O presente estudo pretende contribuir para a definição da linha da máxima preia-mar de águas vivas equinociais (LMPMAVE) no litoral sul do Algarve, de modo a fornecer os elementos necessários para a delimitação física do leito e da margem das águas do mar enunciada na Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro. Os resultados apresentados assentam em informação cartográfica à escala 1/2000 ou superior e em treze anos de observação e medições experimentais sistemáticas, que traduzem as condições morfológicas actuais.
Como ponto de partida, foram desenvolvidas equações empíricas, baseadas em dados experimentais recolhidos no terreno do litoral sul do Algarve, para o cálculo da altura do espraiamento das vagas em condições de agitação média do mar. A solução empírica obtida para as arribas não alcantiladas tem a fórmula geral: cota LMPMAVE = 4m + 6.90 tan β. Da aplicação desta equação resultam cotas da LMPMAVE que oscilam entre os 5.2m e os 7.5m (ZH), para a gama de declives medida no terreno. No caso das arribas, onde não existe variação da morfologia, a aplicação das soluções no terreno é imediata, bastando, para tanto, associar a LMPMAVE à curva de nível correspondente à cota de espraio obtida na equação, para o declive da arriba em causa. A equação sintética, que permite calcular a cota da LMPMAVE (m-ZH) em função do declive médio (β) das praias, tem a forma: cota LMPMAVE = 4m + 15.0 tan β. As cotas da LMPMAVE, calculadas a partir da equação e do declive médio das praias, atingem valores máximos de 6.5m (ZH) nas praias mais expostas à acção da agitação marítima, onde a granulometria é mais grosseira, concentrando-se na vizinhança do cabo de Alfanzina (praia do Carvalho) e da ponta do Castelo (praia do Evaristo). Nas praias mais abrigadas da agitação marítima dominante e onde a granulometria é mais fina, a cota da LMPMAVE é apenas 5.0m (ZH). Tal sucede na praia da Rocha, em parcelas da Meia Praia, da praia de Alvor e no sector a leste de Monte Gordo. Nas restantes praias, as cotas da LMPMAVE, calculadas a partir dos seus declives médios, atingem valores entre 5.5m e 6.0m (ZH).
Da imprecisão de demarcação da LMPMAVE associada a uma curva de nível nas praias submetidas a alterações morfológicas resultou a necessidade de olhar para o problema de forma diversa, mais abrangente, tendo em mente o espírito da Lei e a necessidade da sua concretização no terreno. A alteração essencial reside na abordagem do domínio público marítimo numa perspectiva assente no ordenamento e na gestão do território, necessariamente condicionada pela dinâmica costeira associada aos fenómenos naturais, vista num intervalo temporal alargado da ordem de, pelo menos, uma década, compatível quer com o período de eficácia dos instrumentos de gestão territorial, quer com os ciclos de oscilação natural dos agentes mesológicos que condicionam a evolução das praias (marés, agitação marítima, precipitação). Assente no pressuposto temporal da ordem da década, os resultados recolhidos no terreno num período experimental de 14 anos permitem demonstrar que, em praias naturais, a LMPMAVE coincide com a base da arriba (em praias suportadas por arribas) ou com a base da duna (em praias suportadas por dunas). Nas barreiras arenosas acumuladas nas fozes de estuários temporários ou lagoas costeiras, onde existem cordões dunares, a LMPMAVE também coincide com os limites das dunas. Estas conclusões permitem a demarcação imediata da LMPMAVE, com base nos elementos físicos estáveis, no espaço e no tempo, e facilmente reconhecíveis no terreno e em fotografia aérea. Estes critérios de demarcação da LMPMAVE são válidos nas praias e barreiras que mantêm a sua morfodinâmica natural, sem interferência humana, e podem ser estendidos a todo o território nacional, independentemente do regime de agitação média do mar.
No presente documento é, ainda, apresentado um conjunto de soluções para identificação da crista da arriba, em contextos morfológicos diversos, baseadas em critérios assentes na uniformidade litológica, na resistência e no tipo de perfil da vertente costeira. São, ainda, identificados elementos morfológicos particulares das arribas, nomeadamente os algares, os cones de detritos dos movimentos de massa e as fajãs e apresentada a respectiva solução para a demarcação da LMPMAVE e da margem. São também analisados e discutidos os critérios para demarcação da LMPMAVE e da margem nos ambientes confinados, nomeadamente lagunas, estuários permanentes, estuários temporários e lagoas costeiras, submetidos à inundação periódica das águas do mar.
Nas praias em que a intervenção humana alterou a morfologia natural, por pisoteio das dunas, através de alimentação artificial ou na sequência de execução de obras de protecção costeira, o traçado da LMPMAVE deve reflectir essas alterações e deve ser analisado caso a caso. Para o litoral do Algarve sul são apresentadas soluções para a identificação da LMPMAVE e dos limites da margem, para todas as praias em que a intervenção humana alterou o traçado natural da área do domínio público marítimo.