ao do mosto, comercializa¸ao, produ¸ao eteor alco´olico. O processo de constru¸ao
de pipas foi descrito no par´agrafo 2.2.3 do Cap. 2 para exemplificar a formula¸ao de modelos
est´aticos e a etno-matem´atica utilizada pelo “seu” Joaquim. A seguir mostraremos alguns
problemas trabalhados pelos alunos usando a formula¸ao dinˆamica.
Rodney Carlos Bassanezi 259
Processo de Fermenta¸ao do Vinho branco
O gr´afico da figura 4.20 mostra a varia¸ao de temperatura e da densidade do mosto (uva
esmagada que est´a sendo fermentada) durante a fabrica¸ao do vinho branco (22 dias).
Figura 4.20: Densidade e temperatura no processo de vinifica¸ao (vinho branco). Fonte:
Gobatto, D. C. (1943).
A massa do mosto se mantem quase constante durante o processo de fermenta¸ao. O
volume aumenta o que acarreta a diminui¸ao da densidade do mosto. O consumo de ucar
pelas leveduras cresce com o tempo produzindo o ´alcool enquanto que a temperatura do
mosto varia conforme o gr´afico 4.20. Com estas informa¸oes a podemos selecionar algumas
vari´aveis essenciais que participam do processo de fabrica¸ao de vinho: Volume, Densidade,
ucar eTemperatura do mosto, Teor Alco´olico do vinho ePopula¸ao de Leveduras. Todas
estas vari´aveis ao dependentes do tempo. Outras vari´aveis tamb´em podem ser detectadas no
processo de fermenta¸ao (veja esquema mosto/vinho). Na verdade, todas estas vari´aveis in-
teragem simultaneamente. Um modelo matem´atico ´unico que contemple todas as intera¸oes
pode ser ao complexo quanto in´util, uma vez que muitos parˆametros teriam suas medidas
prejudicadas. Neste caso, como em muitos outros similares, ´e prefer´ıvel fazer o estudo destas
vari´aveis separadamente como se estivessem isoladas.
260 Modelagem Matem´atica
Rela¸ao entre mosto e vinho produzido
mosto fermenta¸ao vinho resultante
12oBaum´e anidrido carbˆonico 99 12.6o´alco´ol
vapores e aromas 12
ρ= 1.091g/cm3ρ= 0.9928g/cm3
V= 1000cm3V= 977cm3
´agua: 858 cm3´agua ´agua: 854 cm3
ucares: 212 gr ucar: 1.8 gr
sais orgˆanicos: 15 gr sais orgˆanicos: 3.7 gr
´acidos livres: 3 gr ´acidos fixos: 4.3 gr
sais minerais: 2 gr sais minerais: 1.1 gr
glicerina: 6.2 gr
subst. nitrogenados: 1 gr
subst. nitrogenados: 1 gr ´acidos vol´ateis: 0.5 gr
alde´ıdos, ´eteres e aromas: 0.4 gr
´alcool
ucar
outros
Total: 1091 gr Total: 970 gr
Fonte: Enotecnia Industrial -Aquarone, Almeida e Borzane, 1983.
Rela¸ao entre volume e densidade
A uva esmagada ´e depositada numa pipa para fermentar. Durante o processo de fer-
menta¸ao ocorre a eleva¸ao da temperatura e o desprendimento de as carbˆonico. Elevando-
se a temperatura, a uma varia¸ao na densidade do mosto, pois as mol´eculas do composto
come¸cam a vibrar com maior intensidade e, expandindo-se, ir˜ao ocupar um volume maior,
diminuindo pois a sua densidade.
Resultados experimentais fornecem os seguintes dados (tabela 4.12) para uma massa
m= 100g de mosto:
A quest˜ao proposta inicialmente foi a seguinte: Qual a juste de curva ´e mais conveniente
para os dados da tabela 4.12?
a. Uma regress˜ao linear fornece a reta que melhor se ajusta” aos pontos.
A reta ajustada aos valores dados ρ=aV +bpode ser obtida pelo etodo dos
quadrados m´ınimos (veja cap´ıtulo 2, par´agrafo 3.1). Assim, se os pontos da tabela ao
Rodney Carlos Bassanezi 261
Per´ıodo (dias) Vi: volume (cm3)ρi:densidade (g/cm3)
1 87 1.149
2 92 1.087
3 97 1.031
4 102 0.980
5 107 0.936
Tabela 4.12: Volume ×densidade do mosto.
(Vi, ρi),1in(n´umero de pontos), ent˜ao os coeficientes da reta ajustada devem
satisfazer o seguinte sistema:
n
n
X
i=1
Vi
X
i=1
Vi
n
X
i
V2
i
a
b
=
n
X
i
ρi
n
X
i
Viρi
No caso do problema espec´ıfico tem-se que
ρ=ρ(V) = 2.07062 0.01066V
com erro da ordem de 0.0021.
b. A regress˜ao quadr´atica significa um ajuste dos pontos (tipo “m´ınimos quadrados”) por
uma par´abola y=a+bx +cx2, o que ´e equivalente a resolver o sistema:
nPViPV2
i
PViPV2
iPV3
i
PV2
iPV3
iPV4
i
a
b
c
=
Pρi
PViρi
PV2
iρi
.
Com os dados da tabela 4.12, temos
ρ(V) = 2.9057 0.0276392 V+ 8.57705 ×105V2
com erro da ordem de 0.0019.
c. O ajuste por uma curva exponencial do tipo
ρ=aebV ,
fornece a equa¸ao
ρ= 2.894 exp(0.106V)
262 Modelagem Matem´atica
dados reais valores ajustados
ViρiReta Par´abola Exponencial
87 1.15 1.146 1.503 1.149
92 1.09 1.091 1.089 1.089
97 1.03 1.036 1.032 1.033
102 0.98 0.981 0.979 0.979
107 0.93 0.926 0.930 0.929
Erro 8.36×1032.39×1033.51×103
Tabela 4.13: Ajustes.
Como podemos ver, da tabela 4.13, todos os ajustes ao aparentemente “razo´aveis” para
as curvas adotadas, o que ao significa que possam ser usados para previs˜oes de densidades
ρquando Vao estiver no intervalo [87, 107].
Fazer ajustes de curvas ´e um primeiro passo para a constru¸ao de modelos, eles fornecem
a forma da curva no intervalo dos pontos dados. No entanto, o modelo matem´atico de um
fenˆomeno estudado somente poder´a ser considerado como tal quando suas previs˜oes forem
significativas. Por exemplo, sabemos que dada uma massa mconstante, a densidade do
mosto ρtende a zero somente quando V“cresce muito” (V ). Agora, se considerarmos
a reta ρ= 2.103 0.011Vcomo modelo , teremos que ρ= 0 quando V= 191.18cm3. Assim,
a reta ao ´e um bom modelo para se prever a densidade em fun¸ao do volume.
A formula¸ao de um modelo matem´atico deve considerar, al´em da parte experimental,
fatores intr´ınsecos dos fenˆomenos avaliados.
Se considerarmos os valores ρieVida tabela 4.12 e tomarmos o seu produto ρiViobser-
vamos que, para todo i, tal produto ´e aproximadamente igual a 100 (sabemos que a massa do
mosto ´e m=100g). Ent˜ao, podemos inferir que um modelo razo´avel, relacionando densidade
e volume ´e dado por:
ρ=m
V(4.59)
isto ´e, a densidade absoluta do mosto ´e a rela¸ao entre sua massa e o volume ocupado por
ela. Portanto, a densidade indica a massa contida na unidade de volume do corpo. O modelo
que obtivemos, neste caso, ´e um resultado bastante conhecido.
Densidade do mosto no processo de vinifica¸ao
A produ¸ao de vinho envolve uma etapa de fermenta¸ao na qual as leveduras atuam sobre
o mosto transformando o ucar da uva em ´alcool. Inicialmente este processo ´e um pouco
lento devido `a baixa concentra¸ao de bact´erias, acelerando com sua reprodu¸ao. A densidade
do mosto diminui proporcionalmente ao aumento da popula¸ao de leveduras, ocorrendo
uma eleva¸ao da temperatura. A partir de certo instante, a diminui¸ao da densidade ´e
desacelerada tornando-a, praticamente, est´avel. A temperatura, depois de atingir um valor
Rodney Carlos Bassanezi 263
aximo, diminui, tendendo `a temperatura ambiente. O processo atinge um est´agio de
equil´ıbrio quando a concentra¸ao de glicose ´e muito baixa e portanto, cessa a atividade das
leveduras.
Como a densidade do mosto est´a relacionada com a atividade das leveduras que, por
sua vez, est´a relacionada com sua popula¸ao, concluimos que podemos modelar a densidade
utilizando algum modelo de dinˆamica populacional. Vamos usar o modelo log´ıstico invertido
para a densidade que diminui e tende a se estabilizar.
Uma an´alise superficial de varia¸ao da densidade ρatrav´es da sua configura¸ao (figura
4.21) nos permite dizer que:
a. No in´ıcio do processo de vinifica¸ao a densidade ρ0= 1.132g/cm3, decrescendo at´e seu
valor m´ınimo 0.993 g/cm3, depois de 22 dias quando o vinho est´a pronto;
b. A varia¸ao axima de ρocorre entre o 5o
¯eo7o
¯dias, onde a curva muda de concavi-
dade;
c. A forma de curva ρ=ρ(t) se assemelha a de uma “log´ıstica invertida”; uma explica¸ao
para este fato ´e que a densidade (ou o volume) est´a intimamente relacionada com a
popula¸ao de leveduras que atuam sobre o ucar, e inibida pelas limita¸oes inerentes
ao processo de vinifica¸ao;
d. O valor m´ınimo medido de ρ´e 992.8 gr/cm3, quando termina a fabrica¸ao, mas ao a
fermenta¸ao pois, ainda existe uma pequena quantidade (1.8g) de c´ucar no vinho.
Figura 4.21: Curva de tendˆencia da densidade do mosto.
Observe que o conjunto de dados da densidade, conforme sua configura¸ao (figura 4.20),
ao pode ser modelado pelo modelo log´ıstico tradicional pois a densidade decresce com o
tempo. Precisamos fazer uma altera¸ao no conjunto de pontos para que a sequˆencia de
densidades decrescente se torne crescente. Isto pode ser feito facilmente subtraindo todos
264 Modelagem Matem´atica
os valores δido valor inicial δ0. Chamaremos de Dia sequˆencia modificada Di=δ0δi.
Estes novos valores podem ser encontrados na coluna “Dados Invertidos” da tabela 4.14. O
gr´afico da figura 4.22 mostra a tendˆencia dos novos valores.
Figura 4.22: Tendˆencia dos valores invertidos da densidade.
Agora temos um conjunto de dados muito parecido com a equa¸ao log´ıstica. Primeira-
mente, para modelar os valores Di, vamos estimar um valor para o limite desta sequˆencia.
Uma das maneiras de se fazer isto ´e usarmos o fato de que uma sequˆencia atinge seu limite
quando a sua taxa de crescimento relativa ´e igual a zero. Se considerarmos o modelo log´ıstico
para Di, devemos ajustar a taxa de crescimento relativa ri=Di+1 Di
Di
por uma reta
r=aD +b.
Assim, quando r= 0, temos D=b
a=Der=bquando D= 0.
A equa¸ao da reta ajustada ´e
r=2.6439D+ 0.3503
Podemos ver que a taxa de crescimento r´e nula quando D= 0.13249, valor que pode
ser usado como uma estimativa para D, limite da sequˆencia Di.
Agora basta trabalharmos com este resultado na equa¸ao log´ıstica para ajust´a-la de
forma a representar bem os dados. O modelo log´ıstico, neste caso, ´e dado por:
D(t) = D0D
D0+ (DD0)eat (4.60)
onde D(t) ´e o valor da densidade invertida, isto ´e, D(t) = δ0δ(t); D= limi→∞ Di´e o
valor limite; a= 0.3503 ´e obtido do ajuste linear de rtomando D= 0.
Assim,
D(t) = 0.13249 ×0.008
0.008 + (0.13249 0.008)e0.3503t(4.61)
Rodney Carlos Bassanezi 265
Figura 4.23: Ajuste do crescimento relativo r.
Observa¸ao 4.10. Consideramos D0= 0.008 (densidade invertida do 2o
¯dia) como sendo
a condi¸ao inicial do problema, porque se tom´assemos D0= 0 ao poder´ıamos ter uma
log´ıstica. Justifique!
Agora, como a densidade ´e dada por δ(t) = δ0D(t), ent˜ao o modelo 1 que descreve a
sua tendˆencia temporal ´e:
δ(t) = 1.129 0.00106
0.008 + 0.1245 exp(0.3503t)(4.62)
Figura 4.24: Modelo log´ıstico e dados experimentais da densidade do mosto no processo de
vinifica¸ao.
Outra forma de encontrar os valores dos parˆametros da equa¸ao log´ıstica ´e isolar ano
modelo log´ıstico (4.60):
266 Modelagem Matem´atica
a=1
tln µD0(DD(t))
D(t)(DD0ou ai=1
iln ·D0(DDi)
Di(DD0)¸.(4.63)
E ent˜ao, dado D0eDteremos arios valores ai, um para cada Di. Assim, podemos
escolher o valor de aque melhor se ajusta ao conjunto de dados. Neste caso espec´ıfico
encontramos a= 0.344455.
Omodelo 2 ´e equivalente ao modelo 1 (4.62) considerando agora a= 0.344455:
δ(t) = δ0D0D
D0+ (DD0) exp(at)
A tabela 4.14, mostra os resultados dos dois modelos.
dia densidade temperatura Dados Taxa de Modelo 1 Modelo 2
invertidos crescimento
1 1.129 20 0 1.114329 1.11798376
2 1.121 21 0.008 1 1.109838 1.11396763
3 1.113 23.5 0.016 0.625 1.104262 1.10873165
4 1.103 25 0.026 0.42307692 1.097513 1.10208973
5 1.092 26.5 0.037 0.37837838 1.089596 1.09395102
6 1.078 27.1 0.051 0.29411765 1.080642 1.08439081
7 1.063 27.7 0.066 0.15151515 1.070923 1.0737027
8 1.053 28 0.076 0.10526316 1.060833 1.06239455
9 1.045 28.6 0.084 0.0952381 1.050831 1.05110726
10 1.037 29 0.092 0.06521739 1.041361 1.04047709
11 1.031 29.1 0.098 0.06122449 1.032776 1.031
12 1.025 28.9 0.104 0.04807692 1.025294 1.02295523
13 1.02 28.1 0.109 0.02752294 1.018995 1.01640572
14 1.017 27.1 0.112 0.01785714 1.013844 1.01125253
15 1.015 26 0.114 0.2631579 1.009731 1.00730583
16 1.012 25 0.117 0.02564103 1.006509 1.00434511
17 1.009 24.3 0.12 0.03333333 1.004022 1.00215838
18 1.005 24 0.124 0.02419355 1.002126 1.00056182
19 1.002 23.1 0.127 0.00787402 1.000691 0.99940594
20 1.001 22.8 0.128 0.015625 0.999614 0.9985742
21 0.999 22 0.13 0.00769231 0.99881 0.99797833
22 0.998 21 0.131 0.99821 0.99755279
Tabela 4.14: Compara¸ao entre os modelos 1 e 2, e os dados experimentais.
Temperatura
No processo de vinifica¸ao observa-se tamem que a temperatura ´e vari´avel no tempo
(veja figura 4.20). Deixaremos a cargo do leitor os procedimentos para formular um modelo
que relacione a temperatura com a a ¸ao das bact´erias (fermenta¸ao). Chamamos a aten¸ao
para o fato de que a temperatura axima ´e obtida quando a varia¸ao da densidade do
mostro tamb´em est´a em torno de seu valor aximo (ponto de inflex˜ao da curva).
Rodney Carlos Bassanezi 267
Faremos aqui apenas um ajuste (e ao um modelo!) da curva da temperatura em fun¸ao
do tempo. A temperatura ´e uma vari´avel que depende da densidade e esta por sua vez varia
com o tempo. Nosso objetivo ´e simplesmente, mostrar graficamente estas rela¸oes. Vamos
considerar o tempo tcomo sendo um parˆametro, e as vari´aveis densidade δe temperatura
T, como sendo dadas por fun¸oes param´etricas Assim, a rela¸ao entre as vari´aveis ´e uma
curva param´etrica em R3, dada por:
δ=f(t)obtida do modelo log´ıstico 2
T=g(t)obtida atrav´es de um ajuste polinomial
t=tt´e o parˆametro tempo.
Um ajuste razo´avel para T=T(t), no intervalo 0 t22, pode ser obtido usando-se o
Excel e um polinˆomio de 3o
¯grau:
T(t) = 0.0039t30.2067t2+ 2.8842t+ 16.636 (4.64)
O gr´afico tridimensinal da curva param´etrica e suas proje¸oes nos 3 planos ´e facilmente
obtido, usando-se o programa Mathematica”, considerando:
f[x_] := 1.129-0.00105992/(0.008+(0.12449) Exp[-0.344455x])
g[x_] := 0.0039x^3-0.2067x^2+2.8842x+16.636
Apenas precisamos lembrar que os intervalos de valores das densidades e das temperat-
uras ao muito diferentes, ´e portanto devemos coloc´a-los em escalas semelhantes para faciliar
a visualiza¸ao das curvas:
p[x_] = 20*(f[x]-1.13)/0.131
Figura 4.25: Curva param´etrica da densidade e temperatura em fun¸ao do tempo.
268 Modelagem Matem´atica
Figura 4.26: Proje¸ao da curva param´etrica nos planos.
Figura 4.27: Consumo de ucar pela levedura EMBRAPA-880, em fun¸ao do tempo. Fonte:
Revista do vinho, no
¯1- Julho/Agosto 1987.
Densidade do mosto e quantidade do ucar consumida pelas leveduras
O consumo de ucar que ´e transformado em ´alcool, pela ao das leveduras, tem a
configura¸ao da figura 4.27.
Do gr´afico (figura 4.27) tiramos a tabela 4.15; seja {ai}0i21 a sequˆencia dos valores do
ucar consumido pela levedura no processo de vinifica¸ao. Inicialmente desejamos obter o
valor limite desta sequˆencia.
Rodney Carlos Bassanezi 269
ti: tempo ai: c´ucar consumido ai+1 Ai: ucar restante a: modelo
0 0 55.68 205.22 0
3 55.68 105.27 149.54 58.389
6 105.27 130.51 99.95 100.165
9 130.51 149.64 74.71 130.055
12 149.64 165.31 55.58 151.441
15 165.31 177.48 39.91 166.742
18 177.48 186.18 27.74 177.690
21 186.18 191.61 19.04 185.523
Tabela 4.15: ucar consumido ai×tempo ti.
Como ai´e uma sequˆencia crescente e limitada, ent˜ao ´e convergente e tende para o mesmo
valor que a sequˆencia ai+1 da qual eliminamos o primeiro elemento. O limite pode ser obtido
pelo etodo de Ford-Walford (conf. Cap. 2), resolvendo o sistema
½ai+1 =αai+β
ai+1 =ai(4.65)
Um ajuste linear com os valores de ai+1 eaida tabela 4.15, fornece a equa¸ao da reta
ai+1 = 0.7147ai+ 58.549 e a resolu¸ao do sistema (4.65) nos a a'205.22.
A curva do ucar restante no mosto (figura 4.28) ´e obtida, considerando a regress˜ao
exponencial dos pontos Ai=aai:
A(t) = 205.3e0.1116t(4.66)
Portanto, a equa¸ao para o ucar consumido at´e o instante t, ´e dado por
a(t) = aA(t) = 205.3[1 e0.116t] (4.67)
Do ponto de vista do fenˆomeno biol´ogico estudado na vinifica¸ao, pode ser constatado
que quanto mais c´ucar existir no mosto, maior ser´a a atividade das leveduras. Isto nos leva
a formular a hip´otese:
A varia¸ao da quantidade de c´ucar consumido ´e proporcional `a quantidade exis-
tente, em cada instante”.
A afirma¸ao acima pode ser traduzida pelo modelo:
da
dt =k(aa)
com a(0) = 0 e a= quantidade de ucar no in´ıcio da vinifica¸ao.
(4.68)
270 Modelagem Matem´atica
Figura 4.28: c´ucar restante no mosto.
Separando as vari´aveis e integrando (4.68), obtemos
a(t) = acekt
Usando a condi¸ao inicial a(0) = 0, obtemos que c=a. Assim
a(t) = a(1 ekt) (4.69)
´e o modelo de consumo de ucar, em cada instante, no processo de vinifica¸ao.
A equa¸ao (4.67) e a solu¸ao (4.69) do modelo (4.68) em a mesma estrutura matem´atica
embora tenham sido obtidos por meios completamente distintos.
A equa¸ao (4.67) ´e simplesmente um ajuste de dados experimentais enquanto que (4.69)
foi obtido da conjectura sobre a atividade das leveduras.
Podemos, neste caso, considerar (4.67) como um modelo particular da fabrica¸ao de um
vinho espec´ıfico, caracterizado por possuir, no in´ıcio da fermenta¸ao, 205.22 g/l de c´ucar.
Se considerarmos a equa¸ao (4.69), funcional para todo tipo de vinho, podemos utiliz´a-
la para calcular o coeficiente de atividade das leveduras kno caso da fabrica¸ao do vinho
branco dado no esquema anterior.
Neste caso, temos a= 212g/l eA(22) = 1.84/l. Aplicando estes valores em (4.69),
obtemos a(22) = 212 1.842 = 210.157 = 212(1 e22k) e portanto
k=ln(1 210.157
212 )
22 '0.2157
Rodney Carlos Bassanezi 271
ou seja, a taxa de varia¸ao do ucar consumido, relativamente ao existente, ´e de 0.2157/dia.
Figura 4.29: Ajuste do modelo de consumo de ucar no processo de vinifica¸ao.
Alcoolismo
Nos ´ultimos trˆes anos, o consumo nacional de vinho cresceu 35%, alcan¸cando 2 litros per capita ao
ano, irris´orios para os apreciadores de Luxemburgo, que bebem 70 litros, e at´e diante dos argentinos,
cuja marca ´e de 40 litros.
O estudo sobre “Dosagem Alco´olica no Sangue” foi realizado por um grupo de cursis-
tas em um programa de Especializa¸ao realizado na PUCCAMP em 1998. A princ´ıpio,
o objetivo deste grupo era utilizar modelagem matem´atica como estrat´egia para entender
o processo da “Fabrica¸ao de Cerveja”. A pr´opria evolu¸ao do curso fez com que, deste
272 Modelagem Matem´atica
tema espec´ıfico, fixassem como objetivo principal a an´alise da capacidade humana de ingerir
bebidas alco´olicas.
Observa¸ao 4.11. Os modelos formulados nesta se¸ao poderiam ter sido desenvolvidos
tamb´em em outros programas de especializa¸ao de professores que realizamos quando o tema
vinho foi escolhido em Ijui ou quando o tema uva foi escolhido em Barretos.
Antes de iniciar o processo de formula¸ao de modelos matem´aticos os cursistas procu-
raram obter o aximo poss´ıvel de informa¸oes `a respeitodo fenˆomeno a ser analisado. ao
importa se todas as informa¸oes qualitativas, e mesmo as quantitativas, ser˜ao utilizadas nos
modelos matem´aticos. Os cursistas devem decidir sobre quais quest˜oes ser˜ao abordadas do
ponto de vista da modelagem matem´atica, e o instrutor deve servir apenas como guia no
caminho escolhido por eles. Alguns dados experimentais foram colhidos em reuni˜oes de con-
fraterniza¸ao dos cursistas, usando o bafˆometro constru´ıdo pelos pr´oprios estudantes. Um
bafˆometro utilizado pela Pol´ıcia Rodovi´aria, com a supervis˜ao de um agente, foi usado no
sentido de validar o aparelho dos cursistas.
No caso da modelagem do alcoolismo destacaremos as informa¸oes que foram coletadas,
tanto para o entendimento do fenˆomeno quanto para a formula¸ao dos modelos:
O alcoolismo ´e caracterizado pela dependˆencia do etanol. Do ponto de vista edico,
´e uma doen¸ca crˆonica na qual o alcoolista deseja e consome etanol sem saciedade,
tornando-se cada vez mais tolerante aos seus efeitos (embriaguez). O ´alcool ´e consid-
erado uma droga psicodisl´eptica, isto ´e, est´a inclu´ıdo entre as substˆancias que deses-
truturam a atividade mental, produzindo quadros semelhantes `as psicoses: del´ırios,
alucina¸oes e sensa¸ao de despersonaliza¸ao;
A absor¸ao do ´alcool ocorre atrav´es da via oral na forma de bebida alco´olica onde sua
concentra¸ao osc´ıla em torno de 4% nas cervejas, 11% nos vinhos e 40% nas destiladas.
Depois da ingest˜ao oral, cerca de 20% do ´alcool ´e absorvido a ıvel de mucosa estomacal
e o restante nas primeiras por¸oes do intestino delgado. Tais absor¸oes dependem de
uma enorme quantidade de vari´aveis (tipo de bebida, PH do meio, fatores fisiol´ogicos
individuais etc).
Apenas 2 a 10% do etanol absorvido ´e eliminado inalterado, ocorrendo esta elemina¸ao
principalmente atrav´es da urina e pulm˜oes, sendo o restante oxidado no organismo.
A principal manifesta¸ao da intoxica¸ao pelo etanol ´e a depress˜ao do sistema nervoso
central. A tabela seguinte mostra uma rela¸ao entre o teor alco´olico no sangue e o
estado de embriaguez (dados obtidos na literatura).
Quando uma pessoa ingere bebidas alco´olicas, o ´alcool passa do estˆomago/intestino para
a corrente sangu´ınea e este processo leva de 20 a 30 minutos, dependendo de uma erie de
fatores (peso corporal, capacidade de absor¸ao do sistema digestivo e gradua¸ao alco´olica
da bebida). A consequˆencia ´e a intoxica¸ao, que varia de uma leve euforia at´e o estado de
Rodney Carlos Bassanezi 273
Etanol no
sangue(g/L) Teor alco´olico
(%) Est´agio Sinais cl´ınicos/ sintomas
0.1 a 0.5 0.01 a 0.06 sobriedade
Nenhuma influˆencia aparente. Testes
especiais revelam pequenos transtornos
subcl´ınicos.
0.3 a 1.2 0.04 a 0.14 euforia
Suave euforia. Sociabilidade. Descr´escimo
das inibi¸oes. Diminui¸ao da aten¸ao, jul-
gamento e controle. Perda da eficiˆencia em
testes especiais.
0.9 a 2.5 0.11 a 0.30 excita¸ao
Instabilidade emocional. Descr´escimo das
inibi¸oes. Perda do julgamento cr´ıtico.
Enfraquecimento da mem´oria e da com-
preens˜ao. Decr´escimo da resposta sensi-
tiva. Alguma incoordena¸ao muscular.
1.8 a 3.0 0.22 a 0.36 confus˜ao
Estado emocional exagerado (medo, abor-
recimento, afli¸ao, etc.) e da percep¸ao
`as cores, formas, movimentos e dimens˜oes.
Debilidade no equil´ıbrio, descoordena¸ao
muscular, vacila¸ao no modo de andar e
dificuldade na fala.
2.7 a 4.0 0.32 a 0.48 estupor
Apatia, in´ercia geral. Diminui¸ao mar-
cada das respostas aos est´ımulos. Descoor-
dena¸ao muscular com instabilidade para
andar. omitos, incontinˆencia da urina e
fezes. Debilidade da consciˆencia.
3.5 a 5.0 0.42 a 0.56 coma
Completa inconsciˆencia, coma, anestesia.
Debilidade e aboli¸ao dos reflexos. In-
continˆencia da urina e das fezes. Dificul-
dades circulat´orias e respirat´orias. Morte
poss´ıvel.
Acima de 4.5 0.54 morte Parada respirat´oria.
Tabela 4.16: Concentra¸ao do etanol no sangue e seus efeitos.
estupor alco´olico. Como uma das consequˆencias, a capacidade da pessoa para dirigir ve´ıculos
´e altamente comprometida, tendo em vista que sua coordena¸ao motora e seus reflexos ao
afetados.
274 Modelagem Matem´atica
De acordo com a legisla¸ao brasileira em vigor, uma pessoa est´a incapacitada para dirigir
com seguran¸ca se tiver uma concentra¸ao de ´alcool no sangue superior a 0.64 g/l ou um
teor alco´olico de 0.08%. Um homem de porte edio (75Kg) tem um volume sangu´ıneo de
aproximadamente 5 litros. Ent˜ao, a concentra¸ao alco´olica no sangue de 0.64 g/l corresponde
a cerca de 3.75ml de ´alcool puro como limite aximo permitido.
Observamos que para se ter esta dosagem limite no sangue, indiv´ıduo tem de beber muito
mais devido aos mecanismos de excre¸ao da substˆancia oxica do corpo.
Conforme os dados obtidos na literatura, uma pessoa com 80kg de peso, ingerindo 3 doses
de bebida fermentada, em uma hora, apresentar´a um teor alco´olico no sangue de 0.06%.
Com os dados obtidos podemos determinar o teor alco´olico de sangue quando se ingere
bebidas distintas, ou seja, para que se tenha o mesmo teor alco´olico de dose de u´ısque o
indiv´ıduo deve beber 40
11 vezes mais vinho ou 40
4vezes mais cerveja. Usando estas corre-
spondˆencias para o vinho e a cerveja, temos que 40
11 “doses de vinho” equivale a 1 dose de
u´ısque, ou seja, 40
11 ×45 = 163.636ml de vinho. Como um alice de vinho tem 120ml, ent˜ao
163.636
120 = 1.365 alices seria a quantidade de vinho a ser ingerida para se ter o mesmo teor
alco´olica no sangue que 1 dose de ısque. Da mesma forma, como um copo tem 250ml, o
indiv´ıduo deveria beber 40
4×45 = 450ml de cerveja (ou 1.8 copos) para atingir a mesma
dosagem de ´alcool no sangue.
Na tabela 4.17 temos um resumo destes resultados.
concentra¸ao
edia (g/L)
teor alco´olico
(%) de bebida dosagem
teor alco´olico no
sangue (%) depois
de 1h
cerveja 32 4 1 copo = 250ml 0.0111
u´ısque 320 40 1 dose = 45ml 0.02
vinho 88 11 1 alice = 120ml 0.0146
Tabela 4.17: Teor alco´olico nas principais bebidas alco´olicas.
´
E acil ver que a concentra¸ao e o teor alco´olico ao valores proporcionais, ou seja, est˜ao
relacionados por uma regra-de-trˆes. Assim, obtemos
C= 8T(4.70)
ou seja, a concentra¸ao C(em g/l) de ´alcool numa bebida ´e 8 vezes seu teor T(em %). Isto
significa que o ´alcool ´e menos denso que a ´agua, ou seja, a densidade do ´alcool ´e 0.8 vezes a
densidade da ´agua.
Risco de acidentes por ingest˜ao de bebidas alco´olicas
Uma experiˆencia realizada nos Estados Unidos em em 86 indiv´ıduos, com edia de
72kg, e estando 2 horas sem comer, mostrou que o risco de acidentes automobil´ısticos cresce
exponencialmente com a quantidade de u´ısque ingerido (veja [2]). Fazendo uma analogia
com a ingest˜ao de vinho, construimos a seguinte tabela:
Rodney Carlos Bassanezi 275
Risco de Acidentes Vinho ingerido teor ´alco´olico
Ri(%) αi(c´alices) no sangue (%)
1.0 0 0
7.3 8.5 0.100
20.0 12.0 0.140
35.0 14.6 0.166
48.5 15.0 0.174
Tabela 4.18: Risco de acidentes e teor alco´olico no sangue.
Aparentemente, o risco de um acidente Rcresce exponencialmente em rela¸ao a quanti-
dade de bebida ingerida α, isto ´e,
R(α) = ae ln R= ln a+
Uma regress˜ao linear com os dados da tabela 4.18, fornece
a= 0.9525 e b= 0.2528
Logo,
R(α) = 0.9525 e0.2528α(4.71)
Figura 4.30: Risco de acidentes.
Da ormula (4.71) podemos dizer que o risco de acidentes para quem bebe um alice de
vinho (α= 1) ´e R= 1.226%.
Um indiv´ıduo respons´avel ao deve correr um risco maior que 2%, isto ´e,
R(α)2 =0.9525 e2528α2 =
αln(2.1)
0.2528 '2.934 alices = 352.13ml
276 Modelagem Matem´atica
A “certeza” de um acidente automobil´ıstico, segundo o modelo (4.71), ´e dada quando
R= 100, e neste caso, α= 18.41 alices ou 2209.2 ml. O n´ıvel alco´olico do sangue deste
indiv´ıduo ´e de 0.2687%, estando em pleno estado de confus˜ao mental. Assim, teoricamente
o modelo prevˆe que o acidente ´e inevit´avel para o motorista que bebe 18.41 alices ou mais
de vinho. Esta afirma¸ao deve ser questionada desde que, na pr´atica, o acidente pode ao
ocorrer. Um modelo melhorado deve prever esta circustˆancia.
Uma outra maneira de se obter a equa¸ao (4.71) ´e considerando a seguinte hip´otese:
A varia¸ao relativa do risco de acidentes ´e proporcional `a varia¸ao do ıvel de ´alcool no
sangue.”
Sabemos que o n´ıvel de ´alcool no sangue ou teor alco´olico T´e proporcional `a quantidade
de ´alcool ingerida, contida em cada alice α, isto ´e,
T=λα, onde λ= 0.0146 se α´e dado em alices de vinho
Da hip´otese formulada, tiramos que
Modelo Cont´ınuo Modelo Discreto
dR
R=k1dT =k1λdα.
Integrando temos
ZdR
R=k1λZ
=ln R=k1λα+k=R(α) = ekek1λα
Se R(0) = 1 (indiv´ıduo obrio) entao,
ek= 1. Logo
R(α) = ek1λα(4.72)
ou
R(T) = ek1T(4.73)
R
R=k2T=k2λα,
ou seja,
R(α+ α)R(α) = k2CR(α)∆α
=R(α+ α) = (1 + k2λ)R(α)∆α.
Usando R(0) = 1 e α= 1, obtemos
por recorrˆencia:
R1= (1 + k2λ)
R2= (1 + k2λ)R1= (1 + k2λ)2
.
.
.
R(α) = (1 + R2λ)α
ou
R(α) = eαln(1+k2λ).(4.74)
Considerando que λ= 0.0146, podemos obter o valor de λk1da equa¸ao (4.72) atrav´es
da edia dos valores
λk1'edia µln Ri
αi= 0.24645
onde Rieαiao, respectivamente, os valores experimentais do risco e do umero de alices
da tabela 4.18. Como λ= 0.0146, ent˜ao k1'16.88 (modelo cont´ınuo).
Rodney Carlos Bassanezi 277
Comparando os modelos cont´ınuo (4.72) e discreto (4.74), temos que
k1λ= ln(1 + k2λ) =k2=ek1λ1
λ'19.14.
Um modelo mais realista deveria levar em considera¸ao que pode ao haver acidente,
mesmo que o motorista esteja totalmente embriagado, isto ´e, R(α)deve tender a 100%
quando αcresce.
Do ponto de vista biol´ogico, sabemos que o teor alco´olico do sangue ´e proporcional `a
dosagem ingerida quando esta ao for excessivamente grande. A concentra¸ao de ´alcool no
sangue ao ultrapassa um valor aximo compat´ıvel com o ato de dirigir.
Vamos supor que o modelo (4.72) seja razo´avel quando a quantidade de ´alcool ingerida ´e
pequena, por exemplo, quando α4 alices de vinho, e neste caso λ= constante =0.0146.
Quando α > 4, a absor¸ao de ´alcool pelo sangue diminui e λdecresce. Consideremos que
a varia¸ao do teor alco´olico no sangue, em rela¸ao a α,seja proporcional a (TmT), onde
Tm´e o valor aximo do teor alco´olico no sangue suport´avel pelo indiv´ıduo.
O modelo matem´atico correspondente a estas hip´oteses ´e dado por
dT
=λT=λα se α4;
dT
=k(TmT) se α > 4
(4.75)
A solu¸ao da segunda equa¸ao de (4.75) ´e obtida por integra¸ao separando-se as vari´aveis,
ou seja, ZdT
TmT=Zkdα ln(TmT) = +c
e portanto,
TmT=exp(c+) = ece (4.76)
Considerando que T(4) = 4λ= 0.0584 e que Tm'0.2728, obtemos:
ece4k= 0.2728 0.0584 '0.2144.(4.77)
Temos assim, uma equa¸ao e duas inc´ognitas (cek) e portanto devemos ter mais outra
equa¸ao para poder resolvˆe-la:
Vamos supor agora que T= 99%Tm, quando se ingere 17 alices. De (4.76), obtemos:
Tm0.99Tm=ece17kece17k= 0.002728 (4.78)
De (4.77) e (4.78) tiramos que
e13k=0.2144
0.002728 = 78.5924 k= 0.3357 e ec= 0.8211.
278 Modelagem Matem´atica
Substituindo os valores de λ, Tm, k ecna equa¸ao (4.76), obtemos o modelo do teor
alco´olico no sangue em fun¸ao do umero de alices ingeridos:
½T(α) = 0.0146αse α4
T(α) = 0.2728 0.8211e0.3367αse α > 4(4.79)
Observamos que quando α= 4 os valores de N(4) ao iguais nas duas equa¸oes o que torna
T(α) uma fun¸ao cont´ınua em seu dom´ınio!
Figura 4.31: Teor alco´olico no sangue devido `a ingest˜ao de αalices de vinho.
O modelo de risco de acidentes R(α) = e16.88Tequa¸ao (4.73) pode ser reformulada
considerado Tdado no modelo (4.79), ou seja,
½R(α) = e0.2464αse α4
R(α) = exp[4.61 13.86e0.3357α] se α > 4(4.80)
Problema 4.4. Um indiv´ıduo de 72kg, frequenta bares aos abados e tem, em edia, 2
acidentes por ano por estar dirigindo alcoolizado. Se supormos que a quantidade de bebida
consumida aos abados ´e constante, podemos determinar tal quantidade?
Elimina¸ao de ´alcool ingerido
O ´alcool ingerido por um indiv´ıduo sofre um processo de elimia¸ao gradual atrav´es da
urina, suor e respira¸ao. O bafˆometro, utilizado pela pol´ıcia rodovi´aria para detectar o teor
alco´olico entre consumidores de bebida alco´olica, mede a concentra¸ao do ´alcool eliminado
pelos pulm˜oes. No curso de Modelagem, realizado na PUCCAMP em 1998, os cursistas
tomaram algumas medidas de concentra¸ao alco´olica, utilizando um bafˆometro construido
por eles (tabela 4.19).
Rodney Carlos Bassanezi 279
Figura 4.32: Risco de acidentes depois de ingerir αalices de vinho.
A primeira medida foi tomada depois de 70 minutos quando haviam ingerido aproxi-
madamente 10 copos de cerveja, ap´os esta medida parou-se de beber e foram feitas outras 2
medidas. Os valores obtidos ao valores edios, considerando o peso de cada participante.
Com as medidas executadas pelos cursistas, obteve-se a tabela 4.19.
tempo (minuto) concentra¸ao edia de
´alcool (g/L)
70 0.95
75 0.76
155 0.46
Tabela 4.19: Concentra¸ao alco´olica medida.
Considerando que a elimina¸ao do ´alcool do organismo ´e proporcional `a quantidade
existente em cada instante, o modelo proposto para projetar a concetra¸ao foi a seguinte
equa¸ao diferencial: dc
dt =kc (4.81)
A solu¸ao de (4.81) ´e a fun¸ao exponencial
c(t) = c0ekt
onde c0´e a concentra¸ao inicial. Neste caso ´e o valor apurado quando os indiv´ıduos pararam
de beber.
280 Modelagem Matem´atica
Por outro lado, considerando um ajuste exponencial dos dados experimentais obtemos:
c= 1.472e0.0075tpara t70 (4.82)
Fazendo a mudan¸ca de vari´avel τ=t70 na equa¸ao acima, obtemos τ= 0 quando
t= 70, e (4.82) pode ser reescrita como:
c(t) = 0.8683e0.0075τ,para τ0 (4.83)
Assim, a taxa de elimina¸ao do ´alcool pelo pulm˜ao ´e 0.0075 c/min.
O estudo do processo de elimina¸ao do ´alcool pelo organismo provocou os seguintes
questionamentos entre os cursistas do grupo:
1. Se um indiv´ıduo beber uma lata de cerveja a cada 10 minutos, em quanto tempo ele
estar´a ebado?
2. Qual o intervalo entre o consumo de latas de cerveja para que o teor alco´olico no
sangue nunca ultrapasse 0.08%?
Para resolver estes problemas devemos ter outras informa¸oes e fazer algumas suposi¸oes:
O conte´udo de cada lata ´e ingerido instantaneamente;
O ´alcool ingerido entra na corrente sangu´ınea, num per´ıodo de tempo bastante pe-
queno, numa propor¸ao de 20% do que foi consumido.
Uma lata tem 350ml e a concentra¸ao de ´alcool na bebida ´e 4%, ou 32 g/l;
O ´acool ´e eliminado numa taxa de 0.0075 c/min;
O indiv´ıduo est´a ebado quando seu teor alco´olico no sangue ´e da ordem de 2.5 g/l.
Solu¸ao de (1): Primeiramente calculamos quantas gramas de ´alcool cont´em uma lata de
cerveja. O valor ´e obtido, simplesmente, por uma regra-de-trˆes:
1000 32
350 xx= 11.2g.
Considerando agora que 20% desta quantidade entre na corrente sangu´ınea (5 litros),
tem-se que a concentra¸ao de ´alcool no sangue ser´a
0.2×11.2
5= 0.448g/l para cada lata de cerveja ingerida.
Seja c0= 0.448 a concentra¸ao inicial (ap´os ingerir a 1a
¯lata).
O modelo anterior (4.83) de elimina¸ao de ´alcool nos a
c(t) = c0e0.0075t= 0.448 e0.0075tse 0 t < 10.(4.84)
Rodney Carlos Bassanezi 281
Assim, 10 minutos ap´os tomar a 1a
¯lata, a concentra¸ao cai para
c(10) = c0e0.0075.10 = 0.9277 c0.
Tomando a 2a
¯lata, sua concentra¸ao alco´olica no sangue sobe para c(10+) = c0+0.9277c0
e portanto, nos pr´oximos 10 minutos o decaimento ser´a dado por:
c(t) = c0(1 + 0.9277)e0.0075(t10); 10 t20
No momento anterior ao consumo da 3a
¯lata, temos
c(20) = c0(1 + 0.9277)0.9277 = c0(0.9277 + 0.92772)
Tomando a 3a
¯lata sua concentra¸ao passa a
c(20+) = c0(1 + 0.9277 + 0.92772)
Continuando o processo, quando ingerir a nesima lata, a concentra¸ao ser´a
c[10(n1)+] = c0(1 + 0.9277 + 0.92772+· ·· + 0.9277n1) (4.85)
O termo entre parˆentesis de (4.85) ´e a soma de uma progress˜ao aritm´etica de raz˜ao igual
a 0.9277, cujo valor pode ser determinado se considerarmos que
xn1+xn2+· ·· +x2+x+ 1 = 1xn
1x
Ent˜ao,
c[10(n1)+] = c0
10.9277n
10.9277 (4.86)
Queremos determinar a quantidade de latas de cerveja, que tomadas intermitentemente
a cada 10 minutos, deixa o indiv´ıduo ebado, ou seja, com uma concentra¸ao aproximada
de 2.5 g/l.
Tomando c= 2.5 em (4.86), obtemos o valor de n:
2.5 = 0.448 10.9277n
10.9277 = 6.1964(1 0.9277n)
o que nos leva a
0.9277n= 0.5965 e portanto n=ln 0.5965
ln 0.9277 '7 latas.
Se considerarmos que este indiv´ıduo continua bebendo sempre, o valor aximo de sua
concentra¸ao alco´olica (satura¸ao) ser´a
cmax = lim
n→∞ 6.1964(1 0.9277n) = 6.1964g/l
282 Modelagem Matem´atica
Figura 4.33: Concentra¸ao de ´alcool quando ingerido intermitentemente.
Solu¸ao de (2): Um indiv´ıduo ´e considerado apto para dirigir se tiver carteira de motorista
em ordem e um teor alco´olico sangu´ıneo abaixo de 8% ou 0.64 g/l.
Desejamos saber qual o intervalo de tempo m´ınimo entre a ingest˜ao de latas de cerveja
para que possa beber indefinidamente e continue apto a dirigir.
Das equa¸oes anteriores (eqs. (4.84) e (4.85)) tiramos:
C¡T+¢= 0.448(1 + e0.0075T)
C(nT +)=0.448[1 + e0.075T+e0.0075(2T)+···+e0.0075(nT )](4.87)
onde, T´e o tempo gasto para beber 2 latas (em nT +ao ingeridas n+ 1 latas).
O termo entre colchetes de (4.87) ´e a soma de uma P G de raz˜ao e0.0075T,cujo valor ´e
dado por
C(nT +) = 0.448 1e0.0075(nT )
1e0.0075T
Assim, se tomarmos no limite (quando n ) o valor de C= 0.64 (concentra¸ao
axima permitida para dirigir), obtemos:
0.64 = 0.448
1e0.0075T,
ou
e0.0075T=0.64 0.448
0.64 = 0.3 = 0.0075T= ln 0.3 = 1.204,
e portanto,
T'160min.
Assim, o indiv´ıduo (de aproximadamente 72 kg) que bebe uma lata de cerveja a cada
160 minutos poder´a dirigir sem ser autuado pela pol´ıcia, pelo menos por alcoolismo!
Rodney Carlos Bassanezi 283
Efeitos do ´alcool
“O efeito do ´alcool sobre o comportamento dos seres humanos depende da sua concentra¸ao no sangue.
Em geral, em pessoas normais, o ´alcool come¸ca por deprimir algumas fun¸oes do erebro. Uma regi˜ao
do ´org˜ao chamada ortex perde o auto-controle, desorganiza o pensamento e o controle dos movimentos.
Mem´oria, concentra¸ao e percep¸ao ao de in´ıcio deprimidas, para serem perdidas logo depois. A personali-
dade torna-se expansiva e as pessoas tendem a se tornar eloquentes e emocionalmente inst´aveis.
O comportamento sexual pode tornar-se agressivo, resultado da perda de inibi¸ao e auto-controle. No
entanto o ´alcool ao tem ao afrodis´ıaca na verdade, ele diminui o desempenho sexual, pois as bebidas
alco´olicas ao depressoras prim´arias e cont´ınuas do erebro.”
S. Prado (folha de S. Paulo 28.02.1993)
Referˆencias Bibliogr´aficas
[1] Aquarone, E. L., Almeida, V. e Borzani, W. Biotecnologia; Alimentos e Bebidas
produzidas por fermenta¸ao. Ed. E. Bl¨ucher Ltda., S. Paulo, 1983.
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(S. Paulo), 1988.
[4] Gobbato, D.C. Manuale del Produtore di Vino. Lithographia Zeller e Cia, 1934.
[5] Ribeiro, M. As Maravilhas da Ind´ustria Caseira de Alimentos. FIPLAN, Porto Alegre,
1985.
[6] Bassanezi, R. C., Biembengut, M. S - A Matem´atica dos Ornamentos e a Cultura Arica.
Revista de Ensino de Ciˆencias, FUNBEC, no21, pp. 39–45, S. Paulo, set/1988.
[7] Biembengut, M. S., da Silva, V. C., Hein, N. - Ornamentos×Criatividade: Uma alter-
nativa para ensinar geometria plana. Editora da FURB, 1996.
[8] Bassanezi, R. C. - Modelagem como metodologia de ensino de matem´atica. Ense˜nanza
Cient´ıfica y Tecnol´ogica-Colecci´on de Documentos, 37, pp. 130–155, Paris, 1990.
[9] Figueiredo, V. L., Santos, S. A. - Geometria Aplicada. (mimeo), Campinas, 2000.
[10] D’Ambrosio, U. - Etnomatem´atica: Um Programa de Educa¸ao Matem´atica. Revista
da Sociedade Brasileira de Educa¸ao Matem´atica-SBEM, pp. 5–18, 1993.
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EDUSP, Rio de Janeiro, 1978.
[12] Gazzetta, M. - Modelagem como estrat´egia de aprendizagem de matem´atica em curso
de aperfei¸coamento de professores. Disserta¸ao de Mestrado, UNESP-Rio Claro, 1988.
[13] Tema: Tecelagem Industrial. Monografia de curso de Especializa¸ao, PUCCAMP,
Campinas, 1998.
[14] Tema: Garimpo de ouro. Monografia de curso de Especializa¸ao, Univ. Federal do Mato
Grosso, Cuiab´a, 1986.
284
Rodney Carlos Bassanezi 285
[15] Tema: Ma¸a. Monografia de curso de Especializa¸ao, FAFIG, Guarapuava, 1984.
[16] Tema: Fabrica¸ao de papel. Monografia de curso de Especializa¸ao, FAFIG, Guara-
puava, 1982.
[17] Blum, W., Niss, M. - Applied Mathematical Problem Solved. in Modelling, Application
and Links to other Subjects (Edits. Brum, Niss e Huntley), Educ. Studies in Math.,
Dordrecht,22, no1, 1991.
[18] D’Ambrosio, U. - Da Realidade `a ao. Summus Edit., Campinas, 1986.
[19] Mendon¸ca, M. C. - Problematiza¸ao: Um caminho a ser percorrido em Educa¸ao
Matem´atica. Tese de Doutorado, FE-UNICAMP, Campinas, 1993.
[20] Bussab, W. O., Morettin, P. A.- Estat´ıstica asica-M´etodos Quantitativos. Editora
Atual, S.Paulo, 1993, 4aed.
[21] Ferreira, E. S. - ”Etnomatem´atica: Uma proposta Metodol´ogica”. Univ. Santa ´
Ursula,
Rio de Janeiro, vol 3, 1997.
286 Modelagem Matem´atica
Cap´ıtulo 5
Modelagem na Inicia¸ao Cient´ıfica
“Foi o depois de se perceber que os fenˆomenos naturais ao cont´ınuos que
tiveram ˆexito as tentativas de construir modelos abstratos. A tarefa ´e du-
pla: criar conceitos asicos simples referentes a tempo e espa¸co e achar um
etodo de fazer dedu¸oes a partir dos processos que podem ser verificados
pela experimenta¸ao.”
B. Riemann 1826–1866
5.1 Introdu¸ao
O que chamamos de Inicia¸ao Cient´ıfica ´e o processo de aprendizagem construtiva de
algum conceito ou teoria supervisonado por um orientador. Em se tratando de conceitos
matem´aticos, a Inicia¸ao Cient´ıfica pode ser o primeiro passo para o estudante tomar contato
com a modelagem matem´atica.
Os alunos ou orientandos podem trabalhar em grupos pequenos ou isoladamente e o
professor ou orientador funciona como um monitor que coordena a sequˆencia das atividades
e ajuda na elabora¸ao das hip´oteses analisadas.
Um programa de Inicia¸ao Cient´ıfica pode ser realizado em qualquer n´ıvel de aprendiza-
gem e desenvolvido de formas diferentes em rela¸ao ao que se objetiva estudar:
5.1.1 opicos ou conceitos isolados
ao mais apropriados ao ıvel de ensino fundamental e m´edio neste caso, o assunto
escolhido ´e algum opico espec´ıfico de matem´atica ou algum resultado relevante. Para ex-
emplificar tomamos o famoso Teorema de Pit´agoras como objeto de estudo.
O processo deve ser iniciado com algum problema significativo ou questionamento de
alguma situa¸ao da realidade. Poderia ser a seguinte:
Como os pedreiros conseguem obter o ˆangulo reto na constru¸ao das paredes sem o aux´ılio
de instrumentos de precis˜ao como o esquadro ou transferidor?
O passo seguinte ´e experimental (ou entrevistas com pedreiros), seguido de questiona-
287
288 Modelagem Matem´atica
mentos:
Qual a rela¸ao entre os lados de um triˆangulo para que seja retˆangulo? Se os lados do
triˆangulo ao proporcionais (mesma propor¸ao) ao triˆangulo de lados 3, 4, 5, ele ser´a
retˆangulo?
Mais experiˆencias e alculos. . .
O resultado pode ser generalizado para todos os triˆangulos retˆangulos? (hip´oteses e tese
do teorema).
´
E muito importante que se conhe¸ca a hist´oria do teorema e neste sentido deve-se pesquisar
sua origem na vasta bibliografia dispon´ıvel.
`
A verifica¸ao experimental” seguem-se “demonstra¸oes geom´etricas” e finalmente a
demonstra¸ao anal´ıtica ou alg´ebrica que deve ser bem compreendida e o resultado (solu¸ao)
dado em termos de uma express˜ao matem´atica (modelo).
Nesta fase novos questionamentos ou modifica¸oes podem ser sugeridos aos alunos, por
exemplo, em rela¸ao `a ´area de figuras apoiadas nos lados do triˆangulo retˆangulo:
Figura 5.1: Figuras apoiadas nos lados de um triˆangulo retˆangulo.
A ´area do semic´ırculo a´e igual a soma das ´areas dos semic´ırculos bec? E se em vez de
semic´ırculos tiv´essemos outras figuras de ´areas proporcionais? Quais?
Questionamentos em rela¸ao `a hip´otese do teorema podem ser levantados:
o vale para triˆangulos retˆangulos? E se for obtusˆangulo, ele ao pode ser dado por uma
uni˜ao de triˆangulos retˆangulos?
Rodney Carlos Bassanezi 289
Figura 5.2: Seq¨encia de triˆangulos retˆangulos.
Generaliza¸oes do teorema tamb´em podem ser analisadas, por exemplo, no caso tridi-
mensional. As demonstra¸oes feitas pelos alunos merecem incentivo.
Figura 5.3: Triˆangulo retˆangulo inserido em um paralelep´ıpedo.
Avalida¸ao do teorema (demonstra¸oes) deve ser completada pelas aplica¸oes e neste
ponto, o professor ao deve se preocupar muito em conhecˆe-las todas, pois os alunos ir˜ao
surpreendˆe-lo com aquelas que ir˜ao apresentar.
Existe uma bibliografia bastante rica de temas matem´aticos analisados com esta perspec-
tiva de Inicia¸ao Cient´ıfica, aqui citamos apenas alguns: umeros (veja Imenes [21]). Para
estudos mais avan¸cados sugerimos a tese de doutorado da Carmen aboas [31] e tamb´em
Bassanezi–Biembengut: “Donald na matemagicalˆandia” [7]. Simetria (veja Imenes: “Ge-
ometria dos mosaicos”, “Geometria das dobraduras” [21]. P. Gerdes: “Desenhos da ´
Africa”
290 Modelagem Matem´atica
[18]. Bassanezi–Biembengut: “Gram´atica dos ornamentos e a Cultura Arica” [8]. R. M. Bar-
bosa: “Descobrindo padr˜oes em mosaicos” [4]). Pol´ıgonos (vide N. J. Machado, “Pol´ıgonos,
centop´eicos e outros bichos” [23]). Fun¸ao, Limite, Derivada e Integral (veja P. Gerdes:
“Karl Marx arrancar o eu misterioso `a matem´atica” [17]. E. Batschelet [9], Struik:
“A Concise History of Mathematics” [30]. R. Franchi: “A modelagem como estrat´egia de
aprendizagem do alculo diferencial e integral nos cursos de Engenharia” [15].
Temas provenientes da realidade cotidiana ao tamb´em bastante ricos para desenvolver
estudo de opicos isolados de matem´atica: Constru¸ao de um alv´eolo (geometria espacial);
Constru¸ao de ton´eis (trigonometria); Jogo do bicho (an´alise combinat´oria), etc, etc. . .
5.1.2 Conceitos interrelacionados ou mat´eria espec´ıfica
Neste caso o objeto de estudo escolhido deve ser abrangente, objetivando implica¸oes na
pr´opria Matem´atica ou ´areas de aplica¸ao.
O estudo do Teorema de Green pode ser um opico interessante para a inicia¸ao cient´ıfica.
Nesse caso, o estudante, al´em de percorrer o caminho apresentado acima para abordagem de
um opico ou conceito isolado, tamb´em deve procurar situar o teorema com rela¸ao `as suas
implica¸oes em outros campos da Matem´atica, tais como vari´aveis complexas (por exemplo,
o Teorema de Cauchy), equa¸oes diferenciais exatas, campos conservativos, teoremas de
Gauss-Stokes etc.
Se limite for o assunto escolhido, por exemplo, o aluno-orientado deve, como no caso
anterior, procurar verificar toda gama de possibilidades de utiliza¸ao desse conceito rela-
cionado a eries num´ericas, derivada, integral, convergˆencia, comportamento assint´otico de
equa¸oes diferenciais, conceitua¸ao de umero real etc.
´
E importante tamb´em que o estudante procure verificar a aplicabilidade do conceito de
limite em situa¸oes concretas da realidade. Um exemplo simples dessa possibilidade: quando
ao estudar o processo de crescimento de um determinado ser vivo, procuramos estimar o valor
de sua estabilidade, lan¸camos ao do conceito matem´atico de limite. Assim, suponhamos
que a tabela 5.1 descreva os dados de crescimento de uma planta, podemos deduzir quando
sua altura ser´a est´avel:
tn0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0 3.5 4.0 4.5 5.0 5.5
hn2.47 3.03 3.47 3.80 4.07 4.28 4.44 4.56 4.66 4.73 4.79 4.84
Tabela 5.1: Crescimento de uma planta.
Denotamos por hna altura da planta no instante tn. Sabendo-se que a altura final deve
ser limitada, ent˜ao a sequˆencia crescente hndeve convergir quando o tempo for cada vez
maior, isto ´e, quando n . O alculo de hmax pode ser realizado atrav´es do etodo de
Ford-Walford (veja cap´ıtulo 2).
Rodney Carlos Bassanezi 291
5.1.3 Disciplina espec´ıfica
Quando a id´eia ´e estudar uma disciplina espec´ıfica, total ou parcialmente, por meio da
modelagem matem´atica, ´e preciso que os alunos inicialmente familiarizem-se com modelos
cl´assicos para que possam compreender a dinˆamica da modelagem.
Se o interesse dos que est˜ao desenvolvendo o trabalho de Inicia¸ao Cient´ıfica for, por
exemplo, estudar as Equa¸oes Diferenciais Ordin´arias, como modelos cl´assicos podem ser
analisados aqueles provenientes dos sistemas mecˆanicos ou el´etricos (F´ısica), velocidade de
rea¸oes qu´ımicas (Qu´ımica), dinˆamica populacional ou epidemiologia (Biologia), modelos
econˆomicos (Economia) entre outros, procurando sempre verificar as analogias existentes
entre eles. (Outras possibilidades para o desenvolvimento da Inicia¸ao Cient´ıfica nesse n´ıvel
ao trabalhar com: Equa¸oes de Difus˜ao, Equa¸oes de Diferen¸cas, Teoria dos Grafos, Teoria
dos Jogos etc.)
Em um segundo momento, os estudantes devem ser estimulados pelo orientador a ap-
resentarem propostas de modelos alternativos (que nada mais ao que os modelos cl´assicos
modificados de forma adequada) com base em novas hip´oteses ou dados experimentais, ou
seja, nessa etapa, procura-se estabelecer uma determinada ´area de aplica¸ao que possa ser
tomada como base para a apropria¸ao e modifica¸ao dos modelos cl´assicos e a proposi¸ao
de alternativos, verificando, sempre que poss´ıvel, sua coerˆencia com os dados experimentais
(ou, em alguns casos, com simula¸oes num´ericas).
E, finalmente, os alunos devem tentar criar modelos novos aplic´aveis a novas situa¸oes
e problemas para, em seguida, analisar a validade de tais modelos, criticando seus pontos
fracos. A realiza¸ao dessa etapa nem sempre ´e poss´ıvel em programas comuns de Inicia¸ao
Cient´ıfica devido `a forma¸ao deficiente do estudante de gradua¸ao ou mesmo `as dificuldades
de disponibilidade do orientador. Sendo assim, muitas vezes, a etapa da cria¸ao de modelos
novos ´e deixada para o Mestrado ou o Doutorado.
Esse etodo de trabalho relativo `a Inicia¸ao Cient´ıfica tem sido desenvolvido com sucesso
entre estudantes universit´arios de gradua¸ao e os-gradua¸ao de Matem´atica e, conforme
nossa experiˆencia, ´e mais acil e produtiva quando os alunos envolvidos fazem parte de um
grupo maior de pessoas que pesquisam um determinado tema.
Pode parecer `a primeira vista, principalmente para um observador desavisado, que um
projeto de inicia¸ao cient´ıfica ir´a conduzir obrigatoriamente o estudante a desenvolver pos-
teriormente seus estudos e pesquisas em Matem´atica Aplicada, o que ao ´e necessariamente
verdade. Para ao alongar esta discuss˜ao, citaremos um caso acontecido no IMECC nos
anos 1987–88. Na ´epoca orient´avamos 3 alunos de gradua¸ao (Matem´atica) em projetos
de Inicia¸ao Cient´ıfica, trabalhando independentemente com os temas: Dinˆamica Popula-
cional, Corrida Armamentista e Irriga¸ao todos voltados para aprendizagem de Sistemas
Lineares de Equa¸oes Diferenciais Ordin´aria. Depois de formados, cada estudante seguiu
um rumo diferente e fizeram, respectivamente, seus Mestrados e Doutorados em Educa¸ao
Matem´atica (Jogos como estrat´egia de ensino), Matem´atica Aplicada (Programa¸ao Linear)
e Matem´atica Pura (Teoria Geral da Medida e Topologia).
Podemos considerar que a Inicia¸ao Cient´ıfica ´e um projeto de estudo dirigido que facilita
292 Modelagem Matem´atica
a combina¸ao de teoria e pr´atica. ´
E tamb´em um processo que fomenta a aprendizagem
de disciplinas asicas valorizando-as e recriando suas id´eias quando aplicadas `a realidade.
Neste ponto conv´em salientar que a Matem´atica asica ´e valiosa por si mesma porque nos
permite compreender seu pr´oprio mundo e nos a condi¸oes de atuar em outras ´areas. Da
mesma forma que a Agronomia pode ser considerada Biologia aplicada e a Engenharia como
uma combina¸ao de Matem´atica e ısica aplicadas, a Matem´atica Aplicada ´e simplesmente
matem´atica aplicada. Garding ([16]) ´e bem claro quando relaciona teoria e pr´atica:
Antes de atuar ´e preciso informar-se e pensar; antes de aplicar ´e preciso ter o que aplicar, e
se quer inovar responsavelmente na ao ´e preciso fazˆe-lo com base no conhecimento cient´ıfico
outra coisa ´e rotina ou improvisa¸ao”.
Quando acreditamos que “a aprendizagem de Matem´atica ´e um movimento permanen-
temente ativo e criativo”, ent˜ao, podemos afirmar que a Inicia¸ao Cient´ıfica, como a imagi-
namos, ´e a ponte de liga¸ao natural entre o ensino e a pesquisa, conforme a figura 5.4.
Figura 5.4: Liga¸ao natural entre ensino e pesquisa.
Rodney Carlos Bassanezi 293
5.2 Projeto de Inicia¸ao Cient´ıfica
“Modelagem Matem´atica de Fenˆomenos
Biol´ogicos”
Daremos a seguir, como ilustra¸ao de um projeto de Inicia¸ao Cient´ıfica, o trabalho que
desenvolvemos com dois alunos de gradua¸ao.
Os trabalhos realizados foram apresentados pelos alunos em Encontros espec´ıficos de
Inicia¸ao Cient´ıfica e tamb´em no Congresso Nacional de Matem´atica Aplicada em Santos
(1999). Uma parte da modelagem, apresentada no I Encontro de I.C. da UNICAMP, foi
premiada.
Orientandos: Luciano C. A. Palma e Marcos R. Sanches (alunos do 2o
¯ano do curso
de Estat´ıstica);
Per´ıodo: junho/98 a maio/99;
Objetivo geral: Estudar modelos cl´assicos de Biomatem´atica e aplicar ecnicas de
modelagem;
Objetivos espec´ıficos: Estudar a teoria das equa¸oes diferenciais e de diferen¸cas,
etodos estat´ısticos e programas computacionais para formula¸ao de modelos em Bio-
matem´atica.
5.2.1 Programa desenvolvido
Estudo bibliogr´afico teoria e aplica¸oes
a. Edelstein-Keshet L., Mathematical Models in Biology [14].
Teoria das equa¸oes de diferen¸cas lineares aplicada ao crescimento de popula¸oes;
Equa¸oes de diferen¸cas ao lineares; Aplica¸oes a popula¸oes biol´ogicas;
Introdu¸ao aos modelos cont´ınuos; Plano de fase e solu¸oes qualitativas;
Aplica¸ao de modelos cont´ınuos `a dinˆamica populacional;
Ciclos limites, oscila¸oes e sistemas excit´aveis;
Introdu¸ao `as equa¸oes parciais; Difus˜ao em fenˆomenos biol´ogicos.
b. Anderson, R. M. e May, R. M., Infectious Diseases of Humans and Control [2].
Desenvolvimento hist´orico de pesquisa em epidemiologia;
Taxa de reprodu¸ao basal R0;Densidade limiar de hospedeiros;
Transmiss˜ao direta e indireta;
294 Modelagem Matem´atica
Dinˆamica e gen´etica de associa¸oes parasita-hospedeiro.
c. Bassanezi, R. C. e Ferreira Jr, W. C., Equa¸oes Diferenciais com Aplica¸oes [5].
Resolu¸ao de equa¸oes diferenciais;
Estabilidade de sistemas;
An´alise de modelos matem´aticos cl´assicos: Malthus, Verhurst, Gompertz, von
Bertalanffy, Lotka e Volterra, difus˜ao de calor, despolui¸ao de lagoas, alometria
etc.
d. Hoppenstead, C. S. and Pesquin, C. S., Mathematics in Medicine and the Life Science
[20].
Dispers˜ao de infec¸oes; Limiar epidˆemico;
Grau de severidade de uma epidemia.
e. von Zuben et alls, ”Theorical approaches to forensic entomology: II. Mathematical
model of larval development” [34].
f. Bassanezi, R. C. et alls, ”Diffusion Model Applied to Postfeeding Larval Dispersal in
Blowplies (Diptera Caliphoridae) [6].
g. Ross, S., Introduction to probability models [28].
h. Taylor, H. M. e Karlin, S., An Introduction To Stochastic Modeling [32].
i. Malice, M. P. e Lef`evre, C., ”On the General epidemic Model in discrete Time” [24].
Estudo de programas computacionais e pesquisa em sites da Internet
a. Abell, M. L. e Braselton, J. R., Differential Equations with Mathematica [1].
etodos de resolu¸ao de equa¸oes diferenciais usando o software Mathematica.
b. Richard, J. G. e Paul, R. W., Computer Simulations with Mathematica [27].
Simula¸ao de modelos biol´ogicos com o software Mathematica.
c. Malajovich, G.,software “Tra¸cador de diagramas de fase”.
Programa para tra¸cado de traget´orias em planos de fase.
d. Pesquisas em sites de Internet relacionadas `a ´area de Biomatem´atica.
http://www.ti.com/calc/docs/86.html;
http://www.math.wisc.edu/wwwmathserv.html;
Rodney Carlos Bassanezi 295
http://www.orsoc.org.uk/
http://www.seanet.com/˜ksbrown/icalculu.html;
http://brahma.mscs.mu.edu/BIOMATH/Resources/specialink.html;
http://biomodel.georgetown.edu/model/modsites.html;
http://www.brandeis.edu/biomath/menu.html.
5.2.2 Modelos Desenvolvidos
Dos modelos desenvolvidos com fenˆomenos biol´ogicos neste projeto, mostraremos aqui
apenas aqueles relacionados com 3 grupos: dinˆamica populacional,crescimento de aves e
enterramento de larvas.
Dinˆamica populacional
O modelo log´ıstico para a popula¸ao brasileira foi obtido utilizando-se os dados dos
censos de 1940 a 1991. Assumindo que a cada per´ıodo de 10 anos a popula¸ao cresce expo-
nencialmente, calcula-se a taxa de crescimento m´edio anual λda popula¸ao pela ormula:
Pi+10 =Pi(1 + λ)n=λ="rPi+10
Pi#1
n
1,(5.1)
com Picorrespondendo `a popula¸ao no instante i. Como a taxa ´e decrescente a cada censo, a
popula¸ao axima pode ser estimada, considerando-se seu valor quando λ0. A regress˜ao
linear de λcom Pfornece a reta λ=0.000174P+ 0.042217 e portanto, para λ= 0 tem-se
P=Pmax, isto ´e, Pmax = 243626437.
A solu¸ao do modelo log´ıstico ´e dado por (veja cap´ıtulo 2):
P(t) = Pmax
1 + ³Pmax
P01´exp(rt)
O valor do parˆametro rpode ser estimado da equa¸ao a cima a justando-se aos dados
dos censos, obtendo-se r= 0.042078. Considerando-se P0= 51.944.397 (popula¸ao do censo
de 1950, a partir do qual sua varia¸ao come¸cou a decrescer), pode-se estimar a popula¸ao
brasileira em qualquer ano.
O modelo formulado pelos estudantes para a popula¸ao americana ´e uma generaliza¸ao
do log´ıstico, supondo dois ıveis de equil´ıbrio da popula¸ao. Os modelos estabelecidos neste
programa de Inicia¸ao Cient´ıfica encontram-se no cap´ıtulo 6.
Modelo de crescimento em peso de aves
Partindo de dados experimentais da varia¸ao do peso do peru, procuramos formular
um modelo determin´ıstico para o crescimento desta ave atrav´es de equa¸oes diferenciais.
Utilizamos como referˆencia inicial o modelo cl´assico de von Bertalanffy para o crescimento
296 Modelagem Matem´atica
de peixes e consideramos taxas de metabolismo (catabolismo e anabolismo) vari´aveis com o
tempo.
O modelo generalizado que propomos mostrou ser bastante razo´avel para o fenˆomeno
estudado, reproduzindo os dados experimentais e servindo para previs˜oes futuras. Atrav´es
do modelo podemos estabelecer estrat´egias ´otimas para o abate da ave.
A cria¸ao de aves para o abate requer bastante aten¸ao no que diz respeito aos cuidados
que devem ser tomados na alimenta¸ao, ambiente e profilaxia. Por isso, muitos criadores
desenvolvem estrat´egias para maximizar o peso da ave e minimizar os gastos necess´arios para
a sua cria¸ao. Particularmente, o peso ideal para o abate deve ser escolhido criteriosamente,
sob pena de o criador perder dinheiro alimentando uma ave que a ao satisfaz mais a rela¸ao
custo-benef´ıcio.
Podemos dizer que o peso de um peru varia de acordo com a sua taxa de metabolismo.
Vamos considerar as seguintes hip´oteses:
H1: Nas primeiras semanas de vida seu crescimento ´e exponencial, o que indica ser a taxa
de anabolismo preponderante.
H2: Na fase adulta, o catabolismo tem forte influˆencia negativa no seu crescimento, levando
a uma estabilidade no valor do seu peso.
Von Bertalanffy obteve experimentalmente um modelo que caracteriza o crescimento
(em peso) de peixes. Seu modelo de metabolismo ´e dado na forma de um problema de valor
inicial:
dp
dt =αp2/3βp
p(0) = p0'0
(5.2)
onde os parˆametros αeβdevem ser considerados como taxas de anabolismo e catabolismo,
respectivamente.
Esta equa¸ao diferencial pode ser caracterizada como uma Equa¸ao de Bernoulli, com
um etodo de resolu¸ao bastante conhecido. Sua solu¸ao ´e dada pela express˜ao:
p(t) = p(1 ekt)3,
onde p´e o valor aximo para o peso do peixe e k=β
3(veja cap´ıtulo 2).
Modelo de Metabolismo Modificado
Observando que no modelo cl´assico de von Bertalanffy (5.2) o termo p2
3´e proveniente
da rela¸ao alom´etrica do peso com a ´area corporal do peixe, propomos um modelo para o
peru que ´e uma generaliza¸ao desta rela¸ao utilizando o termo pγ.
dp
dt =αpγβp
p(0) = p0
(5.3)
Rodney Carlos Bassanezi 297
A equa¸ao do sistema (5.3) ´e ao linear e sabemos que algumas equa¸oes ao-lineares
ao de dif´ıcil resolu¸ao. O que nos deixa mais tranquilos quanto `a resolu¸ao desta ´e a sua
classifica¸ao. Trata-se de uma Equa¸ao de Bernoulli e uma mudan¸ca de vari´aveis nos conduz
a uma equa¸ao linear.
Se z=p1γ, temos:
dz
dt = (1 γ)pγdp
dt = (1 γ)pγ(αpγβp) = (1 γ)¡αβp1γ¢= (1 γ) (αβz).
Logo, dz
dt + (1 γ)βz = (1 γ)α(equa¸ao linear em z!) (5.4)
Resolvendo (5.4): a solu¸ao da equa¸ao homogˆenea associada ´e
zh=ceβ(1γ)t.(5.5)
Uma solu¸ao particular de (5.4) ´e dada pelo ponto estacion´ario, isto ´e, dz
dt = 0, ou seja,
(1 γ)βzp= (1 γ)α zp=α
β.
A solu¸ao geral de (5.4) ´e a combina¸ao linear da solu¸ao particular com a solu¸ao da
homogˆenea. Logo,
z(t) = α
β+ceβ(1γ)t=α
βµ1 + cβ
αeβ(1γ)t.
Como p(t) = z(t)1γ, temos
p(t) = µα
β1
1γµ1 + cβ
αeβ(1γ)t1
1γ
(5.6)
Sabemos que p= limt→∞ p(t), e portanto,
p=µα
β1
1γ
.(5.7)
Considerando k=β(1 γ), podemos escrever (5.6) na forma simplificada:
p(t) = pµ1 + cβ
αekt1
1γ
.(5.8)
Como p(0) = p0,
p0=pµ1 + cβ
α1
1γ
=µp0
p1γ
= 1 + cβ
α=c=α
β"µp0
p1γ
1#.
298 Modelagem Matem´atica
Ent˜ao,
p(t) = pÃ1 + α
β"µp0
p1γ
1#β
αekt!1
1γ
.(5.9)
Simplificando, temos o modelo para crescimento em peso de emeas de peru:
p(t) = pÃ1 + "µp0
p1γ
1#ekt!1
1γ
.(5.10)
Estima¸ao dos parˆametros peγ
A tabela 5.2 fornece os dados experimentais do crescimento em peso da ave:
Idade Massa do macho Massa da emea
1 122 107
2 154 222
3 474 423
4 751 665
5 1148 971
6 1760 1466
7 2509 2079
8 3454 2745
9 4231 3495
10 5160 4194
11 6083 4870
12 6998 5519
13 7906 6141
14 8805 6732
15 9695 7290
16 10574 7813
17 11444 8299
18 12302 8744
19 13148
20 13982
Tabela 5.2: Dados experimentais do crescimento em peso de peruas.
Vamos analisar o crescimento da emea atrav´es do modelo generalizado de metabolismo
proposto (equa¸ao (5.10)).
Avalia¸ao do peso aximo p
Podemos estimar o valor do peso aximo do peru emea usando o etodo de Ford-
Walford. Tal etodo consiste em considerar pt=pt+1 quando o peso est´a estabilizado.
Rodney Carlos Bassanezi 299
Figura 5.5: Dados experimentais do peso da emea do peru.
Ajustamos linearmente os pontos ptept+1 e calculamos a intersec¸ao desta reta com a reta
pt=pt+1. Esse ponto de intersec¸ao ser´a o p, pois se o peso em dois instantes consecutivos
´e o mesmo, ´e sinal de que ao houve aumento de peso, o que o ocorre quando o valor do
peso est´a estabilizado. A equa¸ao da reta ajustada para os quatro ´ultimos valores de pt
(figura 5.6) ´e dada por
pt+1 = 0.9282pt+ 1044.1.
O ponto de intersec¸ao ´e calculado fazendo p= 0.9282p+ 1044.1p=1044.1
10.9282 '
14541.
Figura 5.6: alculo de pusando o etodo do Ford-Walford.
300 Modelagem Matem´atica
Estima¸ao do parˆametro de alometria γ
Pelos dados experimentais (vide figura 5.5), observamos a existˆencia de um ponto p
onde a varia¸ao ´e axima (ponto de inflex˜ao da curva). Neste caso, devemos ter d2p
dt2= 0.
Agora,
d2p
dt2=αγpγ1dp
dt βdp
dt .
E, portanto, no ponto de inflex˜ao p, temos
dp
dt ¡αγpγ1
β¢= 0.
Como a taxa de aumento de peso µdp
dt ´e considerada sempre positiva (a ave deve estar
sendo alimentada corretamente), temos que
αγpγ1
=βp1γ
γ=α
β.
Por outro lado de (5.7), vem que α
β=p1γ
. Logo,
p1γ
=p1γ
γµp
p1γ
=1
γ(1 γ) ln µp
p= ln µ1
γ
= ln µp
p=1
1γln µ1
γ.(5.11)
A express˜ao (5.11) fornece, implicitamente, o valor do parˆametro γdesde que pseja
conhecido.
Agora, dos dados experimentais podemos inferir que p'2745.
O valor de γpode ser obtido por etodos computacionais elementares optamos por
fazˆe-lo geometricamente calculando a intersec¸ao das curvas
y=1
1γln µ1
γey= ln µp
p.
de acordo com a figura 5.7.
Da figura 5.7 podemos tamb´em perceber que o valor de γ´e aproximadamente igual a
0.3. Usando o etodo de Newton para alculo de ra´ızes, obtemos γ= 0.32399.
Modelo com taxa de metabolismo vari´avel
Num modelo mais realista, devemos considerar a taxa de catabolismo βvari´avel com o
tempo, uma vez que quando a ave envelhece, a sua perda de energia tende a ser mais elevada
(hip´otese adicional).
Rodney Carlos Bassanezi 301
Figura 5.7: alculo geom´etrico do parˆametro γ.
Da equa¸ao (5.10), podemos explicitar βem fun¸ao de t:
p(t) = pµ1 + ·³p0
p´1γ1¸eβ(1γ)t1
1γ
³p
p´1γ1 = ·³p0
p´1γ1¸eβ(1γ)t
ln µ(p
p)1γ1
(p0
p)1γ1=β(1 γ)t.
Logo,
β=
ln µ(p
p)1γ1
(p0
p)1γ1
(1 γ)t.(5.12)
A figura 5.8 mostra a tendˆencia de βem fun¸ao de t, para cada tida tabela 5.2.
Observemos que a taxa βtende a se estabilizar com o tempo. Usando o etodo de
Ford-Walford para encontrar o valor aximo dessa taxa, obtemos o resultado exibido na
figura 5.9.
Logo,
βmax =0.014
10.8717 = 0.10912.
Com o ajuste exponencial assint´otico encontramos, finalmente, que β(t)=0.10912
0.1279e0.1397t. Assim, o modelo generalizado, considerando a taxa de metabolismo vari´avel,
´e dado por:
p(t) = pÃ1 + "µp0
p1γ
1#eβ(t)(1γ)t!1
1γ
(5.13)
302 Modelagem Matem´atica
Figura 5.8: Tendˆencia de crescimento de β.
Figura 5.9: alculo de βmax.
A figura 5.11 mostra a coerˆencia entre o modelo proposto e os dados experimentais.
Observa¸ao 5.1. A equa¸ao (5.13) foi obtida diretamente da generaliza¸ao das equa¸oes
(5.11 e 5.12). Vamos, a seguir, obter um modelo na forma de uma equa¸ao diferencial cuja
solu¸ao seja a express˜ao (5.13).
Express˜ao diferencial do modelo generalizado de metabolismo
Rodney Carlos Bassanezi 303
Figura 5.10: Ajuste exponencial de βmax βi.
centerline
Figura 5.11: Modelo generalizado do crescimento em peso do peru emea.
Derivando a express˜ao (5.13), obtemos
dp
dt =p
1
1γÃ1 + "µp0
p1γ
1#eβ(t)(1γ)t!1
1γ1
((1 γ)d(β(t)t)
dt "µp0
p1γ
1#eβ(t)(1γ)t);
304 Modelagem Matem´atica
dp
dt =
pµ1 + ·³p0
p´1γ1¸eβ(t)(1γ)t1
1γ
1 + ·³p0
p´1γ1¸eβ(t)(1γ)t×
×½d(β(t)t)
dt ·³p0
p´1γ1¸eβ(t)(1γ)t¾
De (5.13), µp
p1γ
=Ã1 + "µp0
p1γ
1#eβ(t)(1γ)t!
Logo,
dp
dt =p
³p
p´1γ½d(β(t)t)
dt ·³p
p´1γ1¸¾
dp
dt =d(β(t)t)
dt pγp1γ
"1µp
p1γ#
Finalmente, obtemos a equa¸ao
dp
dt =d(β(t)t)
dt £pγp1γ
p¤.(5.14)
Observa¸ao 5.2. Se β(t) = β, constante, ent˜ao o modelo (5.14) ´e o mesmo que o modelo
(5.8). Se β(t) = βconstante e γ=2
3, o modelo (5.14) se reduz ao modelo cl´assico de von
Bertalanffy (5.2), com α=βp1γ
.
Enterramento de larvas de moscas
O processo de enterramento de larvas de moscas do enero Calliphoridae (moscas vare-
jeiras) foi tema de estudo de um grupo de pesquisadores do Instituto de Biologia da UNI-
CAMP nos anos 1996/97. Baseados nos dados experimentais obtidos, publicamos na revista
cient´ıfica Men. Inst. Oswaldo Cruz ([6]) um trabalho de modelagem matem´atica, utilizando
equa¸oes de difus˜ao-advec¸ao para prever a dinˆamica de enterramento de tais larvas. O
trabalho consiste basicamente em estudar a dinˆamica de enterramento das larvas de trˆes
esp´ecies de moscas que depositam seus ovos em carca¸cas de animais mortos. Estes ovos
eclodindo ao origem `as larvas que se alimentam da carca¸ca at´e atingirem um certo est´agio
de seu desenvolvimento, ap´os o qual deixam a carca¸ca para se enterrarem onde ao com-
pletar outra fase de seu ciclo de desenvolvimento, atingindo o est´agio de pupa. O interesse
da modelagem est´a justamente nesta etapa em que a larva deixa a carca¸ca e se movimenta
at´e se enterrar em determinado lugar. Por motivos de maior simplicidade o experimento e a
modelagem foram feitos utilizando um espa¸co unidimensional, ou seja, a larva, ap´os deixar
Rodney Carlos Bassanezi 305
a carca¸ca, o podia caminhar em um sentido, para frente ou para tr´as, dentro de uma calha
onde a carca¸ca est´a localizada em uma das extremidades.
O experimento de laborat´orio consistiu-se em depositar ovos das tres esp´ecies de moscas
varejeiras, em uma carca¸ca colocada em uma das extremidades da calha. Quando as larvas
abandonaram a carca¸ca, foram observados e coletados os dados a respeito do umero de
larvas enterradas em cada posi¸ao, da seguinte forma: a calha, de 3m de comprimento foi
dividida em intervalos de 20 cm, ou seja, havia 15 posi¸oes nas quais as larvas poderiam
se enterrar.Terminado o processo de enterramento, foi contado o n´umero de larvas em cada
uma dessas posi¸oes, e os resultados obtidos, para as 3 esp´ecies, est˜ao resumidos nas figuras
5.12, 5.13 e 5.14.
No projeto de I.C. a proposta foi estudar o mesmo fenˆomeno com modelos mais simples,
ao inv´es de utilizarmos um modelo cont´ınuo, trabalhamos com equa¸oes de diferen¸cas e
simula¸oes. No modelo cont´ınuo, citado anteriormente ([6]), foram modelados os comporta-
mentos de larvas de trˆes esp´ecies do enero Calliphoridae, a saber: C. putoria, C. macellaria
eC. megacephala.
Figura 5.12: Enterramento de larvas da esp´ecie C. putoria de acordo com a posi¸ao na calha.
Dados obtidos experimentalmente.
Nossa inten¸ao foi propor um modelo discreto razo´avel para representar este fenˆomeno,
considerando o espa¸co unidimensional, que foi o mesmo utilizado no experimento, e depois
utilizar o computador para gerar simula¸oes, tamb´em como forma alternativa de estudar o
comportamento das larvas quando deixam a carca¸ca. As simula¸oes computacionais foram
realizadas para testar o modelo discreto.
306 Modelagem Matem´atica
Figura 5.13: Enterramento de larvas da esp´ecie C. macelaria de acordo com a posi¸ao na
calha.
Figura 5.14: Enterramento de larvas da esp´ecie C. megacephala de acordo com a posi¸ao na
calha.
Um modelo discreto simples
Inicialmente, propomos um modelo simples com a inten¸ao de desenvolver nosso estudo
a respeito da situa¸ao a ser modelada.
Rodney Carlos Bassanezi 307
No experimento de laborat´orio foram contadas 335 larvas enterradas no final do processo,
depois de 2 horas (tempo final do processo de enterramento).
No nosso caso modelo consideramos um umero inicial Nde larvas na carca¸ca.
Indicamos cada posi¸ao ocupada por Xi,i= 0,1,2,3,4..., considerando o intervalo
da posi¸ao iem que foi dividida a calha. O tempo, que tamb´em ´e considerado discreto,
indicamos por Tj, com j= 0,1,2,3,4. . ., com Pj=0 Tj= 2 horas.
Supomos que no tempo inicial T0as larvas est˜ao todas na superf´ıcie e na posi¸ao X0.
Indicamos por Ai,j o umero de larvas enterradas e de Ci,j o umero de larvas que est˜ao
na superf´ıcie, na posi¸ao Xie no tempo Tj.
Supomos tamb´em que a quantidade de larvas que se enterram numa posi¸ao, em cada
instante, seja proporcional `a quantidade que est´a na superf´ıcie. Assim, se temos Ci,j larvas
na superf´ıcie, na posi¸ao Xie no tempo Tj, ent˜ao a quantidade de larvas que se enterram
na posi¸ao Xie no tempo Tj+1 ser´a igual a αCi,j . De modo an´alogo vamos supor que ωseja
a propor¸ao de larvas que ficam paradas na mesma posi¸ao, ou seja, se movem sem mudar
de posi¸ao em uma unidade de tempo.
Seja ainda βa propor¸ao de larvas que ao para a direita, ou seja, se movem da posi¸ao
Xipara a posi¸ao Xi+1. Nesse modelo simples, vamos considerar tamb´em que as larvas, uma
vez em movimento, ao voltam para tr´as,ou seja, as larvas sempre se afastam da carca¸ca.
Esta ´ultima suposi¸ao ´e uma simplifica¸ao forte que ser´a modificada nos modelos seguintes.
A dinˆamica de movimento e enterramento das larvas ´e modelado pelo sistema de equa¸oes
de diferen¸cas:
(Ai,j+1 =Ai,j +αCi,j
Ci,j =λCi,j1+βCi1,j1.(5.15)
A primeira equa¸ao de (5.15) ´e interpretada da seguinte forma: a quantidade de larvas
enterradas na posi¸ao Xi, no tempo Tj+1 ´e igual `a quantidade de larvas que a estavam
enterradas nesta posi¸ao no instante anterior, acrescida de αvezes a quantidade de larvas
que estava na superf´ıcie desta posi¸ao no instante anterior. A segunda equa¸ao nos a a
quantidade de larvas na superf´ıcie na posi¸ao Xi, que ´e igual a λvezes a quantidade de
larvas que a estava ali no instante anterior mais βvezes o n´umero de larvas que estava na
posi¸ao anterior e caminharam uma posi¸ao para a direita.
O sistema (5.15) pode ser dado com apenas uma equa¸ao de diferen¸cas, basta substituir
a express˜ao de Ci,j da segunda equa¸ao na primeira. Assim, temos:
Ai,j+1 =Ai,j +αCi,j (λCi,j1+βCi1,j1).(5.16)
Vamos agora achar a solu¸ao da equa¸ao (5.16) recursivamente, lembrando que no in´ıcio
do processo C0,0=N. Temos ainda que Ci,j = 0 para i>j, pois ao podemos ter larvas
na superf´ıcie, em uma certa posi¸ao, se elas ao tiveram tempo para chegar at´e a.
308 Modelagem Matem´atica
Usando recursivamente a 2aequa¸ao de (5.15), temos:
C0,1=λC0,0+βC1,0=λC0,0=λN
C0,2=λC0,1+βC1,1=λ(λN ) = λ2N
.
.
.
C0,j =λjN
C1,1=λC1,0+βC0,0=βC0,0=βN
C1,2=λC1,1+βC0,1=λβN +βλN = 2βλN
C1,3=λC1,2+βC0,2=λ(2βλN) + β(λ2N) = 3βλ2N
.
.
.
C1,j =λj1N.
Da mesma forma obtemos:
C2,j =µj
2β2λj2N,
onde ¡j
2¢´e a combina¸ao de j, 2 a 2.
Uma forma geral para Ci,j ´e dada por:
Ci,j =µj
iβiλjiN. (5.17)
Agora que temos uma express˜ao para Ci,j em qualquer posi¸ao e instante, podemos us´a-
la na 1aequa¸ao do sistema (5.15) para obter uma express˜ao geral de Ai,j que ´e o total de
larvas enterradas em uma determinada posi¸ao e instante. Usando a express˜ao (5.17) em
(5.15), temos:
Ai,j =Ai,j1+αµj1
iβiλji1N. (5.18)
Lembramos que Ai,j = 0 para ij, e utilizando a ormula (5.18) recursivamente,
obtemos uma express˜ao geral para Ai,j :
A0,1=αN
A0,2=αN +αλN
.
.
.
A1,2=αβN
A1,3=αβN + 2αβλN
.
.
.
Ai,j =Pj
k=i+1 ¡k1
i¢αβiλki1N.
Rodney Carlos Bassanezi 309
A express˜ao de Ai,j nos fornece o umero total de larvas enterradas na posi¸ao Xiem
qualquer instante Tj, para i<j, supondo as propor¸oes α,βeλconhecidas, bem como o
umero inicial de larvas N.
Analisando mais detalhadamente as express˜oes para Ai,j , obtidas anteriormente, vemos
que
A0,n =αN +αλN +· ·· +αλn1N=αN Xλn
que converge para
αN 1λn
1λ=Nα
1λ.
A1,n =αβN Pn1αβN 1
(1λ)2
A2,n =αβ2NPn(n1)λn2
2αβ2N1
(1λ)3
Analisando os resultados acima podemos chegar a uma outra express˜ao para Ai,j ,ou
seja,
Ai,j =αβiNX
j>i
j(j1) . . . (ji+ 1)λj1
2(5.19)
Com (5.19) podemos calcular a convergˆencia de Ai,j , ou seja, podemos determinar o
total de larvas que se enterraram em uma determinada posi¸ao Xino final do processo.
Note que a express˜ao para Ai,j ´e a derivada da express˜ao para Ai,j1, dividida por j!
(j fatorial). Logo, esta convergir´a para a derivada daquela que vai conter o termo j! no
denominador, isto ´e, Ai,j converge para o valor αβiN1
(1λ)i+1 .
Devemos notar finalmente, que nas somat´orias jvai de iat´e , e que devemos somar
apenas para j > i (perceba que isto ao altera a convergˆencia da erie).
Dessa forma ilustramos como procedemos para chegar a uma solu¸ao do sistema (5.15),
lembrando que esse modelo ao inclui a possibilidade da larva voltar, ou seja, supomos que a
larva sempre se afasta da carca¸ca. Na realidade, embora a larva tenha mesmo uma tendˆencia
de se afastar maior do que a de retornar `a esquerda, o que acontece na realidade ´e que a
larva tem um movimento que podemos classificar como aleat´orio, ou seja, devemos incluir
tamb´em a possibilidade da larva se aproximar da carca¸ca.
Modelo discreto modificado
Vamos reformular o modelo (5.15) incluindo uma certa taxa de larvas que caminham em
dire¸ao da carca¸ca. A maneira mais simples de fazermos isso ´e considerar λcomo sendo a
propor¸ao de larvas que caminham em dire¸ao da carca¸ca e portanto ao teremos larvas que
ficam estacionadas em uma mesma posi¸ao. Essa suposi¸ao parece mais realista que a do
modelo anterior (5.15) pois, considerando o tamanho das posi¸oes pequeno suficiente, pode-
mos supor que, dependendo do intervalo de tempo Tj+1 Tj, a larva raramente permanecer´a
na mesma posi¸ao na superf´ıcies durante esse intervalo de tempo.
310 Modelagem Matem´atica
Considerando os coment´arios acima, podemos formular o seguinte modelo:
(Ai,j+1 =Ai,j +αCi,j
Ci,j =λCi+1,j1+βCi1,j1
(5.20)
O umero de larvas na posi¸ao Xie instante Tj´e proporcional ao umero de larvas na
posi¸ao anterior, βCi1,j1, e ao umero de larvas na posi¸ao posterior, λCi+1,j1.
A segunda equa¸ao do sistema (5.20) o ao se aplica para a posi¸ao X0, porque nesta
posi¸ao a larva ao pode voltar. Na posi¸ao X0todas as larvas que ao se enterram ao para
a pr´oxima posi¸ao. Para corrigir este fato, basta definir Ci,j = 0 para i < 0. Essa simples
modifica¸ao tornar´a o sistema (5.20) bem mais dif´ıcil de se solucionar recursivamente, sendo
assim, ao vamos resolvˆe-lo passo a passo como foi feito no caso anterior de forma ilustrativa,
mas enfatizamos que o etodo utilizado para se chegar `a solu¸ao foi idˆentico.
Uma outra forma que talvez torne a resolu¸ao mais acil e menos trabalhosa ´e simular
a evolu¸ao do processo passo a passo, ou seja, desenhamos em uma folha a calha com suas
posi¸oes, colocamos Nlarvas na posi¸ao inicial e no tempo inicial, e vamos registrando
manualmente quantas larvas se enterram e quantas est˜ao na superf´ıcie a cada etapa do
processo, depois tentamos deduzir uma ormula para o total de larvas enterradas em cada
posi¸ao, isto ´e, para Ai,j . Mas, qualquer que seja o etodo utilizado, a solu¸ao final ser´a a
mesma.
A express˜ao final para Ai,j se mostrou extremamente complicada e cheia de regras, por
este motivo nos limitaremos a apresentar aqui uma express˜ao exata para o enterramento
das larvas at´e o instante j=i+ 9. Com exce¸ao da posi¸ao X0, a ormula funciona at´e
o instante T11, mas ao funciona para o instante T1, quando, evidentemente, a quantidade
de larvas enterradas ´e αN . Apresentaremos, no entanto um etodo pr´atico, muito mais
simples que a ormula e que funciona sempre.
Seja Si,j o umero de larvas que se enterram na posi¸ao Xie no instante Tj, ent˜ao,
utilizando as suposi¸oes do sistema (5.20), teremos:
Si,j =αλj1i
2βi1(1 α)N"m
X
p=0
Yp(1 α)mpβp#(5.21)
sendo que
Yp=½µn
p+ (p1) ·µn1
p1+µn2
p2+µn3
p3¶¸+ (p2) ·µn2
p2+µn3
p3¶¸¾.
(5.22)
Restri¸oes `as ormulas (5.21) e (5.22):
Todas as quantidades com que trabalhamos nestas duas ´ultimas ormulas devem ser
umeros inteiros; Os umeros decimais devem ser substituidos para os inteiros mais
pr´oximos, enquanto que umeros negativos devem ser considerados como zero;
Rodney Carlos Bassanezi 311
Na express˜ao (5.21), m= (ji)/2, e portanto, devemos considerar apenas at´e m=4, a
que a ormula o ´e exata at´e o instante i+ 9, como foi dito acima. Lembramos, por´em,
que se o umero inicial de larvas Nao for muito grande (<1000), a quantidade de
larvas que se enterra ap´os o instante i+ 9 ´e bem pequena, podendo at´e ser desprezada;
A express˜ao (5.21) tem valor 0 para os casos em que ij; isto acontece porque
neste caso as larvas ao tiveram tempo para chegarem `a posi¸ao i; A express˜ao (5.21)
tamb´em tem valor 0 nos casos em que ji´e impar, pois nestas posi¸oes e tempos
ao a larvas na superf´ıcie para se enterrar. Para entender porque isto acontece, basta
notar que se tivermos Nlarvas em uma determinada posi¸ao, no pr´oximo instante
todas sair˜aodesta posi¸ao, pois assumimos que as larvas ao ficam paradas, e assim,
a posi¸ao ficar´a vazia e nenhuma larva pode se enterrar no pr´oximo instante naquela
posi¸ao.
Na express˜ao (5.22), n=(i+j)
21 e devemos considerar o binˆomio de Newton igual
a zero quando (pa)0, a= 1.2,3, mesmo que na realidade o valor desse binˆomio,
nesse caso, ao seja zero;
Lembramos que S0,1´e dado por αN e ao pela express˜ao (5.21);
Observando as restri¸oes anteriores, podemos concluir que
Ai,j =
j
X
k=0
Si,k (5.23)
nos a o total de larvas enterradas na posi¸ao Xie no instante Tj. Observamos
novamente que a ormula (5.21) para Si,j ´e trabalhosa al´em de ao ser exata para
determinados valores de k, por isso apresentaremos outro etodo que tem a vantagem
de, al´em de ser exato, ´e bem mais simples para se calcular Si,j .
Resolu¸ao pelo triˆangulo de Pascal
Primeiramente constroi-se o triˆangulo num´erico mostrado abaixo, que ´e muito semelhante
ao “triˆangulo de Pascal”, e de acil constru¸ao:
u/p 0 1 2 3 4 5 6
0 1 0
1 1 1 0
2 1 2 2 0
3 1 3 5 5 0
4 1 4 9 14 14 0
5 1 5 14 28 42 42 0
6 1 6 20 48 90 132 132
Nomeamos as linhas de ue as colunas de pe cada elemento Yu,p ´e dado por:
Yu,p =Yu,p1+Yu1,p.(5.24)
312 Modelagem Matem´atica
Na verdade, a constru¸ao deste triˆangulo ´e para facilitar o alculo de Yp, que agora
chamaremos de Yu,p. O que vamos fazer em seguida ´e utilizar esse triˆangulo para facilitar o
alculo de Si,j .
Seja a equa¸ao (5.21)
Si,j =αλj1i
2βi1(1 α)N"m
X
p=0
Yu,p(1 α)mpβp#,
onde o termo Yu,p ´e o valor encontrado na uesima linha e pesima coluna do triˆangulo com
u=i+j
21 e m=j1
2, sendo que uemdevem ser umeros inteiros.
Esse etodo ao funciona para a posi¸ao X0mas, nesse caso, Yu,p ´e o mesmo da posi¸ao
X1, ent˜ao basta calcular Yu,p considerando i= 1. O que mudou neste etodo foi somente a
forma para se calcular o coeficiente Ypda express˜ao (5.21), portanto a solu¸ao geral continua
sendo a express˜ao (5.23). Assim, resolvemos o sistema (5.20), faltando agora atribuir valores
razo´aveis aos parˆametros α, β eλpara que os resultados sejam representativos da realidade.
Este, por´em, ´e um problema que podemos tentar resolver atrav´es de simula¸oes, isto ´e,
atribu´ımos valores a esses parˆametros e fazemos simula¸oes para test´a-los. Para que nosso
modelo se aproxime mais do fenˆomeno real, podemos transformar esses parˆametros, que
at´e agora foram entendidos como propor¸oes, em probabilidades, ou mais que isso, essas
probabilidades podem ser fun¸oes da posi¸ao ou do tempo, afinal, faz sentido pensar, por
exemplo, que a probabilidade da larva se enterrar em determinado local ´e tanto maior quanto
mais longe estiver da carca¸ca.
Simula¸oes
Com o objetivo de testarmos a efic´acia de nosso modelo anterior, decidimos fazer sim-
ula¸oes, atribuindo valores aos parˆametros α,βeλ. Como estamos agora trabalhando com
probabilidades e simula¸oes, podemos dar quaisquer valores a estes parˆametros, no entanto
parece muito ´obvio que estes valores ao devem ser constantes pelo pr´oprio comportamento
dos dados experimentais mostrados nas figuras 5.12, 5.13 e 5.14. Observando, por exem-
plo, os dados da mosca C. Putoria podemos notar que as larvas se concentram perto da
carca¸ca, diminuindo rapidamente e depois aumentando a concentra¸ao, atingindo um ponto
de aximo por volta da posi¸ao 18 e ent˜ao diminuindo novamente. Com base neste fato e
no resultado do modelo cont´ınuo em quest˜ao [6], achamos por bem utilizar em nossa sim-
ula¸ao uma fun¸ao trigonom´etrica para descrever α. Ainda assim, pelas facilidades que
os etodos computacionais nos oferecem, resolvemos fazer diversas simula¸oes para testar
diversas fun¸oes para as probabilidades. Todas estas simula¸oes foram feitas com base no
experimento cujo resultado ´e mostrado na figura 5.15, isto ´e, foi criado um vetor de 15
posi¸oes, sendo que na posi¸ao zero estava a carca¸ca e as larva eram postas inicialmente na
posi¸ao 1. Foram tamb´em contados os instantes de tempos, para que pud´essemos saber em
que instante todas as larvas estavam enterradas. Estas simula¸oes foram feitas no programa
Minitab 10.
Um das propostas mais simples para as probabilidades de movimenta¸ao das larvas ´e que
elas sejam fun¸oes constantes. Com o objetivo de testar essa id´eia, relizamos tais simula¸oes
Rodney Carlos Bassanezi 313
e depois de acertar os parˆametros, obtivemos o resultado mostrado na Figura 5.15.
Figura 5.15: Simula¸ao do enterramento de larvas com probabilidades constantes.
Al´em das suposi¸oes gerais descritas anteriormente, nesta simula¸ao inclu´ımos um
parˆametro θque definimos como sendo a probabilidade de a larva ficar parada em uma
mesma posi¸ao. Utilizamos os seguintes valores para cada probabilidade: α= 0.07, β= 0.48,
λ= 0.25 e θ= 0.2.
O gr´afico da figura 5.16 foi baseado na edia de trˆes simula¸oes com tempo edio de
91 unidades para cada simula¸ao. Observamos que, fazendo as probabilidades constantes, o
resultado apresenta um decrescimento constante no umero de larvas enterradas de acordo
com a posi¸ao, e tal decrescimento ´e relativamente lento se comparado com os dados experi-
mentais. Como se pode notar essa simula¸ao representou razoavelmente o enterramento das
larvas da esp´ecie C. macellaria (figura 5.13).
A figura 5.16 mostra a distribui¸ao do umero de passos (mudan¸ca de posi¸ao) dados
pelas larvas at´e se enterrarem. A grande maioria das larvas deu menos que vinte passos
antes de se enterrarem e tamem houve larvas que caminharam mais de 60 passos. Na
edia foram observados 15.08 passos por larva.
´
E mais realista supormos que essas probabilidades variam de alguma forma. Assim,
podemos fazer simula¸oes com a probabilidade de enterramento crescendo com o tempo, ou
com a posi¸ao. Tamb´em seria interessante tentarmos fazer a probabilidade de se distanciar
da carca¸ca diminuir com a distˆancia da carca¸ca e o contr´ario, com a probabilidade de ir
314 Modelagem Matem´atica
Figura 5.16: Histograma de distribui¸ao dos passos dados pelas larvas na simula¸ao.
em dire¸ao `a carca¸ca.. Quando pensamos em fazer estas probabilidades vari´aveis acabamos
por ter trˆes vari´aveis que podem ser usadas separadamente ou em conjunto: o tempo, o
espa¸co (posi¸ao que a larva ocupa) e o umero de larvas enterradas na posi¸ao em que a
larva est´a. Por exemplo, podemos querer simular uma situa¸ao em que a probabilidade de
enterramento das larvas diminui com o umero de larvas enterradas naquela posi¸ao, ou
ent˜ao que a probabilidade de enterramento das larvas diminui com a posi¸ao, aumenta com
o tempo e diminui com o umero de larvas a enterradas naquela posi¸ao. Dessa forma,
temos muitas possibilidades de simula¸ao e nos limitamos a apresentar os resultados cuja
varia¸ao das probabilidades ao mais condizentes com a realidade.
Na figura 5.17 mostramos o resultado de uma simula¸ao onde supomos que as larvas
enterradas em determinada posi¸ao inibe o enterramento de outras larvas na mesma posi¸ao,
ou seja, as larvas preferem posi¸oes mais vazias. Tamb´em aqui supomos que o afastamento
da carca¸ca faz aumentar a tendˆencia da larva voltar em dire¸ao `a carca¸ca; enquanto a larva
est´a pr´oxima da carca¸ca ela tem uma tendˆencia grande de se afastar e a medida que a
larva vai se afastando aumenta a aleatoriedade do seu movimento. Esta simula¸ao levou 36
unidades de tempo para se completar.
Outros tipos de simula¸oes com o modelo foram feitos mas achamos por bem ao de-
screvˆe-los aqui.
Rodney Carlos Bassanezi 315
Figura 5.17: Simula¸ao de enterramento de larvas. αvaria de 0 a 0.18, diminuindo quanto
maior ´e o umero de larvas enterradas na posi¸ao; βvaria de 0.54 a 0.72, aumentando com
o umero de larvas enterradas na posi¸ao; λvaria de 0.1 a 0.2, aumentando com o aumento
da distˆancia da carca¸ca e θvaria de 0.08 a 0.18 diminuindo com a posi¸ao.
Um Modelo Estoc´astico
Como ´e mais ou menos evidente que os parˆametros do modelo anterior ao devam ser
constantes pelos pr´oprios resultados das simula¸oes, resolvemos tentar encontrar uma ex-
press˜ao para a probabilidade de enterramento. Vamos desenvolver um etodo interessante
e relativamente simples para encontrarmos uma express˜ao para esta probabilidade e que
tenha significado biol´ogico.
Inicialmente, supomos que existem lugares mais apropriados para que uma larva se en-
terre, por exemplo, a larva talvez ao se enterre em lugares pedregosos, de solo compacto,
ocupado por um determinado vegetal ou qualquer coisa sobre a superf´ıcie que a atrapalhe,
ou at´e mesmo em lugares onde a tenham se enterrado previamente outras larvas. No fundo,
o que supomos aqui ´e que existem lugares apropriados para que as larvas se enterrem e elas
procuram por estes lugares. Ou seja, a escolha de um lugar para se enterrar ao ´e comple-
tamente aleat´oria. Dessa forma, uma determinada larva se enterrar´a se encontrar um local
apropriado e, a probabilidade de que a larva se enterre se torna agora a probabilidade de
que ela encontre um local apropriado. O umero de encontros de locais apropriados pode
ser modelado por
Ne=αS(t)P(t),(5.25)
316 Modelagem Matem´atica
onde Ne´e o n´umero de encontro de locais apropriados, P(t)´e o umero de locais apropriados
existentes no instante t, e α´e uma constante de eficiˆencia de procura pelas larvas.
Para se ter uma express˜ao para a probabilidade de enterramento, vamos usar a dis-
tribui¸ao de Poisson. Esta distribui¸ao, pode ser utilizada para descrever a ocorrˆencia de
eventos aleat´orios e discretos, como o encontro de lugares apropriados pelas larvas. Assim,
a probabilidade de que ocorram neventos ´e dada por:
P(n)=µn
n!eµonde µ´e a edia de acontecimentos.(5.26)
A express˜ao acima nos fornece a probabilidade de que ocorram nencontros de lugares
apropriados por cada larva. No caso do encontro entre as larvas e locais de enterramento,
podemos dizer que
µ=Ne
S(t)
=αS(t)P(t)
S(t)
(5.27)
Observamos que o umero de locais apropriados P(t)para o enterramento de larvas no
instante t, decresce conforme as larvas se enterram, ou seja, quando aumenta o umero de
larvas enterradas A(t).
Seja Po umero total de locais apropriados para o enterramento das larvas ent˜ao,
P(t)=PA(t)eαP(t)=αP µ1A(t)
P=κE(t).(5.28)
com, κ=aP eE(t)= 1 A(t)
P.
Podemos dizer que E(t)´e o termo que indica o grau de facilidade da larva em encontrar
uma posi¸ao para se enterrar e este termo varia entre N/P e 1.
E(t)pode ser relacionado com a exigˆencia das larvas em se enterrar em locais melhores.
Se, por exemplo, colocarmos P=N, estamos supondo que as larvas em uma exigˆencia
maior poss´ıvel, ou seja, ´e como se elas tivessem que localizar as Nmelhores posi¸oes dentre
todas dispon´ıveis. Aumentando Pestar´ıamos diminuindo o grau de exigˆencia das larvas.
Se colocarmos Pmuito maior que N, teremos que as ´ultimas larvas teriam ainda muita
facilidade para encontrar posi¸oes apropriadas. Agora, substituindo κE(t) na vari´avel de
Poisson e fazendo n= 0 obtemos a probabilidade de que uma determinada larva ao encontre
um local apropriado para se enterrar, em um determinado instante de tempo, que ´e a
probabilidade de que a larva continue na superf´ıcie. Este valor ´e dado por
P(0) =eκE(t)(κE(t))0
0! =eκE(t).(5.29)
Portanto a probabilidade de enterramento das larvas ser´a: (1 eκE(t)); Podemos aplic´a-
la em nosso modelo matem´atico como sendo o parˆametro α. Logo, o modelo ´e dado pelo
sistema (Ax,t =Ax,t1+Sx,t1(1 eκE(t))
Sx,t1=βSx+1,t2+λSx1,t2.(5.30)
Rodney Carlos Bassanezi 317
onde βeλao fun¸oes de ta se determinar pois (1 eκE(t)) + β+λ= 1. Note que
fazendo isto o nosso problema, que era linear, passou a ser ao linear sendo portanto de
dif´ıcil resolu¸ao anal´ıtica. No entanto ´e bem acil analisar o comportamento do sistema
(5.30) atrav´es de simula¸oes, e isto ´e o que mostramos a seguir.
Simula¸oes
Com o objetivo de estudar o comportamento do sistema de equa¸oes (5.30), fizemos
arias simula¸oes utilizando as hip´oteses deste sistema. Primeiramente tivemos que achar
alguma fun¸ao para as probabilidades de movimenta¸ao das larvas para a direita e esquerda
(βeλ), tal que estas probabilidades, juntamente com a probabilidade de enterramento
somassem 1. No experimento em laborat´orio com as larvas, observou-se que estas tendem
muito mais a caminharem para longe da carca¸ca (para a direita), principalmente nas posi¸oes
iniciais. Assim achamos interessante fazer com que a probabilidade de ir para a direita fosse
axima na posi¸ao 1 e m´ınima na posi¸ao 15. ao foi criada propriamente uma fun¸ao para
estas duas probabilidades, porque nosso objetivo ao era mais resolver o sistema anterior.
Utilizamos um procedimento mais simples: em um primeiro passo a larva se enterrava ou
ao. Num segundo passo, se a larva ao se enterrou ainda, ela ia para esquerda ou para
a direita. As decis˜oes nos passos 1 e 2 eram tomadas com base na gera¸ao de n´umeros
uniformemente distribu´ıdos entre 0 e 1. Se a larva ao se enterrou ela poderia ir para a
direita ou para a esquerda com probabilidades que somavam 1, sendo que a probabilidade
de ir para a direita decrescia linearmente de 1 a 0.5 e a de ir para a esquerda crescia de
zero a 0.5, tamb´em linearmente, de modo que as duas probabilidades sempre somassem 1.
A probabilidade de enterramento sempre foi dada pela express˜ao
(1 eκ(1A(t)
P))
e nosso objetivo nas simula¸oes foi descobrir quais os valores dos parˆametros κePque
melhor se ajustavam a cada tipo de larva.
Embora tenhamos testados diversos valores de Peκ, a simula¸ao apresentada na
Fig.5.16 foi a que melhor representou a larva C. putoria, com um comportamento bastante
oscilat´orio.
Utilizamos nesta simula¸ao κ=0.3 e P=350, ou seja, supomos que as larvas em um alto
n´ıvel de exigˆencia em rela¸ao ao local onde se enterrar. Foi calculada uma edia do umero
de passos dados por cada larva, que neste caso foi de 10.91 passos.
Uma simula¸ao que representou razoavelmente a larva da esp´ecie C. macellaria est´a
representada no gr´afico da figura 5.19. Observe que neste caso, obtivemos uma oscila¸ao
bem menor que no caso da figura 5.17, o ponto de aximo na posi¸ao 8 ´e bem inferior ao
da figura 5.18. Utilizamos o mesmo valor para o parˆametro κmas aumentamos o valor de
P, o que pode ser interpretado como uma esp´ecie de larva menos seletiva e menos eficiente,
que busca menos por posi¸oes apropriadas para seu enterramento. Menos eficiente porque
κ=αP e, mantendo κconstante com o aumento de Ptemos que diminuir o valor de α,
que representa a eficiˆencia da larva na localiza¸ao de posi¸oes apropriadas. Neste caso, o
umero edio foi de 6.74 passos por larva.
318 Modelagem Matem´atica
Figura 5.18: Simula¸ao do enterramento de 335 larvas utilizando λ= 0.3 e P= 350 (C.
putoria).
Figura 5.19: Simula¸ao do enterramento de 335 larvas utilizando λ= 0.3 e P= 450 (C.
macelaria).
Na figura 5.20 aparece o resultado de uma simula¸ao onde mantivemos o valor de κe
aumentamos ainda mais o valor de Ppara 600, ou seja, quase o dobro do umero de larvas.
Agora temos um enterramento parecido com o da larva C. Megacephala, praticamente sem
Rodney Carlos Bassanezi 319
oscila¸oes. Esta simula¸ao se concluiu com 5.29 passos por larva, em edia. Neste caso,
com o aumento no valor de Psimulamos uma larva menos exigente e menos eficiente na
procura de posi¸oes onde se enterrar.
Figura 5.20: Simula¸ao do enterramento de 335 larvas utilizando λ= 0.3 e P= 600 (C.
megacephala ).
O umero edio de passos dado por uma larva ´e uma medida importante nas nossas
simula¸oes pois atrav´es deste indicador podemos fazer suposi¸oes acerca das diversas esp´ecies
de larvas. Por exemplo, o fato de uma larva ter se movimentado mais pode significar que
sua esp´ecie ´e mais exigente em termos de solo e condi¸oes de enterramento.
5.2.3 Considera¸oes
O trabalho sobre enterramento de larvas foi desenvolvido com o objetivo de estudar
o comportamento de um fenˆomeno biol´ogico sob arias formas, usando a simplicidade e
objetividade, sem no entanto fugir da realidade do problema.
Num primeiro momento utilizamos um modelo simples de equa¸oes de diferen¸cas parciais,
do qual obtivemos uma solu¸ao anal´ıtica com relativa facilidade. O fato de ao termos levado
em conta a probabilidade de que a larva voltasse em dire¸ao `a carca¸ca foi considerado
representativo da realidade por profissionais do departamento de Biologia da Unicamp. Na
realidade, segundo eles, no experimento observou-se um umero pequeno de larvas que
voltaram em dire¸ao `a carca¸ca e isto pode ter ocorrido porque o ambiente do experimento
era bem diferente da realidade (principalmente pelas limita¸oes espaciais).
Depois inclu´ımos no sistema a probabilidade de que a larva volte em dire¸ao `a carca¸ca.
Neste caso, tentamos aproximar mais o modelo da suposta realidade, o que acabou por com-
plicar sua resolu¸ao anal´ıtica. Embora ambos os modelos determin´ısticos propostos tivessem
ainda a simplifica¸ao demasiada das probabilidades constantes, suas formula¸oes e resulta-
320 Modelagem Matem´atica
dos foram considerados interessantes. O modelo modificado, por ser formulado atrav´es de
equa¸oes de diferen¸cas parciais, o acr´escimo de parˆametros probabil´ısticos ao constantes
acabou por dificultar muito e at´e impossibilitar o encontro de solu¸oes anal´ıticas. Assim,
com a finalidade de se estudar o comportamento do mesmo modelo com fun¸oes proba-
bil´ısticas vari´aveis decidimos optar pelas simula¸oes, onde fizemos diversas generaliza¸oes
do modelo e as estudamos em termos de seus resultados . Mostramos praticamente todos os
resultados embora alguns deles ao representassem o experimento realizado, pois achamos
que, al´em de interessantes, ao pod´ıamos descart´a-los, visto que mesmos o experimento
de laborat´orio nos a um resultado de certa forma probabil´ıstico e assim, na realiza¸ao de
outros experimentos em laborat´orio poderia se encontrar outros resultados.
Por fim, o uso intenso de parˆametros e fun¸oes probabil´ısticas fizeram com que
tent´assemos modelar o mesmo fenˆomeno estocasticamente. Utilizando a distribui¸ao Bi-
nomial e a de Poisson, chegamos a um processo markoviano que modelou de forma inter-
essante o umero total de larvas na superf´ıcie independentemente de sua posi¸ao. Quando
consider´avamos as posi¸oes, o sistema se tornava bem mais complicado, envolvendo mais de
uma cadeia de Markov ou uma cadeia de Markov cujo espa¸co de estado ao ´e unidimensional.
Mas, independente da resolu¸ao do modelo, conseguimos uma express˜ao para a probabilidade
de enterramento, bem fiel `a realidade, por ao ser constante. Utilizamos esta express˜ao no se-
gundo modelo discreto de equa¸oes de diferen¸cas parciais e embora ao pud´essemos resolver
o sistema ao linear resultante, pudemos simul´a-lo e, variando os parˆametros, conseguimos
resultados semelhantes ao experimento realizado. O relacionamento destes parˆametros pela
adequa¸ao do local onde ao se enterrar nos possibilitou diferenciar as trˆes esp´ecies quanto
suas exigˆencias, que, segundo nosso modelo final, ´e o que diferencia o comportamento dentre
as esp´ecies consideradas.
Tamb´em estudamos a cadeia de Markov relacionada `a quantidade de larvas na superf´ıcie
do terreno e obtivemos a distribui¸ao do umero de larvas na superf´ıcie nos diversos instantes
de tempo.
Concluindo, o modelo final fez com que interagissem entre si trˆes ramos da matem´atica.
Utilizando os conhecimentos da matem´atica aplicada propusemos uma formula¸ao para o
problema atrav´es de um sistema de equa¸oes de diferen¸cas parciais. Com conhecimentos
probabil´ısticos (processos estoasticos) melhoramos o modelo matem´atico inserindo em seu
contexto mais realidade. O sistema resultante ficou intrat´avel analiticamente e as simula¸oes
num´ericas nos proporcionaram um meio de visualizarmos sua solu¸ao.
Podemos dizer por fim que uma poss´ıvel explica¸ao para as diferen¸cas nas figuras 5.18,
5.19 e 5.20 se deve est´a no fato de que as larvas ao diferentes em termos de exigˆencia
e de eficiˆencia em rela¸ao a localiza¸ao de posi¸oes adequadas para seu enterramento. ´
E
interessante notar que conseguimos isto usando equa¸oes matem´aticas e estoc´asticas com
um problema espec´ıfico da ´area de Biologia!
Salientamos que este projeto de Inicia¸ao Cient´ıfica foi desenvolvido por 2 alunos do
curso de Estat´ıstica, o que ocasionou o direcionamento e formula¸ao de modelos enfatizando
a estocaticidade do fenˆomeno. Se fossem alunos de ısica ou Qu´ımica, provavelmente os
rumos seriam outros.
Rodney Carlos Bassanezi 321
5.3 Inicia¸ao Cient´ıfica em outros pa´ıses
Em muitos pa´ıses foram criados grupos de trabalho com o objetivo de desenvolver mod-
elos matem´aticos, como material did´atico, para serem utilizados em projetos de Inicia¸ao
Cient´ıfica. Daremos aqui os grupos mais conhecidos, citados por Blum ([11]):
1. Estados Unidos:
High School Mathematics and its Applications Project (HIMAP), e o Under-
graduate Mathematics and its Applications Project (UMAP), ambos coordenados
e publicados pelo Consortium for Mathematics and its Applications (COMAP),
dirigido por Solomon Garfunkel e Laurie Aragon.
University of Chicago School Mathematics Project (UCSMP), dirigido por Zal-
man Usiskin.
Committee on Enrichment Modules e seu continuador Contemporary Applied
Mathematics, dirigido por Clifford Sloyer na University of Delaware.
2. Gr˜a-Bretanha:
Shell Centre for Mathematical Education, University of Nottingham, dirigido por
Hugh Burkhardt, Rosemary Fraser et al.
Spode Group e o Centre for lnnovations in Mathematics Teaching da University
of Exeter, dirigido por David Burghes.
The Mathematics Applicable Project, dirigido por Christopher Ormell na Uni-
versity of East Anglia.
3. Australia:
The Mathematics in Society Project (MISP), um projeto internacional baseado
na Australia e dirigido por Alan Rogerson.
4. Holanda:
HEMET Project no O.W. & O.C. Institute, University of Ultrecht.
5. Alemanha:
Mathematikunterrichts-Einheiten-Datei (MUED), que ´e uma associa¸ao com-
posta principalmente de professores.
Al´em desses projetos existem in´umeras contribui¸oes individuais em toda parte do
mundo. No que se refere ao Brasil, estamos organizando no IMECC–UNICAMP um banco
de modelos para atender a todos os usu´arios, no futuro via Internet, e desde a o leitor est´a
convidado a dar sua contribui¸ao!
Referˆencias Bibliogr´aficas
[1] Abell, M. L. & Braselton, J. R., Differential Equations with Mathematica (internet).
[2] Anderson, R. M. & May, R. M., Infectious Diseases of Humans: Dynamics and Control.
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Arica”, Relat´orio ecnico 8, IMECC, 1987.
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terciˆencia, S. Paulo, 1984.
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322
Rodney Carlos Bassanezi 323
[15] Franchi, R. H., A modelagem como estrat´egia de aprendizagem do alculo diferencial e
integral nos cursos de Engenharia, Disserta¸ao de Mestrado, UNESP, Rio Claro, 1993.
[16] Garding, L., Encontro com a matem´atica, Ed. Univ. de Bras´ılia, Bras´ılia, 1981.
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“Os umeros na hist´oria da civiliza¸ao”, “Brincando com umeros” (1992) e “A enu-
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Matem´atica, Ed. Scipioni, S. Paulo, (1998).
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Matem´atica. Tese de Doutorado, FE-UNICAMP, 1993.
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[28] Ross, S., Introduction to probability models, Acad. Press, 1997.
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[30] Struik, D. J., A Concise History of Mathematics, Ed. Dover, 1948.
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[32] Taylor, H. M. & Karlin, S., An introduction to stochastic modeling, Acad. Press, 1994.
324 Modelagem Matem´atica
[33] Trotta, F., Imenes, L. M. P., Jakubovic, J., Matem´atica Aplicada, 2ograu, 3 vols., Ed.
Moderna, S. Paulo, (l979).
[34] von Zuben et alli, Theorectical approaches to forensic entomology: II Mathematical
model of larval development. J. Applied Entomology, 122, 1998. pp. 275–278.
Cap´ıtulo 6
Evolu¸ao de Modelos
“Os modelos quantitativos ao uma ferramenta potente pois se prestam para
descrever e predizer o comportamento da natureza. Sua nobreza reside em
instigar a intui¸ao e enriquecer a especula¸ao.”
M. Petrere Jr., 1992
6.1 Introdu¸ao
Vimos, atrav´es de alguns exemplos ao longo do livro, a importˆancia da analogia no
processo de modelagem, o que implica naturalmente, que conhecimentos adquiridos numa
determinada ´area podem ser transferidos para outras ´areas. Em termos de equa¸oes varia-
cionais (diferenciais ou de diferen¸cas) esta implica¸ao ´e evidenciada em muitas situa¸oes,
indicando que um bom modelador deve, antes de mais nada, conhecer os modelos cl´assicos
da literatura mesmo porque uma ´unica equa¸ao ou sistema pode servir para modelar
situa¸oes de naturezas completamente diversas.
Neste cap´ıtulo a ˆenfase ser´a dada na evolu¸ao ou modifica¸ao dos modelos. Lembramos,
mais uma vez, que um modelo matem´atico de uma situa¸ao ´e uma representa¸ao simb´olica
envolvendo uma formula¸ao matem´atica abstrata. Uma formula¸ao matem´atica somente
se torna um modelo quando as vari´aveis interrelacionadas em significados pr´oprios prove-
nientes da situa¸ao modelada.
Um modelo matem´atico ´e considerado adequado quando for sastisfat´orio na opini˜ao do
seu modelador, o que torna qualquer modelo matem´atico vulner´avel e sempre pass´ıvel de
ser modificado e esta ´e uma das caracter´ısticas mais importantes da modelagem.
No estudo de fenˆomenos biol´ogicos em que as vari´aveis ao abundantes, a utiliza¸ao da
modelagem matem´atica nem sempre tem sido bem aceita pelos bi´ologos. Essa rejei¸ao pode
ser explicada por dois fatores: os modelos, naturalmente, ao contemplam todas as vari´aveis
observadas e, muitas vezes, ao esquematiza¸oes criadas antes ou independentemente da
an´alise dos fenˆomenos biol´ogicos. Por outro lado, atualmente, os pesquisadores mais jovens
ao os que demonstram maior entusiasmo com o uso de modelos matem´aticos em suas
pesquisas.
De qualquer forma, pode-se dizer que o emprego de ferramentas matem´aticas na ilus-
tra¸ao de fenˆomenos e na formula¸ao de leis em Biologia est´a apenas em sua fase inicial
325
326 Modelagem Matem´atica
muito distante do desenvolvimento da Matem´atica e seu uso na ısica e que ao pode
ser descartado, pois pode vir a ser indispens´avel no futuro das ciˆencias biol´ogicas.
Nosso objetivo aqui ´e apenas refor¸car um pouco mais a aproxima¸ao prof´ıcua de
Matem´atica e Biologia procurando motivar alunos e professores de Matem´atica para que
se interessem pelo estudo de modelos simples (ou did´aticos), baseados em poucas vari´aveis
e suposi¸oes, que, mais tarde, lhes permitam formular modelos mais complexos relacionados
a fenˆomenos biol´ogicos intrigantes, os chamados modelos pr´aticos ou realistas.
Para o trabalho com modelos com poucas vari´aveis sugerimos a op¸ao pelos deter-
min´ısticos (baseados em equa¸oes diferenciais ordin´arias ou de diferen¸cas).
Os modelos pr´aticos, que envolvem interrela¸oes de um grande umero de vari´aveis, por
sua vez, ao formulados atrav´es de um sistema de equa¸oes que contemplam numerosos
parˆametros.
Nestes casos, um tratamento anal´ıtico ´e geralmente imposs´ıvel e os etodos de resolu¸oes
devem ser computacionais. E, quanto mais complexo ou realista for o modelo, mais dif´ıcil
ser´a mostrar estatisticamente que ele descreve a realidade! Os modelos “realistas” tendem a
empregar equa¸oes estoc´asticas em suas formula¸oes muito mais complexas e dependentes
de etodos computacionais sofisticados.
Uma outra alternativa, mais recente e talvez mais pr´atica e simples, ´e empregar modelos
variacionais fuzzy, onde as vari´aveis e/ou os parˆametros ao considerados como conjuntos que
exibem o grau de pertinˆencia de seus elementos e portanto, a subjetividade vem embutida
no pr´oprio conceito de vari´avel ou dos parˆametros.
De qualquer forma, os modelos determin´ısticos, embora ao descrevam precisamente
a realidade, podem ser abalizadores de muitos modelos estoc´asticos ou fuzzy. Quando se
trabalha com uma amostra grande de indiv´ıduos, pode-se dizer que o processo segue uma
trajet´oria determin´ıstica que representa a edia dos caso isolados. Nos modelos fuzzy, a
solu¸ao determin´ıstica ´e a “preferida” [1].
6.2 Modelos Determin´ısticos de Popula¸oes Iso-
ladas
O estudo da dinˆamica populacional a uma ide´ıa do processo de evolu¸ao dos modelos
empregados. Os biossistemas ao quase sempre constituidos de um grande umero de pop-
ula¸oes interrelacionadas. Assim, uma popula¸ao raramente pode ser considerada isolada,
a ao ser em condi¸oes ideais de laborat´orio ou quando ao ´e possivel individualizar no
biossistema outra popula¸ao interagindo com a primeira. Mesmo na an´alise de popula¸oes
isoladas, muitos fatores podem contribuir com sua dinˆamica fatores abi´oticos (temper-
atura, vento, humidade etc.) e fatores de auto-regula¸ao (espa¸co, alimento, idade, guerra
etc).
A apredizagem com modelagem, tanto do fenˆomeno quanto da pr´opria matem´atica, con-
siste em utilizar gradativamente cada fator que interfere no fenˆomeno, dependendo de seu
Rodney Carlos Bassanezi 327
grau de importˆancia. Em termos pr´aticos, a busca de generaliza¸oes deve ser adotada en-
quanto conseguirmos testar ou medir o grau de influˆencia e sensibilidade de cada fator uti-
lizado nos modelos. Um atalho para o entendimento da dinˆamica populacional ´e considerar
que as popula¸oes interagem para persistirem, e para tal necessitam aumentar.
A proposta de utiliza¸ao da matem´atica para estabelecer um modelo para o crescimento
de uma popula¸ao humana come¸cou com o economista inglˆes T. R. Malthus (An Essay on
the Principle of Population, 1798).
Seu “modelo” ´e baseado em dois postulados:
1. “O alimento ´e necess´ario `a subsistˆencia do homem”;
2. “A paix˜ao entre os sexos ´e necess´aria e dever´a permanecer aproximadamente em seu
estado permanente”.
Supondo, ent˜ao, que tais postulados estejam garantidos, Malthus afirma que “a capaci-
dade de reprodu¸ao do homem ´e superior `a capacidade da terra de produzir meios para sua
subsistˆencia e, a inibi¸ao do crescimento populacional ´e devida `a disponibilidade de alimen-
tos. A popula¸ao quando ao obstaculizada (unchecked ), aumenta a uma raz˜ao geom´etrica.
Os meios de subsistˆencia aumentam apenas a uma raz˜ao aritm´etica. Pela lei de nossa na-
tureza, que torna o alimento necess´ario `a vida do homem, os efeitos dessas duas diferentes
capacidades devem ser mantidos iguais”1.
Atualmente, em dinˆamica populacional, o que se convencionou chamar de modelo de
Malthus assume que o crescimento de uma popula¸ao ´e proporcional `a popula¸ao em cada
instante (progress˜ao geom´etrica ou crescimento exponencial), e desta forma, a popula¸ao
humana deveria crescer sem nenhuma inibi¸ao. Assim, o modelo de Malthus prop˜oe um
crescimento de vida otimizada, sem fome, guerra, epidemia ou qualquer cat´astrofe, onde
todos os indiv´ıduos ao idˆenticos, com o mesmo comportamento. A formula¸ao deste modelo
em termos de uma equa¸ao diferencial ao foi feita por Malthus, apesar de ser muito simples,
mesmo para a ´epoca em que foi postulado.
“O homem malthusiano ´e uma abstra¸ao vazia ou um recurso do pensamento para analisar e sintetizar
os conflitos reais que as classes mais empobrecidas viviam? Malthus em sua primeira vers˜ao do princ´ıpio
de popula¸ao, polemiza com os chamados socialistas ut´opicos Condorcet, Godwin, Wallace cujas
obras, de modo geral, propunham uma sociedade igualit´aria como alternativa `a situa¸ao de mis´eria vivida.
Segundo ele, a causa verdadeira dessa mis´eria humana ao era a sociedade dividida entre propriet´arios e
trabalhadores, entre ricos e pobres. A mis´eria seria, na verdade, um obst´aculo positivo, que atuou ao longo
de toda a hist´oria humana, para reequilibrar a despropor¸ao natural entre a multiplica¸ao do homem - o
crescimento populacional - e a produ¸ao dos meios de subsistˆencia - a produ¸ao de alimentos. A mis´eria e o
v´ıcio ao obst´aculos positivos ao crescimento da popula¸ao. Eles reequilibram duas for¸cas ao desiguais. A
mis´eria para Malthus, ´e, portanto, necess´aria. Ao se ampliarem os meios de subsistˆencia, invariavelmente a
popula¸ao volta a crescer, e, assim, os pobres vivem em perp´etuo movimento oscilat´orio entre o progresso e
o retrocesso da felicidade humana”. (Am´elia Damiani, Popula¸ao e Geografia, Ed. Contexto, 1992).
1Malthus: Economia, Textos de Malthus organizado por T. Szmrecs´anyi, Ed. ´
Atica, 56-57.
328 Modelagem Matem´atica
A previs˜ao da popula¸ao mundial, segundo o modelo malthusiano, atingia umeros as-
tronˆomicos em pouco tempo o que tornaria a Terra um planeta superlotado e inabit´avel,
o que ao ocorreu. Tamb´em as suas previs˜oes dr´asticas em rela¸ao `a alimenta¸ao estavam
erradas pois ao se supunha o grande salto que ocorreu na produ¸ao mundial de alimentos
entre os anos de 1950 a 1998, quando passou de 247 quilos per capita para 312 quilos (Veja no
¯
39, set/99, pp. 86–89). De qualquer forma, a humanidade que levou milhares de anos para
atingir o primeiro bilh˜ao de pessoas, em menos de dois eculos depois passou a 6 bilh˜oes.
A modelagem matem´atica para descrever o crescimento populacional evoluiu, passando
por arias modifica¸oes ap´os Malthus. Um dos modelos mais importante e conhecido ´e do
soci´ologo belga P. F. Verhulst (1838) que sup˜oe que toda popula¸ao ´e predisposta a sofrer
inibi¸oes naturais em seu crescimento, devendo tender a um valor limite constante quando
o tempo cresce. ´
E um modelo de crescimento mais significativo, do ponto de vista biol´ogico
e real´ıstico.
Os modelos de Malthus e Verhurst foram formulados para tempo cont´ınuo, onde se sup˜oe
que os indiv´ıduos se reproduzem a todo instante, o que na realidade poucas popula¸oes
biol´ogicas satisfazem. Os modelos discretos podem ser considerado mais real´ısticos, neste
caso, uma vez que contemplam a reprodu¸ao dos indiv´ıduos sazonalmente tais modelos,
em Ecologia, foram introduzidos somente a partir de 1975 pelo ec´ologo austr´ıaco Robert M.
May [13] que observou a complexa dinˆamica do modelo log´ıstico discreto (veja par´agrafo
2.5) sob a luz da teoria do caos, mostrando que uma equa¸ao de aparente ingenuidade pode
ter solu¸ao sem comportamento previs´ıvel.
As formula¸oes estoc´asticas dos modelos determin´ısticos de Malthus e Verhurst o apare-
ceram a partir de 1924 (Yule), sendo usadas posteriormente por Bailey (1964) e Pielou
(1977).
Na ecada de 40, Leslie (1945-48), modelou o crescimento populacional compartimen-
talizando a popula¸ao por idade e estudando o fluxo entre os compartimentos atraes da
´algebra matricial.
Um fato curioso ocorreu recentemente quando manchetes de todos os meios de comu-
nica¸oes anunciaram o nascimento do bebˆe de no
¯6 bilh˜oes a previs˜ao para tal evento dava
como certo o dia 12 de outubro de 1999 `as 11 horas e dois minutos (hor´ario de Bras´ılia).
Evidentemente este fato estava baseado em algum modelo matem´atico determin´ıstico in-
contest´avel porque ao existiria maneira poss´ıvel de test´a-lo. No entanto ´e claro que a
probalilidade de se ter “acertado na mosca” ´e quase nula basta ver que a previs˜ao para este
acontecimento foi anteriormente dada como sendo 16 de junho. Esta diferen¸ca, aparente-
mente insignificante, acarreta uma diminui¸ao na popula¸ao de, aproximadamente, meio
bilh˜ao de pessoas em 50 anos. Entretanto, o que se pode afirmar com alguma convic¸ao ´e
que a Terra tem, aproximadamente, 6 bilh˜oes de pessoas, o que ao deixa de ser preocupante.
Os dados (aproximados) da popula¸ao mundial est˜ao na tabela 6.1.
A previs˜ao da Fnuap ´e que em 2050 a popula¸ao mundial ser´a de 8.9 bilh˜oes.
A previs˜ao do crescimento populacional de um pa´ıs ´e fundamental para avaliar sua ca-
pacidade de desenvolvimento e estabelecer mecanismos que sustentem uma produ¸ao com-
pat´ıvel com o bem estar social e, naturalmente, quanto maior o grau de precis˜ao exigido nas
Rodney Carlos Bassanezi 329
Ano Popula¸ao
1804 1
1927 2
1960 3
1974 4
1987 5
1999 6
Tabela 6.1: Popula¸ao mundial (em bilh˜oes de pessoas).
previs˜oes mais complexo deve ser o modelo matem´atico utilizado.
O crescimento populacional nem sempre vem acompanhado de mecanismos que sustentam uma
produ¸ao compat´ıvel com o bem estar social. A violˆencia e a mis´eria tem sido caracter´ısticas mar-
cantes, relacionadas com o crescimento populacional dos pa´ıses subdesenvolvidos.
Vamos analizar a evolu¸ao num´erica da popula¸ao brasileira considerando os modelos
cl´assicos simples (Malthus e Log´ıstico). Trataremos de explorar neste par´agrafo estes mod-
elos determin´ısticos dando ˆenfase tamb´em num conte´udo mais simples (modelos discretos)
que pode ser, por exemplo, trabalhado com alunos do ensino edio.
330 Modelagem Matem´atica
A tabela 6.2 fornece os censos demogr´aficos do Brasil de 1940 a 1991.
Per´ıodos Popula¸ao
Taxas de
Crescimento
(% a.a.)
Crescimento
Absoluto Distribui¸ao Et´aria (%)
0–14 15–64 65 e mais
1940 41.236.315 42.6 55.0 2.4
2.3 10.708.082
1950 51.944.397 41.9 55.5 2.6
3.2 19.047.946
1960 70.992.343 43.2 54.3 2.5
2.8 22.146.694
1970 93.139.037 42.6 54.3 3.1
2.5 25.863.669
1980 119.002.706 38.8 57.2 4.0
1.9 27.822.769
1991 146.825.475 35.0 60.2 4.8
Tabela 6.2: Fonte: FIBGE. Censos Demogr´aficos do Brasil de 1940 a 1991.
NEPO/UNICAMP
As taxas de crescimento (% a.a.) entre dois censos consecutivos da tabela 6.2 ao obtidas
via modelo de Malthus, cuja an´alise faremos a seguir:
6.2.1 Modelo Malthusiano
Seja Po umero de indiv´ıduos em uma popula¸ao animal ou vegetal. Este n´umero ´e
dependente do tempo e assim podemos escrever
dP
dt =P(t) (6.1)
Na realidade, P(t) assume somente valores inteiros sendo pois uma fun¸ao discreta de
t. Entretanto, quando o umero de indiv´ıduos ´e suficientemente grande, P(t) pode ser
aproximado por uma fun¸ao cont´ınua, variando continuamente no tempo.
Admitimos que a propor¸ao de indiv´ıduos reprodutores permanece constante durante o
crescimento da popula¸ao. Admitimos tamb´em que as taxas de fertilidade ne de mortalidade
Rodney Carlos Bassanezi 331
msejam constantes. Estas hip´oteses ao real´ısticas em uma popula¸ao grande que varia em
condi¸oes ideais, isto ´e, quando todos os fatores inibidores do crescimento est˜ao ausentes (a
esp´ecie tem recursos ilimitados e ao interage com competidores ou predadores).
Temos que α=nm(coeficiente de natalidade menos o de mortalidade) ´e a taxa de
crescimento espec´ıfico da popula¸ao P(t), aqui considerada constante. Assim,
P(t+ 1) P(t)
P(t)=nm=α. (6.2)
Esta formula¸ao matem´atica indica que a varia¸ao relativa da popula¸ao ´e constante ou,
em outras palavras, que a varia¸ao da popula¸ao ´e proporcional `a pr´opria popula¸ao em
cada per´ıodo de tempo.
O modelo discreto (tempo discreto) de Malthus ´e dado por
P(t+ 1) P(t) = αP (t).(6.3)
Considerando dada a popula¸ao inicial P(0) = P0, a solu¸ao de (6.3) ´e obtida por
recorrˆencia da express˜ao: (Pt+1 = (1 + α)Pt
P(0) = P0
(6.4)
ou seja,
Pt= (α+ 1)tP0(cf. par´agrafo 2.5.1) (6.5)
Assim, dados dois censos P0ePt, a taxa de crescimento demogr´afico em tanos ´e obtida
de (6.5), fazendo
(α+ 1)t=Pt/P0α=t
rPt
P01.(6.6)
Por exemplo, na tabela 6.2, temos que a popula¸ao de 1940 ´e P0= 41.236.351 e, dez
anos depois, P10 = 51.944.397, ent˜ao a taxa de crescimento populacional edia (relativa),
entre 1940 e 1950 ´e dada por
α=10
r51944397
41236351 1 = 1.0233539 1 = 0.0233539,
ou, aproximadamente, 2.3% ao ano.
Se consideramos as popula¸oes entre os censos de 1940 e 1991, α´e dada por
α=51
r146825475
41236351 1 = 0.0252131,
o que nos permite afirmar que a popula¸ao brasileira cresceu a uma taxa edia de, aproxi-
madamente, 2.5% ao ano nestes 51 anos.
332 Modelagem Matem´atica
Lembrando que Pt= (1 + α)tP0pode ser escrito na forma exponencial
Pt=P0eln(1+α)t(6.7)
podemos comparar a solu¸ao do Modelo de Malthus discreto (6.4) com a solu¸ao do o modelo
cont´ınuo correspondente, considerando que
dP
dt = lim
t0
P(t+ t)P(t)
t
e que P(t+ t)P(t) = βP (t)∆t(modelo discreto).
Assim, podemos escrever o modelo cont´ınuo por:
dP
dt =βP (t)
P(0) = P0
(6.8)
cuja solu¸ao ´e dada por
P(t) = P0eβt.
Portanto, os modelos discreto (com taxa α) e cont´ınuo (com taxa β) fornecem a mesma
solu¸ao quando
β= ln(1 + α).
Se considerarmos o modelo Malthusiano para projetar a popula¸ao brasileira, teremos
α= 0.0252131 para o modelo discreto, e
β= 0.0249 para o modelo cont´ınuo.
A equa¸ao
P(t) = 41.236e0.0249t(6.9)
fornece a popula¸ao (em milh˜oes de habitantes) em cada ano t(veja tabela 6.3)
Observa¸ao 6.1. Se ajustamos o valor de β, usando os dados dos censos de 1940 a 1991,
obtemos β= 0.0256 e a curva ajustada ´e
P(t) = 41.57e0.0256t.(6.10)
Tanto a express˜ao (6.9) como a (6.10) ao uma proje¸ao para 1996 supervalorizada (veja
tabela 6.3) o que demonstra que considerar a taxa de crescimento edia constante ao ´e
uma boa estrat´egia neste caso, pois a popula¸ao ir´a aumentar indefinidamente, o que ´e irreal.
O modelo Malthusiano funciona bem quando a popula¸ao ainda est´a em fase de crescimento
exponencial, e num espco de tempo pequeno.
Rodney Carlos Bassanezi 333
Per´ıodo Censo demog. mod. discreto mod. cont´ınuo
1940 41.236 41.236 41.570
1950 51.944 52.896 53.698
1960 70.992 67.851 69.365
1970 93.139 87.036 89.602
1980 119.003 111.645 115.744
1991 146.825 146.822 153.389
1996 156.804 166.288174.335
Tabela 6.3: Proje¸ao de crescimento exponecial da popula¸ao brasileira (em milh˜oes de
habitantes).
Figura 6.1: Proje¸ao malthusiana da popula¸ao brasileira.
6.2.2 Modelo Log´ıstico cont´ınuo (Verhurst)
Se observamos a tabela 6.2 vemos claramente que entre censos consecutivos, a partir
de 1950 as taxas de crescimento relativo tendem a diminuir com o tempo. O primeiro
modelo que atende `a varia¸ao da taxa de crescimento (ou raz˜ao intr´ınseca do crescimento
populacional) foi formulado pelo matem´atico belga Pierre F. Verhurst em 1837. O Modelo de
Verhurst sup˜oe que uma popula¸ao, vivendo num determinado meio, dever´a crescer at´e um
334 Modelagem Matem´atica
limite aximo sustent´avel, isto ´e, ela tende a se estabilizar. A equa¸ao incorpora a queda de
crescimento da popula¸ao que deve estar sujeita a um fator inibidor de proporcionalidade.
Este modelo teve um impacto maior quando, no in´ıcio do eculo XX, os pesquisadores
americanos R. Pearl e L. Reed utilizaram-no para projetar a demografia americana (veja [5],
pp. 86–87 ).
O modelo de Verhurst ´e, essencialmente, o modelo de Malthus modificado, considerando
a taxa de crescimento como sendo proporcional `a popula¸ao em cada instante. Assim
dP
dt =β(P)P(6.11)
com β(P) = r³PP
P´,r > 0 e Psendo o valor limite da popula¸ao. Desta forma β(P)
tende a zero quando PP.
Explicitando β(P) na equa¸ao (6.11), e supondo que P(0) = P0seja dado, temos o
modelo cl´assico de Verhurst ou modelo log´ıstico:
dP
dt =rP µ1P
P
P(0) = P0, r > 0.
(6.12)
Observamos que P(t)0 e P(t)Pao solu¸oes da equa¸ao diferencial dada em
(6.12). A solu¸ao anal´ıtica de (6.12) ´e obtida por integra¸ao ap´os a separa¸ao das vari´aveis,
isto ´e, ZdP
P(1 P/P)=Zrdt.
Usando a ecnica das fra¸oes parciais para resolver a integral do 1o
¯membro, obtemos
ZdP
P(1 P/P)=Zµ1
P+1/P
1P/Pdp = ln |P| ln ¯¯¯¯1P
P¯¯¯¯.
Logo,
ln ¯¯¯¯
P(t)
1P(t)/P¯¯¯¯=rt +c.
Usando a condi¸ao inicial P(0) = P0, podemos determinar o valor da constante de integra¸ao
c:
c= ln ¯¯¯¯¯
P0
1P0
P¯¯¯¯¯= ln ¯¯¯¯
P0P
PP0¯¯¯¯.
Portanto
ln ¯¯¯¯µP(t)P
PP(t)¯¯¯¯=rt + ln ¯¯¯¯
P0P
PP0¯¯¯¯,
ou seja,
ln ¯¯¯¯
P(PP0)
P0(PP)¯¯¯¯=rt P
PP=P0
PP0
ert.
Rodney Carlos Bassanezi 335
Explicitando P(t), temos
P(t) = P
(P
P01)ert + 1 =PP0
(PP0)ert +P0
.(6.13)
A curva P(t) ´e denominada log´ıstica (figura 6.3) e, de sua express˜ao (6.13), podemos observar
que:
a. Se P0< Pent˜ao P0< P (t)< PeP(t) tende a P, crescendo. Neste caso a
equa¸ao (6.12) mostra claramente que dP
dt >0;
b. Se P0> Pent˜ao P(t) tende a P, decrescendo (verifique que, neste caso, dP
dt <0).
c. Da equa¸ao (6.12) temos que
dP
dt =rP rP2
P
ou seja, dP
dt , como fun¸ao de P, ´e uma par´abola com concavidade voltada para baixo
(veja figura 6.2) e cujas ra´ızes P= 0 e P=Pao os pontos de equil´ıbrio ou solu¸oes
de equil´ıbrio da equa¸ao diferencial (6.12), pois dP
dt = 0 nestes pontos.
d. Como r > 0, temos que dP
dt ´e crescente se 0 < P (t)<P
2e decrescente se P
2<
P(t)< P. O valor aximo de dP
dt , relativamente a P, ´e atingido quando P=P
2,
isto ´e, quando a popula¸ao for igual `a metade da popula¸ao limite.
e. Se considerarmos em (6.13), P(t) = P
2, podemos determinar o instante tmem que a
popula¸ao atinge a axima varia¸ao:
P
2=P0P
(PP0)ert +P0ert =PP0
P0
e portanto
tm=1
rln PP0
P0
,(6.14)
considerando que P0<P
2.
Assim, para t=tmtemos:
(i)
P(tm) = P/2 (6.15)
(ii)
dP
dt |t=tm=rP
2µ1P/2
P=r
4P>0 (6.16)
336 Modelagem Matem´atica
(iii)
d2P
dt2|t=tm=rdP
dt 2r
P
PdP
dt =rdP
dt µ12P
P¯¯¯¯P=P
2
= 0.
Logo, t=tm´e um ponto de inflex˜ao de P(t). Desta forma,
Se P0=P
2tm= 0;
Se P
2< P0< Pa curva ao tem ponto de inflex˜ao
Figura 6.2: Varia¸ao de P(t).
Figura 6.3: Curva log´ıstica.
Rodney Carlos Bassanezi 337
Para usarmos a curva log´ıstica (6.13) como modelo de proje¸ao da popula¸ao brasileira
devemos estimar os valores de Per.
Na figura 6.4 observamos que a tendˆencia de desacelera¸ao do crescimento populacional
ocorre a partir do censo de 1980.
Agora, como o modelo log´ıstico pressup˜oe que a taxa decai linearmente, em fun¸ao da
popula¸ao, podemos a justar os valores riedios (estimados entre os censos conscutivos iei+
1) com as respectivas popula¸oes edias Pi(estimadas atrav´es de um modelo exponencial):
ri=µPi
Pi11
i
1.
r1=10
q70992343
51944397 1 = 0.03173 P1=P(1955) = 51.994.397e0.03173×5= 60.934.558
r2=10
q93139037
70992343 1 = 0.02752 P2=P(1965) = 70.992.343e0.02752×5= 81.466.558
r3=10
qP1980
P1970 1 = 0.02481 P3=P(1975) = 105.439.088
r4=. . . = 0.01928 P4=P(1985.5) = 132.315.104
Consideremos os valores de P i em milh˜oes de habitantes, ent˜ao a equa¸ao da reta que
ajusta riePi´e dada por:
r=0.0001682P+ 0.04182402.(6.17)
O modelo de Verhurst ser´a, neste caso, dado por
dP
dt =r(P)P= 0.04182402P0.0001682P2,
ou dP
dt = 0.04182P[1 P2
248.656] (6.18)
onde P= 248.656 ´e a popula¸ao limite, isto ´e, P´e o valor de Pquando r= 0 em (6.16).
A solu¸ao de (6.17) ´e a curva log´ıstica dada por:
P(t) = 248.656
3.786 exp[0.0418(t1950)] + 1
onde 3.787 = P
P01, considerando P0=P(1950) = 51.944.
Uma outra maneira de determinar o valor de r´e considerar a hip´otese que o ponto
de inflex˜ao tmda curva P(t) se encontra entre os anos 1980 e 1991. Podemos usar a
equa¸ao (6.14) para estimar o valor da “constante” ra cada ano no intervalo [1980, 1991],
comparando com os valores das popula¸oes dados pelos censos e pela equa¸ao (6.13). Isto
pode ser realizado facilmente com um programa computacional do tipo do Excel.
338 Modelagem Matem´atica
No intervalo considerado, cada ri, obtido de (6.17), ´e dado por:
ri=1
ti
ln PP0
P0
(6.19)
com 0 i11, t0= 30 (ano de 1980), P0=P(30) = 51.944 e P= 248.656. Assim,
r0= 0.0443. Da mesma forma calculamos r1= 0.0429, r3= 0.0416, r4= 0.0403, . . . , r11 =
0.0325.
O melhor valor de rque ajusta os dados dos censos est´a entre os valores 0.0416 e 0.0403,
ou seja, entre os anos 1982 e 1983. Repetindo o mesmo procedimento anterior, obtemos
r= 0.0414. Este valor de r, ajustado na equa¸ao (6.18), fornece o valor de tm, isto ´e, o
instante em que a varia¸ao populacional ´e axima.
tm= 32.1636 anos.
Figura 6.4: Proje¸ao log´ıstica da popula¸ao brasileira.
Portanto, o ponto de inflex˜ao de P(t) acontece em fevereiro de 1982. Os valores estimados
para Per, substituimos na equa¸ao (6.13) fornecem o modelo log´ıstico para a proje¸ao
da popula¸ao brasileira:
P(t) = 248.65648
3.786974 exp[0.0414(t1950)] + 1 (6.20)
onde tindica o per´ıodo (ano).
Observamos que este modelo ´e bastante razo´avel para reproduzir os valores das pop-
ula¸oes dos censos, desde 1950. Podemos conjecturar tamb´em que, se ao houver nenhuma
fatalidade provocada por guerras, epidemias, controles for¸cados de natalidade etc., o modelo
(6.20) deve ser razo´avel para projetar popula¸oes futuras.
Rodney Carlos Bassanezi 339
Salientamos que, para a estima¸ao dos parˆametros Per, ao consideramos o censo
de 1996, objetivando utiliz´a-lo como teste para o modelo. A popula¸ao de 1996, dada pelo
censo, ´e de156.80433 milh˜oes e o valor projetado pelo modelo (6.20) ´e 158.995039 milh˜oes,
o erro relativo ´e de 1.39%.
Nosso objetivo, ao propor este modelo, ´e mostrar que ele pode ser melhorado, o que o
leitor poder´a realizar sem muito esfor¸co basta considerar tamb´em o censo de 1996 para
estimar os valores de Per.
Projeto 6.1. Modelo Log´ıstico discreto
O Modelo de Verhurst pode ser formulado tamb´em atrav´es de uma equa¸ao de diferen¸cas
(veja §2.5, cap´ıtulo 2).
Seja Pna popula¸ao no instante n. Ent˜ao, o crescimento absoluto de Pn´e dado por
Pn+∆nPn= (αβPn)Pnn.(6.21)
Considerando P0dado, podemos obter Pnem fun¸ao de P0atrav´es da ormula de recorrˆencia
Pn+∆n= (αn+ 1)Pn·1β
αn+ 1Pn¸
P0dado
(6.22)
A equa¸ao (6.22) pode ser dada na forma normalizada por
Nn+1 =rNn(1 Nn)
N0=P0
P
.
(6.23)
onde
Nn=β
αn+ 1Pne (αn+ 1) = r.
P´e obtido de (6.21), considerando que, quando n´e muito grande, Pn+∆n'Pn=P
(valor de estabilidade ou valor aximo sustent´avel), e portanto P=αn
β.
Quando os valores de nao diferentes para cada n(como os da tabela 6.1), o alculo
dos parˆametros e de Ppodem ser efetuados ajustando a express˜ao
Pn+∆nPn
n
por uma par´abola
f(Pn) = aPnbP 2
n.
Fca um ajuste de f(Pn) = aPnbP 2
ncom os dados dos censos demogr´aficos de
popula¸ao brasileira (tabela 6.2).
340 Modelagem Matem´atica
Estime os valores dos parˆametros dos modelos (6.22) e (6.23) e compare as proje¸oes
dadas por estes modelos com o modelo cont´ınuo (6.20).
Determine Pconsiderando a intersec¸ao da par´abola f(Pn) com a reta Pn+∆n=Pn
e estime o valor da popula¸ao brasileira no ano 2000.
Uma das limita¸oes do modelo de Verhurst consiste no fato de que o ponto de inflex˜ao (ou de cresci-
mento aximo) da curva est´a sempre localizado no ponto Pm=P
2, o que nem sempre acontece na maioria
das vari´aveis relacionadas a fenˆomenos com tendˆencia assint´otica.
Montroll em 1971 propˆos um modelo geral para traduzir o crescimento assint´otico de uma
vari´avel, levando em conta que o posicionamento da varia¸ao axima pode ser qualquer valor
entre P0eP.
6.2.3 Modelo de Montroll (1971)
Seja Po valor limite finito de uma popula¸ao P=P(t) e λa sua taxa de crescimento
relativa quando P´e “pequeno”. O modelo de Montroll ´e dado pela equa¸ao diferencial ao
linear
dP
dt =λP ·1µP
Pα¸, λ > 0 e α > 0.(6.24)
O valor do parˆametro α´e o indicador da posi¸ao do ponto de inflex˜ao da curva. Quando
α= 1, a equa¸ao (6.24) ´e simplesmente o modelo de Verhurst (6.12).
Para determinar a posi¸ao do ponto Pm,onde o crescimento ´e aximo, ´e suficiente
considerar a equa¸ao d2P
dt2= 0, uma vez que dP
dt >0 pois 0 < P < P.
d2P
dt2=λdP
dt µ1P
Pα
αλ P
PµP
Pα1dP
dt
=λdP
dt ·1µP
Pα
αµP
Pα¸.
Logo,
d2P
dt2= 0 µP
Pα
=1
α+ 1 P
P
=µ1
α+ 11
α
e portanto,
Pm=Pµ1
1 + α1
.(6.25)
Rodney Carlos Bassanezi 341
Assim, dado P, o valor de Pmdepende somente do parˆametro α:
α= 3 Pm= 0.6299P
α= 2 Pm= 0.5773P
α= 1 Pm= 0.5P(modelo de Verhurst)
α= 0.5Pm= 0.4444P
α= 0.25 Pm= 0.4096P
O objetivo principal deste modelo geral ´e propor diferentes formas poss´ıveis de decresci-
mento das taxas de varia¸ao. Podemos considerar estas taxas como sendo dadas pela ex-
press˜ao
r=f(P, α) = λ·1µP
Pα¸.(6.26)
Figura 6.5: Taxa de crescimento interespecfico do Modelo de Montroll, com αfixo.
Observamos de (6.25) que quando α > 0 decresce, o ponto de inflex˜ao Pmtamb´em
decresce e tende a um valor positivo igual a P
e
=0.3678P. De fato, tomando α0,por
valores positivos (α0+), temos
lim
α0+Pm=Plim
α0+µ1
1 + α1
.
Do alculo Diferencial, sabemos que se F(x) ´e uma fun¸ao cont´ınua no intervalo (a, b)
ent˜ao
F( lim
xa+g(x)) = lim
xa+F(g(x)).
342 Modelagem Matem´atica
Usando este fato, podemos escrever
ln "lim
α0+µ1
1 + α1#= lim
α0+"ln µ1
1 + α1#=lim
α0+
ln(1 + α)
α.
Aplicando a regra de L’Hˆopital, vem
lim
α0+
ln(1 + α)
α=lim
α0+
1
1 + α=1.
Logo,
lim
α0+µ1
1 + α1
α
=e1=1
e
=0.3678.
Veremos no pr´oximo par´agrafo que Pm=1
ePcorresponde ao famoso modelo de Gompertz
de 1825.
Por outro lado, quando αcresce, o ponto Pmtende ao pr´oprio valor P. Isto decorre do
fato que
lim
α+µ1
1 + α1
= 1.(verifique!)
Os pontos de estabilidade do modelo geral de Montroll ao obtidos considerando dP
dt = 0
na equa¸ao 6.24, isto ´e,
λP ·1µP
Pα¸= 0 P= 0 ou P=P.
Um esbo¸co das solu¸oes da equa¸ao (6.24) ´e dado na figura 6.6
Figura 6.6: Solu¸oes do Modelo de Montroll para diversos valores de α.
Salientamos outra vez mais que a valida¸ao de um modelo matem´atico consiste na ver-
ifica¸ao de quanto os dados reais est˜ao pr´oximos daqueles estimados pelo modelo. Desta
Rodney Carlos Bassanezi 343
forma, a aceita¸ao de um modelo depende, essencialmente, do usu´ario ´e ele que vai estab-
elecer o “grau desejado de proximidade”. Entretanto, o modelador, na busca de um melhor
“grau de aproxima¸ao”, ao pode perder de vista o significado intr´ınsico das vari´aveis e
parˆametros utilizados no modelo e que devem sempre traduzir ou explicar o fenˆomeno anal-
isado. Em outras palavras, muitas vezes um ajuste ´otimo de dados experimentais pode
causar erros de proje¸oes futuras. Uma curva ajustada aos dados reais ao ´e necessaria-
mente um modelo da situa¸ao estudada, ela simplesmente fornece informa¸oes que podem
ser usadas na elabora¸ao do modelo!
Um modelo cl´assico frequentemente utilizado na ´area das ciˆencias biol´ogicas ´e o modelo
de Gompertz, onde o fator de desacelera¸ao do crescimento de Pao ´e dado na forma de
uma potˆencia de P, como em (6.26).
6.2.4 Modelo de Gompertz (1825)
O modelo de Gompertz utiliza uma taxa de inibi¸ao da vari´avel de estado proporcional
ao logar´ıtimo desta vari´avel. Isto significa que a taxa de crescimento ´e grande no in´ıcio do
processo, mudando rapidadamente para um crescimento mais lento. ´
E um modelo bastante
adequado para traduzir crescimentos celulares (plantas, bact´erias, tumores etc), sendo que,
no in´ıcio, todas as elulas ao meristem´aticas, perdendo esta propriedade num intervalo de
tempo relativamente pequeno.
O modelo de Gompertz ´e dado pelo problema de Cauchy (equa¸ao diferencial com
condi¸ao inicial):
dx
dt =ax bx ln x=x(abln x)
x(0) = x0com a > 0 e b > 0.
(6.27)
A taxa de crescimento r(x) = abln x > 0 decresce com xe o valor de estabilidade de
x´e obtido considerando-se r(x) = 0, isto ´e,
dx
dt = 0 (abln x) = 0 x=ea/b,com x > 0.
Observamos que quando x´e muito pequeno, r(x) ´e muito grande2pois
lim
x0+r(x) = +.
Agora, como 0 = abln x, podemos tomar a=bln xna equa¸ao (6.27) e reescrevˆe-la
como dx
dt =bx ln xbln x=bx ln ³x
x´=xln ³x
x´b(6.28)
e neste caso, r(x) = ln ³x
x´b.
2Este fenˆomeno ´e caracter´ıstico das rea¸oes enzim´aticas (veja [15] pg. 109) onde os valores de x(t) o
podem ser observados a partir de algum valor x0>0.
344 Modelagem Matem´atica
A solu¸ao de (6.27) ´e obtida considerando-se a mudan¸ca de vari´avel z= ln x:
dz
dt =1
x
dx
dt =abz.
Integrando, Zdz
abz =Zdt 1
bln |abz|=t+c.
Para t= 0, obtemos c=1
bln |abln x0|.
Portanto, ln |abz|=bt + ln |abln x0|,
abz = (abln x0)ebt z(t) = 1
b[a(abln x0)ebt].
Voltando `a vari´avel x=ez, obtemos
x(t) = ea
b.exp h³a
bln x0´ebti,ou (6.29)
x(t) = xµx0
xebt
(6.30)
A curva x(t) tem um ponto de inflex˜ao quando
t=tm=1
bln ³a
bln x0´(6.31)
e
x(tm) = 1
ex=1
eea
b=eab
b.(6.32)
Os modelos de Gompertz ao bastante usados tamb´em no estudo da evolu¸ao de tumores
olidos. Neste caso, ´e assumido que a taxa de crescimento diminui quando a massa tumoral
aumenta pois as elulas centrais ao recebem nutrientes e oxigˆenio suficientes para sua
multiplica¸ao ([4]).
Al´em das formula¸oes (6.28) e (6.27), os seguintes modelos ao tamb´em vers˜oes equiva-
lentes do modelo de Gompertz:
a. dx
dt =λxeαt; (6.33)
b.
dx
dt =γx
dt =αγ
(6.34)
Rodney Carlos Bassanezi 345
Figura 6.7: Solu¸oes do Modelo de Gompertz.
Projeto 6.2. Modelo de Gompertz para a popula¸ao brasileira
Considere os dados da tabela 6.2 (popula¸ao brasileira).
a. Fca o ajuste linear dos valores das taxas de varia¸ao
ri=xi+1 xi
(ti+1 ti)xi
relacionados com ln xi;
b. Determine x=ea/b onde aebao os coeficientes da reta ajustada em (a);
c. Determine o valor de tm, sabendo-se que x(tm) = x
e;
d. Calcule o valor de x0, usando (a) e (b), e escreva o modelo de Gompertz da dinˆamica
populacional na forma
x(t) = xµx0
xebt
;
e. Construa o gr´afico da curva x(t).
Levando em conta que o crescimento de y´e inibido e assint´otico (e portanto, a taxa de
varia¸ao de y´e decrescente e tende a zero quando yy), podemos construir modelos
particulares que tenham as caracter´ısticas de crescimento assint´otico.
Existe um grande umero destes modelos, citaremos mais dois como exemplos:
6.2.5 Modelo de Smith (1963)
dP
dt =λln P
P, λ > 0.(6.35)
346 Modelagem Matem´atica
6.2.6 Modelo de Ayala, Ehrenfeld, Gilpin (1973)
dP
dt =P(λaP +beP), a > 0, b > 0 e λ > 0.(6.36)
Projeto 6.3.
Analise o modelo alternativo de Smith (6.35), comparando-o com os modelos de Ver-
hurst e Gompertz.
Aplique o modelo de Smith para o crescimento de plantas (veja tabela 5.1, Cap. 5).
Observa¸ao 6.2. Em termos de dinˆamica populacional, os modelos apresentados atrav´es
das EDO (modelos cont´ınuos), representam o desenvolvimento de popula¸oes isoladas e sem
migra¸oes.
A forma geral destes modelos ´e uma equa¸ao autˆonoma do tipo
dP
dt =r(P)P(6.37)
onde r(P)´e denominada taxa de crescimento densidade-dependente.
Nos modelos que sup˜oem estabilidade das popula¸oes tem-se que
r(P)0quando PP.
As solu¸oes anal´ıticas de (6.37) ao obtidas por integra¸ao das formas diferenciais com
vari´aveis separadas.
Em rela¸ao aos modelos da forma (6.37) ainda ´e suposto que dP
dt ¯¯P=0= 0, isto ´e, ao
se admite gera¸ao expontˆanea, e portanto, todo organismo deve ter pais (Axioma de
Parenthood).
Quando (6.37) ´e escrita na forma
dP
dt =rP g(r)P2,(6.38)
g(r)´e o termo de competi¸ao inter-espec´ıfica e indica que a inibi¸ao ´e proporcional `a
taxa de encontros entre pares de indiv´ıduos da popula¸ao. Os indiv´ıduos podem competir
por alimentos, espco, ou outros recursos limitados.
Quando r(P)em (6.37) ´e da forma
r(P) = a1+a2P+a3P2,com a2>0 e a3<0
obtemos o chamado efeito Allee e neste caso, temos que a taxa de reprodu¸ao ´e axima em
densidades intermedi´arias (veja [9], pg. 215).
Rodney Carlos Bassanezi 347
Figura 6.8: Taxa de crescimento interespecfica decrescente: r0(P)<0.
Observa¸ao 6.3. Os modelos de crescimento populacional da forma (6.37) ao, na mel-
hor das hip´oteses, aproxima¸oes grosseiras da realidade e frequentemente ao usados como
instrumentos para verifica¸ao das tendˆencias dos dados observados. Os modelos mais re-
alistas exigem um alto grau de sofisticao matem´atica, como as equa¸oes diferenciais
parciais, quando se quer considerar a dinˆamica dependente da idade, fecundidade, taxas
de mortalidade vari´aveis, habitat etc. ou as equa¸oes diferenciais ao homogˆeneas,
quando se considera os parˆametros variando com o tempo (modelos mesosc´opicos). En-
tretanto, os modelos mais sofisticados ao, invariavelmente, aperfei¸coamentos dos modelos
simples, e cujas limita¸oes ao devem ser ignoradas. A evolu¸ao de modelos ´e, de fato,
a etapa mais importante do processo de modelagem, em qualquer ıvel de pesquisa ou de
ensino-aprendizagem.
6.2.7 Modelos Mesosc´opicos
Se examinarmos mais atentamente o crescimento de certas popula¸oes ou mesmo de um
indiv´ıduo, verificamos que pode existir comportamentos diferentes em rela¸ao ao tamanho
limite P, pr´e estimado.
Ocorre que o crescimento de uma popula¸ao pode insinuar uma tendˆencia de estabilidade
assint´otica local, vindo a mudar seu comportamento em decorrˆencia de algum acontecimento
abi´otico ou ao. Um exemplo simples desta situa¸ao ´e observado quando se tem a curva
de tendˆencia da altura de um indiv´ıduo em rela¸ao `a sua idade (figura 6.10). Existe uma
348 Modelagem Matem´atica
Figura 6.9: Efeito Allee r0(P) = 0, 0 < P < P.
desacelera¸ao no crescimento, seguido de um estir˜ao na puberdade (entre 10 e 12 anos para
mulheres e 11 e 13 anos para homens)
Figura 6.10: Tendˆencia do crescimento em altura do homem.
Tamb´em, o crescimento populacional na Terra ´e um caso t´ıpico deste processo, onde os
Rodney Carlos Bassanezi 349
valores pr´e-estimados de Pest˜ao ligados a acontecimentos hist´oricos. Assim,
P'107antes do advento das ferramentas (at´e aproximadamente 10.000 anos atr´as);
P'108com a Revolu¸ao Agr´ıcola (entre 10.000 e 1.000 anos atr´as);
P'5.109com a Revolu¸ao Industrial.
Modelos que traduzem estes fenˆomenos devem levar em considera¸ao, outros pontos de
equil´ıbrio al´em de P= 0 e P=P(fixo).
Figura 6.11: Taxa de crescimento, modelo bilog´ıstico e solu¸ao do modelo bilog´ıstico, re-
spectivamente.
Outro exemplo de mudan¸ca de tendˆencia de estabilidade ´e dado pelos valores da pop-
ula¸ao norte-americana (veja exemplo 2.8 do cap´ıtulo 2 Modelo Log´ıstico), onde o valor
estimado para a popula¸ao limite era 197.273 milh˜oes de habitantes. Com o advento da 2a
¯
Guerra Mundial e a forte migra¸ao para os Estados Unidos houve um aumento da taxa de
crescimento populacional e foi necess´ario reavaliar uma nova tendˆencia de crescimento e de
estabilidade.
Neste caso, uma primeira tentativa para modelar a dinˆamica da popula¸ao ´e considerar
o modelo log´ıstico
P(t) = 197.273.000
1 + exp[0.03134(t1913.25)] (6.39)
para 1790 t1940 e a partir de 1940 formular outro modelo log´ıstico. Por exemplo,
P(t) = 476.2
1 + exp [0.20884(t1940)] (6.40)
para t > 1940.
Se quisermos um modelo dado por uma ´unica express˜ao podemos levar em considera¸ao
que a taxa α(P) deve ter a forma de um polinˆomio de 3o
¯grau e portanto dP
dt =α(P)Pser´a
350 Modelagem Matem´atica
Figura 6.12: Popula¸ao Norte-Americana e a dupla modelagem log´ıstica.
um polinˆomio do 4o
¯grau. Uma maneira mais simples para esta nova modelagem pode ser
realisada, considerando uma forma generalizada do modelo log´ıstico
P(t) = PP0
(PP0)ef(t)+P0
(6.41)
onde f(t) representa rt do modelo cl´assico.
A express˜ao para f(t), obtida da equa¸ao anterior, ´e dada por:
f(t) = ln ·P0(PP)
P(PP0)¸.(6.42)
Utilizando os valores conhecidos da popula¸ao americana, obtemos como ajuste para f(t)
a express˜ao
f(t) = 0.0001t30.0076t2+ 0.3564t0.0478.
O modelo generalizado ao leva em conta o decaimento populacional na ecada de 40,
mas apenas ajusta os dados da melhor forma poss´ıvel. As previs˜oes que se consegue com o
modelo generalizado e com o modelo log´ıstico duplo diferem de, aproximadamente, 3%.
Na verdade, a modelagem de qualquer fenˆomeno est´a intimamente relacionada com os
objetivos a serem atingidos. Os modelos determin´ısticos macrosc´opicos em como objetivo
principal determinar tendˆencias gerais seguidas pelo fenˆomeno, sem a preocupa¸ao expl´ıcita
de relacion´a-las com fatores localizados e, portanto, considerados despres´ıveis na formula¸ao
Rodney Carlos Bassanezi 351
do modelo. No exemplo 2.23 (captulo 2 §2.6) o modelo de von Bertalanffy para cresci-
mento de peixes, considera como fatores essenciais o metabolismo e a perda de energia com
respectivas taxas constantes. Assim as equa¸oes
P(t) = P(1 eβ
3t)3e`(t) = `(1 eβ
3t)
ao considerados modelos macrosc´opicos dos crescimentos, respectivamente, em peso e com-
primento dos peixes. Entretanto, se levarmos tamb´em em considera¸ao que, em determina-
dos per´ıodos o peixe se alimenta menos e se movimenta mais e portanto, seu crescimento
est´a sujeito `as flutua¸oes sazonais, devemos impor que as taxas de metabolismo e de perda
de energia sejam tamb´em dependentes do tempo. Neste caso, pode ser conveniente modelar
estas taxas, utilizando obviamente a experiˆencia de algum icti´ologo, antes da formula¸ao do
modelo global.
Muitas vezes o modelo macrosc´opico funciona como uma suaviza¸ao do modelo
mesosc´opico.
6.2.8 Crescimento em peso de corvinas
O modelo de von Bertalanffy (macrosc´opio) que obtivemos para o crescimento em peso
de corvinas ´e dado por
P(t) = 5.6[1 0.627 exp(0.26t)]3.16
Figura 6.13: Crescimento da corvina em peso modelo macrosc´opico.
352 Modelagem Matem´atica
com k=β
3= 0.26. β´e a taxa de perda de energia e t´e dado em anos.
Considerando agora a taxa k(t) como uma fun¸ao peri´odica da forma
k(t) = 0.26(1 + 0.15 cos 2πt), t dado em anos,
obtemos um modelo mesosc´opico (figura 6.14) do peso da corvina:
P(t) = 5.6{10.627 exp [0.26(1 + 0.15 cos 2πt)]}3.16 .(6.43)
A tabela 6.4 fornece os dados comparativos entre os dois modelos. Observe que o modelo
macrosc´opio funciona como um ajuste do modelo mesosc´opico (figura 6.15)
Figura 6.14: Peso da corvina modelo mesosc´opico.
6.2.9 Dinˆamica Populacional de molusco
O estudo populacional do Donax gemmula (um pequeno molusco, comum nas praias do
sul do Brasil), formulado atrav´es de modelos determin´ısticos mesosc´opicos, deve considerar
o efeito das tempestades, na forma de parˆametros vari´aveis sazonalmente, como um dos
fatores abi´oticos respons´aveis pela inibi¸ao da esp´ecie (veja em [16]).
Considerando P=P(t) a densidade populacional do molusco, um modelo do tipo
log´ıstico poderia dar globalmente a tendˆencia demogr´afica da esp´ecie. Entretanto, se levar-
mos em considera¸ao os fatores abi´oticos que influenciam na tendˆencia macrosc´opica da
Rodney Carlos Bassanezi 353
Figura 6.15: Crescimento da corvina compara¸ao entre modelos.
dinˆamica populacional, o modelo pode ser formulado pela equa¸ao (6.44)
dP
dt =R(t)·1P
k¸P[d(t) + βf (t)]P
P(t0) = P0, t em meses.
(6.44)
onde, R(t), f(t) e d(t) ao fun¸oes peri´odicas, de mesmo per´ıodo w > 0.
R(t): taxa de recrutamento;
f(t): medida da intensidade de tempestades;
d(t): taxa de mortalidade fisiol´ogica;
k: capacidade suporte do meio;
β: constante de proporcionalidade da mortalidade abi´otica.
Os parˆametros do modelo (6.44) foram obtidos atrav´es de simula¸oes num´ericas ([22]),
usando dados experimentais colhidos por Paes no litoral do Rio Grande do Sul em 1989.
R(t) = r1+r2
2µ1cos πt
6, r1= 0.3 e r2= 0.2;
354 Modelagem Matem´atica
Tempo Meso Macro
0.0 0.248192 0.248192
0.3 0.35936 0.361252
0.6 0.481938 0.493283
0.9 0.660718 0.641753
1.2 0.81445 0.803919
1.5 0.932859 0.977004
1.8 1.175159 1.158325
2.1 1.399318 1.345375
2.4 1.47432 1.535866
2.7 1.700359 1.727765
3.0 2.014427 1.919293
3.3 2.077926 2.108924
3.6 2.204591 2.295376
3.9 2.570576 2.477591
4.2 2.69383 2.654715
4.5 2.668132 2.826081
4.8 3.029119 2.991182
5.1 3.255863 3.149656
5.4 3.192972 3.301261
Tempo Meso Macro
5.7 3.401801 3.445863
6.0 3.713922 3.583415
6.3 3.674956 3.713945
6.6 3.726196 3.83754
6.9 4.055431 3.954337
7.2 4.106449 4.064512
7.5 4.037617 4.168271
7.8 4.300507 4.265844
8.1 4.452724 4.357474
8.4 4.347659 4.443418
8.7 4.485457 4.523938
9.0 4.703204 4.599299
9.3 4.63969 4.669766
9.6 4.647554 4.735598
9.9 4.871006 4.797053
10.2 4.885705 4.85438
10.5 4.811819 4.90782
10.8 4.981064 4.957608
11.1 5.068907 5.003966
Tabela 6.4: Peso do peixe modelos macro e mesosc´opico.
d(t) = 0.2h0.3025 + 0.1225 sen ³π(t3)
6´i
f(t) = 1.3083 + 3.5279 cos ¡πt
6+π
12 ¢;
β= 0.003, obtido empiricamente;
k= 650, obtido do ajuste de dados;
P0= 122, observado por Paes.
Um agrupamento dos parˆametros em (6.44) fornece a equa¸ao simplificada
dP
dt =α(t)Pγ(t)P2
P(t0) = P0>0.
(6.45)
A solu¸ao de (6.45) converge assintoticamente para uma solu¸ao de equil´ıbrio P(t) peri´odica
conforme figura 6.16 [22].
Rodney Carlos Bassanezi 355
Figura 6.16: Solu¸ao P(t) com t0= 0.6 e P0= 122. Solu¸ao de equil´ıbrio P
(t) e dados
experimentais P
.
Podemos observar pela figura que os dados experimentais est˜ao relativamente pr´oximos
da solu¸ao de equil´ıbrio, o que a ´e bastante tratando-se de um fenˆomeno ecol´ogico relativa-
mente complexo como este.
Exerc´ıcio 6.1. Analise o crescimento de uma vari´avel P(t) atrav´es da figura 6.17, dada
pela equa¸ao autˆonoma dP
dt =P f (P)
Figura 6.17: Crescimento de P.
Quantos pontos de equil´ıbrio temos neste caso?
e uma express˜ao anal´ıtica para f(P).
356 Modelagem Matem´atica
Mostre que uma composi¸ao de 2 modelos assint´oticos simples pode fornecer um mod-
elo para esta situa¸ao.
Projeto 6.4. Popula¸ao mundial
Estude o crescimento populacional mundial (veja tabela 6.1).
Determine qual o modelo que foi utilizado para prever o nascimento do bebˆe de n´umero
6 bilh˜oes.
Use o modelo log´ıstico para prever o nascimento do bebˆe 7 bilh˜oes.
J. Cohen, diretor do Laborat´orio de Popula¸oes da Universidade Rochefeller, acredita
que se ao houver grandes mudan¸cas no comportamento de consumo, a Terra pode
suportar uma popula¸ao de 10 bilh˜oes de pessoas. Utilize este dado para melhorar seu
modelo.
Com uma mudan¸ca nos abitos de consumo, os dem´ografos acreditam que nosso plan-
eta pode comportar at´e 20 bilh˜oes. Formule um modelo bilog´ıstico com este novo
P.
e uma explica¸ao para a afirma¸ao: Em 1960 a popula¸ao europ´eia era o dobro da
africana. Em 2050 haver´a trˆes vezes mais africanos que europeus (Veja, 39, set/99).
Os pa´ıses mais populosos do mundo ao (% do total): China - 21.2%, ´
India - 16.7%,
EUA - 4.6%, Indon´esia - 3.5%. O Brasil tem 2.8% da popula¸ao mundial. Fa¸ca
uma previs˜ao da popula¸ao destes pa´ıses para o ano 2050, usando o modelo log´ıstico
formulado anteriormente para a popula¸ao mundial.
6.3 Modelos Subjetivos de Crescimento Popula-
cional
O processo de crescimento populacional ´e geralmente estoc´astico e, num dado instante,
este crescimento ao ´e necessariamente proporcional `a popula¸ao presente (conforme foi
observado experimentalmente com leveduras). Apresentaremos, como ilustra¸ao deste fato,
o modelo cl´assico de Pielou que mostra a importˆancia da solu¸ao determin´ıstica como uma
aproxima¸ao da solu¸ao edia estoc´astica e o modelo malthusiano fuzzy onde se considera
a vari´avel de estado como um conjunto subjetivo.
6.3.1 Modelo Estoastico de Pielou
O modelo estoc´astico de Pielou determina o processo evolutivo de uma popula¸ao atrav´es
das distribui¸oes de probabilidades relacionadas por equa¸oes diferenciais. Para a formula¸ao
do modelo devemos fazer algumas considera¸oes ([14]):
Rodney Carlos Bassanezi 357
a. A probabilidade de que, num pequeno intervalo de tempo t, um indiv´ıduo reproduza
exatamente uma vez ´e igual a
p(P+ 1,t) = αP t+h1(∆t) (6.46)
onde h1(∆t) ´e um infinit´esimo de ordem menor que t, isto ´e, lim h1(∆t)
t= 0. Deno-
taremos esta propriedade por h1(σt).
b. A probabilidade de que um indiv´ıduo reproduza mais de uma vez num intervalo de
tempo t´e “muito pequena” h2(σt).
c. A reprodu¸ao em intervalos de tempo disjuntos ´e um evento independente, isto ´e, se
I1I2=φent˜ao a reprodu¸ao no intervalo de tempo I2independe de a ter reproduzido
ou ao no intervalo I1.
Seja p(P; t) a probabilidade de uma popula¸ao do tamanho Preproduzir apenas um
indiv´ıduo no intervalo de tempo (t, t + t). Observamos que, para que este evento ocorra
´e necess´ario que apenas um indiv´ıduo da popula¸ao reproduza e (P1) indiv´ıduos ao re-
produzam. Desta forma, existem Ppossibilidades para o nascimento de um ´unico ind´ıviduo
e (P1) possibilidades para o nascimento de qualquer quantidade.
Logo, podemos escrever
p(P; t) = P[αt+h1(σt)].[1 (αt+h1(σt)]P1.(6.47)
Considerando a expans˜ao binomial do 2o
¯termo (binˆomio de Newton) e agrupando os
elementos de ordem inferior a t, obtemos
p(P; t) = αP t+H(σt).
Por outro lado, temos que p(P;t+ t) ´e a probabilidade de se ter menos que (P1)
elementos num instante t, acrescida da probabilidade de se ter dois ou mais elementos no
intervalo (t, t + t), isto ´e,
p(P;t+ t) = p(P;t)(1 αP t) + p(P1; t)α(P1)∆t+H1(σt)
ou p(P;t+ t)p(P;t)
t=α(P1)p(P1; t)αP p(P;t) + H1(σt)
t.
Passando ao limite quando t0, obtemos a equa¸ao diferencial
dp(P;t)
dt =α[(P1)p(P1; t)P p(P;t)].(6.48)
Suponhamos que para t= 0 tenhamos P=P0(popula¸ao inicial). Uma equa¸ao para
P0deve ser an´aloga `a equa¸ao (6.48) sujeita `a observa¸ao: pode-se ter P0indiv´ıduos num
358 Modelagem Matem´atica
instante t+ tsomente quando se tem P0no instante te nenhum nascimento no intervalo
de tempo (t, t + t). Logo,
p(P0;t+ t) = p(P0;t)(1 αP0t) + H2(σt)
ou p(P0;t+ t)p(P0;t)
t=αP0p(P0;t) + H2(σt)
t.
Agora, considerando o limite com t0, obtemos
dp(P0;t)
dt =αP0p(P0;t).(6.49)
As equa¸oes diferenciais (6.48) e (6.49) determinam as distribui¸oes de probabilidades
{p(P;t)}PP0,P=P0+ 1, P0+ 2, . . . , P0+n, e portanto, o processo evolutivo de uma
popula¸ao, dada inicialmente por p(P0; 0).
Se a popula¸ao inicial P0for conhecida precisamente, isto ´e se p(P0,0) = 1, ent˜ao a
avalia¸ao de p(P0;t) ´e obtida da equa¸ao (6.49), atrav´es da solu¸ao do problema de valor
inicial
dp(P0;t)
dt =αP0p(P0;t)
p(P0,0) = 1
(6.50)
ou seja, p(P0;t) = eαP0t.
A evolu¸ao da popula¸ao a partir de P0, isto ´e, a obten¸ao de p(P0+n;t) ´e feita passo
a passo, considerando-se a equa¸ao (6.48)
dp(P0+ 1; t)
dt =α[P0p(P0;t)(P0+ 1)p(P0+ 1; t)].
Substituindo a express˜ao de p(P0;t), obtida anteriormente de (6.50), vem
dp(P0+ 1; t)
dt =αP0eαP0tα(P0+ 1)p(P0+ 1; t)],(6.51)
que ´e uma equa¸ao linear ao-homogˆenea. Sua solu¸ao geral ´e dada pela soma de uma
solu¸ao particular com a solu¸ao da equa¸ao homogˆenea correspondente.
Temos que:
p(P0+ 1; t) = eα(P0+1)t
´e a solu¸ao da equa¸ao homogˆenea associada a (6.51) e
p(P0+ 1; t) = P0eαP0t
´e uma solu¸ao particular de (6.51).
Ent˜ao,
p(P0+ 1; t) = [keαt +P0]eαP0t
Rodney Carlos Bassanezi 359
´e a solu¸ao geral de (6.51).
Agora, como p(P0+ 1; t) = 1 ent˜ao p(P0+ 1; 0) = 0 e portanto, k=P0.
Logo,
p(P0+ 1; t) = P0eαP0t£1eαt ¤.
Continuando o processo, obtemos de maneira an´aloga que
p(P0+ 2; t) = P0(P01)
2eαP0t(1 eαt)2.
Donde, podemos conjecturar3que a probabilidade de se ter P0+nelementos no instante
t´e dada por
p(P0+n;t) = P0(P0+ 1)...(P0+n1)
n!eαP0t(1 eαt)n.
Considerando uma popula¸ao geral P=P0+n, obtemos a express˜ao do modelo de Pielou
estoc´astico:
p(P;t) = (P1)!
(PP0)!(P01)!eαP0t(1 eαt)(PP0).(6.52)
Como a fun¸ao densidade de probabilidade ´e dada por (6.52), podemos determinar seu
valor esperado E(P) (m´edia populacional), isto ´e,
P(t) = E(P) =
X
P=0
P p(P;t) = P0eαt.(6.53)
Portanto, neste caso, o modelo determin´ıstico (modelo de Malthus) expressa o estado
edio obtido no processo estoastico.
Observamos que este resultado, alido para o crescimento malthusiano, pode ser ou ao
verdadeiro em casos mais gerais. A raz˜ao entre o desvio padr˜ao D(P) e E(P):
CV (P) = D(P)
E(P),
a o coeficiente de varia¸ao de P.
Temos que
D(P) = pP0e2αt P0eαt =pP0eαt(1 eαt )1/2.
Logo
CV (P) = µ1eαt
P01/2
e, portanto
CV (P)1
P0
quando t .
3A demostra¸ao desta “conjectura” est´a bem clara no livro de Maki-Thompson [14].
360 Modelagem Matem´atica
Isto mostra que o erro de aproxima¸ao entre os modelos determin´ıstico e estoastico varia
inversamente com P0, `a medida que o tempo passa.
Portanto, quanto maior a popula¸ao inicial P0, melhor ser´a a aproxima¸ao entre a solu¸ao
determin´ıstica e a solu¸ao estoc´astica.
6.3.2 Modelos variacionais Fuzzy [1]
Os modelos estoc´asticos, como o de Pielou, ao frequentemente utilizados para analisar
varia¸oes sujeitas `as distribui¸oes de dados estat´ısticos. Entretanto, se pretendemos modelar
alguma popula¸ao cujos elementos ao heterogˆeneos relativamente a alguma caracter´ıstica,
devemos considerar o comportamento desta caracter´ıstica no processo evolutivo. Por ex-
emplo, se temos uma popula¸ao de fumantes num instante t0, sujeita a alguma taxa de
mortalidade, podemos querer saber como estar´a composta esta popula¸ao no futuro. Se
considerarmos que cada indiv´ıduo desta popula¸ao ´e simplesmente fumante ou ao-fumante
o problema pode ser resolvido com um modelo determin´ıstico, tomando separadamente am-
bas as popula¸oes. Por outro lado, se temos inicialmente uma distribui¸ao de probabilidades
dos fumantes desta popula¸ao, podemos usar um modelo estoastico para estudar a evolu¸ao
desta distribui¸ao inicial. Agora, se a caracter´ıstica de ser fumante depender da quantidade
de cigarros que se fuma diariamente, qualidade dos cigarros, intermitˆencia do ato de fumar
etc., devemos caracterizar tamb´em o grau de ser fumante. Neste caso, cada indiv´ıduo per-
tence `a popula¸ao de fumantes com um grau espec´ıfico de pertinˆencia. Se ao fumar, seu
grau de pertinˆencia ´e zero se fumar 3 carteiras di´arias podemos dizer que ´e uma fumante
de grau 1.
Um subconjunto fuzzy Ade um conjunto U´e caracterizado por uma fun¸ao µA:U
[0.1],chamada grau de pertinˆencia, onde µA(x) atribui o grau com que o elemento xpertence
ao subconjunto fuzzy A.
µA(x) indica o grau com que o elemento xde Uest´a em “concordˆancia” com o conceito
que caracteriza os “elementos” de A.
Observamos que se Afor um subconjunto cl´assico de U, ent˜ao os ´unicos valores de µA(x)
ao um ou zero, dependendo se o elemento xest´a ou ao em A.
Por exemplo, a popula¸ao dos animais predadores de uma determinada esp´ecie pode
ser considerada como um subconjunto fuzzy, se associarmos a cada predador seu grau de
preda¸ao.
Os modelos variacionais fuzzy podem comportar arios tipos de subjetividades (fuzzi-
ness), dependendo da escolha da vari´avel de estado e dos parˆametros dos modelos. Temos
uma fuzziness demogr´afica quando a vari´avel de estado ´e um subconjunto fuzzy, e fuzziness
ambiental quando somente os parˆametros ao considerados subconjuntos fuzzy. Em geral
ambos os tipos de fuzziness est˜ao presentes nos fenˆomenos biol´ogicos. Os modelos formulados
atrav´es de equa¸oes variacionais com fuzziness demogr´afica geralmente em um tratamento
matem´atico muito complexo a ao ser que nos restrinjamos aos modelos lineares.
Rodney Carlos Bassanezi 361
Modelo fuzzy do tipo Malthusiano
Um modelo fuzzy do tipo malthusiano consiste de uma equa¸ao gerada pela hip´otese de
crescimento populacional proporcional `a popula¸ao em cada instante, considerando a vari´avel
de estado Pcomo sendo um conjunto fuzzy em cada instante (cada indiv´ıduo pode mudar
seu grau de pertinˆencia ao conjunto considerado com o tempo-Por exemplo, no conjunto dos
predadores, a preda¸ao de cada indiv´ıduo depende de sua idade).
Seja PA(t) a fun¸ao grau de pertinˆencia do subconjunto fuzzy Apara cada valor de
t. Podemos subentender o subconjunto fuzzy Acomo sendo a pr´opria fun¸ao PA. Por
simplicidade, denotamos o subconjunto fuzzy PApor P.
Definimos o α-n´ıvel de um subconjunto fuzzy P, como sendo o subconjunto dos umeros
reais, dado por:
[P]α={xR:P(x)α}se 0 < α 1.
Quando os α-n´ıveis de Pforem intervalos fechados, colocaremos
[P(t)]α= [Pα
1(t), P α
2(t)] para cada t0.
O modelo fuzzy do tipo malthusiano ´e dado pela equa¸ao
(P0(t) = aP (t)
P0=PA(0) onde, P0´e um conjunto fuzzy e a0.
(6.54)
A solu¸ao desta equa¸ao (veja [18]) ´e obtida da solu¸ao do sistema de equa¸oes deter-
min´ısticas de seus α-n´ıveis:
dP α
1
dt =aP α
1(t), P α
1(0) = Pα
01
dP α
2
dt =aP α
2(t), P α
2(0) = Pα
02
(6.55)
para cada α(0.1].
Para cada α, a solu¸ao existe e ´e dada por
(Pα
1(t) = Pα
01 eat
Pα
2(t) = Pα
02 eat (6.56)
onde [Pα
01, P α
02] = [P(0)]α.
Se [P(0)]1tiver somente um ponto, isto ´e, P01 =P02 =P0ent˜ao [P(t)]1se comporta
como a solu¸ao do modelo determin´ıstico de Malthus: [P(t)]1=P0eat .
A solu¸ao do modelo (6.54) quando a < 0, ´e obtida do sistema de α-n´ıveis dado por:
dP α
1
dt =aP α
2(t), P α
1(0) = Pα
01
dP α
2
dt =aP α
1(t), P α
2(0) = Pα
02.
(6.57)
362 Modelagem Matem´atica
Figura 6.18: Solu¸ao do modelo fuzzy-malthusiano.
6.4 Modelos de Intera¸ao entre esp´ecies
Os modelos matem´aticos de competi¸ao e preda¸ao tiveram sua origem com os trabalhos
de Lotka (1925), Volterra (1926), Kostitzin e outros poucos (veja [17]) formulados em termos
de sistemas ao-lineares de equa¸oes diferenciais ordin´arias.
Muito tem sido escrito e pesquisado sobre estes modelos, originando uma enorme quan-
tidade de modelos alternativos. Entretanto, com excess˜ao de experimentos em laborat´orios
efetuados por Gause (1934), os ec´ologos colocam fortes resistˆencias sobre sua validade na
Natureza. Por outro lado, a medida de competi¸ao carece de novas ferramentas matem´aticas
que est˜ao sendo desenvolvidas a partir da Teoria Fuzzy ([10] e [2]).
6.4.1 Modelo de Lotka-Volterra
Dentre os modelos de intera¸ao entre esp´ecies vamos destacar o cl´assico modelo
presa-predador, cuja formula¸ao matem´atica ´e composta do modelo malthusiano (cresci-
mento/descrescimento exponencial) e da lei de ao de massas (intera¸ao entre as esp´ecies).
A analogia pode ser facilmente observada nos modelos epidemiol´ogicos, biodigestores, cresci-
mento de tumores, aplica¸oes quimioter´apicas, uso de herbicidas etc. O modelo presa-
predador tamb´em conhecido por modelo Lotka-Volterra tem sido tamem ponto de partida
para o desenvolvimento de novas ecnicas e teorias matem´aticas.
O modelo presa-predador trata da intera¸ao entre duas esp´ecies, onde uma delas (presa)
disp˜oe de alimentos em abundˆancia e a segunda esp´ecie (predador) tem como suprimento
alimentar exclusivamente a popula¸ao de presas. Vamos admitir tamb´em que durante o
processo, num intervalo de tempo t, o meio ao deve mudar favorecendo alguma das
esp´ecies e que qualquer adapta¸ao gen´etica ´e suficientemente lenta.
As varia¸oes ao dadas pelas seguintes equa¸oes:
Rodney Carlos Bassanezi 363
varia¸oes do
umero de presas =aumento
natural destrui¸ao pelos
predadores
varia¸oes do umero de
predadores =morte na ausˆencia de
presas +aumento causado pela
alimenta¸ao dispon´ıvel
Sejam
x=x(t) a densidade populacional das presas, e
y=y(t) a densidade da popula¸ao dos predadores destas presas, em cada instante t.
Simplificadamente, o modelo de Lotka-Volterra sup˜oe que as presas crescem exponen-
cialmente na ausˆencia dos predadores (modelo de Malthus) e que a taxa de mortalidade dos
predadores, na ausˆencia das presas, ´e proporcional a sua popula¸ao y(t) em cada instante
(morte por falta de alimento).
Admitindo que o encontro das duas esp´ecies seja ao acaso, ent˜ao quanto maior o
umero de presas, mais acil ser´a encontr´a-las e quanto mais predadores, mais alimento
ser´a necess´ario. ´
E razo´avel supor que a taxa de destrui¸ao das presas deve ser proporcional
ao umero de encontros poss´ıveis entre as duas esp´ecies!
A taxa de nascimento dos predadores depende exclusivamente, neste modelo, da quanti-
dade de presas devoradas em cada encontro.
Se modelarmos os encontros poss´ıveis pelo termo bilinear xy, ent˜ao o sistema presa-
predador, simplificado pelas imposi¸oes `a cima, ´e dado por
dx
dt =ax bxy
dy
dt =αy +βxy
(6.58)
onde a,b,α,βao constantes positivas.
O sistema (6.58) apesar de ser ao-linear, pode ser analisado qualitativamente no plano
de fase, eliminando a vari´avel independente t, atrav´es da regra da cadeia:
dx
dt /dy
dt =dx
dy .
A equa¸ao autˆonoma, correspondente a (6.58) ´e dada por
dx
dy =x(aby)
y(α+βx)(6.59)
que pode ser resolvida analiticamente por integra¸ao das formas diferenciais com vari´aveis
separadas Zα+βx
xdx =Zaby
ydy
364 Modelagem Matem´atica
ou
αln x+βx =aln y+by +k, (6.60)
onde k´e uma constante de integra¸ao.
Na equa¸ao (6.60) nem xou ypodem ser explicitados em termos de fun¸oes elementares.
As trajet´orias representadas pela equa¸ao (6.60) podem ser tra¸cadas por meio do etodo
gr´afico de Volterra:
Consideramos as fun¸oes auxiliares
z=f(x) = αln x+βx
w=g(y) = aln y+by
z=w+k
(6.61)
As partes positivas das trˆes fun¸oes de (6.61) podem ser esbo¸cadas separadamente em
cada quadrante de um plano, conforme figura 6.19, e suas interrela¸oes fornecem os pontos
da trajet´oria no 1o
¯quadrante xy:
Figura 6.19: Constru¸ao de trajet´orias no plano de fase.
A curva obtida pelo etodo gr´afico de Volterra ´e fechada no plano xy (x > 0 e y > 0),
indicando que as solu¸oes de (6.58), x=x(t) e y=y(t), ao peri´odicas.
Observa¸ao 6.4. Atualmente, empregando m´etodos da an´alise num´erica, a integra¸ao de
(6.58) pode ser desenvolvida rapidamente por um computador. Optamos pelo etodo gr´afico
de Voltera por ser mais interessante dos pontos de vista did´atico e hist´orico.
A figura 6.20 ´e um exemplo cl´assico do modelo presa-predador obtido por Gause em
testes de laborat´orio.
Rodney Carlos Bassanezi 365
Figura 6.20: Flutua¸ao no tamanho da popula¸ao de Paramecium aurelia que se alimenta
de Saccharomyces exiguus. A experiˆencia foi desenvolvida por G. F. Gause. A figura foi
reproduzida de D’Ancona (1954, p. 244).
As curvas representadas pelas figuras 6.19 e 6.20 proporcionam interpreta¸oes do
fenˆomeno presa-predador apesar de ao termos as solu¸oes explicitadas analiticamente. O
comportamento das trajet´orias pode ser analisado, considerando diferentes regi˜oes do plano
de fase:
Regi˜ao I (dx
dt >0 e dy
dt >0): Quando a popula¸ao de presas aumenta em tamanho, as
esp´ecies predadoras se tornar˜ao tamb´em mais numerosas por ter uma base alimentar
maior, com um certo atraso no tempo;
Regi˜ao II (dx
dt <0 e dy
dt >0): A crescente demanda por alimento reduz a popula¸ao das
presas e as esp´ecies predadoras em seu crescimento inibido;
Regi˜ao III (dx
dt <0 e dy
dt <0): O alimento se escasseia para as esp´ecies predadoras e como
consequˆencia apresentam uma redu¸ao em tamanho;
Regi˜ao IV (dx
dt >0 e dy
dt <0): A redu¸ao dos predadores favorece a popula¸ao das presas
que, lentamente, come¸cam a crescer.
O padr˜ao nas varia¸oes dos tamanhos das popula¸oes pode se repetir quando as condi¸oes
permanecem constantes. O processo continua em ciclos, denominados ciclos ecol´ogicos.
Esta an´alise qualitativa ´e baseada, essencialmente, na varia¸ao dos sinais das derivadas
do sistema (6.58) e consequentemente no estudo dos pontos de equil´ıbrio.
366 Modelagem Matem´atica
Um sistema est´a em equil´ıbrio quando sua varia¸ao ´e nula, isto ´e, quando dx
dt = 0 e
dy
dt = 0. No caso do sistema presa-predador (6.58) temos
dx
dt = 0 ax bxy = 0 x= 0 ou y=a
b
dy
dt = 0 αy +βxy = 0 y= 0 ou x=α
β
x= 0 e y= 0
ou
x=α
βey=a
b
O estudo da estabilidade dos pontos de equil´ıbrio P0= (0.0) e P1=³α
β,a
b´´e realizado
atrav´es de uma lineariza¸ao do sistema (6.58). Por exemplo: o sistema linear
dx
dt =ax
dy
dt =αy
(6.62)
corresponde `a lineariza¸ao de (6.58) em torno do ponto P0= (0.0).
A solu¸ao geral de (6.62) ´e dada por x(t) = x0eαt ey(t) = y0eαt.
Ent˜ao, se a condi¸ao inicial (x0, y0) ´e tal que x0>0 e y0>0, a tra jet´oria P(t) =
(x(t), y(t)) se afasta de P0. Neste caso P0´e dito se inst´avel.
Salientamos que a ´unica trajet´oria de (6.62) que se aproxima do ponto de equil´ıbrio P0
´e aquela que parte do ponto inicial (0, y0) com y0>0, isto ´e, na ausˆencia de presas, a
popula¸ao dos predadores ser´a extinta.
Agora, se considerarmos o ponto P1=³α
β,a
b´, atrav´es da mudan¸ca de vari´aveis em
(6.58)
u=xα
βev=ya
b
P1´e transportado para a origem, isto ´e, obtemos o sistema (6.58) transladado
du
dt =
βvbuv
dv
dt =βa
bu+βuv
(6.63)
O ponto P= (0,0) do sistema (6.63), correspondente do ponto P1do sistema (6.58), pode
ser analisado qualitativamente quando consideramos o sistema linearizado
du
dt =
βv
dv
dt =βa
bu.
(6.64)
Rodney Carlos Bassanezi 367
Os auto-valores de (6.64) ao complexos conjugados puros λ=±i, obtidos do
polinˆomio caracter´ıstico Q(λ),
Q(λ) = det
λ
β
βa
bλ
= 0 λ2+ = 0.
Logo, as solu¸oes reais de (6.64) ao peri´odicas de per´ıodo T=2π
u(t) = kα
βcos t
v(t) = ka
brα
asen t.
(6.65)
Observa¸ao 6.5. Usando a regra-da-cadeia em (6.64) podemos escrever
du
dv =αb2
2
v
u(6.66)
cuja solu¸ao geral ao as trajet´orias no plano de fase uv:
u2
2=αb2
2
v2
2+k
ou
2u2+αb2v2=ku2
k
2
+v2
k
αb2
= 1.(6.67)
E portanto, o ponto P(0,0) ´e um centro de todas as trajet´orias (el´ıpses), se k > 0. Neste
caso, o ponto de equil´ıbrio P1de (6.64) ´e dito ser est´avel.
A transferˆencia das caracter´ısticas dos pontos de equil´ıbrio dos sistemas linearizados
(6.62) e (6.64), correspondentes aos pontos de equil´ıbrio do sistema quase-linear (6.58) ´e
dada atrav´es do Teorema de Lineariza¸ao de Lyaponov-Poincar´e (veja [3], pg. 370).
As trajet´orias fechadas (6.60), em torno do ponto P1:³α
β,a
b´, descrevem o que se
convencionou chamar de ciclo ecol´ogico.
Historicamente, a quest˜ao fundamental que deu origem ao modelo presa-predador de
Volterra foi a observa¸ao do bi´ologo italiano D’Ancona, que constatou um aumento relativo
da popula¸ao de tubar˜oes no Mar Mediterrˆaneo no per´ıodo da I Guerra Mundial quando o
perigo de bombardeios reduziu drasticamente a pesca na regi˜ao.
368 Modelagem Matem´atica
Modelo presa-predador com pesca
Se introduzirmos no modelo (6.58) o fator pesca, a popula¸ao de presas decresce a uma
taxa de Ex(t) e a popula¸ao de predadores descreve a uma taxa de Ey(t), onde, E´e a medida
do esfor¸co de pesca, traduzida pelo no
¯de embarca¸oes, redes, pescadores etc, supondo que
com o mesmo esfor¸co ao capturados presas e predadores.
O modelo presa-predador com pesca ´e dado pelo sistema
dx
dt =ax bxy Ex = (aE)xbxy
dy
dt =αy +βxy Ey =(α+E)y+βxy
(6.68)
As equa¸oes do modelo (6.68) ao equivalentes `as equa¸oes do modelo (6.58) com parˆametros
modificados: aaE
αα+E
Logo, o ponto de equil´ıbrio ao trivial de (6.68) ´e dado por P2= (α+E
β,aE
b). Isto
implica que uma pesca moderada (E < a) faz crescer a popula¸ao de presas e decrescer a
de predadores (veja figura 6.21).
Figura 6.21: Trajet´orias do modelo linearizado de Volterra com pesca e sem pesca.
Rodney Carlos Bassanezi 369
6.4.2 Modelo Geral de Kolmogorov
A principal cr´ıtica ao modelo de Lotka-Volterra ´e dirigida ao fato de ser muito simpli-
ficado em se tratando de um processo ao complexo como ´e o de intera¸ao entre esp´ecies,
al´em do que pressup˜oe um tipo de estabilidade rara na Natureza. Na tentativa idealizadora
de se aproximar da realidade, arios modelos alternativos foram propostos posteriormente,
modificando ou generalizando o modelo de Lotka-Volterra que sempre tem servido de padr˜ao.
Kolmogonov (1936) analisa condi¸oes sobre um modelo te´orico geral [veja [3], pg. 390]
dado na forma
dx
dt =xf(x, y)
dy
dt =yg(x, y )
(6.69)
onde fegdevem satisfazer rela¸oes consistentes com a natureza do sistema presa-predador,
isto ´e,
∂f
∂x <0 (para xgrande),g
∂x >0
(6.70)
∂f
∂y <0 e ∂g
∂y <0
Deste modelo geral surgiram arios modelos particulares com modifica¸oes das taxas intere-
spec´ıficas (fun¸ao de densidade-dependˆencia) e das taxas de ataque (veja [9], pg. 223):
a. Trocando a taxa de crescimento interespec´ıfica aem (6.58) por f1(x) temos:
Modelo de Pielou (1969): f1(x) = r³1x
K´;
Modelo de Shoener (1973): f1(x) = rµK
x1.
b. Trocando o termo de preda¸ao bxy em (6.58) por g1(x, y) temos:
Modelo de Ivlev (1961): g1(x, y) = ky(1 ecx);
Modelo de Holling-Tanner (1965): g1(x, y ) = kxy
x+D;
Modelo de Rosenzweig (1971): g1(x, y ) = kyxp, 0 p1;
370 Modelagem Matem´atica
Modelo de Takahashi (1964): g1(x, y) = kyx2
x2+D2.
Evidentemente, a cria¸ao de um modelo te´orico ´e bastante simples, basta seguir as
condi¸oes estabelecidas por Kolmogonov. O complicado ´e formular um modelo que se a juste
a alguma situa¸ao particular.
O modelo de Holling-Tanner ´e um exemplo de modelo te´orico que altera a taxa de
crescimento interespec´ıfica e o termo de preda¸ao como veremos a seguir.
6.4.3 Modelo de Holling-Tanner
O modelo estabelece oscila¸oes estruturalmente est´aveis (ciclos limites) onde as equa¸oes
dinˆamicas ao:
dx
dt =rx ³1x
K´kxy
x+D
dy
dt =αµ1βy
xy
(6.71)
com r, K, k, D, α eβconstantes positivas.
Neste modelo temos:
a. A taxa de crescimento interespec´ıfica (fun¸ao densidade-dependˆencia) ´e do tipo usado
por Pielou que, por sua vez, usa a mesma taxa do modelo log´ıstico para uma esp´ecie
isolada. Desta forma, o crescimento das presas ´e inibido, tendo uma capacidade suporte
igual a Kna ausˆencia de predadores;
b. A taxa de ataque (efeito dos predadores) ´e crescente em rela¸ao `a quantidade de presas,
sendo estacion´aria;
c. A popula¸ao de presas (alimento) pode suportar, no aximo, uma quantidade de x
β
predadores, isto ´e, ydeve ser menor que x
βpara que a popula¸ao ycres¸ca;
d. k´e o n´umero aximo de presas que podem ser capturadas por um predador em cada
unidade de tempo (taxa axima de preda¸ao per capita);
e. D´e o n´umero de presas necess´arias para se atingir metade da taxa axima k;
f. β´e uma medida da qualidade aliment´ıcia proporcionada pela presa para convers˜ao em
nascimento de predadores;
O modelo de Holling-Tanner faz considera¸oes sobre o efeito preda¸ao ao estabelecidas
no modelo cl´assico de Lotka-Volterra. Obviamente, sua resolu¸ao ´e mais complexa, mas
muito interessante do ponto de vista matem´atico. Um resumo deste estudo pode ser dado
atrav´es das is´oclinas que ao curvas obtidas considerando-se dx
dt = 0 e dy
dt = 0 em (6.71) (veja
figura 6.22) e pelas trajet´orias no plano de fase (figura 6.23).
Rodney Carlos Bassanezi 371
Figura 6.22: Is´oclinas do modelo de Holling-Tanner.
Figura 6.23: As trajet´orias convergem para a trajet´oria fechada (ciclo limite).
Em termos pr´aticos, os modelos do tipo presa-predador desempenham um papel fun-
damental na competi¸ao existente entre os homens e entre os insetos, podendo ser um
instrumento facilitador no controle biol´ogico de pragas na lavoura.
6.5 Controle Biol´ogico de Pragas
A partir da ecada de 40 do eculo XX, acreditava-se que a prote¸ao das lavouras estaria
assegurada com lan¸camento de um defensivo qu´ımico de largo espectro, embora altamente
oxico, o DDT. A ind´ustria qu´ımica teve um desenvolvimento significativo depois da II
Guerra Mundial, reinando absoluta por muito tempo, at´e que os agricultores come¸cassem a
perceber e admitir que a infesta¸ao das lavouras persistia e agora agravada pela resistˆencia
372 Modelagem Matem´atica
cada vez maior das pragas aos agrot´oxicos. At´e 1938, apenas 7 insetos apresentavam re-
sistˆencia `a ao dos produtos qu´ımicos conhecidos. Atualmente, mais de 500 esp´ecies ao
resistentes `as mais ativas formas qu´ımicas (Globo Rural, 8; 84 Out. 1992).
O controle de pragas, por processos exclusivamente qu´ımicos, pode comprometer irre-
mediavelmente a cadeia de seus predadores naturais, diminuindo a diversidade biol´ogica e
facilitando o desequil´ıbrio em favor das pr´oprias pragas.
Algumas evidˆencias de que controles alternativos podem ser adotados tem mobilizado
muitos pesquisadores nesta busca - Se considerarmos que a maioria dos insetos tem como
alimenta¸ao preferencial outros insetos, o controle biol´ogico pode ser o ideal como uma
norma de combate `as pragas. O controle biol´ogico ´e a estrat´egia utilizada a muito tempo
pela pr´opria natureza para manter o equil´ıbrio dos ecossistemas. Na verdade, o que se
busca atualmente ´e colocar em pr´atica a diversifica¸ao de plantios, a preserva¸ao de esp´ecies
nativas, a cria¸ao de plantas transgˆenicas, a introdu¸ao de insetos predadores de outros
insetos e o desenvolvimento de bioinseticidas como s´ıntese de agentes pat´ogenos.
“De qualquer forma, por mais que avance a biologiza¸ao como monitora do equil´ıbrio de um
sistema, sua simples ado¸ao ao ser´a ao eficiente se for ignorada a pr´opria diversidade do
ecossistema - Basta ver que a sobrevivˆencia de um simples repolho depende da estabilidade
dinˆamica de uma comunidade composta de 11 comedores de folhas, 10 sugadores de seiva, 4
comedores de ra´ızes, 21 sapr´ofitas, 78 sacar´ofilos e uma centena de predadores carn´ıvoros”
(Globo Rural, 8;84 Out. 92).
Modelos matem´aticos que levem em conta a biodiversidade de um ecossistema podem ser
impratic´aveis, tanto do ponto de vista de uma formula¸ao biologicamente coerente quanto
da busca de alguma solu¸ao matem´atica. Um modelo matem´atico deve ser razo´avel, ao ao
simples que comprometa qualquer interpreta¸ao nem ao complexo que impossibilite obter
qualquer informa¸ao pr´atica.
Do ponto de vista instrucional, o modelo de Lotka-Volterra ´e ainda o mais recomendado,
funcionando como um indicador do processo de apredizagem do fenˆomeno.
Apresentaremos a seguir um trabalho desenvolvido num programa de Especializa¸ao de
Professores de Matem´atica na UNIMEP Piracicaba (1993), cujo objetivo era aplicar as
ecnicas de modelagem e o tema escolhido pelos alunos foi controle biol´ogico da broca da
cana-de-a¸ucar.
6.5.1 Controle Biol´ogico da Broca Cana-de-A¸ucar
Das in´umeras pragas que atacam a cana-de-a¸c´ucar, a broca Diatraea saccharalis ´e
a de mais dif´ıcil controle, pois trata-se de um inseto que passa a maior parte de sua vida no
interior da cana (mais especificamente dentro do colmo), tornando dif´ıcil seu combate por
meio de agentes qu´ımicos.
Ultimamente, a forma mais eficiente de combate da broca tem sido o controle biol´ogico,
utilizando-se propositadamente outras esp´ecies de insetos predadores, que ao espalhados no
canavial.
Rodney Carlos Bassanezi 373
Origin´aria da ´
Asia Meridional, a cana-de-a¸ucar ´e muito cultivada em pa´ıses tropicais e subtropicais
para obten¸ao do ucar, do ´alcool e da aguardente, devido a sacarose contida em seu caule, formado
por numerosos os. O Brasil, embora grande produtor de ucar desde a Colˆonia, expandiu muito
a cultura de cana-de-a¸c´ucar a partir da ecada de 1970, com o advento do Pro-´
Alcool programa
do governo que substituiu parte do consumo de gasolina por etanol, ´alcool obtido a partir da cana-
de-a¸c´ucar sendo pioneiro no uso, em larga escala, deste ´alcool como combust´ıvel.
No Brasil o controle da broca vem sendo efetuado principalmente pela utiliza¸ao da vespa
indiana “Apanteles flavipes”, aqui introduzidas em 1974.
O parasitismo se inicia por uma picada da vespa, ocasi˜ao em que um lote de ovos ´e
depositado no corpo da lagarta (broca). Desses ovos eclodem as larvas que se desenvolvem
`as custas dos tecidos da lagarta hospedeira, pondo termo ao ciclo da broca.
Afim de estudar o controle biol´ogico da broca da cana-de-a¸ucar, os alunos do curso
de Especializa¸ao utilizaram o modelo cl´assico de Lotka-Volterra para descrever a dinˆamica
populacional da broca (presa) e da vespa (predador), com dados experimentais fornecidos
pela Coopersucar de Piracicaba. O trabalho foi executado com a orienta¸ao do prof. Jo˜ao
Frederico C. A. Meyer do IMECC–Unicamp.
O modelo descreve a intera¸ao entre duas esp´ecies, onde uma delas a presa, (neste caso
a broca) disp˜oe de alimento em abundˆancia e a segunda esp´ecie o predador (neste caso,
a vespa), alimenta-se exclusivamente da primeira.
O que se pretendeu ao foi realizar um levantamento estat´ıstico, mas simplesmente efe-
tuar um treinamento de modelagem. Para tanto, foram colhidas as informa¸oes asicas,
utilizando material bibliogr´afico [7] e entrevistas com pesquisadores da Coopersucar.
374 Modelagem Matem´atica
Figura 6.24: Esquema de uma intera¸ao hospedeiro-parasit´oide.
Informa¸oes asicas
O adulto da Diatraea saccharalis ´e uma mariposa de cor amarelo-palha, com cerca de
25mm de envergadura, que ap´os o acasalamento faz as posturas, de preferˆencia na face dorsal
das folhas da cana, depositando de 5 a 50 ovos. Dependendo das condi¸oes clim´aticas, como
no caso do Estado de ao Paulo, ap´os decorridos 4 a 9 dias estes ovos eclodem, surgindo as
larvas que, inicialmente alimentam-se do parˆenquima das folhas, dirigindo-se posteriormente
para a bainha.
Depois da primeira troca de pele, penetram na parte mais mole do colmo, que ´e a gema
e abrem galerias, na sua maior parte longitudinais, de baixo para cima e ı permanecem
alimentado-se por cerca de 40 dias at´e atingir seu desenvolvimento completo. No final deste
per´ıodo as lagartas, a com 22 a 25mm de comprimento, abrem um orif´ıcio para o exterior
e imediatamente o fecham com seda e restos de baga¸co, por onde emergir˜ao as mariposas
adultas.
Passam, ent˜ao, para a fase de cris´alida, de colora¸ao castanha, com as mesmas dimens˜oes,
permanecendo neste estado por mais 9 a 14 dias. Metamorfoseiam-se em mariposas que saem
do interior do colmo para completar seu ciclo de vida com dura¸ao de 53 a 63 dias.
No Estado de ao Paulo ocorrem cerca de 4 gera¸oes por ano, chegando a 5 em condi¸oes
clim´aticas favor´aveis.
Em Outubro-Novembro as mariposas procuram as canas novas e efetuam a postura,
dando origem ´a primeira gera¸ao; A segunda se verifica entre Dezembro e Fevereiro; A
terceira entre Fevereiro e Abril e finalmente, em Maio-Junho a-se a quarta gera¸ao.
Quando as lagartas atacam as canas novas, causam a morte da gema apical, cujo sintoma
´e conhecido por “olho morto” (pequenas por¸oes dos os do colmo, visivelmente prejudi-
cadas), ocasionando falhas na germina¸ao.
Rodney Carlos Bassanezi 375
Na cana adulta, al´em do dano descrito anteriormente, ocorre perda de peso, brota¸ao
lateral, enraizamento ereo, colmos quebrados e entren´os atrofiados. Al´em disto, nos orif´ıcios
praticados pelas lagartas da broca penetram fungos (Fusarium moniliforme e Colletotrichum
falcatum) que ocasionam a “podrid˜ao vermelha”, causando perdas industriais consider´aveis.
Durante a germina¸ao do tolete infectado por estes fungos, ocorre a morte da gema e a
conseq¨uente redu¸ao da germina¸ao. Quando as plantas crescem, entre 3 e 4 meses, surgem
as primeiras les˜oes nas folhas, que culminam com a morte prematura das mesmas.
Os prejuizos mais graves ao os causados pela invers˜ao de cerca de 50 a 70% da sacarose
dos colmos atacados. Al´em disso, os fungos produzem invertases nestes colmos que, se indus-
trializados, ir˜ao inverter a sacarose do caldo normal nos processos iniciais de fermenta¸ao.
No Brasil, as perdas est˜ao associadas a intensidade de infesta¸ao da broca, com estima-
tivas de 4.1% de perdas de sacarose para uma taxa de 22.2% de infesta¸ao.
O controle biol´ogico visa interromper o ciclo evolutivo, a edio e longo prazo, em qual-
quer uma de suas fases. Atualmente se consegue o controle nas fases de ovo e de lagarta.
Os principais parasitas dos ovos da Diatraea saccharalis ao o Telenomus alecto e o
Trichogramma minutum, sendo o ´ultimo ao ao eficiente porque a esp´ecie ´e inespec´ıfica. a
a esp´ecie T. alecto tem uma eficiˆencia de 80 a 90%. Por´em, no Estado de ao Paulo a sua
utiliza¸ao sofre de continuidade, pois a Diatraea ao faz posturas em determinadas ´epocas
do ano (Julho–Setembro).
Os principais parasitos da lagarta ao os ıpteros (moscas larv´ıparas) Metagonistylum
minense ou “Mosca do Amazonas”, a Lixophaga diatraeae (“Mosca Cubana”) e a Parathere-
sia claripalpis (“Mosca Africana”); e o himen´optero Apanteles Flavipes (“Vespa Indiana”).
Ap´os sua gesta¸ao, as larvas das moscas penetram na entrada do orif´ıcio provocado pela
broca e encontram a lagarta (da broca), perfuram-lhe a pele e dela se alimentam. Em
seguida as larvas, passam `a forma de pupa no interior da galeria, pr´oxima ao orif´ıcio de
entrada, afim de garantir a sa´ıda do adulto. Em ao Paulo o seu parasitismo natural oscila
entre 15 a 20%.
O himen´optero Apanteles flavipes, proveniente da´ındia e do Paquist˜ao, vem se adaptando
`as arias regi˜oes de nosso pa´ıs. Apresenta vantagens em rela¸ao aos outros predadores
naturais por ter maior ´ındice de multiplica¸ao, ser espec´ıfico (somente parasita esta broca)
e poder ser produzido em laborat´orio com relativa facilidade.
O parasitismo se inicia quando a emea da vespa adulta, preta com 2 a 3mm de compri-
mento, entra no colmo pelo orif´ıcio praticado pela broca, ocasi˜ao em que encontra a lagarta
e atrav´es de uma picada deposita no interior do corpo do hospedeiro cerca de 50 ovos. Estes
permanecer˜ao no interior da lagarta hospedeira alimentando-se de seus tecidos de reserva
por cerca de 10 a 12 dias. Ao final deste per´ıodo as larvas do Apanteles migram para fora
do corpo da lagarta, que exaurida morre, e formam casulos (pupas), ficando neste estado de
3 a 5 dias quando tornam-se vespas adultas, completando ent˜ao o seu ciclo vital.
No parasitismo pelas moscas, cada uma a origem a duas outras, no aximo. a com
as vespas esta rela¸ao ´e de 1 para 50.
Como a observamos, existem arias esp´ecies de predadores da broca. Aqui, por simplici-
dade, consideramos um ´unico predador a vespa. Com esta simplifica¸ao obtemos modelos
376 Modelagem Matem´atica
mais did´aticos que pr´aticos, onde a ˆenfase maior est´a na obten¸ao dos parˆametros e no
estudo de sistemas de equa¸oes diferenciais e de diferen¸cas.
6.5.2 Modelo do tipo Lotka-Volterra: vespa ×broca
Sejam
B=B(t) : a popula¸ao de brocas numa regi˜ao limitada de um canavial, num instante
t;
V=V(t) : a popula¸ao de vespas que convivem com as brocas no mesmo canavial,
num instante t.
Hip´oteses
a. A quantidade de alimento (cana-de-a¸ucar) para a broca (presa) ´e bastante grande,
ao existindo uma auto-regula¸ao de seu crescimento espec´ıfico.
b. A vespa tem na broca sua alimenta¸ao asica e na ausˆencia desta a vespa morre.
c. A broca o ´e predada pela vespa (hip´otese altamente simplificadora).
Com estas considera¸oes, podemos formular o modelo presa-predador discreto:
(Bt+1 Bt=pBtqBtVt
Vt+1 Vt=rBtVtsVt
(6.72)
onde p, q, r, s ao constantes positivas.
O seu modelo an´alogo cont´ınuo ´e dado por:
dB
dt =aB bBV
dV
dt =βBV αV
(6.73)
com as constantes a, b, α eβpositivas.
Neste texto vamos analizar apenas o modelo cont´ınuo (6.73) deixando ao leitor o prazer
de estudar por si mesmo o modelo discreto (6.72).
A determina¸ao dos coeficientes est´a condicionada `a unidade de tempo (dias). Para efeito
de alculos consideramos per´ıodo de 1 ano para o plantio e colheita da cana.
Vimos que o ciclo da broca varia entre 53 a 63 dias (desprezaremos a ´ultima gera¸ao,
considerando apenas 4 gera¸oes num ano) e o ciclo das vespas ´e de 13 a 17 dias.
Admitiremos os crescimentos e intera¸oes, como fun¸oes cont´ınuas do tempo.
Rodney Carlos Bassanezi 377
a) Coeficiente de crescimento interespecifico da broca: a
Temos que:
τ1=53 + 63
2= 58 dias
´e o per´ıodo edio de um ciclo de vida da broca.
R= 5/1 = 5 (raz˜ao de crescimento cada adulto a origem a 5 indiv´ıduos adultos).
Supondo que, na ausˆencia de vespas, a popula¸ao de brocas aumenta sem inibi¸ao, temos:
B(τ1) = B0e1RB0=B0e1a=ln R
τ1
.
Portanto, a=ln 5
58 = 0.02774893.
Nota: Em condi¸oes de laborat´orio, R= 36/1, em cada gera¸ao.
b) Coeficiente de ataque: b
O coeficiente b´e calculado atrav´es da taxa de eficiˆencia do controle broca pela vespa.
Temos que apenas as emeas das vespas causam preju´ızo para as brocas - ent˜ao, podemos
admitir uma taxa de controle de 50%, isto ´e, B(τ2)=0.5B0, onde τ2= 15 dias ´e o per´ıodo
edio do ciclo da vespa.
Atualmente, recomenda-se a libera¸ao de 5000 vespas quando forem encontradas 10 bro-
cas (10 furos na cana), por uma pessoa em 1 hora, em 1 hectare (neste caso, uma proje¸ao
estat´ıstica daria aproximadamente 2000 brocas na ´area).
Usando a equa¸ao das presas de (6.73), temos
dB
dt =aB 5000bB =B(a5000b)
ou
dB
B= (a5000b)dt.
Integrando, vem
B(t) = B0exp[a5000b]t,
considerando t=τ2, obtemos
ln µB(τ2)
B0= (a5000b)τ2.
Tomando os valores τ2= 15, a= 0.02774893 e ln³B(τ2)
B0´= ln 0.5 = 0.69314718,
obtemos b= 0.00001479.
378 Modelagem Matem´atica
c) Coeficiente de mortalidade das vespas (na ausˆencia de alimento): α
Na verdade, somente a emea da vespa busca a broca para efetuar a postura de ovos.
Contudo, as vespas duram de 48 a 72 horas, ap´os a libera¸ao dos ovos. Admitiremos, a
partir destes dados, que a popula¸ao das vespas seja reduzida a 5% em cerca de 60 horas.
Ent˜ao, podemos escrever
V=V0eαt.
Tomando 60hs = 2.5 dias, obtemos
0.05V0=V0e2.5α
ou seja
α=ln 0.05
2.5= 1.198293.
d) Taxa de crescimento das vespas: β
O coeficiente βrepresenta a taxa de natalidade das vespas, que obviamente depende da
quantidade de hospedeiros (brocas) durante a postura.
Sabemos que cada vespa emea a origem a 50 outras, das quais apenas 15 completam o
ciclo de vida (cf. Knipling).
Da equa¸ao diferencial das vespas (6.73), temos
dV
dt =αV +βB0V,
onde B0'2000 brocas (valor inicial estimado por hectare pesquisado). Ent˜ao,
dV
V= (α+ 2000β)dt.
Integrando, temos
V=V0exp[α+ 2000β]t.
Usando os valores V0= 5000, α= 1.198293, t=τ2= 15, V(τ2) = 5000 ×15, obtemos
β= 0.0006894.
An´alise do Modelo
As trajet´orias no plano de fase-BV , do sistema presa-predador, satisfazem a rela¸ao
impl´ıcita geral (veja equa¸ao (6.60)):
αln B+βB =aln VbV +K,
onde K´e a constante de integra¸ao, a ser determinada com as condi¸oes iniciais B0= 2000
eV0= 5000.
Rodney Carlos Bassanezi 379
Usando os valores estimados dos parˆametros, obtemos
K=7.89167.
O ponto de equilibrio do sistema, P1= (B, V ) ´e tal que
B=α
β=1.198293
0.0006894 '1738 brocas
V=a
b=0.02774893
0.00001479 '1876 vespas.
Sabemos que, para o modelo de Lotka-Volterra, as trajet´orias ao curvas fechadas no
plano BV e portanto existe um per´ıodo t=T > 0 onde B(T) = B0eV(T) = V0.
O sistema (6.73) pode ser escrito na forma
1
B
dB
dt =abV
1
V
dV
dt =α+βB.
(6.74)
Integrando as equa¸oes de (6.74) entre 0 e T, obtemos
ln B(T)ln B(0) = ZT
0
(abV )dt
ln V(T)ln V(0) = ZT
0
(α+βB)dt.
(6.75)
Como B(T) = B0eV(T) = V0, obtemos
aT =bZT
0
V dt eαT =βZT
0
Bdt (6.76)
Portanto,
a
b=1
TZT
0
V dt ´e valor m´edio da popula¸ao das vespas ao longo do per´ıodo T;
α
β=1
TZT
0
Bdt ´e valor edio da popula¸ao das brocas ao longo de T.
Este resultado indica que, para este modelo, se queremos diminuir a quantidade de
brocas ao adianta aumentarmos a quantidade de vespas, pois tal fato somente alteraria a
magnitude da oscila¸ao do ciclo.
380 Modelagem Matem´atica
Figura 6.25: Ciclo ecol´ogico da intera¸ao entre brocas e vespas.
Exerc´ıcio 6.2. Nas condi¸oes anteriores, quais os valores m´ınimo e aximo das brocas?
Exerc´ıcio 6.3. Se existisse um inseticida que matasse 30% dos insetos instantaneamente,
seria conveniente aplic´a-lo? E quando seria a aplica¸ao? Fa¸ca o gr´afico desta situa¸ao.
Observa¸ao 6.6. O modelo presa-predador que adotamos para a intera¸ao vespa-broca prop-
icia um equil´ıbrio entre as esp´ecies em torno de 1738 brocas e 1876 vespas. Na realidade, o
controle biol´ogico com vespas ´e muito mais eficaz do que o previsto pelo modelo aqui adotado,
o que nos leva `a procura de outros modelos alternativos.
Modelos mais modernos e eficientes podem ser formulados quando consideramos a in-
tera¸ao de popula¸oes de insetos onde existe uma divis˜ao natural do tempo em geroes
discretas. Os modelos do tipo hospedeiro-parasit´oide discretos, podem ser testados no caso
da intera¸ao vespa-broca.
6.5.3 Modelo de Nicholson-Bailey (1935) [15]
Um modelo discreto do tipo hospedeiro-parasit´oide considera:
Bt: densidade da esp´ecie hospedeira (broca), na gera¸ao t;
Vt: densidade de parasit´oides (vespas), na gera¸ao t;
f=f(Bt, Vt): fra¸ao de hospedeiros ao parasitados;
Rodney Carlos Bassanezi 381
a: taxa de reprodu¸ao da broca;
c: umero edio de ovos vi´aveis depositados por um parasit´oide num ´unico hospedeiro.
Em termos de popula¸oes numa gera¸ao posterior (t+ 1), podemos escrever:
Bt+1 =umero de brocas na
gera¸ao anterior ×fra¸ao ao
parasitada ×taxa de reprodu¸ao
Vt+1 =umero de brocas na
gera¸ao anterior ×fecundidade do
parasit´oide
Assim, um modelo geral hospedeiro ×parasit´oide ´e da forma
Bt+1 =aBtf(Bt, Vt)
Vt+1 =cBt(1 f(Bt, Vt))
(6.77)
A express˜ao para f(Bt, Vt) depende de considera¸oes sobre o encontro dos insetos hos-
pedeiros e parasit´oides. Nicholson e Bailey consideram, em seu modelo que:
a. Os encontros ocorrem aleat´oriamente Ne=bBtVt, isto ´e, o umero de encontros
Ne´e proporcional ao produto das duas densidades populacionais, onde a constante b
representa a eficiˆencia da broca na procura da vespa;
b. Somente no primeiro encontro o parasit´oide deposita seus ovos no hospedeiro nos
outros encontros a postura de ovos ´e insignificante;
c. A ocorrˆencia de encontros aleat´orios discretos (eventos) ´e descrita pela distribui¸ao de
Poisson
p(r) = eµµr
r!
onde, p(r) ´e a probabilidade do evento ocorrer rvezes e µ´e o no
¯edio de eventos em
um dado intervalo de tempo.
No caso vespa ×hospedeiro, temos:
µ=Ne
Bt
´e o n´umero edio de encontros por broca por unidade de tempo.
Substituindo o valor de Ne=bBtVt, obtemos
µ=bVt.
Assim, a probabilidade de zero encontros ´e
p(0) = ebVt
0! (bVt)0=ebVt.
382 Modelagem Matem´atica
Portanto, a fra¸ao de brocas ao parasitadas ´e dada por
f(Bt, Vt) = p(0) = ebVt.
Logo, o modelo hospedeiro-parasit´oide de Nicholson-Bailey ´e dado por
Bt+1 =aBtebVt
Vt+1 =cBt[1 ebVt]
(6.78)
A estima¸ao dos valores dos parˆametros, neste caso, ´e diferente do caso cont´ınuo (presa-
predador 6.58) que fizemos anteriormente.
a) Como o ciclo de vida da broca ´e aproximadamente 60 dias e da vespa ´e 15 dias, consid-
eraremos a unidade de tempo igual a 15 dias. Assim, na ausˆencia de vespas o crescimento
das brocas se a atrav´es da equa¸ao discreta
Bt+1 =aBt
cuja solu¸ao ´e
Bt=B0at.
Temos tamb´em que cada broca gera 5 descendentes a cada 60 dias, ou seja, em cada 4
unidades de tempo. Assim,
B1= 5B0=B0a4a=4
5 = 1.49534878
b) Se admitirmos que a taxa de eficiˆencia de parasitismo das brocas pelas vespas ´e, em torno
de 50%, isto ´e, Bt+1 = 0.5Btquando a propor¸ao ´e de 5000 vespas por cada 2000 brocas,
ent˜ao
0.5 = Bt+1
Bt
=ae5000b
Donde,
5000b= ln µ0.5
1.49534878b= 0.0002191
c) Para o crescimento das vespas devemos considerar que cada adulto gera 15 descendentes
que completam o ciclo de vida, ou seja, dos 50 ovos depositados apenas 15 ao vi´aveis. Logo,
c= 15.
O modelo de Nicholson-Bailey (6.78), com os parˆametros estimados, ´e dado pelo sistema
Bt+1 = 1.4953Btexp(0.0002191Vt)
Vt+1 = 15Bt[1 exp(0.0002191Vt)]
(6.79)
Rodney Carlos Bassanezi 383
Figura 6.26: As brocas ao reduzidas drasticamente at´e 45 dias. Sua recupera¸ao significativa
come¸ca depois de 150 dias, sendo que um ano depois volta a atingir seu est´agio inicial (em
torno de 2000).
A solu¸ao de (6.79) pode ser obtida numericamente pelas ormulas de recorrˆencias. Os
gr´aficos 6.26 e 6.27 mostram o comportamento dinˆamico das duas popula¸oes.
Num est´agio inicial onde ao utilizadas 5000 vespas para controlar 2000 brocas, o modelo
6.79 prevˆe que o processo deve se repetir a cada ano, uma vez que as vespas se extiguem na
4a
¯gera¸ao.
An´alise qualitativa do modelo
Um estudo qualitativo do modelo (6.79) nos a condi¸oes de estimar os pontos de
equil´ıbrio.
As esp´ecies estar˜ao em equil´ıbrio se, e somente se,
Be=Bt+1 =BteVe=Vt+1 =Vt.
Substituindo estes valores no modelo, obtemos:
Be=aBeebV e
P0: (0.0) ou Pe= (Be, Ve),onde
Ve=cBe[1 ebV e]
1 = a ebVeVe=ln a
b
ln a
b=c Be[1 eb(ln a
b)]ln a
b=c Be[1 1
a]Be=aln a
bc(a1)
384 Modelagem Matem´atica
Figura 6.27: As vespas ao praticamente `a extin¸ao na quarta gera¸ao (75 dias).
Para analisarmos a estabilidade dos pontos de equil´ıbrio P0ePedevemos considerar
pequenas pertuba¸oes em torno destes pontos o que resulta na an´alise de um sistema linear
associado a (6.79).
Sejam
Bt+1 =F(Bt, Vt) = aBtebVt
Vt+1 =G(Bt, Vt) = cBt[1 ebVt]
Ent˜ao o sistema linear associado ´e dado por
½Xt+1 =a11Xt+a12 Yt
Yt+1 =a21Xt+a22 Yt(6.80)
onde Xt=BtBe;Yt=VtVe, sendo BeeVeas coordenadas do ponto de equ´ılibrio Pe
e os valores dos aij ao dados por:
a11 =∂F
Bt
(Be, Ve); a12 =∂F
∂Vt
(Be, Ve);
a12 =∂G
∂Bt
(Be, Ve); a22 =∂G
∂Vt
(Be, Ve)
(6.81)
Ent˜ao, o ponto de equilibrio (Be, Ve) ser´a est´avel se os auto-valores λ1eλ2da matriz
A=
a11 a12
a21 a22
Rodney Carlos Bassanezi 385
satisfazem |λ1|<1 e |λ2|<1; caso contr´ario ser´a inst´avel.
Sabemos que λ1eλ2ao ra´ızes do polinˆomio caracter´ıstico
P(λ) = λ2(a11 +a22)λ+ (a11 a22 a11 a21 ).
No modelo de Nicholson-Bailey, temos
a11 =∂F
∂Bt
=aebVt¯¯¯¯(Be,Ve)
=a1
a= 1
a12 =∂F
∂Vt
=aBtebVt¯¯¯¯(Be,Ve)
=baln a
bc(a1) =aln a
c(a1)
a21 =∂G
∂Bt
=c[1 ebVt]¯¯¯¯(Be,Ve)
=c·11
a¸
a22 =∂G
∂Vt
=cBtbebVt¯¯¯¯(Be,Ve)
=cb
a
aln a
bc(a1) =ln a
a1
Agora, para os parˆametros do sistema broca ×vespa (6.80) o polinˆomio caracter´ıstico ´e
dado por
P(λ) = λ2+ 1.812λ+ 1.215
cujas ra´ızes ao
λ=1.812 ±1.575
2=1.812 ±1.255i
2 |λ|= 1.102 >1.
Logo, o ponto (Be, Ve) ´e inst´avel. Isto significa que a popula¸ao de brocas deve voltar a
crescer sem limita¸ao se a aplica¸ao de vespas ao se repertir (veja figura 6.26).
Nas usinas onde os n´ıveis populacionais da broca ao elevados, o manejo com controle
biol´ogico da praga tem sido realizado com sucesso.
Em 1997, existiam cerca de 60 laborat´orios de controle biol´ogico da broca no Brasil dos
quais 14 ligados `a Copersucar. Tais unidades se dedicavam `a produ¸ao de parasit´oides, aos
levantamentos populacionais da praga, `as libera¸oes dirigidas, `a avalia¸ao de parasitismo e
aos levantamentos dos danos. Uma avalia¸ao realizada com base em premissas agronˆomicas,
econˆomicas e financeiras, considerando o per´ıodo de 16 anos para uma usina de 22.300 ha,
com libera¸ao anual de parasit´oides em 6.312 ha, constatou que o ganho em valor presente
l´ıquido (VPL), para o horizonte considerado, foi de US$ 611.9 mil. O ganho por hectare
foi da ordem de US$ 4.60. No per´ıodo analisado com controle biol´ogico, o parasitismo
edio geral da broca foi de 38 e o parasit´oide C. flavipes mostrou-se o mais eficiente, com
participa¸ao de 58% no parasitismo edio geral4.
4Modelo de an´alise econˆomica para avalia¸ao do controle biol´ogico da broca da cana-de ucar, Diatraea
saccharalis (L. C. de Almeida, E. B. Arrigoni e J. P. Rodrigues Filho) VII Semin´ario Copersucar de
Tecnologia Agronˆomica - 1997.
386 Modelagem Matem´atica
O modelo de Lotka-Volterra pode servir como parˆametro para a formula¸ao de mod-
elos mais gerais do tipo presa-predador, mesmo quando a “presa” ou o “predador” ao
ao esp´ecies vivas (veja Projeto 6.5), ou quando se estuda evolu¸ao de doen¸cas (modelos
epidemiol´ogicos).
Projeto 6.5. Preserva¸ao do meio ambiente
Uma ind´ustria descarrega suas ´aguas residuais contaminadas em um rio. Para preservar
o meio ambiente ´e necess´ario descontaminar esta ´agua, o que deve ser realizado por um
etodo biol´ogico que consiste em utilizar bact´erias que digerem o elemento contaminante,
em um tanque de volume v.
O problema consiste em determinar o volume m´ınimo deste tanque.
Dados e hip´oteses:
A concentra¸ao de poluentes na ´agua residual ´e de 102g/m3;
As bact´erias consomem o puluente a uma taxa proporcional `a sua popula¸ao por
unidade de volume, com uma constante de proporcionalidade de 0.1m3/g h;
A taxa de crescimento da popula¸ao de bact´erias ´e diretamente proporcional `a con-
centra¸ao de poluentes, com constante de proporcionalidade igual a 1.3m3/g h;
A taxa de mortalidade das bact´erias ´e de 105/h;
A descarga de ´aguas residuais ´e cont´ınua, na ordem de 9m3/h.
Justifique a formula¸ao do seguinte modelo matem´atico para descrever o fenˆomeno:
dx
dt =1.3
vxy 105xq
vx
dy
dt = 102q0.1
vxy q
vy
(6.82)
Encontre os pontos de equil´ıbrio do sistema;
Estude a estabilidade dos pontos de equil´ıbrio;
Calcule o n´ıvel de contamina¸ao no ponto de equil´ıbrio est´avel;
Determine vde modo que o n´ıvel de contamina¸ao no ponto de equ´ılibrio seja menor
que 103g/m3.
Projeto 6.6. Modelo de Leslie
P. H. Leslie (1948) sugere o seguinte modelo como formula¸ao alternativa do modelo
presa-predador:
dx
dt =ax bx2cxy : presas
dy
dt =αy βy2
x: predador
(6.83)
Rodney Carlos Bassanezi 387
Justifique e fa¸ca um estudo completo do modelo de Leslie. Aplique o modelo no caso da
intera¸ao vespa ×broca.
Observa¸ao 6.7. A an´alise de um sistema do tipo presa-predador pode depender forte-
mente da velocidade ϕ(x)com que o predador captura as presas. A fun¸ao ϕ(x)´e denomi-
nada resposta funcional dos predadores `as presas. Nos modelos de Lotka-Volterra temos que
ϕ(x) = kx.
De uma maneira geral ϕ(x)´e uma fun¸ao positiva e crescente, sendo diferenciada para
cada tipo de predador. Holling (1965) estabeleceu alguns padr˜oes para respostas func´ıonais
(figura 6.28)
Figura 6.28: Tipos de fun¸ao “resposta funcional” em sistemas presa-predador.
Projeto 6.7. Formula¸ao de um modelo alternativo
Um modelo geral do tipo presa-predador, definido por Kolmogorov, ´e da forma
dx
dt =xF (x)ϕ(x)y
dy
dt =y G(x)
(6.84)
Formule um modelo pr´oprio, definindo as fun¸oes F(x), ϕ(x) e G(x) compat´ıvel com
um modelo presa-predador.
Analise seu modelo (pontos de equil´ıbrio, estabilidade etc).
Para finalizar, gostar´ıamos de salientar, uma vez mais, que ao existe modelo definitivo
ou perfeito quando se quer representar matematicamente um fenˆomeno da realidade. Todo
modelo sempre poder´a vir a ser modificado e melhorado, basta que se pergunte: e se...?
Neste sentido, a Natureza ´e uma fonte inesgot´avel de problemas e a Matem´atica ocupar´a
sempre uma posi¸ao de destaque diante de desafios de novos conhecimentos.
Referˆencias Bibliogr´aficas
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Ecological Modelling, 128, pp. 27-33, 2000.
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de Mestrado, IMECC - UNICAMP, 1993.
389

Supplementary resources (2)

... resultado obtido pelo princípio da alometria (Bassanezi, 2002). ...
... e fazendo a constante de integração = ( > 0), (Bassanezi, 2002). Utilizando a equação (9) na equação (6), tem-se: ...
... Substituindo −1 3 pela expressão alométrica, o modelo do crescimento linear é obtido pela equação (Bassanezi, 2002): ...
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O objetivo deste trabalho é estimar o melhor modelo matemático que representa o crescimento linear de machos albinos da tilápia do Nilo. Os modelos escolhidos para este artigo são: de Gompertz, Verhulst e de Von Bertalanffy. Os dados são de um experimento previamente conduzido pelo Centro de Pesquisas Ictiológicas Rodolpho Von Ihering, o qual está situado no município de Pentecostes no Ceará. Para analisar qual o modelo com melhor ajuste, são empregados os seguintes critérios de avaliação: Coeficiente de Determinação (R^2), Quadrado Médio do Resíduo (QMR), o Erro Percentual Médio (EPM) e o Critério de Akaike Corrigido (AICc). O parâmetro do crescimento assintótico é maior no modelo Von Bertalanffy (36,309 cm), seguido pelo Gompertz (30,890 cm), e menor no de Verhulst (30,590 cm). Os três modelos tem um R^2 maior do que 99% e o de Gompertz tem os piores valores em todos os critérios. O modelo de Von Bertalanffy é considerado como o mais adequado para descrever o crescimento médio dos exemplares analisados. Ele possui os seguintes parâmetros: comprimento assintótico de 36,309 cm, constante de integração de 0,694 e taxa de crescimento relativo de 0,161 ano^(-1).
... Diferentes autores apresentam entendimentos para a modelagem. Bassanezi (2002), considera que a modelagem matemática pode ser entendida como "[...] a arte de transformar problemas da realidade em problemas matemáticos e resolvê-los, interpretando suas soluções na linguagem do seu contexto de origem" (Bassanezi, 2002, p. 16). Pollak e Garfunkel (2013, p. 9), sugerem que "em uma atividade de modelagem matemática, a matemática pura perde parte de sua soberania" no sentido de que as características do problema da realidade e a matemática precisam ser interligadas e as especificidades de cada uma precisam ser compartilhadas. ...
... Outro aspecto leva em consideração ponderações de Almeida (2018) Também levamos em consideração que simplificações são requeridas para a situação a ser investigada, de modo que, o que se estuda na sala de aula passa a ser uma situação idealizada (Cifuentes e Negrelli, 2012;Almeida e Vertuan, 2014;Bassanezi, 2002;Stillman, Brown e Geiger, 2015). ...
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Authenticity in Mathematical Modeling Activities: looking for a design Autenticidad en Actividades de Modelación Matemática: en busca de un diseño L'authenticité dans les activités de modélisation mathématique : à la recherche d'une conception Resumo Este artigo apresenta uma investigação sobre a autenticidade em atividades de modelagem matemática, mediada pela questão: Como caracterizar a autenticidade em atividades de modelagem matemática? A investigação desta questão tem como objetivo estruturar um design para a autenticidade em atividades de modelagem. A pesquisa inclui duas partes. Inicialmente, estrutura-se um design a partir de um quadro teórico relativo a essa temática na área de modelagem matemática, integrando seis atributos que qualificam a autenticidade nessas atividades, podendo conferir a elas maior ou menor nível de autenticidade. A segunda parte consiste em uma pesquisa empírica em que estudantes desenvolvem atividades de modelagem cuja autenticidade é analisada em relação aos atributos. A investigação se caracteriza como pesquisa qualitativa, associando movimentos analíticos por meio dos quais se dá a articulação entre teoria e informações a respeito da autenticidade, usando critérios interpretativos de análise. O design estruturado é inovador em relação ao que a literatura já reconhece quanto à identificação da autenticidade em atividades de modelagem matemática. A análise da atividade 1 lourdes@uel.br 2 109 de modelagem realizada indica que o design oferece uma maneira eficaz de inferir sobre a autenticidade, apontando que atividades de modelagem autênticas devem ser pautadas em uma realidade extraescolar, ao mesmo tempo em que atendem a anseios de uma realidade escolar. Palavras-chave: Educação Matemática, Modelagem Matemática, Autenticidade, Atributos. Abstract This article presents an investigation about authenticity in mathematical modeling activities that is mediated by the question: How to characterize authenticity in mathematical modeling activities? The investigation of this question aims to structure a design for authenticity in modeling activities. The survey includes two parts. Initially, a design is structured from a theoretical framework regarding this theme in the area of Mathematical Modeling and integrates six attributes that qualify the authenticity in these activities, being able to give them a greater or lesser level of authenticity depending on their identification in the activity. The second part consists of an empirical research in which students develop modeling activities whose authenticity is analyzed in relation to the attributes. The investigation is characterized as qualitative research, associating analytical movements through which the articulation between theory and information about authenticity takes place, using interpretative analysis criteria. Structured design is innovative in relation to what the literature already recognizes regarding the identification of authenticity in mathematical modeling activities. The analysis of the modeling activity carried out indicates that design offers an effective way of inferring authenticity, pointing out that authentic modeling activities must be guided by an extra-school reality while meeting the desires of a school reality. Resumen Este artículo presenta una investigación sobre la autenticidad en las actividades de modelado matemático que está mediada por la pregunta: ¿Cómo caracterizar la autenticidad en las actividades de modelado matemático? La investigación de esta pregunta tiene como objetivo estructurar un diseño para la autenticidad en las actividades de modelado. La encuesta incluye dos partes. Inicialmente se estructura un diseño a partir de un marco teórico respecto a esta temática en el área de Modelado Matemático e integra seis atributos que califican la autenticidad en estas actividades, pudiendo otorgarles un mayor o menor nivel de autenticidad dependiendo de su identificación en la actividad. La segunda parte consiste en una investigación empírica en la que los estudiantes desarrollan actividades de modelado cuya autenticidad se analiza en relación a los atributos. La investigación se caracteriza como investigación cualitativa, asociando movimientos analíticos a través de los cuales se produce la articulación entre teoría e información sobre la autenticidad, utilizando criterios interpretativos de análisis. El diseño estructurado es innovador en relación a lo que la literatura ya reconoce respecto a la identificación de la autenticidad en las actividades de modelado matemático. El análisis de la actividad de modelado realizado indica que el diseño ofrece una forma efectiva de inferir la autenticidad, señalando que las actividades de modelado auténticas deben estar guiadas por una realidad extraescolar al mismo tiempo que satisfacen los deseos de una realidad escolar. Palabras clave: Modelación Matemática, Autenticidad, Educación Matemática, Atributos. Résumé Cet article présente une enquête sur l'authenticité dans les activités de modélisation
... ou ainda, onde vou usar isso na minha vida? De modo a respaldar esses questionamentos do uso pragmático da Matemática, a modelagem matemática, no âmbito da Educação Matemática, tem sido difundida como uma abordagem metodológica que possibilita ensinar Matemática por meio da problematização de situações que podem estar inseridas no dia a dia dos alunos Bassanezi, 2002;Blum;Ferri, 2016;Burak, 1992;Blum, 2020;Pollak, 2015;Stillman, 2015). ...
... Porém, há de se considerar o papel do professor no desenvolvimento de uma atividade de modelagem, já que suas intervenções envolvem os alunos na tarefa Vertuan, 2012;Blum;Niss, 1991;Burak, 1992;Blum, 2020), orientam o encaminhamento da atividade (Bassanezi, 2002;Ferri, 2018;Pollak, 2015) e levam os alunos a mobilizarem conhecimentos matemáticos e extramatemáticos (Blum;Niss, 1991;Sriraman, 2006;Blum, 2020;Vertuan, 2018;Stillman, 2015). A mobilização de conhecimentos matemáticos de forma consciente pode auxiliar na percepção da Matemática pelos alunos (Silva; Almeida, 2017) e é evidenciada por meio dos signos produzidos por eles. ...
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Resumo: Neste artigo investigamos os signos produzidos no desenvolvimento de uma atividade de modelagem e, a partir desses signos, inferimos em que aspectos a matemática é percebida por alunos de uma turma do 9º ano do Ensino Fundamental. Nossas reflexões estão baseadas na modelagem matemática como uma alternativa pedagógica e na teoria da percepção sob um viés da semiótica peirceana. Para isso, nos debruçamos nos signos escritos, falados e gesticulados de uma turma de sete alunos de uma escola privada do estado do Paraná. Do ponto de vista semiótico, evidenciamos que os alunos se valem de gestos para se remeter a um objeto matemático e de simplificações para aproximar uma situação da realidade para o contexto matemático, considerando seus conhecimentos. Diante da interação com uma situação da realidade, concluímos que a percepção da Matemática ocorre de maneira singular e compartilhada entre os alunos que desenvolveram a atividade.
... Desde esta perspectiva sociocultural, para Bassanezi (2002), la Modelación Matemática busca valorar los saberes y haceres de los estudiantes y desarrolla su capacidad para evaluar el proceso de elaborar modelos matemáticos (etnomodelos) en sus diferentes contextos y aplicaciones, los cuales son Milton Rosa, Daniel basados en la realidad de su entorno, uniendo teoría y práctica. De este modo, los modelos matemáticos (etnomodelos) son considerados como conjuntos de símbolos y relaciones matemáticas que representan los objetos estudiados local o globalmente, o que representan problemas que surgen de situaciones locales y reales. ...
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La aplicación de los métodos de modelación tiene sentido para los investigadores y educadores cuando estos profesionales examinan los saberes, haceres y patrones matemáticos desarrollados por los miembros de distintos grupos culturales. Actualmente, un dilema en Educación Matemática es su tendencia a valorar y respetar los conocimientos matemáticos locales en su paradigma de investigación. Este es uno de los presupuestos del proceso de decolonización en Educación Matemática. Así, la búsqueda de metodologías innovadoras como la Etnomodelación es necesaria para registrar las formas históricas de las técnicas, procedimientos y prácticas matemáticas desarrolladas en diversos contextos culturales. Se destaca que, en su presupuesto decolonizador, la Etnomodelación no busca sustituir la matemática escolar o académica; sin embargo, es necesario reconocer la existencia de saberes y haceres matemáticos locales en el currículo escolar. De este modo, el proceso de decolonización desencadenado por la Etnomodelación evoca una perturbación que provoca una revisión de reglas, normas y reglamentos en el proceso de enseñanza y aprendizaje de las matemáticas. Proceso que desencadena un debate sobre la naturaleza de la matemática en relación con la cultura al proponer un diálogo decolonizador entre los enfoques local y global de una manera dialógica (enfoque glocal).
... Ce que l'on peut donc conclure, c'est que, même si des actions spécifiques sont reconnues, c'est dans la validation de la totalité de la modélisation que réside l'efficacité de la validation comme moyen de générer de la fiabilité dans ce qui peut être dit d'une situation de réalité par les maths. (Bassanezi, 2002;Mutti & Klüber, 2018;Brasil, 2018), são exemplos desses movimentos. ...
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The article aims to investigate validation in mathematical modelling activities with the objective of organizing a framework related to validation in these activities through data triangulation to give coherence and cohesion to the results. For the organization of the framework, a literature review regarding the theme is realized. In addition, an empirical research is carried out with students of a Mathematics Degree course. The gathering of empirical data and the theoretical structure allow to characterize understandings, the importance and ways of carrying out validation in mathematical modelling. Although it can be recognized as the final step in the modelling cycles, validation cannot be thought of as a cumulative process that only begins at the end of the activity and from which only acceptance or refutation results. Instead, it can act as an iterative agent and guide students' decision-making processes, and validation mechanisms can be activated at different stages of the activity. What can be concluded, therefore, is that, even if specific actions are recognized, it is in the validation of the totality of the modelling that the efficiency of validation resides as a means of generating reliability in what can be said about a situation of reality by using mathematics.
... Segundo Bassanezi (2002), a modelagem matemática diz respeito ao primor de pegar problemas reais e os transpor para o plano matemático buscando assim resolvê-los e interpretar suas soluções na linguagem do mundo real. De acordo com Coello (2006), a maior parte dos problemas reais encontrados na área de otimização envolve a obtenção de diversas metas que devem ser atingidas simultaneamente e estão sujeitas a restrições e, em geral, elas são conflitantes já que não existe uma única solução que otimize todas ao mesmo tempo. ...
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O sistema de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta - ILPF é uma abordagem agrícola integrada que visa maximizar a eficiência produtiva e a sustentabilidade ambiental. O objetivo deste estudo foi aplicar ferramentas matemáticas, especialmente a otimização multiobjetivo, para identificar soluções que equilibram os aspectos econômicos, ambientais e sociais do sistema ILPF. Este estudo de caso investigou o equilíbrio na produção de um sistema de ILPF na Fazenda São Paulo, em Iracema-RR. Utilizando técnicas de otimização multiobjetivo, foram exploradas diferentes combinações de culturas agrícolas, criação de gado e plantio de árvores. Usando o solver do Excel, foi encontrado a melhor distribuição da área cultivada para otimizar a produção de grãos, árvores e criação de gado, levando em consideração a emissão e sequestro do metano. No caso, houve uma ferramenta testada para o apoio à tomada de decisão para produtores rurais em busca da sustentabilidade e eficiência nos sistemas ILPF, contribuindo assim para o desenvolvimento de práticas agrícolas mais sustentáveis e resilientes.
... Pesquisas no âmbito da Educação Matemática tanto ensejaram como se amparam nestes documentos, de tal maneira que o alinhamento a determinados conceitos e proposições ganha força. É o caso da contextualização que encontrou, desde a década de 1980, ressonância acentuada, em decorrência do movimento das aplicações da matemática, conforme aponta Bassanezi (2002). Em especial, destacamos a relevância do tema deste artigo no âmbito da pesquisa em Modelagem Matemática na Educação Matemática, que tem em seu campo a adesão mais explícita à contextualização, como se pode ver em: Borges e Nehring (2008), Leite, (2008) e Burak (2010). ...
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O presente artigo expõe compreensões que emergiram do estudo sobre como se mostra o termo contextualização em estudos de sujeitos significativos da MM na Educação Matemática? Para tanto, buscamos pelo termo contextualização e as derivações contexto, contextualizar e contextuar em textos de sete autores que são significativos na área da Modelagem Matemática, sendo eles: Lourdes Maria Werle de Almeida, Jussara Loyola de Araújo; Jonei Cerqueira Barbosa; Rodney Carlos Bassanezi; Maria Salett Biembengut; Dionísio Burak; Ademir Donizeti Caldeira. Com um estudo meta-analítico esclarecemos os sentidos da contextualização e contexto como determinação, lugar que, articulação entre e meio de desenvolver. Destacamos a necessidade de atenção em relação ao uso de termos de modo naturalizado, abrindo possibilidades em novas investigações.
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Este estudo trata de uma pesquisa qualitativa que teve por objetivo investigar como uma atividade experimental, pautada na Teoria da Semelhança, a partir de uma intervenção elaborada por meio da modelagem matemática, pode contribuir para construção do conhecimento de eletroquímica. Os participantes foram estudantes do curso de Licenciatura em Química de uma instituição pública de Ensino Superior, localizada no Brasil. Como dispositivos para coleta dos dados, foram utilizadas a observação participante e a atividades de investigação por meio de experimentos, com provocação de averiguarem quais experimentos apresentaram evidências de uma reação química. A discussão dos dados foi possibilitada pela Teoria da Semelhança. Os resultados trazem reflexões a respeito da organização, planejamento e relação dos mecanismos atencionais no desenvolvimento de intervenções com conceitos que envolvam o pensamento matemático e químico.
Chapter
The research we refer to is grounded on a theoretical framework regarding metacognition and mathematical modelling and on an empirical research with students of a Mathematics Degree. The methodological approach is aligned with qualitative research. The analysis we carried out leads us to characterize and code six groups relating to usage of metacognitive knowledge and metacognitive strategies in mathematical modelling: decision-making, intentional reflection, reflective judgement, social experience, mathematical coherence and systemic thinking.
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Este estudo discute o uso conjunto de um recurso tecnológico com uma metodologia ativa no ensino aprendizagem da matemática, pesquisa desenvolvida como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da Licenciatura em Matemática, da Universidade do estado do Amazonas (UEA), no centro de Estudos Superiores de Parintins (CESP). O objetivo foi analisar a metodologia de rotação por estações com um aplicativo de Realidade Aumentada, como proposta metodológica de ensino e aprendizagem a fim de minimizar as dificuldades da geometria espacial, poliedros, em uma turma do 6º ano do Ensino Fundamental. A pesquisa caracterizou-se como uma pesquisa-ação, de abordagem qualitativa, utilizando-se para a coleta de dados: entrevista semiestruturada, questionário misto, observação participante e formulário de avaliação de softwares educacionais. Para a análise, usamos a triangulação, contrapondo a opinião dos autores da pesquisa com os resultados coletados do professor/alunos, do software educacional/metodologia utilizada, onde chegamos a conclusão que a combinação do software Sólidos RA junto à metodologia das rotações por estações mostrou-se um recurso significativo e diferenciado para o ensino e aprendizagem da geometria espacial trabalhada em sala de aula.
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The use of determinístic models to describe an observable phenomenon always presents enormous difficulty when evaluating values of the parameters. The usual procedure is to adjust values to results obtained by numerical simulation, or by simply “guessing” their values though subjective considerations. In those cases where randomness of the phenomenon cannot be established, or when there is not sufficient data available, it seems that fuzzy theory is an adequate approach to the problem. It seems natural that the “degree of poverty” together with adverse living conditions must influence the life expectancy of a group of individuals.
Book
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Este livro foi escrito para ser utilizado de diversas maneiras: como texto em disciplinas de Equações Diferenciais, como material para desenvolvimento de programas de Iniciação Científica ou simplesmente para estudos individuais. A ideologia de sua concepção é o assunto de boa parte do Cap. I e o seu conteúdo está explícito no índice.
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First-order difference equations arise in many contexts in the biological, economic and social sciences. Such equations, even though simple and deterministic, can exhibit a surprising array of dynamical behaviour, from stable points, to a bifurcating hiearchy of stable cycles, to apparently random fluctuations. There are consequently many fascinating problems, some concerned with delicate mathematical aspects of the fine structure of the trajectories, and some concerned with the practical implications and applications. This is an interpretive review of them.
Article
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The aim of this paper is to analyze the behavior of models which describe the population dynamics taking into account the subjectivity in the state variables or in the parameters. The models in this work have demographic and environmental fuzziness. The environmental fuzziness is presented using a life expectancy model where the fuzziness of parameters is considered. The demographic fuzziness is presented using the continuous Malthus and logistic discrete models. An outstanding result in this case is the emergence of new fixed points and bifurcation values to the discrete logistic model with subjective state variables in form of fuzzy sets. An interpretation is offered for this fact which differs from the deterministic one.
Article
Implications of various alternative methods of teaching the art of mathematical modelling are studied. Some ideas which have been tried in various countries of the world are discussed and some new possibilities are suggested.
Article
The original Lotka-Volterra model. See also Lotka (1925).
Article
This paper explores the application of fuzzy set theory for the modeling of within-phenotype niche width as it affects interspecific competition. Previous studies have used the Lotka-Volterra equations and calculated the competition coefficients αij using αij = (ui(s)ui(s) ds)/((ui(s))2ds), where ui(s) is the utilization of resource s by species i. This assumes that variability in resource usage between organisms with different phenotypes and that within each individual phenotype can be treated identically. Within-phenotype variability in resource usage is modeled here by assigning a fuzzy set of optimal resources to each individual as a function of its phenotype, and competition between individuals is then assumed to be a measure of the intersection of the corresponding fuzzy sets of resources. Between-phenotype variability is still modeled using statistical techniques. This is intended as a conceptual model, serving to introduce fuzziness as a more appropriate method than probability for the modeling of within-phenotype niche variation. No experimental verification of the model is attempted. A particular instance of the model is solved numerically, and found to display a limit to the similarity of coexisting species similar to that found in previous Lotka-Volterra based models.
Um estudo evolutivo de tumores s´ olidos
  • R C Bassanezi
  • M F Leite
  • O Rettori
Bassanezi, R. C.; Leite, M. F. & Rettori, O. - Um estudo evolutivo de tumores s´ olidos. Biomatem´ atica IV, pp. 1-7, Campinas, 1994.
O meio ambiente como fator de preda¸ c˜ ao: um estudo populacional do Donax Gemmula
  • E T Paes
  • P B Blinder
  • R Bassanezi
Paes, E. T.; Blinder, P. B.; Bassanezi, R. C. - “O meio ambiente como fator de preda¸ c˜ ao: um estudo populacional do Donax Gemmula”, Biomatem´ atica II, (1992), pp. 134-142.