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Abstract

A Actor Network-Theory (ANT) é uma perspectiva teórico-metodológica que vem sendo elaborada desde a década de 1980. Traduzida para o Brasil como Teoria do Ator-Rede (TAR), ela inverte teórica e empiricamente a lógica comumente empregada pelos estudos sociológicos. Assim, em vez de assumir elementos como poder, tamanho, estrutura, agência e outros (meta)construtos, como causas das transformações sociais e técnicas, a TAR os coloca como efeitos, isto é, como consequências temporárias de redes relacionais heterogêneas, que indistinguem puros elementos sociais ou técnicos. Face à crescente adoção da TAR nos estudos em administração/organizações brasileiros, o presente trabalho discute pressupostos ontológicos e epistemológicos, notadamente a irredutibilidade e a simetria, que devem ser considerados nas práticas científicas que lançam mão da TAR como lente teórico-metodológica. Além disso, aborda-se a questão da operacionalização de pesquisas que empregam essa abordagem na exploração empírica de suas temáticas, discutindo-se um breve conjunto de artigos brasileiros que apresentam esforços dessa natureza. Ao final, busca-se explicitar as oportunidades de inovação nos estudos do campo de administração/organizações, a partir de investigações nas quais os pressupostos em discussão sejam adequadamente assimilados nas práticas de pesquisa.
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Teoria do ator-rede: irredutibilidade, simetria e
os estudos em administração/organizações
Actor-network theory: irredutibility, symmetry
and studies in administration/organizations
JOSÉ DE ARIMATÉIA DIAS VALADÃO*
JOSÉ RAIMUNDO CORDEIRO NETO**
JACKELINE AMANTINO DE ANDRADE***
Resumo
A Actor Network-Theory (ANT) é uma perspectiva teórico-me-
todológica que vem sendo elaborada desde a década de 1980.
Traduzida para o Brasil como Teoria do Ator-Rede (TAR), ela
inverte teórica e empiricamente a lógica comumente empregada
pelos estudos sociológicos. Assim, em vez de assumir elementos
como poder, tamanho, estrutura, agência e outros (meta)cons-
trutos, como causas das transformações sociais e técnicas, a TAR
os coloca como efeitos, isto é, como consequências temporárias
de redes relacionais heterogêneas, que indistinguem puros ele-
mentos sociais ou técnicos. Face à crescente adoção da TAR nos
estudos em administração/organizações brasileiros, o presente
trabalho discute pressupostos ontológicos e epistemológicos,
notadamente a irredutibilidade e a simetria, que devem ser con-
siderados nas práticas cientícas que lançam mão da TAR como
lente teórico-metodológica. Além disso, aborda-se a questão da
* Universidade Federal de Lavras (UFLA). Professor do Departamento de Administração e
Economia (DAE/UFLA); Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Administração
Pública (PPGAP/UFLA). arimateiavaladao@hotmail.com .
** Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF. Professor do Curso de Admi-
nistração da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF); Doutorando em
Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração (PROPAD/UFPE).
cordeironneto@gmail.com .
*** Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professora do Departamento de Admi-
nistração da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Professora do Programa de
Pós-Graduação em Administração (PROPAD/UFPE). jackeline.amantino@gmail.com .
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José de Arimatéia Dias Valadão, José Raimundo Cordeiro Neto,
Jackeline Amantino de Andrade
operacionalização de pesquisas que empregam essa abordagem
na exploração empírica de suas temáticas, discutindo-se um
breve conjunto de artigos brasileiros que apresentam esforços
dessa natureza. Ao nal, busca-se explicitar as oportunidades de
inovação nos estudos do campo de administração/organizações,
a partir de investigações nas quais os pressupostos em discussão
sejam adequadamente assimilados nas práticas de pesquisa.
Palavras-chave: Teoria do Ator-Rede. Irredutibilidade. Simetria.
Administração. Organizações.
Abstract
The Actor-Network Theory (ANT) is a theoretical-methodological
perspective that has been elaborated since the 1980s. Translated
into Brazil as Teoria do Ator-Rede (TAR), it theoretically and em-
pirically inverts the logic commonly employed by sociological
studies. Thus, instead of assuming elements such as power, size,
structure, agency, and other (meta) constructs, as causes of social
and technical transformations, TAR places them as eects, that is,
as temporary consequences of heterogeneous relational networks,
pure social or technical elements. In view of the increasing adop-
tion of TAR in studies in Brazilian administration/organizations,
this paper discusses ontological and epistemological assumptions,
notably irreducibility and symmetry, which should be conside-
red in the scientic practices that use TAR as a theoretical and
methodological lens. In addition, it addresses the question of
the operationalization of research that employ this approach in
the empirical exploration of its themes, discussing a brief set of
Brazilian articles that present eorts of this nature. In the end,
it is sought to make explicit the opportunities of innovation in
the studies of the eld of administration/organizations, from
investigations in which the assumptions under discussion are
properly assimilated in the research practices.
Key-words: Actor-Network Theory. Irreducibility. Symmetry.
Management. Organizations.
1. Introdução
A Teoria do Ator-Rede (TAR) é uma perspectiva teórico-meto-
dológica que vem sendo elaborada desde a década de 1980 (LAW,
2007). Entre as correntes teóricas que inuenciaram seus primeiros
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e os estudos em administração/organizações
trabalhos estão a Semiótica Greimasiana (GREIMAS; COURTÉS,
1979); as Filosoas de Gilles Deleuze (DELEUZE; GUATTARI, 1987)
e Michel Serres (SERRES, 1990; 1996); os Sistemas Tecnológicos
de Thomas Hughes (HUGHES, 1983, 1987); a Sociologia de David
Bloor (BLOOR; 2009) e a Etnometodologia de Harold Garfinkel
(GARFINKEL, 1967).
A partir de seus trabalhos pioneiros (LATOUR; CALLON, 1981;
CALLON, 1986; LATOUR, 1988a; LAW, 1986), cada vez mais essa
abordagem se constituiu numa linha de investigação que cou co-
nhecida inicialmente na França como Acteur Reseau e se consolidou
na língua inglesa como Actor-Network Theory (ANT). Traduzida para
o Brasil como Teoria do Ator-Rede, a TAR, teórica e empiricamente,
inverte a lógica comumente empregada pelos estudos e, ao invés
de atribuir a elementos como poder, tamanho, estrutura, agência e
outros (meta)construtos a responsabilidade das causas das trans-
formações sociais e técnicas, os coloca como efeitos, isto é, como
consequências temporárias de redes relacionais heterogêneas que
indistinguem puros elementos sociais ou técnicos.
No campo da pesquisa em Administração, tem havido um cres-
cente interesse pela perspectiva da TAR, desde que a emergência
de novas abordagens nas ciências humanas – notadamente a partir
do nal do século XX têm sido percebidas como oportunas para
a superação de dilemas recorrentes na área (LEE; HASSARD, 1999;
CZARNIWASKA, 2009b; HASSARD; COX, 2013). Assim, o emprego
da TAR tem apresentado uma adesão cada vez maior nesse campo,
seja em áreas especícas como os estudos organizacionais (FELD-
MAN; ORLIKOWSKY, 2011), seja em outros campos relacionados à
gestão, como administração pública (ARNABOLDI; AZZONE, 2010)
e tecnologias (ORLIKOWSKY; SCOTT, 2008). Mesmo em segmentos
como os estudos organizacionais críticos, certa aproximação tem sido
percebida por alguns pesquisadores que defendem que a conexão
entre essas perspectivas guarda elevado potencial de renovação para
ambas (ALCADIPANI; HASSARD, 2010).
No Brasil, o emprego da TAR em pesquisas da área de Admi-
nistração pode ser observado sobretudo a partir dos anos 2000. São
exemplos os trabalhos como o de Andrade (2006) sobre a gestão de
políticas públicas; de Tureta e Alcadipani (2011) e Tureta e Araújo
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Jackeline Amantino de Andrade
(2013) em sua investigação acerca dos processos organizacionais
em escolas de samba; de Andrade (2011), que trata de redes de
patentes em biotecnologia; de Andrade, Cordeiro Neto e Valadão
(2013) sobre iniciativas em gestão do desenvolvimento; de Tonelli
e Zambalde (2015), a respeito do fenômeno do empreendedorismo
tecnológico vinculado a instituições de pesquisa; de Cerreto e Do-
menico (2015) ao fazer uso da TAR para estudar um processo de
mudança organizacional; de Valadão, Cordeiro Neto e Andrade
(2017) em sua abordagem acerca da expansão de uma tecnologia
social de educação rural.
Além desses trabalhos, que possuem uma orientação para a
exploração de questões empíricas, outros trabalhos de autores bra-
sileiros têm se dedicado a reetir teoricamente sobre o uso da TAR
na área de administração ou a propor articulações teóricas entre
esse movimento intelectual e outras abordagens mais comuns na
área. Nessa perspectiva, podem-se citar Andrade (2004); Alcadipani
e Tureta (2009); Cavalcanti e Alcadipani (2013); Camillis e Antonello
(2015); Camillis, Bussular e Antonello (2016); Duarte e Alcadipani
(2016) e Tonelli (2016).
Nesse cenário, o presente artigo compartilha do entusiasmo re-
lacionado a essa expansão da TAR como inspiração para estudos na
área de Administração, especialmente por proporcionar renovadas
formas de lidar com questões como a relacionalidade, com o debate
sobre as perspectivas micro e macro e com a discussão a respeito
da estrutura-agência (CORDEIRO NETO; VALADÃO; ANDRADE,
2016). Aqui, a discussão está direcionada para um aprofundamento
de dois dos principais pressupostos presentes na TAR, quais sejam:
o princípio da irredutibilidade e o princípio da simetria, os quais
se mostram fundamentais para o posicionamento das estratégias de
investigação ator-rede, em termos ontológicos e epistemológicos.
Nas próximas seções, com o objetivo de contribuir para uma
maior clareza quanto às implicações desses pressupostos no trabalho
do pesquisador que venha a empregar a TAR como orientação teóri-
co-metodológica, a abordagem é apresentada em termos gerais e, em
seguida, cada um desses pressupostos é explorado separadamente
(seção 2). Na sequência, são exibidos estudos brasileiros recentes que
têm procurado equacionar tais implicações em suas estratégias de
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investigação no campo das pesquisas em Administração. Para tanto,
cinco pesquisas são destacadas para esse propósito e brevemente
discutidas (seção 3). Por m, algumas considerações nalizam o tra-
balho, enfatizando elementos que se mostram centrais na tarefa da
pesquisa em administração quando da opção teórico-metodológica
pela Teoria do Ator-Rede (seção 4).
2. Pressupostos da teoria do ator-rede
A TAR, de um modo geral, trata dos vínculos e relações entre
atores e as redes que os caracterizam. Mas não vínculos sociais como
é discutido na Sociologia, pois para Latour (2012), a TAR pode ser
considerada a “sociologia das associações de coletivos” ao invés
de ocupar-se da sociedade. O coletivo se refere às associações de
pessoas, materiais, textos e todos os demais atores envolvidos em
relações sociotécnicas e que delineiam redes únicas e especícas,
mesmo sendo, às vezes, de forma provisória. Enquanto o conceito
de sociedade implica uma prévia distinção entre natural e social, o
coletivo não “remete a uma unidade já feita, mas a um procedimento
para coligar as associações de humanos e não-humanos” (LATOUR,
2004a, p. 373, grifos do autor). No coletivo, não é possível supor que
serão os humanos quem determinarão os efeitos das redes. A ideia
de agência, nesse sentido, é compreendida como ação distribuída
nas redes, deslocando a ênfase das questões de intencionalidade e
da busca por desvelar origens e fontes da ação. A incerteza quanto
às fontes da ação, desse modo, é incentivada como recurso teóri-
co-metodológico, enfatizando o ator como ator-rede pela sua mul-
tiplicidade, que “não é a fonte de um ato e sim o alvo móvel de
um amplo conjunto de entidades que enxameiam em sua direção”
(LATOUR, 2012, p. 75).
A sociedade, para TAR, não é somente um “conjunto de pessoas
em um sistema de organização coletiva” (DICIONÁRIO AULETE
DIGITAL, 2013). Os seres humanos formam uma rede (social) apenas
mediante a presença e ação de materialidades diversas. Em outras
palavras, essas associações seriam insustentáveis caso tivessem que
ser suportadas somente por “elementos sociais” (LAW; MOL, 1995).
Na visão da TAR, são inadequadas as explicações convencionais das
Ciências Sociais, que se se concentram nos humanos e secundarizam
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a presença dos objetos ou, por sua vez, focalizam nas tecnologias e
separam em planos diferentes os humanos e os materiais implicados
nas relações estudadas. A divisão ontológica entre os humanos e
não humanos pressuposta nesses estudos é, para a TAR, uma das
principais diculdades de efetivamente revelar o “tecido” da qual
a sociedade é formada.
Com a TAR, afirma-se que as pessoas não estabelecem suas
relações por meio unicamente de seu corpo e mente. As relações “hu-
manas” são definidas inextricavelmente na presença de materiais, em
interações mais complexas do que as pressupostas pelos dualismos
externo-interno e corpo-mente, motivo pelo qual Mol e Law (2004)
sugerem a noção de corpo-em-ação, com limites semipermeáveis e
uma conguração complexa. Os materiais, no entanto, só podem ser
caracterizados a partir de sua interação com a presença humana. Isso
faz de cada ser humano e de cada objeto “[...] um efeito produzido
por uma rede de materiais interativos e heterogêneos” (LAW, 1992,
p. 4). Essa rede heterogênea é ao mesmo tempo causa e consequência
dessas interações. Os humanos e objetos atuam indissociadamente,
formando-se em atores compósitos e irredutíveis a um corpo (hu-
mano) ou material isoladamente. Isso impossibilita separar humano
e não humano em distintas posições ontológicas. As interações são
muito mais sociomateriais do que estritamente sociais, signicando
que “socialidade e materialidade são conjuntamente construídas”
(LAW; MOL, 1995, p. 274).
Por meio da expressão hifenizada “atores-redes”, em oposição
ao ator social necessariamente humano da tradição sociológica, a
TAR tornou-se “[...] uma resposta à tendência da sociologia que co-
loca entre parênteses o não humano, seja ele tecnológico ou natural”
(LEE; BROWN, 1998, p. 222) e o coloca no mesmo plano constituído
pelos humanos. “Humanos podem, mas não necessariamente são,
atores; atores podem, mas não necessariamente são, humanos”
(LAW; MOL, 1995. p. 277). As organizações, por exemplo, comu-
mente estudadas como meios instrumentais para que os humanos
alcancem seus objetivos, passam a ser vistas na TAR, como redes
ordenadas provisoriamente oriundas das relações e interações de
atores redes em contínuos processos associativos e dissociativos.
Organizações, por conseguinte, são tomadas como efeitos interati-
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vos, “[...] são mais ou menos papéis precariamente padronizados
desempenhados por pessoas, máquinas, textos, prédios, e tudo o
mais que possa oferecer resistência” (LAW, 1992, p. 384), ou ainda
“uma realização, um processo, uma consequência, uma congura-
ção de resistências, um efeito precário” (LAW, 1992, p. 390). Tanto
as organizações como outros ordenamentos (como a família, um
computador, a economia etc.) são, assim, estabilizações provisórias
negociadas em extensas redes heterogêneas de pessoas, materiais e
outros elementos, apresentando-se ora de maneira única, simples e
estruturada, ora caótica, desordenada e complexa, em virtude dos
diversos e diferentes deslocamentos dos atores na rede.
O que é comumente convencionado como social passa a ter
outro sentido na TAR. O social, ao invés de ser compreendido como
um conjunto de características que diferem os diversos grupos hu-
manos (LATOUR, 2012), organizados independente e estruturalmen-
te, deve ser entendido pelas suas raízes etimológicas e considerar
o “socio”, somente na perspectiva de “unir, associar, fazer ou ter
em comum” (STRUM; LATOUR, 1987, p. 793). O social assemelha-
-se mais a um verbo (associar) do que a uma entidade absoluta (o
social), apresentando-se no cotidiano das relações como processos e
movimentos, nos quais a atuação dos atores pode ser compreendida
e descrita (CALLON; LATOUR, 1981). Diferente de um social que
explica as formações e conformações do mundo, o que se presencia
cotidianamente são apenas efeitos temporários das interações dos
atores. Para Law (1992), o natural, o técnico e o social, apesar de
apresentarem cotidianamente separados e representados por atores
que se parecem entidades absolutas, empiricamente nada mais são
do que “redes de certos padrões de materiais heterogêneos” (LAW,
1992, p. 2).
O que é comumente denominado de realidade é, para a TAR, o
resultado das convenções, interações e ações dos atores-redes e não
uma existência dada a priori. São as negociações entre os atores que
denem o que será duradouro ou provisório, rápido ou demorado,
efêmero ou perene, local ou global, simples ou complexo, tomado
como certo (real) ou construído. O real é o que resiste às negocia-
ções e permite ser identicado e localizado em uma rede de atores.
A resistência que permite que algo seja considerado real, contudo,
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não é denitiva, ela está sempre em um contínuo entre estabilidade
e mudança. Algumas coisas resistem às negociações e permanecem
reais, outras perdem suas identidades e são continuamente transfor-
madas. A realidade, para a TAR, são os “gradientes de resistência”
das negociações e interações, ou seja, são as possibilidades de du-
rabilidade dos vínculos estabelecidos pelos atores. Somente o que
resiste e permanece rastreável pode ser considerado real (LATOUR,
1988a), com seus diferentes “gradientes de durabilidade” (LAW;
MOL, 1995, p. 279).
Nas relações que denem esses gradientes de resistência não é
possível pressupor que uns poucos atores agem enquanto os demais
são passivamente transportados durante os descolamentos que deli-
neiam a realidade. Nos estudos das Ciências Sociais, é comumente
convencionado que alguns fazem uso da ação, produzindo inova-
ções, técnicas, tecnologias e empreendimentos das mais diversas
formas e muitos intermediários transportam os resultados dessas
realizações (LATOUR, 1994a). Para esses estudos, os intermediários
são consumidores passivos e dependentes das inovações. O que deve
ser estudado são os produtores de inovações, pois eles são os gera-
dores de mudanças e transformações sociais. Conceitualmente, um
intermediário leva as causas a seus efeitos sem alterá-las, servindo
apenas de meio de transporte, podendo ser denido como “aquilo
que transporta signicado ou força sem transformá-los” (LATOUR,
2012, p. 65).
No entendimento da TAR, para a condução dos gradientes
resistivos da realidade, os atores que transportam as inovações
são mediadores e não intermediários. Na mediação, o transporte é
tão relevante quanto a inovação em si. A realidade é modicada e
construída não somente quando uma inovação acontece, mas tam-
bém quando ela é deslocada pelos diversos atores, agindo em redes
complexas e em ligações permanentes. Como mediadores, os atores
“transformam, traduzem, distorcem e modicam o signicado ou
os elementos que supostamente veiculam” (LATOUR, 2012, p. 65).
Eles são “[...] dotados da capacidade de traduzir aquilo que eles
transportam, de redeni-lo, desdobrá-lo, e também traí-lo” (LA-
TOUR, 1994a, p. 80). As inovações e tudo o mais que é produzido
pelas interações são deslocados pelos mediadores, cooperando nas
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e os estudos em administração/organizações
mudanças mesmo com ações e práticas muitas vezes com signica-
tivas diferenças das originalmente concebidas.
Em consequência, não há somente fatos reais consumados e
indiscutíveis, seja por uma realidade natural, seja por uma realida-
de construída. Há mais coisas na mediação do que fatos tomados
como certos, ou como disse Latour (2012), há tanto “questões de
fato” como “questões de interesse”. As Ciências Sociais, geralmen-
te, tratam das questões como se só houvesse questões de fato, ou
seja, fatos puros e genuínos, sejam originários da natureza ou da
sociedade, ignorando as innitas questões de interesse ou híbridos
quase-sujeitos ou quase objetos, dotados simultaneamente de ele-
mentos naturais e sociais, de objetividade e subjetividade. O âmbito
de estudo da TAR, desse modo,
[...] é o estudo dos maers of concern [questões de interesse], a inven-
ção de um certo empirismo – um segundo empirismo, digamos, que
não tem a ver simplesmente com os objetos [questões de fato], no
sentido tradicional do empirismo, mas com os maers of concern, com
as coisas que constituem causas, em oposição aos objetos (LATOUR,
2004b, p. 398).
A TAR não compreende os atores como intermediários que
simplesmente transportam fatos aparentemente fechados e sem
controvérsia alguma. Os atores são mediadores que fazem de todo
fato um interior incerto e que envolve continuamente diferentes
atuações, interpretações, pontos de vista e transformações. A atuação
dos mediadores faz que a realidade, mesmo claramente estabilizada
e seus gradientes de resistência denidos, apresentando-se plena-
mente estabelecida, tenha sua unidade sempre pendente, pois a
qualquer momento essa estabilidade pode ser retomada e colocada
à prova. As questões de interesse que envolvem cada fato estabele-
cido no trabalho de mediação fazem que a verdade tenha existência
provisória e incerta, precisando sempre ser considerada dentro da
atuação dos mediadores que a transportam e negociam a sua vali-
dade continuamente. Como se observa nesta discussão introdutória,
a Teoria do Ator-Rede compreende declarações com signicativas
implicações no âmbito da pesquisa em ciências sociais, não apenas
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em termos da operacionalização das práticas de investigação, mas
imbricando questões ontológicas e epistemológicas. Tais questões
serão aprofundadas a seguir, concentrando-se nos pressupostos da
irredutibilidade e da simetria generalizada, marcadamente presentes
na TAR.
2.1 Irredutibilidade como Ontologia dos Atores-Rede
Antes de ser discutida na TAR, a irredutibilidade já era um
conceito muito presente na Filosofia. Na Teoria da Relatividade
de Einstein, por exemplo, cada frame de referência era denido a
partir do ponto de vista do observador, não podendo um frame ser
comparado (reduzido) a outro (LATOUR, 1988b). Em Deleuze e
Guaari (1988), a irredutibilidade podia ser vista no seu tratado
sobre nomadologia ao considerar a impossibilidade de comparar a
máquina de guerra ao aparelho do Estado, já que ambos têm ori-
gens e naturezas diferentes um do outro. Foucault (1987) também
visualizara no exercício do poder que os mecanismos de disciplina
e o direito de soberania são tão heterogêneos quanto irredutíveis.
Serres (1995; 2000), por sua vez, condenava, como um todo, o gosto
do pensamento moderno pela unidade. Para a TAR, em especíco,
é preciso generalizar e dizer que coisa alguma é redutível a outra.
O tipo de reducionismo contra o qual a TAR se impõe mais
frontalmente pode ser compreendido como a própria separação entre
“mundo social” e “mundo natural” (CALLON, 1986; LATOUR, 1994),
conforme já discutido e que será mais aprofundado na seção sobre
o pressuposto da simetria generalizada, mais adiante. É preciso,
nessa direção, entender a oposição dessa abordagem às perspectivas
de investigação que reduzem, aprioristicamente, o número de seres
relevantes aos fenômenos estudados, mostrando-se sobremaneira
indiferentes às distinções entre eles e os agregando em puricações,
como sociedade e natureza. Tais abordagens reducionistas, em de-
corrência de suas insensibilidades às diferenças, permitem nomear
poucas entidades como fontes causais de muitos efeitos, tratá-las
a partir de padrões de comensurabilidade e agrupá-las a partir da
consideração de supostas essências que as caracterizariam.
A discussão de irredutibilidade na TAR iniciou com Latour
(1988a) ao estudar Pasteur e a sua prática de elaboração do pro-
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cesso de fermentação do ácido láctico. Latour considerou que as
interações dos atores presentes na mistura do que ele chamou de
“pasteurização da França” se deu de forma que eles nunca eram
causas completas das transformações ocorridas, muito menos com-
pletas consequências (LATOUR, 2001). Não só os microrganismos,
mas o próprio Pasteur foi transformado durante a passagem das
completas gerações espontâneas de micróbios para a total existência
do fermento (LATOUR, 2001). Se, por um lado, Pasteur descobriu
os micróbios, por outro, os micróbios possibilitaram que Pasteur se
tornasse um notório cientista. “Pasteur ajudou o fermento a mostrar
quem era, o fermento “ajudou” Pasteur a ganhar uma de suas muitas
medalhas” (LATOUR, 2001, p. 145). Os diversos artigos que vieram
a público sobre esse processo de pasteurização, posteriormente, aju-
daram a sedimentar o processo de construção do fermento láctico. A
descoberta da pasteurização não pode ser vista como um processo
único e especíco, mas um trabalho de mediação que translada em
redes de negociações, associações, dissociações, traições e muitas
outras relações que tornam a pasteurização um processo único e
não equiparável a qualquer outro na história da Química.
Ao estudar fatos como o processo de pasteurização, ao mesmo
tempo em que se fundamentava em reexões losócas como as de
Foucault, Deleuze e Serres, Latour (1988a) percebeu que as teorias
do conhecimento se baseavam em um postulado que essas loso-
as, de uma maneira geral, criticavam. As teorias do conhecimento
sempre partiram da certeza de que a força é uma grandeza de di-
ferentes proporções, com alguns atores possuindo-as mais e outros
menos. Além disso, havia sempre uma sobreposição do certo pelo
duvidoso, devendo um ser assumido e buscado (verdade) e o outro
rejeitado e eliminado a todo custo (dúvida) (LATOUR, 1988a). Ao
analisar conceitos como conhecimento e poder, contudo, que eram
até então fontes tomadas como certas das forças sociais e técnicas da
Ciência Social, Latour (1988a) passa a entender que elas são também
efeitos provisórios resultantes de negociações e interações entre
atores, sendo impossível supor, a priori, por meio de quais forças
e com que intensidades essas negociações são movidas. Isso leva
a TAR a considerar a verdade e o erro com condições equivalentes
nas interações, sendo a força uma variabilidade relevante somente
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se observada na interação em que ela ocorre, não fazendo sentido
ser comparada a qualquer outra relação. Do contrário, a prática de
promover comparações entre elementos presentes em distintas asso-
ciações, torna-se possível apenas por meio do artifício das “medidas
medidoras”, as quais “constroem uma comensurabilidade que não
existia antes que fossem desenvolvidas. Nenhuma coisa é, por si
só, redutível ou irredutível a qualquer outra. Nunca por si mesma,
mas sempre por intermédio de uma outra que a mede e transfere
esta medida a coisa” (LATOUR, 1994, p. 111). Signica dizer que
força é uma especicidade de cada aliança e irredutível a qualquer
outra, sendo a comensurabilidade uma operação desempenhada por
intermédio de outras entidades (medidas) e não uma propriedade
das entidades em comparação.
Todo ator, por si só, é uma força a ser considerada (LATOUR,
1988a) e por menos evidente que seja, não pode ser julgado como
menos significativo em comparação a outros. Todos os atores
são concretos o suciente para que sejam considerados em de
igualdade nas alianças (HARMAN, 2009), não existindo um maior,
melhor ou mais poderoso, exceto dentro de suas próprias relações.
As alianças são os compromissos assumidos pelos atores, indepen-
dentemente de suas posições e disposições, que definirão quais
forças inuenciarão nos caminhos a serem traçados e percorridos e
que outras permanecerão inativas. A força é medida por intermédio
unicamente da relação (LATOUR, 1994a), pois “existem múltiplos
modos de ordenar, múltiplas realidades [em resistências simultâ-
neas], e isto funciona precisamente porque todas são irredutíveis
umas às outras” (LAW, 2007, p. 14).
Para pressupor uma realidade somente como gradientes de
resistência especícos e nunca redutíveis a unidades estáveis e du-
radouras, há, implicitamente, quatro princípios que orientam essas
pressuposições e dão validade à TAR (LATOUR, 1988a; HARMAN,
2009). Esses princípios são: a) a permanente presença de atores na
denição e evidenciação da realidade; b) a própria ideia de irre-
dutibilidade de que nada é, por si só, redutível a qualquer outra;
c) a existência de translação sempre que houver vínculos entre os
atores; e d) a ideia de que não há atividade e inatividade a priori,
mas contínuas provas de força.
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Teoria do ator-rede: irredutibilidade, simetria
e os estudos em administração/organizações
a) A permanente presença de atores na denição e evidencia-
ção da realidade
O primeiro princípio pressupõe a realidade sempre sendo ela-
borada e performada pelos atores. “Átomos e moléculas são atores,
assim como os lhos, os pingos de chuva, os trens bala, os políticos e
os números. Todas as entidades estão exatamente na mesma posição
ontológica” (HARMAN, 2009, p. 14). Os atores atuam e só podem ser
vistos e caracterizados nessa atuação. Não há um núcleo substantivo
que mantém uma essência de cada ator, se assim fosse, tiradas as
deformações e os acidentes periféricos ocasionados pelas relações,
tornaria possível localizar um núcleo essencial que o caracterizaria.
Nesse caso, seria possível localizar em cada ator uma substância ou
essência indivisível (HARMAN, 2009), o que faria a TAR abandonar
seu posicionamento antiessencialista, que compreende os atributos
presentes nos atores como decorrentes das relações em que estes
se encontram e implicaria voltar às posições ontológicas empiristas
ou construtivistas comumente adotadas como absolutas. Um ator,
ao contrário, é uma
[...] absoluta concretude. Todo ator é simplesmente o que ele é. Isto
implica que todos os atores estão na mesma posição. Tanto o grande
como o pequeno, tanto o humano como o não-humano. Nenhum ator é
somente base para outros; cada um cede ou resiste a outro de maneira
muito especíca. Por isso todo ator é inteiramente concreto, nós não
encontramos sua realidade em alguma essência solitária ou substrato
puro, mas sempre em um absoluto lugar especíco no mundo, em
alianças completamente especícas e em um dado momento (HAR-
MAN, 2009, p. 15-16, tradução do autor).
Na perspectiva da irredutibilidade nenhum ator, a priori, é fraco
o suciente que não possa inscrever outro. Quando se juntam, as
possibilidades de deslocamentos podem diferenciar-se. Com isso,
um ator pode ganhar ou perder força em associação com outros,
ganhar ou perder mobilidade, bem como, diversos atributos. Certos
resultados de seu trabalho não podem voltar ao seu estado original.
Além disso, como tudo é passível de ser negociado, não se pode
dizer que um ator, ou uma associação deles, segue regras, leis ou
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estruturas, como também não se pode dizer que age sem elas (LA-
TOUR, 1988a). A sua durabilidade é relativa e sua existência só pode
ser considerada nas suas relações, podendo continuar, mudar, ou
deixar de existir em cada novo evento dessas relações (HARAWAY,
1991; MOSER; LAW, 1999). Como os eventos são sempre especí-
cos, pois “tudo acontece somente uma vez e em um único lugar”
(LATOUR, 1988a, p. 162), os atores são gradientes irredutíveis de
resistência que cooperam na composição da realidade.
b) A própria ideia de irredutibilidade
O segundo princípio é a própria ideia de irredutibilidade. A
Ciência Social rotineiramente emprega um fato para explicar outro.
Ou toma um como causa ou efeito de outro. Muitas vezes esse em-
prego de causa e efeito funciona, mas, muitas vezes, também não
dá certo para igual número de casos. Para não continuar pagando
o preço do risco e ter sempre que apostar na possibilidade do acer-
to, o melhor é começar a análise presumindo que nenhum objeto
ou sujeito é redutível ou irredutível a qualquer outro (HARMAN,
2009). Ao invés de pressupor que um evento A dene um evento
B ou C, ou que os eventos B e C denem e moldam o evento A, há
que considerar que são concretudes que precisam ser analisadas
como tais, sem reduzi-los, a priori, como causa ou consequência de
nenhum outro. Anal, essa pressuposição incorreria na exclusão
de elementos presentes nas relações como itens irrelevantes para
as características de um dado fenômeno, reduzindo as entidades
assumidas como “causas” e ignorando os efeitos relacionais sobre
os atributos presentes entre os atores.
Em outras palavras, conforme destaca Latour (2012, p. 37),
“não devemos, de início, limitar o tipo de seres existentes no mun-
do social”, pois “o nome do jogo não é a redução, mas ‘irredução’.
[...] o número de atores precisa ser aumentado; o leque de agências
que levam os atores a agir, expandido” (LATOUR, 2012, p. 201).
Há que se manter sempre certa relatividade entre a identidade, a
equivalência e as trocas entre os atores, pois cada uma dessas tem
um “custo” (LATOUR, 1988a, p. 162) que só pode ser conhecido
estudando as relações entre eles.
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Teoria do ator-rede: irredutibilidade, simetria
e os estudos em administração/organizações
Pelo princípio da irredutibilidade, a abordagem da TAR mantém
constante vigilância para não incorrer na imposição de restrições
articiais às explicações que devem ser buscadas nas práticas, consi-
derando adequadamente a “metafísica prática” dos atores (LATOUR,
2012), sem xar singularidades nem distinções/divisões como pontos
de partidas, mas compreendo-as, quando empiricamente identica-
das, como efeitos ou resultados (LAW, 1999). Isso também possibilita
a sensibilidade às diferenças, amenizando o risco de forçar equiva-
lências entre as entidades ou de supor grandes rupturas baseadas
em uma única característica, na medida em que o que as distingue
“não é um único abismo vertical entre mundos e o mundo, mas as
inúmeras diferenças entre elas” (LATOUR, 2001, p. 164).
c) A existência da translação
A translação é o terceiro princípio que ajuda a denir a irredu-
tibilidade armada na TAR. As operações de translação são compre-
endidas como parte fundamental das interações sempre em mudança
contínua, nas quais o deslocamento está de contínuo em negociação
pelos atores e seus aliados. A translação é cada deslocamento negocia-
do que se traduz em novos links, conexões e redes. Ela designa “[...]
uma operação generalizada, não apenas linguística, e toma muitas
formas diferentes. Pode envolver o deslocamento de algo, ou o ato
de substituição, mas sempre envolve transformação” (CZARNIAWSKA,
2009, p. 424, grifos do autor). Latour (1999, p. 32, grifos do autor)
diz que usa translação para “[...] signicar deslocamento, movimento,
invenção, mediação, a criação de um link que não existia antes e que,
em certa medida, modica dois elementos ou agentes”.
Pode-se compreender translação com a sua ênfase sobre a
transformação, mudança, invenção, pela sua oposição à ideia de
transporte (LATOUR, 2001; LATOUR, 2012), isto é, como movimen-
to contrário ao movimento de deslocar sem alterações. Enquanto a
noção de transportar implica assumir uma diversidade de agentes
como meros intermediários que transportam causas, o recurso à
concepção de transladar presume a existência de mediadores em
coexistência, em conexões que engendram transformações. Nessa
compreensão, reconhecer a translação proporciona abandonar o re-
ducionismo de explicar muito por meio de poucos elementos causais
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e do rebaixamento de diversos agentes a simples intermediários,
bem como, proporciona abertura para a identicação de novidades
produzidas nas associações, visto que delas (e não de essências)
emergem os atores e suas propriedades manifestas.
A translação diz respeito ao deslocar dos atores no trabalho
de mediação. Para Callon (1986), além disso, a translação enfatiza
a continuidade, os deslocamentos e as transformações que ocorrem
nas muitas fases da história dos atores e em suas atuações como
mediadores. Nesse sentido, Latour (2001, p. 106-107) compreende
que “a operação de translação consiste em combinar dois interesses
até então diferentes [...] num único objetivo composto” à medida
que “o que importa nessa operação de translação não é unicamente
a fusão de interesses que ela enseja, mas a criação de uma nova
mistura”; uma mistura em que é impossível reconhecer, isolada-
mente, natureza e sociedade. O movimento contínuo, com isso, é o
que assegura que nada, por si só, é igual ou diferente de qualquer
coisa, pois não existe equivalência em princípio, apenas translações
(LATOUR, 1988a, p. 162).
d) Contínuas Provas de força
Um último princípio da irredutibilidade que não pode deixar de
ser mencionado envolve a ideia de força entre os atores. Estes não
são mais fortes ou fracos em virtude de alguma força ou fraqueza
inerente ou que os mesmos a possuem por meio de uma essência
particular. Ao contrário, os atores ganham ou perdem forças somente
por meio de alianças (HARMAN, 2009). Para Latour (1988a), não há
uma força apriorística em si, mas há apenas estados de forças ou
fraquezas denidos por essas alianças. Ou mais simplesmente,
apenas ensaios, pois as resultantes de suas forças são sempre pro-
visórias e momentâneas. Uma força, assim, não pode ser reduzida
a um ator ou grupo de atores sem considerar o trabalho que está
sendo realizado para evidenciá-la. Ela pode somente ser testada,
contada ou medida em determinados pontos e momentos da rede
de atores, pois ela é sempre efeito provisório das alianças em que
estes estão continuamente engajados no trabalho de mediação. Em
consequência, nem a natureza possui forças inatas, nem a sociedade
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e os estudos em administração/organizações
possui forças sociais puras, se elas existirem isso é devido às de-
nições provisórias realizadas pelo trabalho de mediação, pois os
mediadores são aqueles que denem quais forças serão empregadas
e como elas serão distribuídas.
Desse modo, a impossibilidade de denir forças a priori implica
não ser possível reduzir algo ou alguém a uma coisa pronta e acaba-
da. Tudo deve ser conhecido e descrito pelo traçar da rede da qual
atua, visto que por mais fracamente que um ator recrute outro, isto
restringe a possibilidade de cada um denir suas próprias associa-
ções. Entre um traçar e outro da rede, bem como, entre uma força
e outra, nada, por si só, pode ser comensurável ou incomensurável,
por isso Latour arma que nada é nem redutível nem irredutível em
princípio, mas deve ser testado, contado e medido, a m de eviden-
ciar sua performance frente aos demais. É nesse sentido que a TAR
pressupõe rede de atores, cada uma com suas respectivas forças,
denindo o que será ou não sustentado como real. Os atores têm
existência comprovada somente por meio de suas interações, pois
“[...] quanto mais eles se afastam de suas relações, menos reais eles
se tornam” (HARMAN, 2009, p. 19). Por conseguinte:
[...] realidade, como indica a palavra latina res, é aquilo que resiste.
Mas resiste a quê? Ao teste de força. Se, em dada situação, nenhum
discordante é capaz de modicar a forma de um objeto novo, então
sim, ele é realidade, pelo menos enquanto os testes de força não forem
modicados (LATOUR, 2000, p. 155, grifos do autor).
As provas de força, portanto, somam-se aos demais princípios
para assegurar a irredutibilidade, na medida em que desautoriza
uma caracterização denitiva ou classicação do ator e da ação,
assumindo a indeterminação destes em que pesem as diculdades
decorrentes, em termos metodológicos. Em vez de uma “teoria es-
tável do ator” (CALLON, 1999, p. 181), percorrem-se os rastros de
processos nos quais estão ausentes atores com propriedades fun-
damentais (CALLON, 1986), em meio à circulação de “identidades
de geometria variável” (CALLON, 1999, p. 186).
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2.2 Simetria Generalizada como Epistemologia da TAR
Nesta subseção, o pressuposto do tratamento simétrico presente
na TAR é discutido a partir de suas implicações epistemológicas,
primeiro em função de sua oposição a perspectivas analíticas alicer-
çadas na divisão objetivo/subjetivo, tais quais o realismo empírico e
o construtivismo. Segundo, a questão da simetria é abordada quanto
à sua recusa em explicar tudo socialmente, isto é, sua exigência de
um repertório básico, sucientemente aberto para capturar variações
presentes no campo empírico sem limitar aprioristicamente os tipos
de entidades existentes nas práticas dos atores.
a) A problemática separação natureza-sociedade, construtivis-
mo e realismo empírico
Epistemologicamente, a TAR arma que novas considerações
devem ser feitas sobre a relação natureza e sociedade, enquanto dua-
lidade da tradição sociológica a ser abandonada. Uma das principais
armações é de que não dois polos distintos (LATOUR, 2012).
A exemplo da prática cientíca, conforme vem discutindo a TAR,
não há um lado onde está o social, com os sociólogos, suas técnicas,
meios e ferramentas para conhecer e, do outro, a natureza, com
os cientistas naturais, seus experimentos, laboratórios e inscrições
cientícas. Essas diferenças são, para a TAR, inexistentes.
Esses polos são ocasionados, para a TAR, por um processo de
puricação buscado pela ciência moderna (LATOUR, 1994a; LEE;
BROWN, 1998). A puricação, nesse sentido, é o movimento de es-
tabelecer esses dois grandes coletores, natureza e sociedade, pelos
quais a diversidade de seres que permeiam o mundo são seletiva-
mente separados, de modo que nada reste, em tese, entre esses dois
mundos ou câmaras. As coisas naturais devem car de um lado,
fechadas no que se conhece como natureza, e os humanos devem
ser isolados do outro, pertencentes ao polo chamado de sociedade.
O trabalho de puricação é sempre tornar algo, ou humano, para
que possa ser posto no lado da sociedade, ou coisa, para que pos-
sa ser colocada do lado da natureza. Para Latour (1994a), quanto
mais a modernidade se esforçou para puricar esses dois polos,
tanto mais promoveu uma multiplicação intermediária de seres que
não podem ser considerados nem humanos, nem naturais, mas ao
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mesmo tempo se aproximam, ora de um, ora de outro desses polos.
Serres (1990) chamou esses seres existentes intermediários de quase-
-objetos. Latour (1994a) arma que também podem ser considerados
quase-sujeitos.
Para a TAR, por sua vez, é preciso concordar que o processo
de puricação existe, embora como ponto de chegada, como esta-
bilização e não como condição ou ponto de partida. Mas ele não
está sozinho. Ele é somente mais um trabalho existente entre muitos
que ocorrem entre os dois polos. Para Latour (1994a) há, no meio,
um trabalho de mediação, mais amplo e que engloba, inclusive, a
puricação. A mediação é o composto de práticas, ações e eventos
situados no âmbito das relações e interações dos atores e que pos-
sibilitam descolamentos e mudanças, tanto na própria conguração
desses atores e suas conexões, como nos espaços e tempos impli-
cados em suas performances. A mediação, para Latour, é tudo o que
acontece entre os pretensos polos da natureza e sociedade, inclusive
o processo de puricação que os mantém (LATOUR, 1994a).
A ciência moderna, nessa concepção, pratica somente o traba-
lho de puricação e ignora o trabalho de mediação. A sociologia
tradicional, por exemplo, seguindo a lógica moderna, segmenta a
própria sociedade em diversos níveis, em um processo interno de
puricação, e os analisa separadamente. A estraticação ocorre em
níveis que vão desde o micro até o macro e os frameworks de aná-
lise dependem dos tamanhos desses níveis. Os níveis sociais, para
a sociologia, são compostos por indivíduos, relações humanas e
cultura. Os materiais, as técnicas e a natureza, como um todo, são
somente apêndices úteis para as relações humanas e os desdobra-
mentos sociais. Como consequência dessa forma de análise, passa
a existir, sociologicamente, “sociedade”, “ordem social”, “prática
social”, “dimensão social”, “estrutura social”, entre outros conceitos
que reforçam essa divisão e que foram úteis para explicar os “fatos
sociais” da modernidade (LATOUR, 2012). Essa utilidade se deu,
principalmente, ao se tornarem, cada um ao seu tempo, os diversos
níveis de análise da Sociologia.
Para a TAR, por sua vez, não é possível distinguir diferentes di-
mensões entre micro e macro atores. Callon e Latour (1981) armam
que “existe, é claro, macro e micro atores, mas a diferença entre eles
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é provocada pelas relações de poder e pelas construções de redes e
escapa à análise presumir à priori que os macroatores são maiores
ou superiores que os microatores” (CALLON; LATOUR, 1981, p.
280, tradução do autor). A argumentação é que os atores devem
ser entendidos como redes, com capacidades de formar associações
e dissociações. Para a TAR, “não nada de especíco na ordem
social; [...] não existe nenhuma dimensão social, nenhum ‘contexto
social’, nenhuma esfera distinta da realidade a que possa atribuir o
rótulo ‘social’ ou ‘sociedade’” (LATOUR, 2012, p. 21).
Diferente do trabalho de purificação, que é uma consequência
direta da atuação humana em classificar e organizar suas reali-
zações, a mediação diz respeito às relações e interações de todos
os pertencentes entre os supostos polos da natureza e sociedade.
Os atores são tanto os humanos, como os não humanos; tanto os
quase-objetos, como os quase-sujeitos, pois todos estão implica-
dos relacionalmente, seja estabelecendo vínculos, seja sofrendo
conexões de outrem. Nessa abordagem, tratar simetricamente os
seres envolvidos nos fenômenos estudados em uma pesquisa exige
contornar as perspectivas epistemológicas fundamentadas naque-
la divisão arbitrária. Isto é, exige encontrar alternativas tanto ao
construtivismo social (que reconhece a priori a divisão e se limita à
explorar subjetividades restritas ao polo social) quanto ao realismo
empírico (que se apoia na mesma divisão para reivindicar expli-
cações pelo acesso ao polo das coisas em si, em sua objetividade).
Não se trata, porém, de uma tentativa de reconciliar a dicotomia
sujeito-objeto nem de propor uma forma diferente de relação entre
essas partes: “Não há relação alguma entre o ‘mundo material’ e
o ‘mundo social’ justamente porque essa divisão é um completo
artefato” (LATOUR, 2012, p. 113).
Em decorrência das redenições presentes na TAR, não faz sen-
tido considerar o pressuposto construtivista que enfatiza apenas os
indivíduos humanos na construção da realidade social, tampouco
pode-se assumir uma realidade independente, externa ou natural a
ser explicada pelo realismo empírico. A possibilidade de existência
de uma realidade não está nem polarizada do lado da natureza para
que alguém ou alguma coisa possa ser considerado indiscutivelmen-
te como real, nem é construída unicamente pela sociedade, para que
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possa ser desvendada pelo construtivismo (LATOUR, 1994a). Latour
(1994a, p. 84) destaca que:
[...] Os que desejarem manter-se exatamente no meio [entre construtiv-
ismo e realismo] inventarão inúmeras combinações para separar a
natureza da sociedade (ou sujeito), alternando a “dimensão simbólica”
das coisas com a “dimensão natural” das sociedades. Outros, mais
imperialistas, tentarão naturalizar a sociedade integrando-a na na-
tureza, ou então socializar a natureza, fazendo com que seja digerida
pela sociedade (ou, o que é mais difícil, pelo sujeito). Entretanto, estas
referências e estes debates continuam a ser unidimensionais. Classi-
car todas as entidades segundo uma única linha que vai da natureza
a sociedade seria o mesmo que elaborar mapas geográcos somente
com a longitude, o que os reduziria a um único traço!
Para estudos ancorados na TAR, é preciso considerar certo
relativismo diante da realidade, não se sujeitando cegamente nem
ao realismo nem ao construtivismo, mas não os negando também
em princípio. Os objetos, as coisas, os humanos e suas realizações
e interações são concretas o suciente para não serem ignorados
ou que a possibilidade de conhecê-los precise ser colocada à prova,
por isso não é possível desconsiderar o realismo como o fazem os
construtivistas. Por sua vez, há fatos demais sendo continuamente
construídos por uma innidade de atores para que a construção da
realidade possa ser igualmente colocada em dúvida. Certo relati-
vismo, portanto, permite duvidar da generalidade das interações e
orienta para as especicidades das relações.
Assim, o tratamento simétrico das entidades envolvidas em um
fenômeno pesquisado não corresponde a qualquer forma de recon-
ciliação referente à divisão sociedade/natureza, mas de abandonar
esse recurso sob a forma de “uma dissolução conjunta de ambos os
coletores” (LATOUR, 2012, p. 114).
b) Estendendo o tratamento simétrico e a questão do vocabu-
lário das explicações
A TAR, desse modo, ao superar as dualidades existentes entre
diferentes e divergentes formas de entender a realidade, pressupõe
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que é necessário um “desapego” a conceitos tradicionais como ver-
dade, racionalidade e objetividade tomados como indiscutíveis na
ciência moderna (DOMÈNECH; TIRADO, 1998). A simetria é uma
forma específica de conhecer a realidade baseada na superação
desses pressupostos. Trata-se de uma recusa em explicar verdades
por meio de termos que fazem referência a uma suposta objetivida-
de de um mundo exterior, enquanto se explica o que seja tomado
como falso por intermédio de termos completamente distintos, que
fazem referência a subjetividades, crenças e símbolos, entre outros.
Implica que uma explicação simétrica deve “conservar apenas as
causas que poderiam servir tanto para o vencedor quanto para o
vencido, para o sucesso e para o fracasso” (LATOUR, 1994, p. 93),
sem recorrer a recursos distintos para explicar pontos de vista con-
itantes (CALLON, 1986).
Esse conceito de simetria é atribuído, inicialmente, a David
Bloor, em sua obra Conhecimento e Imaginário Social, datada origi-
nalmente de 1976, na qual o autor define o que deveria ser um
programa forte para o desenvolvimento de uma sociologia do
conhecimento. Seu argumento é que sociedade, economia, polí-
tica, cultura e outras áreas estão totalmente entrelaçadas com os
conteúdos científicos, devendo ser, portanto, analisados igual e
conjuntamente. Com isso, é necessário considerar uma adequa-
ção de princípios que assegure equilíbrio nas análises. Para Bloor
(2009), esses princípios devem estar ancorados na causalidade,
imparcialidade, simetria e reflexividade, devendo o conhecimen-
to ser tratado imparcial e simetricamente. O sentido de simetria
torna-se relevante para que um mesmo estilo de explicação para
os mesmos tipos de causas sirva para descrever tanto as questões
tidas como verdadeiras quanto as falsas.
Para Latour e Woolgar (1997), é a partir do conceito de sime-
tria de Bloor que se torna possível discutir no âmbito da TAR que
humanos e não humanos devem ser tratados de maneira simétrica
na construção dos fatos cientícos. É a partir das argumentações de
Bloor que a TAR vai tratar os efeitos da ciência de maneira simé-
trica sem rotulá-la, nem como social, nem tecnológica, já que, além
de humanos, técnicas e objetos também estão envolvidos na sua
composição. Isso, contudo, representa uma expansão do princípio
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e os estudos em administração/organizações
da simetria em Bloor, o qual é tomado de modo similar, mas é ao
mesmo tempo “consideravelmente estendido” (CALLON, 1986, p. 4).
A simetria dene que as dualidades consideradas pela ciência,
como verdade e erro, têm as mesmas origens, devendo, portanto,
ser consideradas igualmente. Originalmente, em Bloor, esse prin-
cípio signicou romper com a tradição de explicar os fenômenos
cientícos “desviantes” por meio de uma perspectiva sociológica,
enquanto a prática cientíca considerada convencional e verdadeira
não carecia de explicação, estando ela sancionada pela “realidade
objetiva dos fatos”. Contudo, Bloor tratou de submeter todas as
práticas da ciência a uma mesma perspectiva, tratando erro e ver-
dade simetricamente, buscando explicá-los pelo mesmo conjunto de
causas: as sociais. Isto é, seu princípio poderia ser sintetizado na
declaração de que “tanto o que é verdadeiro quanto o que é falso
são explicados pela sociedade” (LATOUR, 1994, p. 94). Entretanto,
como os autores da TAR observaram, na medida em que exclui o
polo da natureza do processo explicativo, essa declaração ainda
guarda algo de bastante assimétrico, questão resolvida apenas pelo
recurso à simetria generalizada, que põe sociedade e natureza como
algo a ser explicado em si, partindo dos híbridos, isto é, da ênfase
na heterogeneidade dos coletivos e da sua livre associação, em vez
da consideração prévia da separação em coletores distintos.
Isso implica dizer que sem coletores prévios distintos, logo, sem
distinção no repertório básico utilizado para explicar as associações
entre os híbridos. Para a TAR, tudo o que é realizado no trabalho de
mediação deve ser tratado simetricamente. A simetria generalizada
exige, assim, que o pesquisador “não altere seus registros quando
se mover dos aspectos técnicos para os aspectos sociais dos proble-
mas estudados” (CALLON, 1986, p. 4). As descrições precisam ser
utilizadas da mesma forma para todos os elementos que compõem
a rede. Nesse sentido, Law (1998, p. 66) arma que “necessitamos
de um vocabulário único quando descrevemos o trabalho de criação
e imposição do social e o cientíco, e necessitamos também de uma
maneira única, unicada, de falar a acerca dos êxitos e fracassos de
tais intentos”. Para Singleton e Michael (1998, p. 173), a simetria ge-
neralizada diz respeito ao “uso de um vocabulário abstrato e neutro
para compreender os pontos de vista conitivos dos atores”.
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Jackeline Amantino de Andrade
Generalizando-se a simetria, desse modo, aprofunda-se “um
regime de emagrecimento para as explicações” (LATOUR, 1994, p.
93), já defendido por Bloor. Na mesma direção, um desapego às
metalinguagens rebuscadas de explicações sociais que procuram
traduzir os quadros de referência dos atores para uma linguagem
comum é a proposta da TAR. Em vez de um “vocabulário padrão”
ou “moeda corrente” (LATOUR, 2012, p. 62), busca-se empregar uma
“infralinguagem” (LATOUR, 2012, p. 79) que possibilite atentar para
as diferenças, para as variações presentes no repertório dos atores
e as distintas entidades a que fazem referência.
Ao praticar a simetria generalizada para a obtenção de des-
crições com o máximo possível de imparcialidade, é preciso uma
postura agnóstica (CALLON, 1986; DOMÉNECH; TIRADO, 1998)
enquanto o pesquisador se move na rede de atores estudada. Uma
postura agnóstica contribui para estudos simétricos, pois permite
que todas as entidades humanas e não humanas e explicações racio-
nais ou místicas possam ser levadas em consideração na análise, sem
que ponto de vista algum seja privilegiado e interpretação alguma
seja censurada. O pesquisador, de maneira agnóstica, pode seguir
os atores e identicar a maneira como eles denem e associam os
diferentes elementos, por meio dos quais os mesmos constroem e
explicam os seus mundos (CALLON, 1986).
Não se pode confundir, contudo, simetria generalizada com as
relações simétricas ou assimétricas das associações em si. A sime-
tria generalizada não pressupõe que haja nas associações de atores
uma simetria natural entre humanos e não humanos. Nem trata da
equivalência ou não equivalência entre eles. Nem pretende, como
diz Latour (2012, p. 113), pressupor uma “reconciliação da famosa
dicotomia objeto/sujeito”. A simetria é para “não impor a priori
uma assimetria espúria entre ação humana intencional e mundo
material de relações causais” (LATOUR, 2012, p. 114). Além disso,
não se pretende unir natureza e sociedade para que permaneçam
juntas nas explicações cientícas, o que se busca é exatamente não
incorrer em uma acentuação das puricações desses polos e evitar
suposições de que esses sejam dotados de simetrias. A simetria
generalizada, ao contrário, é recurso epistemológico que pressupõe
simplesmente que “a continuidade de um curso de ação raramen-
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Teoria do ator-rede: irredutibilidade, simetria
e os estudos em administração/organizações
te consiste de conexões entre humanos [...] ou entre objetos, mas,
com muito maior probabilidade, ziguezagueia entre umas e outras”
(LATOUR, 2012, p. 113).
Com a simetria, desse modo, evita-se colocar o peso das expli-
cações sobre um ou outro polo entre natureza e sociedade. O trata-
mento simétrico assegura que, se o analista for realista para uma,
deve-se da mesma forma ser para a outra. Se for construtivista para
uma, também deverá ser para a outra, não podendo empregar, por
exemplo, um vocabulário de termos sociais para explicar “questões
sociais”, enquanto faz uso de termos completamente distintos para
explicar “questões naturais” (LATOUR, 1994a, p. 95). Entretanto,
ao abandonar os coletores sociedade-natureza e se concentrar na
hibridez e heterogeneidade dos coletivos, nem o construtivismo
nem o realismo empírico atendem ao requisito em questão, visto que
estão assentados na grande divisão diluída pela TAR. Na simetria
generalizada, então, o observador não se ocupa de um mundo divi-
dido em polos, mas procura situar-se no emaranhado das relações.
[...] deve estar situado no ponto médio, de onde pode acompanhar, ao
mesmo tempo, a atribuição de propriedades não-humanas e de pro-
priedades humanas [...]. Não lhe é permitido usar a realidade exterior
para explicar a sociedade, nem tampouco usar os jogos de poder para
dar conta daquilo que molda a realidade externa. Também não lhe é
permitido alternar entre o realismo natural e o realismo sociológico,
usando “não apenas” a natureza, “mas também” a sociedade, a m
de conservar as duas assimetrias iniciais, ao mesmo tempo em que
dissimula as fraquezas de uma sob as fraquezas da outra [...].
Ao analisar a realidade por meio da simetria generalizada, os
deslocamentos e transformações realizados pelas associações são
descritos a partir dos mesmos termos usados para todos os atores
da rede. Essa condição é necessária, como visto, pois as translações
não são deslocamentos negociados unicamente de maneira linear e
amistosa. É preciso imparcialidade e agnosticismo com relação às
verdades das argumentações que os atores empregam nas muitas
controvérsias que se fazem presentes nas redes estudadas.
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José de Arimatéia Dias Valadão, José Raimundo Cordeiro Neto,
Jackeline Amantino de Andrade
3. A TAR e os estudos brasileiros na área de administra-
ção: uma breve incursão por artigos recentes
Discutidos os pressupostos da irredutibilidade e da simetria,
destacados na seção anterior, esta parte do trabalho pretende tornar
mais visível algumas formas pelas quais a pesquisa em Administra-
ção no Brasil tem feito uso da TAR. Ao tempo em que esse esforço
poderá permitir uma maior compreensão a respeito dos tópicos
teórico-metodológicos que decorrem dos princípios explorados,
também poderá propiciar clareza adicional sobre a relação da
abordagem como temas de pesquisa bastante relevantes na área de
administração, como mudança nas organizações; expansão tecnoló-
gica; empreendedorismo; gestão pública e; processos organizativos.
Os artigos selecionados para o propósito desta seção, além
de atenderem ao critério de fazer uso teórico e/ou metodológico
da TAR e versarem sobre temáticas administrativas/organizacio-
nais, foram escolhidos pelo seu caráter recente (publicados pós
2010) e por contemplarem explorações empíricas em seus estudos.
O último ponto, em especial, permite discorrer acerca da tarefa
de operacionalizar as investigações, ponto delicado em qualquer
projeto de pesquisa, especialmente quando se empregam aborda-
gens pouco frequentes na literatura a respeito da área estudada.
Dito isto, optou-se por enfatizar questões trazidas por cinco des-
ses trabalhos (TURETA; ALCADIPANI, 2011; TURETA; ARAÚJO,
2013; TONELLI; ZAMBALDE, 2015; CERRETO; DOMENICO, 2016;
VALADÃO; CORDEIRO NETO; ANDRADE, 2017), apresentando
sobre eles as breves considerações a seguir:
a) O pesquisador no emaranhado das redes sociomateriais e
os desaos na pesquisa sobre organizações
O trabalho de Tureta e Alcadipani (2011) permite uma reexão
bastante apurada a respeito de como o empreendimento de pesqui-
sas em análise organizacional inspiradas pela abordagem da TAR
apresenta particularidades tanto em termos da forma de exploração
da temática sob investigação quanto, sobretudo, em termos da con-
dução das técnicas de pesquisa empreendidas. Apresentando parte
dos esforços de uma pesquisa que focaliza práticas de um tipo de
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Teoria do ator-rede: irredutibilidade, simetria
e os estudos em administração/organizações
organização considerada tipicamente brasileira, a escola de samba
na cidade do Rio de Janeiro, Brasil, os autores possibilitam ao lei-
tor uma demonstração da tarefa de multiplicar as entidades sob
consideração em sua análise e de evitar divisões analíticas prévias.
Ao se concentrar sobre as diculdades em conduzir estratégias
de caráter etnográco para a análise organizacional, os pesquisado-
res mostram como as fronteiras entre a técnica da observação parti-
cipante e da observação não participante tornam-se problemáticas
de serem administradas em função dos eventos que se desenvolvem
durante o trabalho de campo. O artigo mostra como, no campo anali-
sado, sacolas, adereços de fantasias, prossionais do carnaval, carros
alegóricos, códigos, plateias, uniformes e acidentes participam de
situações que redenem a todo momento o indivíduo que conduz a
pesquisa, levando-o a congurações nas quais ele não tem controle
completo de suas funções e da técnica de observação praticada.
b) Dualismos comuns no estudo das organizações e a ideia
de organização sem fronteiras
Em Tureta e Alcadipani (2013), por sua vez, a TAR como ins-
piração é menos evidente, apesar de os autores recorrerem com
certa frequência à abordagem para reforçarem sua opção por uma
perspectiva de investigação que fuja de dicotomias tradicionalmen-
te empregadas quando da análise de seu objeto de estudo. Eles
se referem mais uma vez às escolas de samba e aos trabalhos que
as interpretam a partir de binômios como tradição/modernidade;
popular/empresarial; interno/externo; autêntico/invasivo; central/
periférico, entre outros.
Recorrendo a uma análise das práticas organizativas em torno
das escolas de samba, em perspectiva histórica, esse trabalho per-
mite visualizar como uma grande variedade de elementos muito
heterogêneos (políticas, estilos musicais, movimentos intelectuais,
grupos, organizações turísticas, rádios e TVs, técnicas de gestão
etc.) associaram-se de formas distintas ao longo do tempo e estabi-
lizaram sempre parcialmente – e de diferentes maneiras ao longo
desse percurso – o que pode ser entendido como escola de samba.
Isso permite, desse modo, questionar sobre o que vem a ser essen-
cial, genuíno, interno, central em uma escola de samba e explorar
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José de Arimatéia Dias Valadão, José Raimundo Cordeiro Neto,
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oportunidades analíticas sob o prisma da noção de organizações
sem fronteiras para esse objeto de estudo.
c) Controvérsias, estabilização de objetos e o empreendedo-
rismo de base tecnológica
Tonelli e Zambalde (2015) buscam na TAR recursos teóricos
para compreender o campo de estudo que exploram, qual seja as
atividades de instituições públicas de ciência e tecnologia e suas
relações com o setor privado, no âmbito do que a literatura veio
a denominar pelo termo empreendedorismo de base tecnológica.
Em vez de partir de metanarrativas sobre o público, o privado e a
relação Estado-Sociedade, os autores voltam-se nessa publicação
para a investigação sobre os instrumentos normativos que devem
disciplinar tal relação no Estado de Minas Gerais, Brasil. Procuram,
em vez de tomá-los como entidades fechadas, abordar o processo
que levou à formatação deles, enfatizando, desse modo, as contro-
vérsias do que entendem como fase de pré-estabilização dos objetos.
Os pesquisadores fazem uso de procedimentos metodológicos
que envolvem documentos, entrevistas e técnicas observacionais,
para a coleta e produção de dados que foram analisados sob orien-
tações advindas da tradição de pesquisa da Grounded Theory. Na
discussão apresentada pelo trabalho, o leitor pode compreender
como o empreendedorismo de base tecnológica, longe de mostrar-
-se como elemento definido e previsível, compreende processos
organizativos instáveis e imprevisíveis, em decorrência da grande
variedade de elementos que circulam nas controvérsias que antece-
dem a estabilização de sua conguração normativa.
d) A implantação de um Centro de Serviços em uma empresa
de economia mista
Cerreto e Domenico (2016) tratam do tema da mudança nas
organizações, dedicando-se especicamente ao processo de implan-
tação de uma nova modalidade de prestação de serviços por parte
de uma empresa de economia mista, no Estado de São Paulo, Brasil.
O trabalho mostra como a pesquisa optou por abordar o tópico em
estudo a partir da chamada ontologia de uxos em vez da prefe-
rência tradicional pela ontologia de substâncias. Com isso, a TAR
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Teoria do ator-rede: irredutibilidade, simetria
e os estudos em administração/organizações
é recrutada para o esforço de tratar a transformação para além da
concepção de mudança planejada, mediante a qual o novo Centro
de Serviços seria apenas uma consequência instrumentalizada em
resposta a propósitos organizacionais claros.
A investigação teve caráter etnográco com observação partici-
pante, relacionando também pesquisa documental e entrevistas. Os
autores observam que, ao longo de 14 meses de acompanhamento
do processo pesquisado, centenas de questões conitantes entre os
atores puderam ser identicadas. Além disso, apontam que após
esse período, das dezenas de pontos mais relevantes entre essas
controvérsias, apenas um terço havia chegado a termos estáveis,
ainda que provisoriamente (fechamento de caixas-pretas). Isso
permite a compreensão de que o centro implantado até aquele
momento era muito parcialmente uma realização determinada por
planejamento, mostrando-se empiricamente mais como uma forma
de ordenamento das atividades, um efeito precário cuja conguração
poderia ser signicativamente modicada na medida do desenrolar
dos conitos ainda em aberto. Além disso, a existência de tantas
controvérsias, por si, permite compreender a opção da pesquisa
em evitar orientar-se pela ideia de “mudança planejada a partir de
propósitos pré-denidos”.
e) A expansão de uma tecnologia social em educação do campo
O processo de expansão de uma tecnologia social denomina-
da por Pedagogia da Alternância, adotada em milhares de escolas
rurais em todo o mundo e por centenas de escolas de áreas rurais
brasileiras, é estudado por Valadão, Cordeiro Neto e Andrade (2017),
tomando como campo empírico tal expansão no Estado de Rondônia,
na região Norte do Brasil. A TAR é tomada como orientação teórico-
-metodológica no trabalho e associada à literatura sobre tecnologias
sociais e adequação sociotécnica, com o propósito de caracterizar as
formas de envolvimento dos diferentes atores presentes na dinâmica
investigada, bem como compreender como tais envolvimentos re-
percutiram nas características tomadas pelo processo de expansão.
A pesquisa tomou a observação participante como uma das
principais formas de coleta de dados, além da análise de fontes
documentais e da complementação via entrevistas. Concentrando-se
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sobre o conceito de translações presentes nas controvérsias desen-
volvidas no campo, os autores procuram mostrar como a tecnologia
social em questão foi adotada por um número cada vez maior de
escolas rurais em diferentes áreas do Estado, porém, sem as padroni-
zações consideradas desejáveis por alguns dos atores, notadamente
pelo Governo local. Interpretam, assim, que as dinâmicas especí-
cas em torno de cada momento da expansão transladaram, com
mediações e mudanças, a tecnologia em questão, em vez de a terem
apenas transportado, com meras intermediações e traduções éis.
Considerações finais
Ao propor sua reelaboração das ciências sociais, a Teoria do
Ator-Rede possibilitou formas pouco usuais de abordagem de
questões recorrentes na literatura, a exemplo das relações sujeito-
-objeto, estrutura-agência, micro-macro, técnico e social, entre outras.
Quase sempre, as inovações sugeridas não consistem em reconciliar
os polos presentes nessas dicotomias, mas em evitar as presilhas
ontológicas e epistemológicas que esses artifícios impõem sobre
as pesquisas que os tomam como recurso analítico a priori, como
orientação para o trabalho empírico a ser desenvolvido. Entre as
proposições da TAR, o presente trabalho procurou enfatizar dois
pressupostos fundamentais de sua crítica ao chamado “Acordo
Moderno” que caracterizaria o discurso da Ciência: a proposição
da irredutibilidade e do tratamento simétrico.
Conforme discutido na seção 2, a ideia de irredutibilidade
corresponde a uma posição ontológica que nega a xação de identi-
dades às entidades que compõem o mundo e, com isso, recusa o tra-
balho de equipará-los em conformidade com supostas essências, de
compará-los, agregá-los em categorizações uniformes ou reduzi-los
um aos outros. Em vez de uma existência alicerçada sobre essências,
essa teoria pressupõe existências decorrentes de associações entre
entidades diversas, seres relacionais formados a partir das conexões
entre outras entidades e existentes apenas conforme a durabilidade
dessas associações em estabilizações parciais. Associações distintas,
portanto, existências distintas e irredutíveis umas às outras.
Por sua vez, o pressuposto da simetria generalizada pode ser
compreendido como a exigência de não incorrer em posiciona-
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e os estudos em administração/organizações
mentos epistemológicos que, como ponto de partida, dividam os
seres em puricações estanques (natureza e sociedade) e passem a
explicá-los mediante repertórios distintos que reforçam tal artifício
de separação. Ainda, o tratamento simétrico na TAR ultrapassa as
tentativas de reduzir as assimetrias por meio da simples tentativa
de explicar ambos os polos por intermédio do repertório moderno
elaborado para apenas um deles. Isto é, a generalização da simetria
impede tal transposição (como se pode pretender com a ideia de que
a natureza também deve ser socialmente explicada, pelo repertório
desenvolvido para as questões ditas sociais). O pressuposto em tela
advoga o desenvolvimento de um repertório básico, desacoplado
da separação natureza/sociedade; Objeto/Sujeito; Técnico/Social,
uma infralinguagem básica a ser empregada na descrição de todos
os elementos identicados como relevantes em um fenômeno, in-
dependentemente, sejam humanos ou não humanos.
Com essas e outras particularidades, a TAR confere a possibi-
lidade de utilização de renovados recursos teórico-metodológicos
para diversos campos de investigação nas ciências sociais, motivo
pelo qual tem havido crescente interesse a seu respeito. O campo
dos estudos em Administração/Organizações, como assinalado na
introdução deste artigo não cou ausente nesse interesse pela TAR.
Todavia, fazer uso de perspectivas como essa em áreas tradicional-
mente caracterizadas pelo predomínio de orientações funcionalistas
ou reducionistas também traz desaos consideráveis. Ainda que
timidamente, alguns estudos brasileiros possibilitam compreender
um pouco mais esse cenário, algumas de suas possibilidades e até
mesmo de suas complexas exigências.
Partindo dos cinco estudos brasileiros brevemente discutidos
na seção anterior, algumas formulações parecem possíveis de serem
inicialmente delineadas. Aqui, ressaltam-se quatro delas. Primeiro a
variedade de temas encerrados nesse pequeno conjunto de trabalhos
pode ser um claro estímulo à incorporação da TAR na investigação
de temáticas administrativas/organizacionais. Isso pode ser dito em
função da insistência da teoria em manter-se longe de determina-
ções prévias sobre o comportamento dos atores envolvidos em cada
fenômeno, buscando prioritariamente garantir abertura à variedade
de congurações possíveis nas práticas.
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José de Arimatéia Dias Valadão, José Raimundo Cordeiro Neto,
Jackeline Amantino de Andrade
Em segundo lugar, é notório que todos os trabalhos façam uso
da TAR em combinação com alguma perspectiva teórica de maior
consolidação no campo dos estudos em administração/organizações:
seja, por exemplo, a concepção de organização sem fronteiras em Tu-
reta e Araújo (2013); a literatura sobre empreendedorismo em Tonelli e
Zambalde (2015); a mudança organizacional e processos organizativos
em Cerreto e Domenico (2016); e o tema das tecnologias sociais e da
adequação sociotécnica em Valadão, Cordeiro Neto e Andrade (2017).
A TAR está geralmente empregada com o intuito de possibilitar uma
investigação mais livre e renovada sobre temáticas tradicionalmente
abordadas mediante enquadramentos analíticos mais rígidos.
Terceiro, quase sempre esses estudos fazem uso de estratégias
metodológicas com bastante abertura para a indução, por meio de
uma ênfase signicativa em práticas, daí que orientações etnográ-
cas e o uso de técnicas observacionais sejam frequentes, a exemplo
de Tureta e Alcadipani (2011); Tonelli e Zambalde (2015); Cerreto
e Domenico (2016); e Valadão, Cordeiro Neto e Andrade (2017).
Metodologicamente, também se observa certa associação de princí-
pios da TAR com proposições mais consagradas na área de estudos,
o que demanda atenção a m de salvaguardar a coerência com a
abertura ao empírico presente na TAR, como se observa na opção
pela Grounded Theory em Tonelli e Zambalde (2015) e pelo estudo de
caso em Valadão, Cordeiro Neto e Andrade (2017), para citar alguns.
Ainda nesse tópico, também chama atenção que o termo controvér-
sias mostre-se fundamental para a sistematização metodológica nos
trabalhos de Tonelli e Zambalde (2015); Cerreto e Domenico (2016)
e Valadão, Cordeiro Neto e Andrade (2017). Trata-se de um conceito
primordial desde o início da TAR (CALLON, 1986; LATOUR, 1994) e
que recentemente tem sido defendido como central para os estudos
por ela orientados, ensejando o desenvolvimento de perspectivas
metodológicas próprias como o mapeamento de controvérsias (VEN-
TURINNI, 2010a; 2010b), o qual foi empregado como tal por Cerreto
e Domenico (2016). Isso, acredita-se, está a indicar que discussões
sobre o conceito de controvérsias, suas implicações e possibilidades
para a prática de pesquisa, mostram-se bem-vindas entre os pesqui-
sadores, pelas oportunidades que abrem para elaborar formas de
investigação operacionalizáveis em diversas temáticas.
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Teoria do ator-rede: irredutibilidade, simetria
e os estudos em administração/organizações
Em quarto lugar, cabe por fim destacar que os estudos bra-
sileiros abordados demonstram como o emprego da TAR faz-se
acompanhar da irredução, tornando visível a diversidade dos atores
envolvidos nos fenômenos pesquisados (de alegorias de carnaval a
pautas de reuniões e e-mails de gestores; de documentos normativos
a imprevistos e acidentes; de governos a plateias), desde que não se
delimite de antemão qual a categoria de agentes de interesse para o
trabalho de exploração do campo empírico. Também, a ênfase nas
inúmeras possibilidades de conguração dessas associações, pelo tra-
tamento simétrico das entidades envolvidas, proporciona ser sensível
às diferenças e enxergar mudanças onde leituras convencionais po-
deriam ver apenas reproduções. Isso pode ser compreendido quando
os trabalhos enfatizam questões como as transformações vividas
pelo pesquisador a depender de suas associações com humanos e/
ou não humanos no decorrer de um trabalho de campo (TURETA;
ALCADIPANI, 2011); as diferentes formas de estabilização parcial
dos elementos que constituem uma escola de samba ao longo do per-
curso histórico analisado (TURETA; ARAÚJO, 2013); o entendimento
de que a conguração daquilo denominado por empreendedorismo
depende de uma incerta estabilização de objetos, num processo que
envolve diversas visões conitivas (TONELLI; ZAMBALDE, 2015);
a evidenciação de que um Centro de Serviços implantado constitui
mudança na organização estudada, porém, sob uma dinâmica de
controvérsias que à medida que vão se desenvolvendo tendem a
alterar o Centro implantado com maiores ou menores desvios em
relação ao que fora a mudança planejada (CERRETO; DOMENICO,
2016); e a conclusão de que a expansão de uma tecnologia social
no interior de uma unidade administrativa permite visualizar dife-
rentes tecnologias, a depender das diversas relações desencadeadas
pelos atores quando da sua implantação em distintas localidades
(VALADÃO; CORDEIRO NETO; ANDRADE, 2016).
Portanto, as considerações em tela explicitam motivos razoáveis
para que se creditem à TAR oportunidades desejáveis de inovação
nos estudos do campo de administração/organizações. Tais oportuni-
dades podem ser ressaltadas quando de um adequado atendimento
aos pressupostos de irredutibilidade e de simetria generalizada, ra-
zão pela qual espera-se que novos trabalhos venham a empreender
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José de Arimatéia Dias Valadão, José Raimundo Cordeiro Neto,
Jackeline Amantino de Andrade
o desao de tomá-los como orientação para a pesquisa em variadas
temáticas, de modo criativo e criterioso. Semelhantemente, trabalhos
de natureza teórica também podem proporcionar desdobramentos
relevantes para a compreensão e para a prática de pesquisadores
que utilizam ou desejem utilizar a TAR em seus estudos.
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Recebido em: 11-4-2017
Aprovado em: 30-08-2017
Avaliado pelo sistema double blind review.
Editor: Elmo Tambosi Filho
Disponível em hp://mjs.metodista.br/index.php/roc
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O presente ensaio teórico busca situar, no campo dos Estudos Organizacionais (EO), uma das abordagens de maior crescimento recente na literatura da área. Trata-se da Social Network Analysis (SNA), tomada, aqui, face ao desafio de considerar as relacionalidades nos EO, para além das questões de natureza estrutural no âmbito do debate estrutura agência. Nessa direção, esboça-se um panorama do percurso histórico de desenvolvimento dos EO. Em seguida, procura-se evidenciar o contexto de emergência da abordagem de redes, suas singularidades e limitações e o lugar nela ocupado pelos aspectos relacionais. Na continuidade, são indicadas algumas fragilidades da SNA em constituir uma abordagem relacional que supere os determinismos nos EO. Por essa razão, a teorização da Actor-Network Theory (ANT) é brevemente discutida e sugerida como recurso para a abordagem das relacionalidades no estudo das organizações, de modo a oportunizar possíveis combinações entre as perspectivas.
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This article is the result of empirical research on the Pedagogy of Alternation (PA). PA is a Social Technology (TS) well known in Brazil, which has helped to expand the field of education provision in regions far from major urban centers of the country. The main objective of this study was to analyze how the PA translate in Rondônia state is associated with the specific dynamics of involvement and participation of the various actors involved in these TS. Theoretical and methodologically adopted to Actor-Network Theory (ANT) and the concepts of Sociotechnical Adequacy (AST). He was accompanied, between the months of November 2012 to June 2013, the translate of PA between organizations and regions studied in the field, trying to identify the actors involved, their actions and how they have participated in the expansion of the PA. Interviews and participant observation were carried out. In the results, it was found that the State Government, actor it is proposed initially as the lead in the expansion and management of hearing loss, succeeds in defining the ways of this process, contributing, however, for redefinitions of actor’s networks involved and the new rearrangements occurred. Overall, the PA translate was a very specific process in the participating regions, contradicting government claims of standardization of TS. This configuration resulted from the socio-technical dynamics established between the actors involved, in which each sought to influence the definition of the PA’s goals, both in local terms as for the entire state.
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This article aims to introduce some epistemological origins and influences that shaped the Actor-Network Theory (ANT), in order to contribute to its informed insertion in the context of organizational analysis. After the initial presentation and a reflection on the origins of the ANT, the following themes are discussed: i) critique of the "social construction of reality;" ii) concept of "symmetry;" iii) concept of "translation;" and iv) expanded meaning of "actant." In the end, implications for organizational analysis are explored, which reinforce the importance of primary concepts for grasping the ANT, contributing to establish the use of its main categories in various scientific fields.
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Em uma ontologia de fluxo, a realidade é mudança, ao passo que as organizações formais são tentativas de organização desse fluxo, a partir do trabalho de estabilização de controvérsias sob a ótica da Actor-Network Theory (ANT). Considerando essa abordagem, na qual o social é um coletivo de humanos e não humanos em redes, este estudo visa a compreender como ocorre a agência de não humanos e humanos, bem como a agência de sua associação, em processos de mudança de foco não tecnológico. Para tanto, adotou-se o estudo de caso qualitativo longitudinal, conduzido de abril de 2011 a julho de 2012, na Empresa X, uma prestadora de serviços públicos do Estado de São Paulo, onde ocorria a implementação de um Centro de Serviços Compartilhados (CSC). Para a construção dos dados, empregaram-se observação participante, grupos de foco, entrevistas, documentos e audiovisuais, visando à multivocalidade. Mediante a cartografia de controvérsias, com o apoio de programas de redes dinâmicas, quadros e mapas mentais, descreve-se a implementação do CSC, em três escalas, de diferentes amplitudes, considerando-se dezessete anos da Empresa X. As controvérsias foram mapeadas segundo temas, argumentos, actantes e suas posições assumidas, sublinhando-se a agência de não humanos que atuaram na qualidade de mediadores. Das 40 controvérsias mais significativas, apenas 13 transformaram-se em caixas-pretas, levando o CSC a não ser pontualizado no fim da pesquisa. As principais contribuições do estudo dizem respeito à problematização do controle em processos de mudança, geralmente tomados pelas empresas como mudanças episódicas planejadas, bem como à metodologia para abordar a tentativa de organização do processo contínuo de mudança que constitui as organizações.
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A Teoria Ator-Rede (TAR) provoca os leitores a desenvolverem diferentes olhares, a partir da redefinição da noção de social, que retorna às suas raízes, possibilitando novamente o estabelecimento de conexões. Para Latour (2005), a sociedade, longe de ser o contexto no qual todas as coisas são enquadradas, é interpretada como um dos inúmeros elementos que se conectam e, assim, para Law (1992), é provável que a maior parte de nossas relações seja mediada pela materialidade. O que seria das organizações se não fosse a presença da materialidade? Dentre as várias noções e conceitos abordados pela TAR, optamos por debater a noção de agência dos atores (actantes), que busca a não dicotomização entre os elementos humanos e não humanos. Nosso propósito é identificar e discutir contribuições da TAR para os estudos organizacionais no que se refere à agência relacionada ao não humano, sem menosprezar o humano e com um olhar atento às relações. Assim, a forma que encontramos para “mostrar a agência dos não humanos” foi evidenciar (por meio das descrições e análises de pesquisa) suas relações com os humanos e o quanto essas relações constituem um ao outro, por meio de trechos de dois estudos desenvolvidos no campo da administração. A TAR ajuda, portanto, a atribuir as ações a um número maior de actantes. Discutir questões sobre agência está diretamente relacionado ao estabelecimento de conexões que a TAR preconiza. É nas conexões de elementos heterogêneos que a agência torna-se “capturável” ao pesquisador.
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Ancorado em um estilo de pensamento pós-moderno, este artigo fomenta uma discussão acerca dos processos de organizar (organizing), como uma abordagem que lança um novo olhar sobre as organizações e seus fenômenos, os quais passam a ser compreendidos como realizações, como resultados de processos heterogêneos contínuos e precários que, por estarem em constante produção, geram uma aparente estabilidade. Apresentamos a noção do organizar, suas origens, algumas perspectivas sobre o tema e quais seriam suas possíveis contribuições e implicações para o campo dos Estudos Organizacionais (EO), em termos de prática de pesquisa e ensino. Concluímos que a perspectiva do organizar pode contribuir para a desnaturalização da noção de organização enquanto estrutura rígida, homogênea e não problemática, alinhando-se também à discussão acerca da predominância das metanarrativas organizacionais. Assim, o organizar se apresenta como uma alternativa para o estudo das organizações e suas complexidades, gerando reflexões e esforços em termos de ensino e pesquisa.
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This paper outlines a new approach to the study of power, that of the sociology of translation. Starting from three principles, those of agnosticism, generalised symmetry and free association, the paper describes a scientigc and economic controversy about the causes for the decline in the population of scallops in St. Brieuc Bay and the attempts by three marine biologists to develop a conservation strategy for that population. Four "moments" of translation are discerned in the attempts by these researchers to impose themselves and their degnition of the situation on others: Z) problematization-the researchers sought to become indispensable to other actors in the drama by degning the nature and the problems of the latter and then suggesting that these would be resolved if the actors negotiated the "obligatory passage point" of the researchers' program of investigation; G) interessemen- A series of processes by which the researchers sought to lock the other actors into the roles that had been proposed for them in that program; 3) enrolment- A set of strategies in which the researchers sought to degne and interrelate the various roles they had allocated to others; 4) mobilization- A set of methods used by the researchers to ensure that supposed spokesmen for various relevant collectivities were properly able to represent those collectivities and not betrayed by the latter. In conclusion, it is noted that translation is a process, never a completed accomplishment, and it may (as in the empirical case considered) fail.